Do perfume dos cravos ao cheiro acre da pólvora

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Do perfume dos cravos ao cheiro acre da pólvora

O meu Verão de 75

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FICHA TÉCNICA

título: Do perfume dos cravos ao cheiro acre da pólvora

autor : António Martins Matos

edição: edições Ex-Libris ® (Chancela Sítio do Livro)

arranjo de capa: Ângela Espinha

paginação: Alda Teixeira

1.a Edição Lisboa, março 2025

isbn: 978-989-9198-20-3

depósito legal: 543459/25

© António Martins Matos

Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei.

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publicação e comercialização: www.sitiodolivro.pt publicar@sitiodolivro.pt (+351) 211 932 500

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Do perfume dos cravos ao cheiro acre da pólvora

O meu Verão de 75

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Ao meu neto, o “GON” !
Gonçalo Matos Rosberg

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A Fábula do burro e do tigre

O burro falou para o tigre: – “A relva é azul.”

O tigre replicou : – “Não, a relva é verde”.

A discussão fcou quente, os dois decidiram submeter o problema ao Rei da Selva, foram ter com o leão. Antes de chegar à parte alta da foresta, onde o leão tinha o seu trono, o burro começou a gritar :

– “Vossa Majestade! Não é verdade que a relva é azul?”

O leão disse: – “Sim, a relva é azul”.

O burro se animou e continuou: – “O tigre não concorda comigo e fca me contradizendo e isso me irrita! Por favor, dê uma punição nele!”

O rei então declarou: – “O tigre será punido com 5 anos de silêncio”.

O burro pulou de alegria e seguiu seu caminho contente, repetindo:

– “A relva é azul!”

O tigre aceitou a sua punição, mas perguntou ao leão:

– “Vossa Majestade, por que me puniu? Afnal de contas, a relva é verde.”

O leão replicou: – “De facto, a relva é verde.”

O tigre perguntou: – “Então por que me puniu?”

O leão respondeu: – “A questão não é sobre a relva ser verde ou azul, a penalidade é pelo facto de não ser aceitável um inteligente e corajoso animal como tu, perder tempo discutindo com um burro.”

A pior perda de tempo é argumentar com o tolo e fanático, que não liga para a realidade ou para a verdade, que apenas se importa na vitória das suas crenças e ilusões.

Nunca perca tempo com discussões que não fazem sentido.

Existem pessoas que por mais que se lhes mostrem as evidências, não terão a habilidade de entender. Outras, que estão cegas por seu ego, seu ódio e ressentimento, a única coisa que querem é estarem certas, mesmo quando não estão.

Quando a ignorância grita, a inteligência se cala.

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O Início

NaHistória de Portugal, para além dos seus inúmeros acontecimentos devidamente registados, ela está recheada de milhentas outras pequenas ocorrências, eventualmente inócuas e esquecidas, mas que foram bem importantes para quem as viveu. Nada a contestar, é mesmo assim, uma verdade de “Jacques de Chabannes”, Senhor de La Palice.

Nestas áreas de “assuntos esquecidos” o meu preferido é o Fernão de Magalhães, (1480-1521), em termos ofciais, “o navegador português que se notabilizou por ter liderado a primeira viagem de circum-navegação ao globo, de 1519 até 1522, ao serviço da Coroa de Castela”.

É curto. A sua contribuição para a História é bem maior que aquelas pequenas linhas. Nascido Nobre, várias expedições ao Oriente e a Marrocos, tendo fcado ferido nas batalhas de Diu (1508) e Azamor (1513).

Segundo Stefan Zweig,1 Fernão de Magalhães tem vários handicaps, a começar pela presença física, baixo e atarracado, de semblante sempre carregado, poucos sorrisos. Para além disso não é do tipo bajulador, já não aceita “fcar atrás daqueles rapazelhos quase imberbes, que seguram a cuspideira ou que abrem ao Rei a porta da carruagem”

Depois de Azamor, o seu regresso à Corte é um desastre. D. Manuel é um rei rico de dinheiro e pobre de cabeça, não percebe que tem ali, à sua frente, o navegador mais experiente do mundo, com quatro travessias do Cabo. O Rei não gosta dos modos de Maga-

1 Escritor austríaco (1881-1942). “Magalhães, o homem e o seu feito”, Assírio e Alvim ISBN 9789723712001 Preview

lhães, recusa-lhe todo e qualquer novo cargo, que se governe com a sua pequena pensão. Tempo de partida, para Sevilha, de seguida Valladolid e negociações com o Imperador Carlos V, de imediato a ser nomeado Grande Almirante e comandante de uma frota de cinco navios. A sua missão não é de circum-navegar o globo mas sim, navegando para Oeste, encontrar o caminho para as Ilhas Molucas, a repetição da missão que, alguns anos antes, Cristóvão Colombo falhara.

