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EM EVIDÊNCIA NA TV

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Existe uma distorção do conceito da liberdade de expressão

RICARDO BREIER

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Conselheiro federal da OAB

Entrevista: Cláudio Andrade e Lucio Vaz

O senhor foi duas vezes presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, no Rio Grande do Sul (OAB/RS). Que legado o senhor deixa dessa experiência?

Eu tenho uma caminhada longa de Ordem, ingressei junto com o presidente Claudio Lamachia, em 2007. Nesse período, presidi a Comissão de Direitos Humanos, que foi uma grande experiência, porque a OAB tem um viés humano. Esta Comissão se chama Sobral Pinto, que foi um homem da história do Direito e da própria Ordem, sempre ligado às causas sociais. Ela me ensinou muitas coisas importantes, um dos casos que mais me tocou, aconteceu na véspera do Natal, em 2007, quando nós fomos no Instituto Psiquiátrico Forense (IPF), denunciar os maus tratos que passavam os internados. Nós conseguimos uma ação judicial para ingressar dentro do Instituto e denunciamos as péssimas instalações. Aquilo teve um resultado maravilhoso, porque depois houve uma reestruturação no IPF, modificando todo aquele cenário degradante. Isso reflete a importância da OAB e o que ela pode representar como força institucional não só da Advocacia, mas também da sociedade. Depois fui secretário-geral da OAB e cuidei de toda a administração da entidade. Seria como o coração da OAB, onde é possível organizar toda a casa administrativamente, como o Conselho Seccional, as Comissões e as 106 Subseções. Posteriormente, me tornei presidente da OAB/RS, ficando no cargo por seis anos. Eu divido esse mandato em duas etapas importantes, a primeira com um trabalho voltado para a Advocacia, a reestruturação, o diálogo com o Poder Judiciário e a defesa das prerrogativas. Na segunda parte, quando daríamos sequência a toda essa representatividade, surge o caos mundial que foi a pandemia. No dia 18 de março, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) disse que a Justiça tinha que fechar, porque não sabíamos o que estávamos enfrentando. A Justiça do Trabalho e a Federal possuem processos eletrônicos. No dia 4 de maio de 2020, o próprio CNJ disse numa Resolução, que os processos eletrônicos poderiam levantar a suspensão de prazos, mas os processos físicos, que precisariam de um funcionário para dar andamento, permaneceriam suspensos e os Fóruns fechados. Na Justiça do Trabalho, houve um grande empenho nas petições eletrônicas, as sentenças começaram a vir. A Justiça Estadual, que detém a maior competência de matérias, possuía três milhões de processos físicos, ou seja, 80% do seu acervo era físico, consequentemente, o servidor não podia entrar no Fórum e esses processos não se movimentaram. Nós tínhamos processos de adoção que já estavam na linha final, onde crianças iriam para um lar, ficaram parados. Na época, liberamos mais 1,2 bilhão de reais, pois criamos um auxílio vulnerabilidade, que complementava a renda. Eram três parcelas de R$ 350,00, num cartão vale-alimentação, que é intransferível, portanto, ele só poderia trocar por alimento. Foram 1.780 advogados que buscaram este auxílio. Escritórios fecharam, porque não conseguiram manter o seu aluguel e não podiam trabalhar em virtude desse colapso, que tivemos na Justiça Estadual. Eu tive que tomar uma posição, porque o Judiciário de alguma forma estava engessado pela Resolução do CNJ. Fomos até o Conselho e conseguimos que a Justiça voltasse, desse liberdade ao presidente do Tribunal abrir o Fórum com toda segurança. Foi uma data muito marcante, milhões de advogados foram ao Foro Central entregar os processos físicos para que pudessem digitalizá-los.

Qual a sua opinião sobre os ataques à democracia?

No estado, são 90 anos de existência da OAB, no Brasil são 92 anos. O espírito da OAB é a representatividade dela, da Advocacia e da sociedade. A sua credibilidade está ligada ao fato de que é uma entidade apartidária, ou seja, ela não investe no seu atuar em qualquer bandeira político-partidária. No Rio Grande do Sul, somos assim, é um grupo que está desde 2007, nós tivemos o presidente Marcelo Bertoluci, eu por duas vezes, agora o presidente Leonardo Lamachia segue a mesma cartilha. Nós temos que ter equilíbrio, ouvir todos os lados e na hora oportuna, nos manifestamos e aqui tem sido assim, no estado do Rio Grande do Sul e no Brasil, também. Se não nos excluirmos da questão político-partidária, não teremos credibilidade nenhuma das nossas ações. O presidente Beto Simonetti retomou o rumo da imparcialidade e do apartidarismo. Hoje, a OAB está sendo muito mais ouvida e participando dos grandes debates nacionais, inclusive na questão do Supremo Tribunal Federal, sempre defendendo a independência da entidade e buscando a harmonia das instituições. Segundo Montesquieu, no livro O Espírito das Leis, a democracia é baseada na independência dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Para ele, a democracia termina, quando for ruído algum desses Poderes. O Brasil teve, nesses anos de democracia, um Executivo ruído, que perdeu a credibilidade. Nós tivemos o Legislativo muito comprometido também, então desses três pilares, dois ruíram. O Judiciário está sendo colocado à prova agora, pela sua independência. Isso para nós é um salto para a quebra da independência e da perda da democracia. Nós devemos ter cuidado. O papel da OAB é alertar para o resguardo das instituições, pois são os homens que as vilipendiam.

