António M. Matos
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sar a andar de máscara, ou óculos escuros. Parecia que os seus pensamentos, os mais íntimos, lhe iam saindo pelas bochechas. Que o amor nunca é uma coisa rápida de acontecer, precisa de se entranhar, de amadurecer. Já a conhecia há pelo menos uma hora, quando finalmente chegara à conclusão que, após profundo estudo, se tinha enamorado da moça. Nas despedidas ela dera-lhe um beijo na bochecha. Ele ficara de lábios no ar, sem terem conseguido apontar a qualquer um dos possíveis objectivos. Dera-lhe o número do telefone mas não conseguira sacar o dela, tudo a correr mal. Em desespero de causa e já com ela a sair do carro, convidara-a para um jantar, quando ela quisesse… que não era pressa, podia ser dentro de … um dia ou dois. O resto da semana tinha sido um autêntico suplício, nada de telefonemas. Aprendera à sua custa uma das regras básicas da vida, números de telefone nunca se dão, trocam-se. Sempre gostara de analisar os factos que lhe iam acontecendo por uma vertente mais ou menos científica. Ali, dois casos se poderiam ter dado. Ou ela pura e simplesmente o tinha esquecido, ou o papel onde tinha escrito o número do telefone se tinha perdido. Casada e com uma filha, ainda havia uma terceira hipótese, também altamente provável, lembrara-se dele, fora à procura do papel e… atirara-o para o lixo, ou queimara-o, para o marido não o ver. Sabia onde ela morava, o prédio, não o andar, mas já passara aquela idade demasiadamente parva de andar a fazer esperas às casas das moças. Podia pedir informações ao tipo que organizara a festa, mas era dar o flanco… Com um nó no coração, ia desistir do amor da sua vida… Duas semanas depois, ALELUIA, ela ligara-lhe. Nessa noite e com uma proposta devidamente bem planeada de irem beber “um copo algures”, até nem precisara daquela esfarrapada desculpa da colecção de selos, das borboletas ou dos cromos das Raças Humanas. Devagar, devagarinho, tinha-a levado até ao seu apartamento de Campo de Ourique. 20
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