Revista Lampião - Nº 5

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índice

Clique no título para ler a matéria

COMIDA NÃO É SÓ COMIDA (p. 10) por

Mariana Amud Fernandes

Ao longo dos anos, a alimentação deixou de ser uma necessidade biológica e se tornou elemento cultural

UMA SEMANA DE VEGANISMO (p. 14) por

Monique Nascimento

Já pensou como seria viver uma semana como vegano? holofote

OTÁVIO ALBUQUERQUE (p. 4) Entrevista com Otávio Albuquerque, o Tavião do “Rolê Gourmet”

opinião

ALIMENTOS NÃO TÃO VEGETARIANOS ASSIM (p. 8) por

UMA RELAÇÃO DE EX COM O VEGETARIANISMO (p. 17) por

Carolina Rodrigues

Se muita gente tem se tornado vegetariana ultimamente, há também aqueles que desistem desse hábito

O MELHOR PARA PODER CRESCER (p. 20) por

Julia Germano Travieso

Reportagem fotográfica com as crianças do projeto Formiguinha

Vanessa Souza

GOURMET... É DE COMER? (p. 37) cultura

RESENHA: ESTÔMAGO (p. 43) por

Vanessa Souza

PLAYLIST: HÁBITOS ALIMENTARES (p. 44) por

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Vanessa Souza

por

Estevão Rinaldi

Sofisticação ou “pague três e leve um”? A onda de restaurantes gourmet certamente divide opiniões

DIETA DE MONSTRO(p. 41) por

Gabriel

de

Castro

A estrutura física moldou um novo mercado de hábitos alimentares, voltado tanto à hipertrofia quanto a rotinas saudáveis revistalampiao.com

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editorial

HÁBITOS ALIMENTARES

C

omer deixou de ser um ato de pura sobrevivência há

muito tempo. À medida que transformamos a alimentação em mais do que a necessidade biológica de ingerir nutrientes para sobrevivermos, passamos a inseri-la em nosso conjunto cultural. Por conta disso, tendemos a nos aproximar de nossos semelhantes, ou seja, daqueles inseridos em nichos culturais similares aos nossos. Produzimos, em meio a essa realidade, nosso próprio paladar, nossos gostos e nossos hábitos e costumes. Tudo o que comemos se insere no conjunto de alimentos que preferimos e forma nossa identidade, desde o hambúrguer na lanchonete mais próxima, até o refinado prato de comida italiana. É nesse contexto que novos hábitos surgem. O termo vegetarianismo, por exemplo, foi usado pela primeira vez em 1839 para representar aqueles que não incluem carne em seu regime alimentar. É um estilo de vida que ganha – e também perde – adeptos a cada dia. Já o veganismo, mais abrangente que o vegetarianismo, teve seu termo utilizado pela primeira vez em 1944 e se classifica como filosofia de vida com base na defesa dos direitos dos animais, que procura evitar exploração ou abuso dos mesmos. A dificuldade em se compreender o surgimento dos novos hábitos alimentares cria uma resistência por parte da sociedade. Não conseguimos entender, muitas vezes, a complexidade ao se optar por viver segundo determinada prática. Passar uma semana como vegano, por exemplo, é impensável para alguns, enquanto comer um bife é ir contra os princípios para outros. Vegetarianismo e veganismo são exemplos mais claros pela diferença latente com os hábitos considerados “normais”. No entanto, o hábito alimentar é algo tão pessoal que criamos pequenas diferenças sem mesmo perceber. Algumas das práticas alimentares mais recentes envolvem as comidas gourmet e os suplementos alimentares. A refinação na culinária, somada a altos preços, ainda divide muitas opiniões. A vida de quem é frequentador assíduo das academias e opta por uma dieta baseada em bastante proteína, também. Com novos ritmos de vida, novos hábitos alimentares aparecem na sociedade. A descoberta, pela refinação da culinária, de novos sabores também aguça nosso paladar. As tradições dão espaço a novas experiências, culminando em uma maior diversidade cultural de nossa cozinha.

Diretor Executivo Gabriel de Castro Diretor de Conteúdo Rafael Barizan Conselho Editorial Carolina Rodrigues, Estevão Rinaldi,

Gabriel de Castro, Maria Eduarda Amorim, Rafael Barizan, Thafarel Pitton e Vanessa Souza Editoras Maria Eduarda Amorim e Vanessa Souza Diagramador Gabriel de Castro Ilustração de capa Carolina Ito Repórteres/Colaboradores Carolina Rodrigues, Estevão Rinaldi, Felipe Altarugio, Julia Germano Travieso, Mariana Amud Fernandes, Mayara Abreu Mendes e Monique Nascimento Parceiros “Salsicha em conserva” Contato revistalampiao@gmail.com

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Edição nº 5 Hábitos Alimentares

Todos os artigos assinados são de responsabilidade de seus autores e não refletem necessariamente a opinião da revista. É proibida a reprodução de textos ou imagens sem a prévia autorização dos editores.

Capa da Edição nº 5 “Hábitos Alimentares” Ilustração: Carolina Ito

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holofote

OTÁVIO ALBUQUERQUE O

entrevistado da 5ª edição da Revista Lampião é Otávio Albuquerque, o Tavião do “Rolê

Gourmet”. Antes de começar o vlog com seu amigo PC Siqueira – conhecido inicialmente por seu canal “Mas Poxa Vida” –, Otávio era tradutor literário. Desde 2012, porém, os dois montaram um canal de culinária. A descrição do canal no Youtube já anuncia: “se vai dar certo, ou errado, tanto faz! O que importa é cozinhar com fome, com um amigo e, se der, com uns bons drinques pra acompanhar”. A ideia de unir o “rolê” com o “gourmet” é o que mais impressiona no canal. Não importa só a receita, seja de salgados, doces ou drinques. O que mais chama a atenção nos vídeos é a loucura ao longos dos cerca de dez minutos que PC e Tavião conversam, bebem e falam doideiras. “A diferença é que, no Rolê, o principal está no processo e não na receita final em si”, ele conta. Confira na Edição nº 5 da Revista Lampião a entrevista completa com Otávio Albuquerque.

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Revista Lampião: Primeiramente, o que você fazia antes de

ser conhecido pelo Rolê Gourmet? Otávio Albuquerque: Quando criamos o Rolê, eu trabalhava com tradução literária. Trabalhei sete anos com isso, traduzindo livros, quadrinhos e legendas para filmes e programas de TV. Lampião:

De onde surgiu a ideia de fazer um canal de

culinária? Otávio: A ideia foi só gravar uma coisa que já fazíamos – nos reunir na casa do PC para cozinhar, beber e falar merda. Lampião: Você acha que a presença do PC ajudou o canal a

ficar mais conhecido? Otávio: Bastante. Ajudou e ainda ajuda. Mas ficou claro logo no começo que só isso também não resolveria. Penamos um bocado até conseguir uma audiência sólida porque o nicho de culinária em si ainda não estava muito bem desenvolvido no YouTube brasileiro. Acho que tivemos um papel bem interessante para ajudar a moldar esse nicho, que hoje é muito amplo e diversificado. Lampião: Qual o diferencial do Rolê Gourmet em relação a

outros canais? Você acha que as pessoas assistem mais pelo rolê ou pelo gourmet? Otávio: A diferença é que, no Rolê, o principal está no processo e não na receita final em si. Acho que as pessoas aprendem coisas muito legais para fazer em casa com o Rolê, mas mesmo que você não queira cozinhar, pode ver o programa numa boa e se divertir. Além do canal, você é diretor da Tastemade no Brasil, certo? Qual a importância de uma rede que incentiva outros canais de culinária? Otávio: Não sou mais, hoje trabalho no Google, com o time de YouTube. A Tastemade foi muito importante justamente Lampião:

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nesse processo de agregar os criadores de culinária, que antes eram poucos e dispersos, e consolidar uma cena forte e coesa, ajudando os criadores a otimizarem conteúdo, realizarem colaborações e se prepararem melhor para a plataforma e para o mercado. Lampião: Como é viver do Youtube? Otávio: Não vivo de YouTube, no sentido do meu canal ser

minha principal fonte de renda.