Quanto aos seus “feitos”, a teimosia na busca da passagem para o “outro oceano”, a descoberta da Patagónia e das Terras de Fogo, a divulgação da fé cristã, a missa na ilha de Limasawa e unifcação das Filipinas pela fé cristã, (ainda hoje um dos maiores países católicos do mundo), a confrmação das Molucas estarem, segundo o Tratado de Tordesilhas, do lado português, a armadilha que os capitães espanhóis lhe preparam na ilha de Mactan, a abandonarem o Almirante na praia…

É sina dos portugueses, sempre fomos intolerantes. Apesar dos muitos serviços que Fernão de Magalhães prestou à Coroa Portuguesa, e por causa daquele ferrete, o ter ido oferecer os seus serviços a Castela, sempre nos fomos esquecendo dele. Até há quem o tenha apontado como um traidor, esquecendo que o Rei D. Manuel o tinha afastado da Corte.

Aos olhos actuais, Magalhães seria apenas e só mais um “emigrante”, desiludido com os responsáveis do seu país, obrigado a partir, à procura de melhor vida.

Quatro séculos mais tarde e para homenagear a sua memória, em Lisboa, deliberação camarária de 25NOV1918, atribuição do seu nome a uma obscura rua no Bairro América, freguesia de São Vicente, uns míseros 150 metros de comprimento e tão estreita e soturna como a Passagem que o navegador havia descoberto. Na Lisboa actual, Agostinho Neto, Samora Machel ou Amílcar Cabral têm ruas bem mais “arejadas”.

Em resultado do completo desinteresse dos portugueses pelo navegador é o próprio Governo Chileno que, em 1950, nos vem ofePreview

recer uma réplica da estátua que existe em Punta Arenas, com um velado alerta, para ser colocada em Lisboa, na Praça do seu país, o Chile.

A importância de Fernão de Magalhães para o Mundo só acaba por ser reconhecida quando, em 4 de Maio de 1989, a NASA dá o nome de “Magalean” à sonda que envia para Vénus.2

São os pequenos pormenores que ajudam a construir a História.

Nos inícios do século XX, o meu avô, dono de uma mercearia em Lisboa, no n.º 79 da Rua da Lapa, bairro do mesmo nome, volta não volta tinha umas cenas de grande afição quando os polícias da Esquadra lá próxima lhe vinham confar o Estandarte da República. A ideia era ele tentar escondê-lo, algures, antes que os energúmenos dos Monárquicos, no meio de todos aqueles golpes revolucionários que, volta não volta iam desenvolvendo, resolvessem atacar a Esquadra e, ao encontrá-lo, logo o queimassem. Em completa afição, o meu avô corria a escondê-lo dentro de umas grandes caixas de madeira, do tipo gavetão, onde habitualmente mantinha o stock de arroz, grão ou feijão. Lá fcava o Estandarte Nacional, bem escondido, no fundo da caixa, até a situação serenar…

Os factos que fzeram o meu avô viver em sobressalto, tensão alta e suores frios, ao saber da história o meu pai deve ter sorrido. Mais tarde eu ri-me, o meu neto vai-me perguntar o que quero dizer com o termo “a caixa do arroz”… que ele sempre viu aquele produto no supermercado, quer seja agulha ou carolino, sempre em pacotes de celofane, bem acondicionados e alinhados, todos eles com um quilo de peso.

À semelhança do meu avô, também eu passei por algumas afições quando daquele “verão de 75”. Lá estava a história a repetir-se.

2 https://www.jpl.nasa.gov/missions/magellan Preview

Os meus flhos e o neto, a olharem-me, com aqueles sorrisos condescendentes. O avô conta cada história mais rebuscada… até parecem verdadeiras… São mesmo!

