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Política ao Quadrado

Que estado, grupo ou cidade garantiu a eleição de Lula? Há muitas suposições, especialmente porque a diferença em relação a Bolsonaro no 2.o turno foi muito pequena, menos de 2% dos votos válidos, pouco mais de 2 milhões de votos. Apesar de Lula ter ganhado mais de 3 milhões de votos no 2.o turno, Bolsonaro cresceu em 7,1 milhões de votos.

Alguns dizem que a Bahia, com 3,75 milhões de votos de vantagem para Lula no 2.o turno, teria sido a responsável por sua eleição. O Ceará, com 2,17 milhões; Pernambuco, com 1,84 milhão e o Maranhão, com mais 1,6 milhão de vantagem para Lula foram, também, cruciais. Mas vale lembrar que mesmo nesses estados, Bolsonaro ganhou mais votos adicionais no 2.o turno do que Lula.

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Para outros, o DF teria sido crucial, porque foi onde Lula mais cresceu percentualmente entre o 1.o e o 2.o turnos – 12,3% - 80 mil votos a mais. Vale lembrar, porém, que, no DF, do 1.o para o 2.o turno, Bolsonaro cresceu mais: 14,4%. Além disso, em São Paulo, onde Lula cresceu apenas 9,8%, isso significou 1 milhão de votos a mais para Lula. Metade da vantagem final, diriam alguns.

Outros afirmam que o Piauí, onde Lula obteve o maior percentual de votos válidos tanto no 1.o (74,2%) como no 2.o turno (76,9%), é que foi o responsável pela vitória do petista. O estado, porém, tem apenas 2,6 milhões de eleitores, e essa vantagem significou “somente” 1 milhão votos de vantagem. A outra metade. Simone Tebet foi crucial para muitos, incluindo o presidente. Mas devemos lembrar que ela teve 4,9 milhões de votos. Muito mais, portanto, do que o crescimento de votos de Lula. Ou seja, nem todos os eleitores de Tebet seguiram sua candidata. Em seu discurso, Lula credita a entrada de Tebet na campanha à aliança com Alckmin. Ele, portanto, também, teria sido crucial. Outra análise aponta a diferença – calculada sobre estimativa de votos segregados por religião na última pesquisa Datafolha – de votos que Lula teria obtido entre os católicos – 10 milhões a mais de votos do que Bolsonaro – e entre aqueles sem religião – 5,9 milhões de votos a mais do que o atual presidente. Essas diferenças teriam neutralizado a vantagem de 14,7 milhões de votos que Bolsonaro teria tido entre os evangélicos. É um ângulo promissor de explicação, mas se trata de estimativa.

Seriam definidores os eleitores de algumas grandes capitais? Há Salvador, onde Lula abriu uma diferença de 630 mil votos; São Paulo, onde a vantagem foi de 450 mil votos; Fortaleza, onde Lula ganhou com diferença de quase 250 mil votos; Recife, onde a margem foi de 125 mil votos; São Luís, também com 125 mil votos de margem; e Porto Alegre, onde Lula obteve 57 mil votos de vantagem. O problema dessa explicação é que, em todas elas, a margem de Lula foi menor no 2.o turno do que no 1.o, isto é, mesmo nessas cidades, ganhou menos votos adicionais do que o atual presidente.

Talvez a vitória se devesse à tradição de a população urbana votar mais à esquerda. Tampouco parece ser essa a explicação. A grande vantagem de Lula, segundo o TSE, foi nas cidades com menos de 50 mil habitantes, onde obteve vantagem de 6,2 milhões de votos. Lula também ganhou no somatório das cidades com mais de 1 milhão de habitantes – mas a diferença foi de apenas 0,6%, pouco mais de 100 mil votos. Foram as pequenas cidades que neutralizaram a vantagem de Bolsonaro nas cidades médias – de 50 mil a 1 milhão de habitantes - de 4,1 milhão de votos. Esse fenômeno ainda precisaria de uma análise mais aprofundada.

É valido afirmar que o Nordeste elegeu Lula. Foi a única região em que ele venceu no resultado agregado e com uma diferença tão grande que neutralizou as derrotas nas outras regiões. No Sul e no Centro-Oeste, por exemplo, teve menos de 40% dos votos. Lula venceu em todos os nove estados da região. Além deles, venceu em apenas mais quatro: Amazonas, Pará, Tocantins e Minas Gerais – este por margem mínima. Mas não se pode negligenciar o peso da clivagem por religião e também a votação de Lula nas pequenas cidades - que em parte coincidente com a divisão por regiões.

É possível afirmar também que quem garantiu a eleição de Lula foi a militância de seu partido, que desde o início, a despeito da imensa rejeição do candidato – demonstrada pela evolução da votação no 2.o turno – manteve a campanha intensiva mesmo em estados onde a situação era pouco promissora, casos de Santa Catarina e do DF, por exemplo. É certo que sem as imensas vantagens obtidas no Nordeste, teria sido difícil a vitória de Lula, mas, igualmente, sem os votos cativos da militância do PT em regiões amplamente apoiadoras de Bolsonaro, a conta não fecharia. Claro que o PT foi auxiliado pela ainda maior rejeição do atual presidente, mas isso já é assunto para outra coluna.

* Rômulo Neves é Professor de Ciência Política e Diplomata

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