Lampião: Mais especificamente sobre as comidas, qual o cri-

tério para saber qual a receita vocês vão gravar? Otávio: Sempre tento pensar em receitas divertidas e fáceis, já que a ideia é que as pessoas façam em casa. Então o critério é mais algo que fique interessante e que qualquer um possa fazer. Receitas mais complexas às vezes são mais bacanas de mostrar, mas nem sempre as pessoas fazem -- e sempre tento dar preferência para algo que as pessoas de fato queiram e consigam fazer. Lampião: Quem assiste percebe que você fica muito feliz com

a presença de convidados. A galera se mostra disposta a ir? Alguém já negou? O pessoal entra em contato para ir? Otávio: Muito! É muito legal perceber que pessoas de quem sou grande fã se interessam e se empolgam em ir no programa. Sempre foi muito fácil conseguir os convidados – em geral, eu só lanço a ideia no Twitter e as pessoas aceitam. Lampião: Para fechar, como você acha que as pessoas enxer-

gam a alimentação hoje? Você acha que os pratos estão mais regrados, tirando um pouco do prazer da degustação? Otávio: Não tenho nenhuma opinião real sobre isso – alimentação hoje tem pra todos os gostos, independentemente de qual for. Acho que as pessoas reclamam muito das “modinhas”. Mas é maneiro isso. Hoje é possível seguir a modinha que você quiser, como quiser. revistalampiao.com

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veja mais

Rolê Gourmet – Piloto: Asinhas de cocatriz apimentadas + molho de gorgonzola (http://goo.gl/m95RLi) | 09/06/2012

Rolê Gourmet – Arancini MasterChef feat. Martin (http://goo.gl/ rQsGei) | 21/10/2014

Rolê Gourmet – Brownie Pac-Man feat. Clarice Falcão (http:// Rolê Gourmet – X-Burguer Bacon Onion Rings feat. Ronald goo.gl/gixsFY) | 08/10/2012 Rios (http://goo.gl/6MK6VA) | 29/10/2014

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opinião

ALIMENTOS NÃO TÃO VEGETARIANOS ASSIM texto de

Vanessa Souza

O

que leva uma pessoa a se tornar vegetariana? Além da possibilidade de buscar uma alimentação mais ba-

lanceada e saudável, outros argumentos são frequentemente apresentados, como a empatia pela vida dos animais e a má impressão causada por saber que o bife que está no seu prato já foi um ser vivo muito parecido com você – feito de carne, pele e osso. Foi a partir dessa reflexão quase involuntária (devo assumir, no entanto, que o contato com alguns relatos e informações acerca do assunto na época podem ter condicionado o meu pensamento) que decidi parar de comer carne tão rapidamente quanto eu pudesse me adaptar a uma dieta vegetariana. Mas, por incrível que pareça, deixar de comer carne e virar vegetariana não são sinônimos perfeitos. Ao me propor a não mais depender do abate de animais para me nutrir, meus hábitos alimentares devem ser repensados nos mínimos detalhes, indo além de só cortar a carne do cardápio. Alguns alimentos dos quais raramente se suspeita de que haja envolvimento com a morte de um animal podem ter sua fabricação dependente do abate. O queijo de massa dura é um exemplo. Para que seja produzido, ele precisa passar por um processo de coagulação, o que é possível por meio de uma enzima chamada renina. Essa enzima, também conhe-

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cida por quimosina, é encontrada no estômago de bezerros. Sua função real no corpo do filhote é ajudar a manter o leite por mais tempo no organismo do lactente. Ao crescer, o estômago do animal deixa de produzir essa enzima e passa a ter outra substância chamada pepsina, permitindo que o filhote pare de mamar. O modo tradicional de se coagular o leite para que ele vire queijo é usando a renina e mandando a carne do bezerro para a produção de vitela. Aqui no Brasil, no entanto, é inviável economicamente abater tantos filhotes, sendo mais rentável deixá-los crescer e encaminhá-los para abate só depois. Assim, a maior parte da produção de queijos do país usa as enzimas do estômago de bovinos ou suínos adultos, o que também necessita da morte do animal. Já existem meios de produzir a maioria dos queijos de massa dura com coagulantes de outras origens, normalmente provindos de fungos ou bactérias, mas são poucas as marcas que os utilizam e nem sempre é possível encontrar essa informação nos rótulos dos produtos com clareza, já que essas enzimas não são um ingrediente e sim uma parte do processo de fabricação. Os queijos de massa mole (como requeijão, cottage, cream cheese, etc), no entanto, não precisam desses coagulantes para serem feitos.

Não é só o queijo que guarda uma surpresa em sua fabricação: produtos como cerveja, gelatina e vários alimentos que contêm corante vermelho também podem depender de componentes animais. A gelatina, por exemplo, é feita a partir de tendões, cartilagens e ossos de bovinos e suínos, o que mina o consumo por vegetarianos até mesmo de outros doces e alimentos que a levam em sua composição. Algumas marcas de cerveja usam uma substância chamada ictiocola, encontrada na bexiga natatória de peixes, para a dar textura à bebida, enquanto o corante da cor vermelha cochonilha é produzido a partir da laceração da fêmea de uma espécie de besouros. A decisão de se tornar vegetariano normalmente vem junto da consciência daquilo que se ingere, mas, infelizmente, nem sempre é assim tão fácil de conhecer seu alimento – principalmente quando a ingestão de carne e derivados de animais é um hábito tão enraizado na nossa sociedade. No fim das contas, não dá para escapar: para saber de que é feito o que você ingere, o jeito é virar um leitor compulsivo de rótulos ou se dispor a passar algum tempo ligando e enviando e-mails para o SAC das empresas a fim de descobrir como os produtos são feitos. Ou, quem sabe, começar uma hortinha no quintal de casa.

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reportagem

COMIDA NÃO É SÓ COMIDA:

UMA CULTURA QUE ATRAVESSA FRONTEIRAS, QUE ESTABELECE SOCIEDADES, QUE FORMA INDIVÍDUOS E MOVIMENTA MERCADOS MUNDIAIS

texto de

Mariana Amud

* Mariana Amud é estudante de Jornalismo da Unesp Bauru, tem fome da cultura gastronômica e gosta de se reunir com os amigos como desculpa para comer.

“D

iz-me o que comes e te direi quem és.”, escreveu

Anthelm Brillat-Savarin em seu livro “Fisiologia do Gosto”, de 1826. Mas para que a comida se tornasse um elemento cultural e identitário, o homem teve que passar de um mero predador, assim como qualquer outro animal, para um seletor de seu alimento. A comida passou a ser considerada cultura no momento em que o homem aprendeu a selecionar o seu alimento, manuseá-lo e prepará-lo de uma forma que o deixe diferente do natural, de acordo com seu paladar. Antes disso, alimentar-se não era mais do que uma necessidade básica para a sobrevivência. Essa mudança de estado do homem fez com que sua relação com a natureza mudasse. A predação deveria ser deixada de lado pra dar espaço a domesticidade. O homem necessitava de um conhecimento maior sobre a terra que lhe daria alimento. Entre os conhecimentos necessários para essa mudança estavam o tempo e as estações do ano.