Quanto ao “bichinho” de escrever, de meter no papel as minhas memórias, chegou-me por acaso, quando em 2015 me saiu em sorte, fazer o “Livro de Curso” dos meus tempos da Academia Militar. Verdade seja que, sendo grande o trabalho, me deu um muito grande prazer. Depois disso tomei-lhe o gosto, avancei com as minhas histórias da Guerra Colonial. Desta vez resolvi escrever um “ensaio” sobre aquele conturbado verão de 1975, para que esses temas não se apaguem nas brumas do Tempo.

Quando um meu amigo me alertou para ver uma entrevista do saudoso jornalista Carlos Pinto Coelho ao Brigadeiro Pires Veloso, o Vice Rei do Norte, 3 já eu tinha em arquivo para cima de um milhar de situações passadas naquele verão de 1975, umas no computador, outras em flme, a maior parte em papel, algumas na memória.

Demasiadas anotações. Que naquela época os eventos iam acontecendo em catadupa, logo descritos com todos os pormenores nos jornais, alguns deles chegavam a fazer duas, às vezes três edições diárias, muito pouco na TV (bem controlada por alguém…)

Para além da memória e de variados livros sobre o tema, as minhas grandes fontes de pesquisa foram o “Centro de Documentação do 25Abril”, da Universidade de Coimbra, as actas do Conselho da Revolução e os jornais da altura, em especial os exemplares do Diário de Lisboa, documentos devidamente arquivados no site da “casacomum.org”.

Um outro ponto, para aquele leitor mais desconfado, a querer saber das minhas opções políticas. Faz muito bem em desconfar, o que há mais por aí são lobos disfarçados de cordeiros. Tenho que lhe dizer, sou completamente neutro, ou seja, não sou militante do A ou do B, nem do C ou D. Para registo futuro, nestes anos de Demo-

3 Conversa Maior, episódio 7, 10Agosto 2018, RTP Preview

cracia, já votei do PSD ao Bloco de Esquerda, conforme o que, na altura, achei melhor para o País. Até hoje nunca votei CDS nem PCP, como Partidos isolados, ainda que, mais de uma vez, tenha votado naquelas coligações para enganarem o pessoal, das Alianças às Geringonças. Acho que pertenço ao Partido mais importante do espectro político, os apartidários, mas não apolíticos, os que sempre pensam com a cabeça e não vão em modas ou manipulações, as visíveis, que as outras, só Deus sabe…

Ainda uma derradeira constatação. O que naquela altura me pareceram decisões Ad hoc, extemporâneas, em cima do joelho, sem nexo, passados todos estes anos e ao ler tudo o que ia ocorrendo, hoje todos aqueles acontecimentos parecem encaixar uns nos outros, segundo uma qualquer estratégia bem delineada e que ia sendo posta em prática por alguns especialistas destas coisas, uns sábios de Geopolítica e Geoestratégia. Na altura não estávamos minimamente preparados, foi-nos difícil perceber que o verdadeiro “Poder” não estava no cano das espingardas mas sim na força das palavras, leia-se na Comunicação Social. Esta ingenuidade levou-nos a termos de lidar diariamente com dezenas de “notícias”, da esquerda à direita, grande parte delas de natureza falsa ou adulterada. Já lá dizia Mark Twain:

“– Uma mentira pode dar a volta ao mundo no mesmo tempo que a verdade leva para calçar os seus sapatos”.

Passados todos estes anos é com um sorriso que nos apercebemos da maneira como íamos sendo manipulados. As “falsas verdades” que ouvíamos e a que íamos sendo sujeitos, o controlo dos Partidos, a lavagem ao cérebro feita pela TV, com muitos e variados flmes cubanos, alguns deles de qualidade bem duvidosa, tudo isso ia “esclarecendo” o ingénuo português. Quanto ao título, o meu lado romântico. Dei-lhe o subtítulo “O meu Verão de 75” por semelhança com aquele belo flme de Robert Mulligan, “Summer of 42”, com a Jennifer O`Neill e música

de Michel LeGrand.4 É um facto, nas nossas vidas há sempre um verão que, por mais que digamos o contrário, nos vai marcar para sempre.

No horizonte, cinco forças em confronto. Com a chegada do 25ABR74 a moda nos Partidos era serem todos de esquerda, nenhum se queria conotar com as Direitas, e até o CDS lá mordia os lábios quando dizia ser do Centro. Na verdade o espectro ia da Extrema Direita aos de Extrema Esquerda, os mais pequenos mas bem mais atrevidos e ruidosos.

