Revista Lampião - Nº 2

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revista

LAMPIÃO

A Destruição Criativa da Tv Cultura por Rafael Barizan

Divulgação / www.cmais.com.br

A

Será que a Cultura ainda é uma TV diferente?

Tv Cultura registra, em seus últimos anos de existência, um lento e contínuo processo de decadência. Não falamos da pouca audiência que apresenta, mas sim da perda de qualidade de seu quadro editorial. A situação se deve ao modelo adotado pela emissora paulista para atender aos interesses políticos de uma sucessão de governos neoliberais. Seu processo de reestruturação foi conduzido de forma impensada. Cortaram-se custos, porém não se atentou ao déficit de profissionais qualificados que se criou na emissora com a demissão de mais de quinhentos de seus funcionários. Programas de qualidade ímpar como o Entrelinhas – do qual eu pessoalmente era um fã – e o Vitrine foram extintos e suas pautas incorporadas ao Metrópolis, não sem perda substancial para o telespectador atento. O Jornal da Cultura há muito deixou de ser uma referência. Antes caracterizado pela análise ponderada dos fatos e a apresentação

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de notícias efetivamente relevantes, cedeu às matérias de maior apelo comercial. Adotou, tentando manter sua qualidade, um modelo de debate. Dois convidados, geralmente professores, jornalistas ou economistas de renome debatem as notícias. Contudo, isso não é o suficiente. Por mais qualificado que sejam os convidados não se pode extrair opiniões do vazio. Além disso, sua âncora em nada contribui para o debate. Em geral, coloca opiniões derivadas do mais raso senso comum e envergonha seus convidados. Suas interrupções são constates e causam irritação ao telespectador, que ao ver um bruxulear de inteligência o tem destruído. O Roda Viva, antes uma intrigante plataforma para o debate de ideias, hoje mais parece um recorte das velhas ideias mastigadas a exaustão pelos jornais e revistas tradicionais que tanto agradam as classes dominantes. Não há ao menos o esforço de esconder o pastiche, visto que os convidados repetem-se: editor X de Veja, colunista Y da Folha de São Paulo, jornalista W do Estadão,

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intelectual Z caricatamente de direita. Nem ao menos quando, tenta-se transformar a farsa em comédia, o resultado é satisfatório. Basta ver o resultado do Roda Viva com Slavoj Zizek, no qual o programa tentou aproveitar a passagem do filósofo pelo Brasil para o entrevistar pela segunda vez. Em comparação a sua primeira participação, temos um declínio vertiginoso de qualidade, não de Zizek, obviamente, mas da capacidade de extrair o melhor de seu pensamento. Basta analisar os convidados que o entrevistaram. Em 2009, tínhamos um time de entrevistadores de excelente qualidade, representando o que há de melhor no pensamento brasileiro. Já em 2013, fez-se uma reunião apressada de nomes, a maioria mais preocupada em propagandear seu anti-esquerdismo do que em efetivamente elaborar perguntas ou refletir para não confundir conceitos básicos da teoria hegeliana. Há ainda excertos de bom jornalismo e qualidade em sua programação. Pode-se assistir sempre a bons filmes tanto nacionais quanto estrangeiros, em especial o cinema francês (um alívio ao frenesi hollywoodiano que infesta a grade das demais emissoras). Contudo, a exceção não faz a regra. Soma-se a perda de qualidade da programação à redução da abrangência de sua cobertura. Antes se estendendo por quase todo o território nacional por meio de alianças regionais, hoje se restringe ao Estado de São Paulo e algumas poucas cidades de Minas Gerais e Paraná. Uma perda irreparável para os que antes tinham na TV Cultura uma alternativa à programação repetitiva e, por muitas vezes, nociva das demais redes.


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