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Saber o tempo de cultivo de cada alimento e fazer com que ele fosse produzido pelo maior tempo possível era um trabalho contra a natureza e a favor da constante produção. Além do desafio na produção, manter os alimentos próprios para o consumo foi outra descoberta aliada do homem. Os métodos de conservação mais populares eram a desidratação feita com o calor do sol onde o clima era mais quente e a fumaça nos lugares de clima mais frio. Mas o principal método que podia ser usado em qualquer lugar, independentemente da temperatura, era o sal. Com sua propriedade de desidratar os alimentos e de dar sabor, o sal conservava carnes, verduras e peixes, uma técnica que facilitava que pobres, navegadores e quem mais não pudesse confiar nas estações do ano tivessem alimento. Por conta disso, durante um longo período, o sal ficou associado a uma característica de “comida de pobre”. Os métodos de conservação dos alimentos deram origem revistalampiao.com

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às comidas típicas, pois com cada local, utilizando um método diferente e mais apropriado, surgiram novos tipos de preparo e de sabores. Como disse Massimo Montanari em seu livro “Comida como Cultura! (2004), “a invenção não nasce apenas do luxo e do poder, mas também da necessidade e da pobreza – e esse é, no fundo, o fascínio da história alimentar: descobrir como os homens, com o trabalho e com a fantasia, procuraram transformar as mordidas da fome e as angústias da penúria em potenciais oportunidades de prazer.” As técnicas de conservação não eram a única forma de distinção entre a “comida de pobre” e a “comida de rico”. Enquanto os mais pobres buscavam alimentos específicos que os satisfizessem por mais tempo, os nobres tinham o costume de montar mesas fartas, com uma grande variedade de alimentos, onde quanto maior abundância de alimentos, mais poderoso era aquele nobre. Mas mesmo com os rótulos de “comidas de pobres”, muitos ingredientes como

a polenta, as sopas de grãos mais baratos e de legumes estavam presentes em receitas mais sofisticadas, como um acompanhamento de pratos mais caros, ricos e nutritivos. Em muitos casos, um mesmo ingrediente cozido de uma forma diferente já o distinguia economicamente. Sabor, saúde ou prazer? A partir das diferentes formas de cozimento dos alimentos foi possível descobrir dentro de um mesmo ingrediente sabores distintos, capazes de agradar paladares distintos. Além do sabor, os preparos são capazes de manter ou não as propriedades nutricionais dos alimentos. Para muitos, sabor é sinônimo de alimentos pouco nutritivos, e o prazer de comer se sobrepõe a necessidade de comer de forma saudável. Apesar desse pensamento, a cozinha é um campo onde a manipulação dos alimentos é uma espécie de arte, em que o objetivo é testar, misturar e criar combinações que se completem.

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Ainda em “Comida como Cultura”, Montanari diz: “(...) a cozinha é fundamentalmente um artifício, uma arte combinatória que tende não somente – como talvez nos pareça óbvio – a valorizar a natureza dos produtos, mas também a retificá-la e corrigí-la.” A relação que temos com a comida, de considerá-la boa ou ruim, não passa de mais uma forma de expressão cultural. Não nascemos com o paladar aguçado mais para o doce do que para o amargo. O tempo e o espaço em que vivemos exercem uma grande influência para a formação das nossas referências culinárias. É comum apreciarmos um alimento e sua forma de preparo que nos são mais comuns e próximas. Um bom exemplo é o arroz, um dos alimentos mais consumidos no mundo todo, mas que tem diferentes formas de preparo. Aqui no Brasil ele é temperado com ingredientes comuns de nossa cultura, como alho, cebola e sal. Já no Japão ele é cozido apenas com água, por conta da forma como o arroz é usado no preparo dos pratos e mesmo da cultura local. Um hábito comum para nós é estranho para uma outra cultura, podendo ser considerada uma quebra de tradição. Mesmo dentro de um país é possível existirem culturas que são distintas do ponto de vista alimentar. A religião é uma cultura que pode exigir de seu praticante que abdique de comer determinados alimentos tidos como sagra-

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dos. Uma posição radical quanto ao alimento e religião era praticada na antiga tradição cristã, que acreditava que a imagem do alimento, por exemplo, um boi, proveria as características dele, como sua selvageria, força, músculos – todos atributos desnecessários para quem tinha como ambição seguir a carreira cristã. Ainda segundo a tradição dos eremitas, muitos preferiam consumir alimentos crus, como ervas, brotos e raízes, no qual “o cru tem um significado análogo, é funcional a um projeto de vida que objetiva abandonar a humanidade pecadora para recuperar a dimensão divina (…)”, segundo Montanari. Usando como base a definição do termo “gosto” – inclinição, propensão, feitio, forma, estilo – o nosso paladar pode ser considerado único, individual e, com isso, nossas experiências são capazes de ultrapassar os aspectos culturais do “bom” e do “ruim”. Apesar disso, a experiência cultural, uma realidade coletiva e formadora dos valores sociais, é levada em conta como um caráter de lei, onde as características individuais são qualidades que devem se encaixar de alguma forma no social para serem reconhecidas e aceitas. Mercado do sabor. A necessidade de saciar a fome, o fisiológico, já não é mais o foco. O alimento, mesmo com o passar dos anos, ainda é um instrumento de representação revistalampiao.com

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do status social. A diferença é que, atualmente, ter uma mesa farta não é mais sinônimo de “ser rico”. O menos, no caso de algumas cozinhas, pode ser mais (mais caro, no caso). A fome a ser saciada é pelo prazer proporcionado pela comida, pela descoberta de novas culturas por meio do alimento, pelo raro. Tendo como base a história dos alimentos em cada região e os valores a ela atribuídos, a comida atinge um novo status, passando de necessidade para mercado. Nesse mercado, o “comer geográfico” exerce grande influência nos valores dos pratos. Mesmo com a globaização dos mercados, as cozinhas mantiveram suas tradições e essas tradições têm um custo. Um queijo tipicamente francês, produzido na França nas condições climáticas ideais para manter a qualidade do produto, quando trazido ao Brasil, terá um custo muito maior do que em seu local de origem. As formas de produção encarecem e enobrecem o produto, mas no atual mercado o que mais os superfatura são o transporte, os impostos e por fim o local onde será comercializado. “Hoje, o território constitui um valor de referência absoluto nas escolhas alimentares. Não há restaurante da moda que não ostente, como elemento de qualidade, a proposta de uma cozinha vinculada ao território e aos alimentos frescos do mercado.”, diz Montanari em seu livro sobre

a necessidade de consumo do status do restaurante, e de alcançar novos territórios sem sair da cidade. Porém, mesmo a alimentação sendo sinônimo de distinção social, a sua difusão global tornou muitos artigos antes tidos como “de luxo” acessíveis às massas. Alimentar as necessidades de quem quer conhecer uma outra cultura através do alimento faz com que ele seja repensado e adequado, de acordo com os recursos locais par agradar o paladar mais acostumado com sua cultura. O mercado faz com que a tradição sofra pequenas adaptações para ser aceita por um grande número de pessoas. As redes de fast food são um bom exemplo disso, os lanches tradicionais de carnes de boi, frango e peixe abrem espaço para os hambúrgueres vegetarianos, a usos de condimentos e especiariais locais, adaptações que se encaixam na cultura local e não deixam que se perca a essência principal do estabelecimento. Atravessar fronteiras já não é mais o “estar em terras estrangeiras” ou “desconhecidas”, não limita-se mais ao viajar físico. Aliás, essa viagem não precisa nem mesmo estar fora de casa. Os ingredientes certos, um pouco de vontade e uma receita na mão são capazes de transportar o sul da Itália ou um pedacinho do Líbano para o seu apartamento no centro da cidade grande.

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UMA SEMANA DE VEGANISMO Monique Nascimento de Mayara Abreu

texto de imagem

F

ui desafiada a passar uma semana sob a dieta vegana.

Logo de cara, gostei do desafio, mas já adianto que não foi nada fácil. A decisão de se tornar vegano na maioria das vezes vem de uma convicção muito maior do que o paladar. Foi o que eu pude perceber conversando com duas adeptas, Amanda Guimarães Gabriel e Keytyane Medeiros. Para Amanda, a mudança veio de repente. Ela era vegetariana há 7 anos, mas ainda abusava dos laticínios. “Foi na época do caso do Instituto Royal ano passado. Eu acompanhei a invasão toda por redes sociais e me senti muito mal por não estar lá. Repensei bastante meus conceitos e decidi virar vegana, porque concluí que estava sendo incoerente. Eu já conhecia a filosofia há anos, mas ignorei por um bom tempo”, confessa. A filosofia a que Amanda se refere é que a indústria não explora os animais apenas abatendo para o consumo de carne. Também há exploração massiva na produção de leite e ovos. Além disso, o veganismo vai além da alimentação. Evita-se usar roupas como seda, lã e couro, por exemplo e produtos

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como cosméticos e medicamentos testados em animais. Formas de entretenimento como rodeios ou circos que utilizam animais também não fazem parte da vida de um vegano. Para Keytyane, a decisão também foi política. “Eu já me sentia muito mal ao ver vídeos e documentários sobre exploração animal, mas nunca tinha ligado isso às relações de poder, até que assisti a um documentário que levantou a questão do especismo, a relação de poder que existe entre uma espécie e outra, no caso, entre humanos e animais pra alimentação, consumo, etc. Achei incoerente da minha parte, como militante de esquerda e feminista continuar mantendo uma relação de poder com os animais enquanto eu luto por um “mundo melhor” e mais igualitário. Já troquei alguns produtos de higiene como shampoos e sabonete e tenho diminuído progressivamente o consumo de ovos e leite”, conta. Acabei me identificando muito com o caso da Keytyane em específico. Ela ainda enfrenta algumas dificuldades e não entrou de cabeça no veganismo, mas é ovo-lactovegetariana há 5 meses. Há um tempo venho diminuindo o consumo revistalampiao.com