A pensar naqueles leitores mais preguiçosos, que gostam de ir directamente aos “nós da questão”, resolvi avançar com uma apresentação cronológica, os meses e os dias em crescendo, sempre bem defnidos, os “factos” em detrimento das “opiniões”. O leitor mais apressado certamente que não irá saborear a lenta passagem do perfume dos cravos vermelhos até ao cheiro acre da pólvora, mas por outro lado, poderá, rapidamente, conseguir encontrar o “assunto” que mais lhe interessa.

As minhas desculpas por haver algumas páginas a transcreverem uns tantos Decretos-Leis, discursos e/ou variadas entrevistas. Sendo elas (as páginas e os textos) um tanto ou quanto maçudos, pode passar à frente, avançar na trama, eventualmente voltar a elas numa outra ocasião. Que aquelas Leis também foram feitas à posteriori, apenas e só, para tentarem legalizar situações confusas e já passadas, tais como promoções, nomeações e saneamentos.

Os intervenientes do meu livro, devidamente registados no Índice Remissivo, foram cerca de 400, alguns apenas uma vez, outros, uns verdadeiros actores desta história, Spínola, Otelo, Mário Soares e Álvaro Cunhal, os Vascos, Lourenço e Gonçalves, Rosa Coutinho, a estrela principal Costa Gomes!

Heróis e cobardes, arrivistas e oportunistas, moderados e extremistas, há de tudo neste livro. Alguns deles ainda andam por aí,

4 www.youtube.com/watch?v=K6NJSbIeTeU&ab_channel=TheArts %26ArtistChannel

outros já morreram, que descansem em paz. Num e noutro caso, e apesar de uma oportuna amnistia ter passado uma grande esponja a todos os acontecimentos daquele verão quente, não os esqueço e nunca os vou ilibar do que aconteceu. Alguém que me responda, com que cara vou cumprimentar um meu antigo “amigo” que, nesses tempos de confusão, me apontou o cano de uma arma?

Ao fazer a revisão do texto verifquei que a palavra que mais escrevi foi “revolucionário”, 169 vezes. Também tentei descortinar onde e quando o Golpe de Estado do 25-Abril se transformou em Revolução, onde e como apareceram as primeiras investidas revolucionárias.

Dizia o Programa do MFA que, “logo que sejam eleitos pela Nação a Assembleia Nacional Constituinte e o Presidente da República, será dissolvida a Junta de Salvação Nacional (JSN), e a acção das Forças Armadas será restringida à sua missão específca de defesa externa da soberania nacional”.

A partir de 28SET74 o COPCON vai ultrapassar a JSN, surgindo com “poderes ilimitados sobre a segurança e a liberdade das pessoas”. 5

Mais tarde e apesar do Presidente da República e da Assembleia Nacional terem sido devidamente eleitos, o Conselho da Revolução (CR), sucedâneo da JSN, não só se vai manter em funções, como consegue introduzir no texto da Constituição da República Portuguesa de 1976, uma série de artigos de carácter eminentemente “revolucionário”. Só em 1982 e por via da primeira Revisão Constitucional, o Conselho da Revolução vai ser extinto.

Foi através do COPCON e do CR, das grandes linhas do seu Directório (Costa Gomes, Vasco Gonçalves e Otelo Saraiva de Carvalho) que, durante aquele verão quente, foi activado e desenvolvido o que veio a fcar conhecido como PREC (Processo Revolucionário em Curso).

5 Relatório da Comissão de Averiguação de Violências sobre presos sujeitos às Autoridades Militares, Capítulo III, Paragrafo 1. Preview

No fnal desta escrita senti-me envergonhado. Apesar de ter deixado de lado a Descolonização, (assunto demasiadamente trágico e a merecer uns tantos livros), apesar de ter tentado esquecer todas as atrocidades cometidas por uns ou por outros, alguns a acreditarem que estavam a salvar a Pátria, outros numa perfeita manipulação ideológica, outros ainda para tentarem ganhar algo, apesar de ter mal digerido algumas amnistias, apesar de tudo isso, senti-me envergonhado por ter descoberto que o “Relatório da Comissão de Averiguação de Violências sobre Presos sujeitos às Autoridades Militares”, que, de uma maneira isenta, identifcou todos os desvios e atropelos à construção de um Portugal livre e democrático, foi investigado por uma Comissão de militares e civis, fnalizado e apresentado ao Conselho da Revolução em JUL76.