Atualmente, quais as suas funções na Advocacia?

Eu estou como conselheiro federal na OAB, representando o Rio Grande do Sul, com mais cinco conselheiros federais nossos. Eu queria, depois do trabalho na presidência e a pandemia que foi uma loucura, cuidar um pouco do escritório, família e vida social. Porém, o presidente Simonetti me deu uma missão, para assumir a Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia, que tem

SEMPRE EM EVIDÊNCIA Depois de dois mandatos na presidência da OAB/RS, agora Ricardo Breier é um dos conselheiros federais mais atuantes na entidade

a função de proteger e atuar sempre que um advogado, no exercício do seu trabalho for impedido de exercer a sua profissão, por uma autoridade pública. A OAB estruturou-se nacionalmente e, aqui no estado, criamos um plantão 24 horas para atender essas denúncias. Nós tivemos muitos casos de violência contra advogados e advogadas, no Brasil. As advogadas sofrem mais, tanto por assédio moral, quanto sexual, sendo até agredidas. Eu fiz um rastreamento no país, nas 27 Seccionais, conhecendo a realidade da Advocacia no Brasil. É muito difícil, porque existem culturas autoritárias, que admitem apenas a sua concepção de verdade. O advogado argumenta e argumentar não é desacatar. Alguns têm a ideia de que sempre quando o advogado argumenta, contra um ato da autoridade pública, ele está desacatando. Consequentemente, acabam algemando e prendendo. Segundo o presidente Simonetti, eu tenho duas atribuições: uniformizar o Sistema Nacional de Defesa de Prerrogativas e executar o Cadastro Nacional de Violadores de Prerrogativas. Sempre que uma autoridade pública, no exer-

MAIS UM LIVRO NO CURRÍCULO Um Tempo de Inspiração nasce de uma coletânea de mais de 100 artigos, em nove anos. Ainda na foto, o apresentador, Cláudio Andrade, e o diretor, Lucio Vaz, durante as gravações do programa que comemorou um ano do Em evidência na TV, na RDC TV cício da sua função, arbitrariamente, desrespeitar sem motivo algum, o advogado e a advogada que estejam exercendo a sua profissão, ele vai responder administrativamente um processo dentro da Ordem, que se chama de desagravo público. A autoridade pública fica registrada no Cadastro Nacional de Violadores de Prerrogativas e quando buscar o reingresso na Ordem, será barrado. Nós não podemos mais tolerar essa violência que sofre a Advocacia, porque existem discursos dizendo que o advogado quando atua, defende a impunidade. Não, ele defende a segurança jurídica e aquilo que está descrito no devido processo legal. As regras têm que ser cumpridas. Se uma pessoa é culpada, ela vai responder e receber a sua pena.

Como garantir o direito do cidadão e o exercício profissional do advogado em sua defesa?

O Supremo Tribunal Federal já anulou decisões com condenações de 35 anos e a pessoa acabou ficando presa por oito anos. Por isso, eu sempre digo que a Advocacia tem que estar preparada. Os advogados são muito importantes no pós-pandemia, porque muitas pessoas perderam seus direitos. Não existe sensação melhor de quando o advogado recebe uma liminar na Justiça e consegue internar uma pessoa que o hospital não quer receber. Quando buscamos o direito da igualdade, a OAB entra fortemente no tema e restabelece a liberdade de ser e o direito ao trabalho. O advogado está na frente e pode fazer a diferença na vida das pessoas. Então, por isso que as prerrogativas são sinônimo de trabalho e têm que ser respeitadas. Nós criamos o Estatuto da Advocacia, que foi alterado em virtude de grandes problemas com as operações Lava Jato e Mensalão, onde escritórios de advocacia eram vítimas de busca e apreensão. Antigamente, o cidadão dizia que o seu advogado tinha todos os documentos, aquilo bastava para que o juiz concedesse um mandado de busca e apreensão. Com isso, eles levavam todos os processos, inclusive de outros clientes. Como é que o advogado poderia exercer a sua profissão, com base numa delação sem qualquer indicativo? O presidente Simonetti, através de toda uma estrutura de Comissões importantes do Direito Constitucional, modificou o Estatuto. O advogado deve ter liberdade de trabalhar, fazer o seu horário e sua autodisciplina, não possui limites quanto a isso. O limite institucional é a ética. Nos quadros da