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de carne e tentando entrar numa fase ovo-lacto-vegetariana, mas ainda não tenho essa convicção política bem resolvida. Entrar de cara no veganismo, sem uma experiência prévia no vegetarianismo, é uma decisão complicada. Geralmente quem é vegetariano já está bem resolvido e é mais acostumado a comer de forma consciente, de saber o que colocar ou não no prato. Essa foi uma das minhas maiores dificuldades, pois me fez perceber que me alimento no piloto automático, sem parar para pensar no que estou colocando no meu organismo. Para sair desse ciclo precisei fazer basicamente duas coisas: planejar minhas próximas refeições com certa antecedência e ler (muitos) rótulos. Antes de continuar, vale lembrar que visitar um nutricionista é importante, já que a mudança é radical, dependendo da sua alimentação. Existem profissionais especializados na dieta vegetariana e vegana e eles podem ajudar bastante nessa transição. Passar a refletir minhas refeições foi uma parte muito boa. Desenvolvi uma relação bem melhor com o que como. Quando a larica vem, fica um pouco difícil parar para questionar a

composição de certos alimentos, por isso decidi deixar os industrializados um pouco de lado e cozinhar mais. Na semana anterior ao desafio, precisei abastecer a despensa e geladeira, então o primeiro passo foi ir à feira. Ver os alimentos ainda nas bancas e já imaginar o que fazer com eles, as texturas, sabores, com o que servir de acompanhamento foi ótimo. Acho que quem cozinha, de modo geral, se alimenta melhor, porque entende como aquela comida foi feita e come com mais gosto e menos frescuras. Desconstruir hábitos, que você às vezes nem se dá conta que tem, é parte crucial do processo. Mas nem tudo são flores e minha maior dificuldade foi deixar de comer ovos, leite e seus derivados. Isso entra muito nessa questão dos hábitos. No café da manhã, por exemplo, eu pegava pão ou torrada e já pensava em manteiga, requeijão ou creamcheese. Tive que dar adeus ao meu amado iogurte também. Dar adeus, mais ou menos, pois existem opções feitas com soja. Eu infelizmente não me toquei que sentiria tanta falta desses alimentos e não comprei versões veganas deles, a não ser por uma margarina vegetal. Esse meu esque-

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cimento veio desses hábitos alimentares aos quais a gente não dá muita atenção, pois não somos estimulados a questionar o que comemos. Para Amanda, a principal dificuldade foi cortar os industrializados, pois a maioria não é vegana e tendemos a nos alimentar muito desses alimentos por sua praticidade. Já Keytyane enfrenta problemas na hora de comer fora. “Em casa você consegue substituir ovo e leite por outras coisas. Mas comer na casa dos amigos, em shoppings ou lanchonetes é bastante complicado, porque nem sempre a opção vegetariana é vegana e nem sempre a opção vegana é barata ou acessível. Daí acabo optando por algo que tenha queijo ou salada, quando possível”, conta. A salvação, pelo menos nos grandes centro, são restaurante e lanchonetes especializados, mas eles podem ser difíceis de achar. Nesse ponto, uma coisa que o vegano em construção precisa fazer é construir uma rede de contatos. “Conforme você vai conhecendo outros vegetarianos/veganos a troca de informações é constante e isso acaba facilitando um pouco”, aconselha Keytyane. No Facebook e pela internet afora, existem grupos, blogs e canais do Youtube para veganos. Nos grupos em que entrei, percebi que as pessoas são muito solicitas e sempre dispostas a compartilhar receitas, dicas de marcas e restaurantes. Outra opção são blogs e sites voltados para esse público. Além de receitas, alguns contam com artigos sobre a filosofia do veganismo e te trazem mais informações para se alimentar melhor e descobrir novos alimentos ou outros produtos. Um deles, o blog Presunto Vegetariano, tem receitas que me agradaram bastante, como o hambúrguer de lentilha. O blog pertence a Paula Lumi, que posta receitas desde 2011. Ele tem como objetivo “compartilhar receitas vegetarianas e veganas sem ‘apologia’ ao vegetarianismo; mostrar que existem opções tão deliciosas, ou mais, que a carne, e que podem ser facilmente introduzidas em nosso dia a dia”, nas palavras de Paula. Apesar de ser ovo-lacto-vegetariana, ela diz que tem uma dieta praticamente vegana e isso se traduz no blog. “Há mais de um ano, decidi postar apenas receitas veganas, porque mais gente poderá comer. Quem come carne, veganos, ovo-lacto-vegetarianos, intolerantes à lactose ou ao ovo. Todos

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podem comer um prato vegano. Também acho bacana o desafio de criar receitas. É mágico quando consigo um resultado satisfatório sem carne, ovos, leite ou derivados”, diz Paula, que contraria o senso comum de que receitas veganas são restritivas. Na verdade elas se mostram mais democráticas, podendo ser consumidas por todos. E quem acha que pode esquecer a sobremesa, se engana. Paula foi convidada para ser colunista do site I Could Kill For Desert, cujo foco é na confeitaria. “Eu nunca fui muito boa em fazer doces e tinha pouquíssimas receitas assim no blog. Foi um grande desafio aprender a substituir ovos e manteiga, ingredientes muito tradicionais e importantes em alguns doces, mas descobri que não são essenciais em todos. Amo ver os bolos crescendo e ficando fofinhos e gostosos sem ovos e sem leite”. Sobre as mudanças no organismo, Amanda diz que sentiu uma melhora sensível na pele e que não sente falta de nada na alimentação. “Isso é bem engraçado, já que durante todos os meus anos de vegetariana eu morria de vontade de comer camarão. Acho que hoje a minha alimentação é mais completa e meu corpo entende e concorda com minha escolha”, explica. Como Keytyane ainda está no processo, não sentiu os resultados completamente, mas diz que se sente bem mais leve, com o corpo menos desconfortável e mais ‘limpo’. A perda de peso foi citada por ambas também, mesmo não sendo um objetivo específico. Como meu período foi apenas de uma semana, não consegui sentir nenhuma mudança física. Mas adquiri mais atenção ao que como e, consequentemente desperdiço menos, pois ponho do prato só o que realmente quero. Passei a me alimentar de forma mais saudável, usando mais legumes e verduras. Além de aprender novas formas de preparar alimentos que já consumia, como a abobrinha, também renovei receitas antigas, como um gnocchi de abóbora que antes levava ovo e agora fica bem mais leve e macio sem ele. Se eu consegui concluir o desafio? Vou ter que desapontá-los, pois me deixei seduzir pelo queijo faltando dois dias para acabar a semana, alimento que adoro e sempre soube que seria meu calcanhar de Aquiles. Mas a experiência foi muito libertadora e recomendo fortemente, a quem interessar, rever seus hábitos alimentares e tentar consumir menos carne ou ovos e leite. revistalampiao.com

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UMA RELAÇÃO DE EX COM O VEGETARIANISMO texto de

Carolina Rodrigues Gabriel de Castro

imagem de

O

vegetarianismo é um movimento crescente na atualidade e vem tomando

conta das discussões, desde a mesa do bar até as redes sociais. Segundo pesquisas do IBOPE de 2010, 17,5 milhões de brasileiros são vegetarianos, o que é quase 10% da população. Parece pouco, mas não é. De acordo com o IPSOS, instituto de pesquisas líder mundial, o Brasil é o segundo país do mundo com maior crescimento de vegetarianos. A expectativa até o fim de 2014 é de que 30% da população brasileira tenha diminuído o consumo de alimentos de origem animal. Entretanto, crescente também é o número de pessoas que deixam de ser vegetarianas, o que ainda é pouco discutido. De acordo com uma pesquisa rea-