Inexplicavelmente, este Relatório foi de imediato guardado dos olhares dos portugueses, e durante quarenta e cinco anos, devidamente protegido com o carimbo de “Secreto”. Porquê?

Só graças à curiosidade do nosso Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, ao querer saber de uns rumores que pairavam sobre um tal Marcelino da Mata, falecido em 2021, o militar mais condecorado do Exército Português, se o homem tinha sido um herói ou um vilão, fnalmente o referido Relatório conseguiu vir à luz do dia.

Quarenta e cinco anos para sabermos as atrocidades que alguns mentecaptos fzeram a muitos Portugueses… Vergonha!

Planear um Golpe

Nodia 25 de Março de 1973 e nos céus da Guiné, um avião de combate Fiat G-91 é abatido por uma arma do tipo foguete, desconhecida das nossas Forças Armadas. O piloto salta em paraquedas, sendo mais tarde recolhido pela nossa tropa.

Três dias depois é abatido um segundo Fiat G-91, a mesma arma, morre o piloto, Tenente-Coronel Fernando Almeida Brito.

Em 6 de Abril, nove dias depois e durante a manhã, são abatidos mais três aviões, um T-6 e dois DO-27. Morrem os pilotos, Major Mantovani Filipe e Furriéis João Baltazar e Fernando Ferreira, bem como os passageiros que os DO-27 transportavam. Alguns dias depois e pela informação conseguida através da PIDE/DGS, fcamos a saber que a arma com que nos atacam é um míssil de fabrico soviético de última geração, recentemente introduzido na guerra do Vietnam, de nome SA-7 GRAIL, designado com o código NATO de “STRELA”.

Passada a surpresa inicial e depois de se terem estudado as características daquele míssil, a Força Aérea reformula os procedimentos de voo para os seus aviões, de modo a tentar minimizar os riscos daquela arma. No apoio dado ao Exército, as pistas de alguns aquartelamentos junto à fronteira passam a ser interditadas ao avião DO-27, o que vai trazer um compreensível descontentamento entre os militares dessas guarnições.

Em 15 de Maio de 1973 e em Bissau, dá-se uma reunião dos Comandos Militares, a fm de se estudarem medidas para fazer frente a esta nova ameaça. A Força Aérea, através do Comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (ZACVG), Coronel Gualdino Moura Pinto, apresenta uma série de requisitos que considera essenciais para poder continuar a desempenhar as suas múltiplas missões, Preview

quer de combate, quer de apoio ao Exército e à Armada. Essa lista de material necessário e urgente fca registada no Anexo D da Acta da Reunião de Comandos”.

O pedido feito pela Força Aérea naquele “Anexo” era vital, não só para que pudesse continuar a dar um apoio efciente aos inúmeros aquartelamentos do Exército, mas também para a defesa de Bissau e outros pontos importantes, cada vez mais expostos a um eventual ataque por um qualquer tipo de meio aéreo, dos eventuais MIGs a umas simples avionetas (carregadas de granadas incendiárias ou

meros tijolos). Em abono da verdade e ressalvando a compra de aviões Mirage, há muito que todo aquele equipamento estava pedido e já devia ter sido adquirido, o radar, o avião ligeiro de transporte, os novos helicópteros. Um novo “delay”, íamos ter de esperar mais algum tempo até o problema ser solucionado.

Pedido feito para Lisboa, um mês depois a resposta tinha chegado, ao vivo, numa nova reunião de Comandos em Bissau a 08JUN73, presidida pelo Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, General Costa Gomes:

– “Não é possível, por absoluta falta de meios, reforçar o Teatro de Operações. Devem executar uma acção retardadora, ordenada para ganhar tempo e consolidar um reduto fnal que “in extremis”, ainda possa permitir uma solução política do confito” .

Em 31JAN74 é abatido um terceiro avião Fiat G-91, o piloto consegue saltar em paraquedas, sendo posteriormente recolhido pela Preview

Várias incongruências a aparecerem. Por um lado o Governo dizia que nunca iria abandonar as Colónias. Por outro lado não dava aos militares os equipamentos necessários para a sua defesa.