OAB, nós temos um Tribunal de Ética e Disciplina, que caça e suspende o mau profissional. Não podemos deixar que poucos advogados manchem a imagem de muitos. Criamos alguns critérios, onde só haverá a apreensão daquilo que está no objeto do mandado, que são os documentos referentes ao cliente investigado. Nesse espectro que entram os agentes de prerrogativas, sempre que tiver uma busca e apreensão na casa do advogado ou no escritório haverá um funcionário para acompanhar e ver se não há excessos na execução por parte da autoridade pública. Se for identificado o excesso, ele preencherá uma ata e essa autoridade poderá responder por abuso de autoridade. Nós reformulamos a nossa legislação para dar mais segurança e mais critério ao advogado, para que ele possa exercer a sua profissão.

O que o senhor pensa sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal?

Eu vejo com uma certa preocupação, vou especificar falando da polarização, que é um fenômeno mundial, isso não acontece só no Brasil, nós tivemos nos Estados Unidos, nas duas últimas eleições. Nós não podemos ter, como George Orwell falava, a Polícia das Ideias. Existe uma distorção do conceito da liberdade de expressão. As Redes Sociais propalam muito mais que as revistas e os jornais, na década de 1970. Hoje elas, simultaneamente, colocam no mundo diversas opiniões. O inquérito das Fake News tem um fundamento com base no ataque à democracia e ao Supremo Tribunal Federal. A OAB defende a liberdade de expressão e da imprensa. O que está acontecendo hoje é uma politização ou a Polícia das Ideias. O Raimundo Faoro escreveu no seu livro Os Donos do Poder, que a democracia em determinados momentos, passará por vários casos em que será colocada em jogo. Nós temos que estar fortes. Eu realizei uma palestra chamada de “Brasil liberta-te”, fiz um histórico antropológico dos anos de existência do Brasil. Nós não temos, infelizmente, no país, uma estabilidade política. A psicanálise diz que os políticos representam a questão social da conduta da cidadania e é algo que está dentro do nosso inconsciente, em determinados ramos do poder autoritário.

Sobre o que trata o livro Um Tempo de Inspiração?

Um Tempo de Inspi- “ração nasce de uma coletânea de mais de 100 artigos, em nove anos. Eu sempre presenciei temas polêmicos na sociedade. A maneira que eu tive de me comunicar, foi através de artigos didáticos e objetivos, sobre os assuntos que o país estava vivendo em determinado tempo da sua história. Nós vivemos vários momentos difíceis, inclusive escrevi artigos na calada da noite sobre a pandemia e as dificuldades dela, que nós víamos pela televisão, porque estávamos isolados. Os escritos falam do tempo e também discorrem sobre a problemática social, os alertas e os perigos, que poderiam acontecer para a sociedade, o cidadão e até mesmo para a Advocacia. Nesse meio tempo, veio a virtualização da Justiça. Existem pessoas que falecem e não veem as suas demandas resolvidas, pela demora. Eu acho que é um desafio importante, a Inteligência Artificial no Poder Judiciário, que abordo no livro. As primeiras audiências virtuais e seus problemas estão nele. Eu fiz 500 exemplares físicos e, também, pode ser baixado na minha página (www.breier.adv.br). Já temos quase mais de dez mil downloads. Nós temos vários casos importantes das instituições, um dos primeiros artigos, há quase dez anos atrás, é sobre corrupção e impunidade, muito atual. Fala de algumas entrevistas que dei também. Eu estou muito feliz dessa obra se materializar, pois acho que nós temos que deixar um legado. É uma obra de história e conta um pou-

quinho de toda preocupação que tive ao longo desses anos todos, à frente da OAB. O inquérito das Fake News tem um fundamento com base no ataque à democracia e ao Supremo Tribunal Federal. A OAB defende a liberdade de expressão e da imprensa. O que está acontecendo hoje é uma politização ou a Polícia das Ideias

Quais são as suas considerações finais?

Primeiramente, eu quero agradecer à força do destino, que nos trouxe aqui nesse programa tão especial, de um ano do Em Evidência na TV. A revista que já é um sucesso no mundo político e social. É importante termos esse canal de comunicação, porque podemos nos informar através da leitura e do comprometimento daquilo que está escrito. Hoje, na TV amplia cada vez mais a sua comunicação. Então, eu fico muito feliz e desejo que o programa tenha um sucesso cada vez maior, porque só a informação liberta. Nós temos que ter acesso a informações de canais sérios e comprometidos com a verdade, isso afasta as Fake News, as más notícias e a manipulação da informação. Em Evidência luta contra isso e leva a seriedade. Nós temos muitos bons políticos, mas a má política tem calado os bons e nivelados todos iguais, num país com tantas diferenças culturais. O escritor Voltaire dizia que a política é o maior bem do ser humano, quando se faz o bem comum, não quando se depende dela economicamente para sobreviver, isso nós vamos nos libertar um dia.

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