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lizada pela CBS News ainda em 2005, 75% das pessoas que optam por ser vegetarianas voltam atrás e deixam de ser. E mais: geralmente são mulheres com vinte e poucos anos que desistem e reinserem a carne na alimentação. Isso ocorre não por mudarem suas ideologias e opiniões sobre a produção da carne e o mal que ela pode fazer se consumida em excesso, mas sim por dificuldades em encontrar e preparar refeições, por problemas de saúde e também pela simples vontade de comer carne uma vez ou outra. Conheça, então, a história de alguns ex-vegetarianos e seus motivos para repensarem esse estilo de vida e voltarem atrás em alguns de seus aspectos. A libertação mexicana de Carolina. Carolina Dias, 23 anos, foi ovo-lacto-vegetariana por oito anos. A maior dificuldade em não comer carne sempre foi encontrada na rua, devido à correria do dia a e à falta de tempo para cozinhar. Há um ano, desistiu do vegetarianismo quando foi fazer intercâmbio no México. “Lá eles comem muita, muita carne e isso me desanimou muito. Era impossível encontrar opções para comer na rua, impossível mesmo, então me vi obrigada a comer de vez em quando. Quando voltei para o Brasil, desisti de vez”. Carolina destaca o fato de a comida vegetariana geralmente ser mais cara. Além disso, ela se lembra também dos tempos em que sofria preconceito pela opção alimentícia. “Agora é fácil de comer em qualquer lugar e com qualquer pessoa. Ninguém me questiona sobre meu prato de comida, sobre minhas escolhas, nem tenta me obrigar a comer nada. É muito libertador voltar a comer carne”. A alimentação universitária de Júlia. Júlia Figueiredo, 20, assim como Carol, por três anos também foi ovo-lacto-vegetariana. A maior dificuldade é a mesma: comer fora de casa. “Deixei de ser vegetariana porque fui morar sozinha. Ao morar sozinha, quase todos os alimentos que eu comprava estragavam, e a reposição da geladeira tinha que ser constante. Aos poucos adotei a vida de universitária completamente, dependendo muito do restaurante universitário, que até um ano atrás não apresentava alternativas vegetarianas suficientes”. Porém, Júlia sabe o quanto a experiência de ser vegetariana mudou definitivamente sua alimentação. Quando adotou o novo estilo de vida, não ingeria salada nem legumes e se viu

forçada a comê-los “de um dia para o outro”. Hoje, ela gosta “de verdade desses alimentos mais saudáveis”. De qualquer maneira, a estudante acredita que o consumo exagerado de carne é desnecessário e muitas vezes ela ainda vai a restaurantes vegetarianos. “Acho muito bom que esse conceito [do vegetarianismo] esteja se ampliando, nem que seja pela noção de que a carne não precisa estar em todos os almoços e jantares, por exemplo”. O humanitarismo de João. Se as meninas tinham dificuldade em comer fora de casa sendo ovo-lacto-vegetarianas, imaginem João Paulo Brandão, 25, que foi vegano. “O inconveniente acho que era, principalmente, comer na rua porque quase tudo tem, quando não carne, pelo menos leite ou ovo”. João foi vegetariano dos 12 aos 21 anos e nos últimos três foi vegano. Ele relembra que a parte de não poder usar roupas de couro, por exemplo, era a mais fácil. “O veganismo envolve várias esferas de nossa vida, como vestimenta, entretenimento, etc. Nessas outras partes a coisa era mais tranquila ainda”. De qualquer maneira, ao fim de tantos anos, optou por deixar de ser vegano pois não via mais um problema ético em matar um animal para se alimentar. Ele diz que da mesma maneira que deixou de ser vegano, pode voltar a ser um dia. E o mais importante é que ainda é “a favor do bem-estar animal” e mesmo que haja a criação de animais para a produção de alimentos é também “a favor de que isso seja feito da forma mais humanitária possível”. E a saúde de Marcos. Marcos Bernardes, 24, começou sendo vegetariano puro por querer ter “uma vida mais saudável, mais leve” e também por saber que a carne é “o maior motivo de devastação florestal”. Assim como os outros, sempre encontrou dificuldade em comer fora de casa. Aos poucos, teve que mudar sua alimentação. Primeiro, Marcos inseriu ovos e laticínios. Depois, ao ser diagnosticado com anemia, reinseriu o peixe. Ele ressalta que ainda se considera vegetariano e que readaptou seu cardápio pessoal por uma questão de necessidade. Hoje, o mais difícil é encontrar opções de comida que sejam mais em conta, afinal tanto o cardápio vegetariano quanto o peixe são caros. “Mas o sabor compensa!”, conclui.

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O MELHOR PARA PODER CRESCER A Ana Laura gosta muito de comer bisteca, salada de repolho, arroz e feij達o.

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Vanessa Souza fotos por Julia Germano Travieso colaboração de Jéssica Zen e Isis Rangel

texto por

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Pousada da Esperança II, um dos bairros periféricos de Bauru, interior de São Paulo, crianças e adolescentes têm um lugar para se encontrarem, brincarem e aprenderem juntas: o projeto sem fins lucrativos Formiguinha. No horário oposto ao de suas aulas, elas se reúnem na sede para participarem de atividades educativas, recreativas, esportivas e culturais. Numa dessas manhãs ensolaradas, a missão dos pequenos era simples, mas muito prazerosa: contar para nós, desenhando, quais eram suas comidas preferidas e, depois, saborear um almoço especial preparado por uma cozinheira de mão cheia, cujo prato principal era lasanha de presunto e queijo. Para saber mais sobre o projeto ou contribuir de alguma forma, entre em contato pelo e-mail proformiguinha@gmail.com ou pelo telefone (14) 3237-3106. o

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O Davi adora canjica e batata frita, mas n達o gosta de arroz-doce e mingau

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Bárbara (à dir.) está se deliciando com o almoço, mas ela gosta mesmo é de brigadeiro. Já a Beatriz (à esq) prefere frutas e sorvete

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A criança nas duas fotos é o Kaio, que diz gostar muito de macarrão também. “Eu peço a panela inteira, mas a tia não dá”, conta

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Os artistas destas páginas são a Beatriz, o João Vítor, a Bárbara e a Maria Eduarda que, na hora de comer, se organizaram em fila junto de seus colegas, exatamente como as formiguinhas fazem para buscar comida.

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A comida preferida do Natan ĂŠ lasanha

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EQUILÍBRIO NO PRATO:

BALANCEAR O CONSUMO DE ALIMENTOS ORGÂNICOS E INDUSTRIALIZADOS É O CAMINHO PARA UMA VIDA MAIS SAUDÁVEL texto e imagens de

Mayara Abreu Mendes

* Mayara Abreu Mendes é aluna do 4º ano de Jornalismo na Unesp de Bauru. Apaixonadíssima por música, procrastinadora de primeira linha, fascinada por idiomas e adoradora de sorrisos, escreve e fala bastante, apesar de preferir escrever. É paulistana nata, mas vem perdendo suas paulistanidades por morar em Bauru desde 2011

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er hábitos alimentares saudáveis vem sendo cada vez

mais discutido nos meios de comunicação, em consultórios médicos, em academias e até mesmo em escolas. Fala-se muito sobre aumentar o consumo de alimentos orgânicos e diminuir o uso dos industrializados e sobre substituir produtos padrão por suas versões light e/ou diet. Mas você sabe por que deve fazer isso? E em como cada uma dessas atitudes te ajuda? Nós da Revista lampião estamos aqui para ajudar você a entender melhor tudo isso e conhecer algumas alternativas para ter uma postura alimentar menos desregrada. Nos últimos anos, vem crescendo exponencialmente a discussão em torno dos alimentos orgânicos. Muito disso se deve a uma lei, aprovada em 2003, que regulamenta todo o processo de funcionamento da produção orgânica e que passou por um processo de revisão em 2007. A lei de número 10.831

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conta agora com o Decreto 6.323, que coloca em prática o Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica. Composto pelo Ministério da Agricultura, órgãos de fiscalização dos estados e organismos de avaliação da conformidade orgânica, o Sistema acompanha o processo de produção desde a propriedade rural até os pontos de venda. Além disso, todo alimento orgânico deve possuir o selo nacional como prova para o consumidor da isenção de agentes químicos no mesmo. A fiscalização dos alimentos é bem completa e vem se mostrando eficaz, mas o que são os tais alimentos orgânicos? Conversando com três nutricionistas e uma estudiosa no assunto, chegamos a uma definição unânime: orgânicos são todos alimentos isentos de quaisquer modificações, sejam elas hormonais, por meio de agrotóxicos, genéticas ou qualquer outra inserção e/ou alteração química. Sendo assim, podem revistalampiao.com