Então? Em que fcávamos?

Costa Gomes era o militar que tinha a obrigação de manter informado o Governo. Este, já tinha gastado uns cobres a substituir a espingarda Mauser pela G-3, as viaturas GMC pelas BERLIET e o capacete de ferro pelo chapéu em “bico de pato”. Quanto às grandes peças e obuses de artilharia da 2.ª Guerra, mais as poucas munições ainda em stock, já tudo tinha ido para África. Os militares precisavam de mais? Os da India não tinham sido tão exigentes! Francamente!!!

Uma muito azeda troca de mensagens entre o Coronel Moura Pinto e o Estado Maior da Força Aérea vai precipitar a sua saída. O novo Comandante da ZACVG, Coronel Lemos Ferreira, ainda é mais assertivo que o anterior, ao afrmar que, “as forças terrestres têm uma reduzida motivação, a sobrevivência militar desta Província depende quase exclusivamente do pessoal e dos meios da Força Aérea”.

nossa tropa. Os pilotos endurecem as suas críticas. Há já um ano que aquele míssil existe e, até ao momento, nada foi feito para solucionar o problema.

Em Lisboa já não sabem o que fazer, alguém terá dado um palpite:

– “Uma maneira de tentar calar aqueles incómodos aviadores, talvez seja promover a Brigadeiro o Coronel Comandante da Zona Aérea, a ver se os tipos se calam …6

Ao contrário de muitas e variadas teorias, para mim, aqueles pedidos da Força Aérea, escritos numa página A-4 e a afrmação em 8JUN73 do General Costa Gomes de que não havia mais apoio, foi o verdadeiro detonador do 25Abril.

Sem qualquer melhoria de equipamentos, que pudesse contrabalançar o renovado armamento do inimigo, o que estavam lá a fazer aqueles capitães? A história da Índia não se podia repetir.

A solução estava à vista… Era tempo de os capitães, os que andavam lá pelos “buracos” de África, começarem a pensar num qualquer Golpe Militar.

6 Portaria 956/73 de 31Dezembro

Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Secretário de Estado da Aeronáutica, que se observe o seguinte:

1.º O comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné é um ofcial do quadro de pilotos aviadores com o posto de brigadeiro.

2.º Enquanto não for organizado o Comando da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné com quadro de pessoal próprio, o comandante daquela Zona utilizará para o desempenho deste cargo a Base Aérea n.º 12, cujo comando exercerá em acumulação com o primeiro, pelo que se dispensará, entretanto, o preenchimento do lugar de coronel piloto aviador constante do mapa I anexo à Portaria 21259, de 1 de Maio de 1965.

Secretaria de Estado da Aeronáutica, 31 de Dezembro de 1973. – O Secretário de Estado da Aeronáutica, Mário Tello Polleri

A Chegada

16FEV74 – O Boeing da Força Aérea traz-me da Guiné, de volta a casa. A minha Comissão de Serviço estava terminada. Tinham sido vinte e um meses por aquelas terras africanas, vermelhas, cheias de mosquitos, calor e metralha.

Chegada a Lisboa já de noite, uma sensação de alívio ao sobrevoar o Cristo Rei e a Ponte Salazar, a missão tinha sido difícil, mas concluída com êxito.

Vinha cansado, mais na cabeça que no físico. Tinha razões para isso. Naquele intervalo de tempo tinha executado demasiadas missões operacionais, a maior parte delas em combate. Tinha ido inúmeras vezes em missões de bombardeamento para além das nossas fronteiras, devidamente alvejado por antiaéreas variadas e mísseis, nunca me tinham acertado. Naquela Comissão de Serviço tinham morrido alguns dos meus amigos, demasiados, uns em ocasionais acidentes, outros em combate.

Tinha aprendido algo em termos de política. Aquela “máxima” que nos diziam na Metrópole, a Guiné ser uma das muitas Províncias do Portugal, uno e indivisível, nada disso tinha qualquer coerência. Estávamos por lá apenas e só como um povo colonizador, ainda que mal o soubéssemos fazer. Para além da Casa Gouveia e um ou outro “iluminado colono”, pouco de lá íamos extraindo. E, verdade, verdadinha, o progresso da Guiné apenas se tinha verifcado a partir do início da guerra colonial.