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ser considerados alimentos orgânicos qualquer tipo de vegetal (legumes, verduras, frutas e grãos), animal (carnes e ovos), açúcares, mel, iogurtes, leites e geleias. Se os orgânicos são os livres de química, os alimentos industrializados são todos aqueles que de alguma maneira foram alterados em sua essência, como com o uso de agrotóxicos na plantação. A nutricionista Fernanda Nunes Pereira, formada pela Universidade de Guarulhos e com pós-graduação em Nutrição Clínica pela Universidade de São Paulo, informa que, além disso, “são produtos prontos ou semiprontos, [que] já vêm embalados (seja em caixas, latas e outros). Possuem [também] em sua composição produtos artificiais como corantes, aromatizantes, conservantes… além de normalmente possuírem uma quantidade maior de sal, gordura e açúcar”. Ou seja, qualquer tipo de alimento consumido no dia a dia pode ser industrializado. Sabendo dessa diferença e informando-a, questionamos 127 pessoas sobre seus hábitos alimentares. Dessa amostra majoritariamente paulista e jovem, 60% se considerou saudável. Entretanto, apenas 10% declarou consumir alimentos orgânicos numa periodicidade diária e 26 pessoas nunca os têm em suas refeições. Por outro lado, o número de consumidores diários de produtos alimentícios industrializados foi de 45% e somente uma pessoa afirmou nunca ingeri-los. Também perguntamos aos entrevistados se seguem alguma dieta alimentar. Entre as 127 pessoas, 71 afirmaram não seguir nenhum padrão para refeições, e as outras 56 dividiram-se entre seguir uma por opção pessoal (43), por recomendação médica (10) e por recomendação de preparador físico (três).

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Os dados da amostra, apesar de pequena, retratam muito bem a realidade brasileira. De acordo com uma pesquisa feita em 2010 pela Fiesp em parceria com o Ibope, a maior parte da população brasileira foca em conveniência e praticidade ao comer. Empatados em segundo lugar, vem a preocupação com a qualidade e a confiabilidade dos produtos e a sensorialidade e o prazer ao se alimentar. Por último, mas em número crescente, estão a saudabilidade, o bem-estar e a sustentabilidade ética dos alimentos. Pensando nisso, a nutricionista formada pela Unesp de Jaboticabal Eliriane Jamas explica a importância de começar a comer mais alimentos orgânicos e como eles estão aumentando em número no mercado. “Já existem no Brasil alimentos e bebidas 100% orgânicos. A presença deste tipo de alimentos na dieta representa uma melhora na qualidade de vida, já que há estudos que correlacionam a presença de agrotóxicos e coadjuvantes de tecnologia (aditivos químicos, corantes e conservantes) com alguns tipos de câncer e alergias. Assim, com uma alimentação mais natural, há maior absorção de nutrientes (minerais e vitaminas) e também são alimentos mais saborosos”, detalha. Fernanda Nunes Pereira complementa a ideia, trazendo pontos importantes para a alimentação orgânica: o preço e a facilidade de encontrar os produtos. Ela diz ser “possível ter uma dieta orgânica, porém os produtos são mais caros relacionados aos produtos não-orgânicos e dependendo da cidade em que a pessoa reside não é tão fácil encontrá-los. Já existem feiras orgânicas que também são uma opção para quem busca esses alimentos”. Entretanto, não saia por aí pensando que ingerir qualquer revistalampiao.com

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alimento industrializado vai te deixar doente, cheio de problemas de saúde e correndo altos riscos, pois não é bem assim. Fernando Nóbrega é nutricionista pelo Centro Universitário São Camilo e explica que “não necessariamente o consumo de um alimento industrializado fará mal a nossa saúde, porém, em grande quantidade, esses alimentos introduzirão no seu organismo vários aditivos que podem trazer problemas. Bons exemplos são o sódio, açúcar e as gorduras hidrogenadas”. É como diz a pesquisadora em Nutrição Valeria Rubio: “não é preciso ser toda orgânica para ter uma alimentação saudável, basta fazer as escolhas certas”. Preste atenção no selo dos alimentos orgânicos e procure consumi-los com mais frequência ao longo da semana. Quando não forem orgânicos,

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atente-se principalmente às épocas boas para consumo de determinados vegetais (os fora de época de cultivo costumam ser repletos de inserções químicas). Nunca se esqueça de lavar bem todo alimento e descascar os vegetais, pois é na casca que se concentra a maior parte das químicas. “Ao se alimentar, procure se nutrir o máximo possível, busque o prazer em cada refeição e deixe os excessos inevitáveis para ser feliz para o fim de semana!”, diz a estudiosa. E sempre tente dar uma chance aos seus talentos na cozinha: não é preciso ser um grande chef para comer bem, usando ervas, especiarias, pouca gordura e poucos refinados. E, como diz Valeria: industrializados, gordura, álcool e refinados de vez em quando não fará mal a ninguém! revistalampiao.com

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GOURMET... É DE COMER? texto por

Estevão Rinaldi

imagens de divulgação ilustração de

P

Felipe Altarugio

or que comemos? Parece uma pergunta bastante óbvia,

não? Ora, comemos, antes de tudo, por questões vitais. Sem alimentação, não há vida. Regrinha básica da biologia. Mas todos sabemos que adoramos comer e que a existência seria bem mais chata se tivéssemos que fazê-lo puramente para suprir essa necessidade, como uma obrigação. Pelo contrário, comer está longe de ser um sacrifício. Uns preferem massa, outros, carne e outros têm gosto mesmo pela culinária

vegetariana. Fato é que a associação da comida com o prazer é instintiva e inevitável. Quando se trata de alimentação, todos temos nossos próprios hábitos, moldados de acordo com nossas preferências, mas bastante influenciados, também, pela forma como fomos criados e, de modo geral, pelos hábitos alimentares predominantes na sociedade, país e região em que vivemos. Por falar em hábitos, quem mora em grandes centros do

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Brasil, particularmente em São Paulo, tem conseguido notar nos últimos tempos algo diferente no tipo de refeição que vem sendo comercializado em vários restaurantes: entrou de vez em cena a comida Gourmet, palavra de origem francesa que remete à sofisticação e qualidade. Sendo assim, a culinária Gourmet é marcada pelo refinamento dos ingredientes selecionados para o preparo do prato/iguaria. Mais do que isso, ela preza por uma forma adequada de consumo, na qual se degusta os pratos calma e cuidadosamente, quase como um “culto de apreciação” que procura identificar sabores, consistência e aroma. E é com essa proposta, realçada por uma publicidade engajada, que os tais restaurantes conquistaram seu espaço na capital paulista e se espalharam com rapidez pelos principais

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pontos gastronômicos da cidade. A tendência também se alastrou pelas outras capitais e aos poucos se instala no interior. Observando tal fenômeno, a pergunta se faz quase inevitável: a que veio essa tal “onda Gourmet”? É só mais uma moda gastronômica ou veio, de fato, para ficar? Antes de abordar essas questões, é necessário pontuar algo relevante: o preço a se pegar por esse tipo de culinária é alto. O público é bem definido. As classes A e B, até o momento, parecem ter recebido muito bem a ideia, se mostrando dispostas a pagar mais caro para ter acesso às iguarias diferenciadas. No que depender dos cursos de graduação em Gastronomia, a febre Gourmet só tende a crescer. Para a profª Luciana Wendhausen Krause Bernardes, da Univali de Santa Catarina, sede de um dos cursos mais renomados do país, o crescimento deve revistalampiao.com