A razão pela qual tinha continuado? Sentir a necessidade de tentar proteger aqueles milhares de militares portugueses que lá iam estando espalhados pelo território.

Naquele início de 74 e contabilizando apenas o pessoal da Metrópole em Comissão de serviço no Ultramar, as Forças Armadas

Portuguesas tinham cerca de 30.000 militares na Guiné, 40.000 em Angola e outros 30.000 em Moçambique. Cem mil homens que, a cada dois anos, tinham de substituir.

Aquela guerra arrastava-se e, sem solução à vista, ia-nos desgastando. No Ultramar, a Força Aérea tinha três Esquadras de aviões Fiat G-91, uma na Guiné e duas em Moçambique, todas elas com a dotação de pilotos em mínimos, cada uma apenas com seis. A cada dois anos, a FAP precisava substituir aqueles dezoito aviadores. Não os tinha.

No Exército faltavam Capitães que pudessem comandar Companhias. Tinha sido constituído um Quadro Especial de Ofciais (QEO), onde, no fnal das suas Comissões normais, alguns Alferes tinham sido convidados a regressarem ao Ultramar, devidamente promovidos a Capitães Milicianos. Não era o sufciente.

Em desespero, o Governo tinha publicado o Decreto-Lei 353/73, logo retocado pelo 409/73, que permitia a passagem desses militares do QEO aos Quadros Permanentes das Armas de Infantaria, Artilharia e Cavalaria, mediante a frequência de um pequeno curso na Academia Militar. Uma qualquer “sabatina” de alguns meses substituía os três anos que os do Quadro Permanente tinham aturado.

Estes dois Decretos tinham sido o detonador para a explosão de descontentamento no seio das Forças Armadas, leia-se entre os Ofciais do Quadro, Capitães e Subalternos a serem ultrapassados na sua Antiguidade por uns tantos milicianos caídos do céu.

Em Bissau tinha assistido a uma ou outra reunião de companheiros de armas, bem informados. Todos eram contra a nova legislação. Para além disso, diziam eles que a guerra tinha de acabar. Alguns outros, poucos, talvez mais politizados, pretendiam ir mais longe, deitar abaixo o Governo…

A chegada ao Terminal do Figo Maduro aconteceu já noite cerrada, ainda assim e para além dos familiares, alguns amigos a receberem-me. Um deles, estava nomeado para a sua primeira Comissão para África, vinha tentar saber informações. Não lhe tinha dado grandes novidades, não ia assustar o jovem, mais do que já estava.

Ao invés, foi ele que me deu uma novidade: – “… estás em número oito para voltar!”.

Que diabo! Com aquele prognóstico tão negro, só me conseguiria manter na Metrópole por pouco mais de um ano. Por onde andavam os outros pilotos da FAP?

Assunto meio sigiloso, no fnal lá me explicaram:

– “os pilotos que desempenham funções de instrutores de voo só podem ser nomeados para o Ultramar ao fm de quatro anos a dar instrução”.

– “Compreendido! Quero ser instrutor, JÁ!”.

22FEV74 – Durante os últimos cinco anos, o General António de Spínola tinha sido o Governador e Comandante Chefe da Província da Guiné. Já tinha lido e relido todos os compêndios que explicavam a evolução das guerras de guerrilha. Quando em MAR73 o PAIGC passou a utilizar mísseis terra-ar de última geração, Spínola tinha apresentado ao Governo duas soluções, um reforço de meios, ou a entrega do território a um futuro exército da Guiné. O Batalhão dos Comandos Africanos, tropa operacional e bem disciplinada, até poderia ser esse embrião.

Essa proposta até talvez fosse a solução mais acertada, há muito que toda a África já se tinha tornado independente. Já só faltavam a Rodésia e as colónias portuguesas.

– “Não senhor, que continuasse…”

Sem o apoio pedido, de imediato tinha-se demitido, batendo com a porta. Algum outro, mais capaz, que fosse encerrar o assunto.

Já na Metrópole e à falta de munições reais, resolveu atacar o Governo com palavras, publicando o seu livro “Portugal e o Futuro”. Nele preconizava uma hipótese de restruturação política da Nação, uma “descentralização de poderes em clima de crescente regionalização de estruturas político-administrativas dos nossos Estados africanos, num quadro de raiz federativa”, tudo isso em completa discordância com o que ia sendo defendido por Marcelo Caetano.

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