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prosseguir, já que o público brasileiro tomou conhecimento desse tipo de gastronomia, bem como suas técnicas e ingredientes. “Com o aumento da demanda de uma gastronomia mais elaborada, está havendo todo um movimento de qualificação de mão de obra e novos fornecedores de matérias primas de alta qualidade, que possibilitam a continuidade desta demanda. Não se trata, portanto, de um modismo, e sim de um novo patamar de conhecimento e exigência relacionado à gastronomia”, detalha, lembrando que o curso de Gastronomia tem como objetivo o estudo de tendências e contemporaneidade. As críticas, porém, existem em larga escala. Muitos consideram que alguns estabelecimentos que se autopromovem com a alcunha Gourmet estejam apenas se aproveitando de uma onda de banalização da expressão e, pior que isso, bus-

cando essa promoção para vender mais caro produtos que não apresentam os requisitos necessários para pertencer à alta gastronomia. “Verifica-se muitas vezes o uso das palavras gourmetização e alta gastronomia de forma totalmente inadequada, sem que se observe o uso de técnicas ou matérias primas que justifiquem tal denominação”, pondera Luciana. Não foram poucos os que se indignaram com a “gourmetização” de iguarias tipicamente populares como o brigadeiro e a coxinha. Afinal, qual o sentido em modificar a essência de um doce e um salgado consagrados nos quatro cantos do país? Para a docente, contanto que sejam respeitadas as principais características do prato, não existe problema em “aprimorá-lo”. “O uso do conhecimento culinário de uma região como base para elaborações com novas técnicas da gastronomia só

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enriquece e possibilita a valorização dessas produções com novas texturas, sabores e apresentações, permitindo-se, dessa forma, novas experiências vinculadas à cultura gastronômica local. Deve-se, no entanto, preservar sempre registrada a forma original de se fazer essas preparações ligadas ao contexto da cultura de determinada região”, explica. De qualquer forma, há quem prefira o simples. Caso do publicitário carioca Bruno Alves, residente em São Paulo. Incomodado com aquilo que ele afirma ser um “excesso de frescura” nas comidas, ele optou pela resistência: seguindo o caminho contrário, abriu a Kød, barraca de hambúrgueres artesanais itinerante e ao ar livre. O slogan? “Hambúrgueres sem frescura”. Bruno não detesta o conceito da alta culinária. Pensa que inicialmente a ideia por trás do uso do termo “gourmet” era boa, porque servia como um indicativo de maior preocupação com preparo, ingredientes e serviço, fatores com os quais ele também se preocupa em sua lanchonete. O problema, para ele, é a distorção que foi feita para um estereótipo de comida “diferenciada”.“‘Diferenciado’ é muito genérico e pode significar qualquer coisa, o que acabou tendendo apenas para o lado do diferencial de preço (pelo lado de quem produz) e de percepção (pelo lado do consumidor). Com esse cenário, não existe valor agregado em chamar algo de gourmet quando tudo é gourmet”, argumenta. Conhecendo sua lanchonete, é possível pensar: “Mas se a Kød se preocupa com a seleção de ingredientes e o preparo e qualidade dos lanches, qual é a diferença entre essa hamburgueria e qualquer outra casa de lanches refinada que se encontra por aí?”. O que destoa, segundo Bruno, é o espírito. E o preço, claro. “Aqui é tudo muito simples: você entra, pede no balcão, paga, retira no balcão, come com as mãos e vai embora para casa feliz por não ter gastado mais do que deveria por um produto. Mas se alguém mesmo assim considerá-lo Gourmet, tudo bem. Estou mais preocupado em fazer um produto de qualidade a um preço acessível do que

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rotulá-lo como alguma coisa”, afirma, defendendo que o ato de comer deve ser encarado como um momento prazeroso, mas de despreocupação. Bruno pensa que a boa aceitação de seu empreendimento foi o suficiente para que ele conseguisse comprovar o ponto que defendia quando o idealizou: comida boa não precisa ser cara. “Afinal de contas, é só um hambúrguer, não é um prato chique. Mas, claro, se as pessoas querem continuar pagando caro por um hambúrguer, elas têm todo o direito. O legal é ver muita gente se questionando depois de vir pela segunda ou terceira vez na Kød. Já ouvi frases como ‘não consigo mais ir na hamburgueria X, é caro demais’”, conta o publicitário. Apesar de ser a preocupação de muitos, é difícil imaginar que a comida de rua perca seu espaço. Primeiro porque o segmento da alta gastronomia é, por enquanto, muito restrito a quem tem alto poder de compra. Segundo porque o pastel da feira, a coxinha do bar e o brigadeiro da confeitaria da esquina são entidades, e o fato de existirem versões requintadas dessas iguarias não parece representar um risco à versão original delas. É perceptível uma certa crise existencial dos hábitos alimentares afetando principalmente as classes mais abastadas, que parecem estar remodelando seus desejos de consumo no campo da alimentação. Tudo, porém, tem seu espaço e seu momento. É possível aproveitar tanto o sanduba sem medo de ser feliz de Bruno quanto o sofisticado sanduíche feito com mussarela de búfala servido em um bar descolado (se ele couber no seu bolso, claro). Só é recomendável ter cuidado. Pagar a mais por uma enganação é um prejuízo e tanto. Surgimento de novos hábitos é algo normal. A sociedade contemporânea sente sede pelo que aparece como novo e diferente. Alguns vêm para ficar, outros não duram mais que uma estação. Se o Gourmet vai pegar de vez e se tornar uma realidade permanente, não se sabe. Fato é que o pastel vai continuar sagrado na feira. revistalampiao.com

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DIETA DE MONSTRO texto e imagens de

Gabriel

de

Castro

“V

em comigo, monstro” é o que diz Léo Stronda em

praticamente todos seus vídeos. O músico da dupla Bonde da Stronda participa, desde 2013, do canal Fábrica de Monstro no Youtube. O que ele faz, basicamente, é passar dicas de treino e alimentação para as pessoas interessadas em ter um corpo e estilo de vida semelhantes ao dele. Isso, é claro, feito com uma pitada de preconceito e intolerância. Léo Stronda, no entanto, não representa todos aqueles que veem a academia como um templo ou como um espaço de bem estar da mente. O “Wellness”, como é chamado, busca proporcionar a seus adeptos um estado de saúde em todos os sentidos: mental, físico, produtivo, nutritivo, etc. Como isso é feito, no entanto, varia muito. O acompanhamento pessoal nas academias, em muitos casos, auxilia o indivíduo a ter foco no exercício, o que pode proporcionar ganhos significativos no cotidiano. Contudo,

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isso não significa que a academia garanta melhoras no dia a dia de ninguém. Até mesmo as alterações físicas dependem muito da maneira como cada um encara determinado exercício e como vai se esforçar durante os minutos de treinamento. Um fator preponderante para o bem estar físico e mental, definitivamente, é a alimentação. A sua rotina alimentar está diretamente ligada ao seu humor, ao seu desempenho no trabalho, aos seus relacionamentos e, também, aos seus exercícios físicos. Virou senso comum, principalmente entre as nutricionistas, dizer que devemos comer a cada três horas. Ficar com o estômago vazio por muito tempo é outro ato abominável pelos médicos. A dificuldade em se manter uma rotina saudável com as tarefas do cotidiano se soma ao estresse acumulado no ambiente de trabalho, resultando em problemas físicos futuros. Por isso, aqueles que buscam a hipertrofia optam por seguir uma dieta alimentar diferenciada. O frango grelhado e a batata doce estão presentes em quase todos os cardápios dos “monstros” por aí, seja pelo preço ou pela popularidade e facilidade de se encontrar os produtos. No entanto, há quem prefira por um regime alimentar mais rígido. O personal trainer André Ferreira, por exemplo, conta que segue à risca seu planejamento. “De manhã eu tenho que tomar uma vitamina com morango, mamao e leite e quatro fatias de pão integral e peito de peru. No lanche da manhã, bolachas de água e sal e manteiga de amendoim. No almoço, sempre tem bastante folha, quatro colheres de arroz, uma de feijão e filé de frango grelhado. No lanche, macarrão integral com filé de frango, e, à noite, dou preferência para comer batata doce com peixe. E sempre comer frutas durante o dia”. Formado em Educação Física em 2011, André passou a se interessar mais pela visão nutricional depois que entrou na faculdade. “Eu fiz Educação Física porque eu gosto de esporte. Mas agora eu tenho muito interesse em fazer Nutrição também”, conta. “Comecei com esse hábito quando entrei na faculdade. Foi quando comecei a querer mais resultado no meu treino. Faz um ou dois anos já que eu como certinho desse jeito”, ele confirma. O interesse de André é reflexo também da maior visibilidade que os profissionais da nutrição têm hoje em dia. O curso de Nutrição tem um olhar muito mais atento por parte dos alunos de ensino médio e cursinho. Nos últimos três ves-

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tibulares da Unesp, o curso de Nutrição, que conta com 30 vagas e é realizado em Botucatu, teve um crescimento contínuo. Em 2012, foram 644 inscritos, resultando em 21,5 candidato por vaga. Em 2013, o número de aplicantes cresceu para 753, com 25,1 candidatos por vaga. Já em 2014, 896 tentaram o curso, com um número de 29,9 candidatos por vaga. Mas, além de uma dieta equilibrada, todo (ou quase todo) “monstro” opta pelos suplementos alimentares, que hoje são encontrados aos montes. Por mais que esses produtos, como whey protein, tenham sido popularizados, eles ainda têm um preço salgado, o que faz com que muitos prefiram exemplares contrabandeados ou trazidos de outros países ilegalmente. Apesar disso, o mercado dos suplementos tem crescido o suficiente para atender esse público, que, cada dia mais, busca artigos para otimizar sua malhação. “A cada dia, a gente vê uma loja nova. Está crescendo bastante a procura por suplementação. Às vezes a loja não é nem de suplemento, mas eles estão aderindo a isso porque tem muita gente pra comprar”, conta André. Apesar disso, as proteínas do whey protein sozinhas não substituem os bens que uma alimentação balanceada traz. Difícil, porém, é encontrar todos os alimentos a um preço acessível, segundo André. “Dificuldade de achar não tem. É muito fácil, hoje em dia, encontrar esses produtos. Tem lojas específicas pra isso. Mas o problema principal é o preço. Normalmente esses produtos saudáveis são mais caros, principalmente o peixe e o pão integral”, ele lamenta. Os exemplos extremos prejudicam a compreensão do crescimento do público da academia e do seu papel no mercado atualmente. Esses novos hábitos alimentares têm movimentado dinheiro não só nas academias, mas em novos mercados, seja o dos alimentos ou dos suplementos. O papel da agricultura familiar, por exemplo, poderia ser incentivado e aumentado com o crescimento de pessoas que buscam por costumes mais saudáveis. Comendo certo ou não, é bom saber o impacto que cada hábito vai ter no mercado, seja na criação de novos empregos (nutricionistas, por exemplo), seja na venda de produtos específicos para esse público. “Lógico que tem as pessoas que ainda comem errado, mas tem sido muito grande o número de pessoas aderindo a um ritmo certinho de alimentação, comendo certo, procurando nutricionista”, André finaliza. revistalampiao.com

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cultura

RESENHA:

Clique na imagem para assistir ao longa-metragem

“ESTÔMAGO”

“Estômago”, 2007 Direção: Marcos Jorge Produção: Zencrane Filmes Duração: 112 minutos texto de

Vanessa Souza Reprodução

imagem de

A

o ver qualquer narrativa que ouse começar com a história

de um nordestino viajando para o sul do país em busca de uma vida melhor e com mais oportunidades, a primeira coisa que vem à cabeça só pode ser a espera por um grande clichê. “Estômago”, no entanto, não passa nem perto de ser mais um desses. A trajetória de Raimundo Nonato, na verdade, começa a ser retratada no instante em que ele tenta explicar para seus companheiros de cela a história do queijo gorgonzola. Nesse primeiro momento já dá para perceber que o talento do ator João Miguel vai render um ótimo personagem e uma atuação impecável. O longa alterna cenas que contam como ele chegou a Curitiba e aprendeu a cozinhar com seu dia a dia na prisão, onde ele começa a ganhar mais e mais poder entre os detentos por ser um bom cozinheiro. Esse recurso faz com que o filme não fique cansativo e prenda a atenção do espectador até o final, quando o motivo pelo qual o protagonista foi preso é surpreendentemente revelado.

Um aspecto interessante que pode ser observado e comparado entre as duas realidades vividas por Nonato é a diferença entre as preferências alimentares de um ambiente e outro: quando ele tenta servir um prato requintado para o preso mais importante da cadeia e seus colegas, a refeição foi rejeitada sob protestos de que aquilo “não é comida”, enquanto o restaurante em que ele trabalhava oferecia esse tipo de culinária aos seus clientes. “Estômago” é uma adaptação do conto “Presos pelo Estômago” escrito por Luso Silvestre e conta com a participação de um consultor de comportamento carcerário – o escritor e cronista Luiz Mendes Jr., que passou mais de 30 anos recluso – para garantir a realidade do texto das cenas. Vale destacar também o desempenho da estreante em longas-metragem Fabiula Nascimento, que interpretou Íria, a prostituta gulosa por quem Nonato se apaixonou perdidamente.

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Clique na imagem para escutar a playlist “Hábitos Alimentares”

PLAYLIST:

HÁBITOS ALIMENTARES Vanessa Souza de Gabriel de Castro

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A

alimentação é muito mais que um simples meio de sobrevi-

vência: pode ser também um modo de reafirmação social, um momento de prazer ou até mesmo um espaço para discussões éticas e políticas. Como tudo que move o ser humano move também a arte, aqui estão sete composições que abordam o tema de diferentes perspectivas: 1. Zeca Pagodinho, “Caviar” A clássica “nunca vi, nem comi, eu só ouço falar” tanto não podia ficar de fora desta lista que foi escolhida para abri-la. Zeca Pagodinho faz uma crítica social em seu samba ao dizer que, na mesa de poucos, há “fartura adoidado”, enquanto em outras ele se depara com a fome. No fim das contas, ele diz que não reclama da vida e que, por mais que prefira ovo frito, farofa e torresmo, pode até algum dia chegar a provar a iguaria que é o caviar. 2. Marisa Monte, “Não é Proibido” É impossível não sentir fome ouvindo Marisa Monte enumerar em sua voz tão afinada várias sobremesas deliciosas – desde as mais tradicionais da culinária brasileira, como mariola e quindim, até as americanizadas chiclete e sunday de chocolate. Para

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acabar com o estigma de que devemos cortar os doces da nossa dieta, Marisa defende: não é proibido 3. The Beatles, “Savoy Truffle” Composta por George Harrison, a canção homenageia a obsessão que seu amigo Eric Clapton tinha por doces. A letra foi escrita com base em alguns dos sabores de chocolate encontrados na caixa “Good News” da marca Mackintosh’s, além de fazer referência à música “Ob-la-di, Ob-la-da”, que, assim como “Savoy Truffle”, é uma das faixas do famoso Álbum Branco. Na nossa playlist, a versão adicionada é da cantora Ella Fitzgerald. 4. Tim Maia, “Chocolate” Nada de guaraná, chá ou café: o que Tim Maia quer mesmo é chocolate. A música, que era originalmente um jingle para a Associação Brasileira dos Produtores de Cacau, traz mesmo assim a irreverência do cantor em seus versos finais. Para os chocólatras, é um prato cheio. 5. The Cardigans, “Happy Meal” Em uma canção pop suave, a vocalista Nina Persson conta

como é se sentir a pessoa mais feliz do mundo por gostar de alguém. Entre as coisas que ela faz para esperar por quem ama estão arrumar seus livros e preparar a comida, mas a melhor parte é quando o jantar é compartilhado com uma companhia especial e um pouco de vinho para embalar a refeição. 6. Árbol, “Comida Chatarra” O título da música, cuja tradução ao pé da letra seria algo como “sucata alimentar” já denuncia o que está por vir na letra: os hábitos alimentares dos adeptos da junk food criticados e ironizados. Como acompanhamento, a banda argentina oferece um delicioso arranjo instrumental bem-humorado. 7. The Smiths, “Meat Is Murder” Se (quase) todas as outras músicas desta lista dão água na boca, esta faz exatamente o contrário: em um clima sombrio, ela manda um lembrete aos relapsos falando que a carne ingerida por nós já foi um animal que morreu por motivo nenhum (afinal, podemos nos alimentar de outras maneiras), e que “uma morte sem motivo é assassinato”. Morrissey, então vocalista da banda, é vegetariano e ativista pelos direitos dos animais até hoje.

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