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Da prisão ao Planalto

Confi ra os principais desafi os que Luiz Inácio Lula da Silva terá em seu terceiro mandato como presidente da República

Dedicado a pesquisas sobre a Democracia Participativa e Eleições no Brasil, o analista político Rócio Barreto aponta os fatores que mais pesaram para que o presidente Jair Bolsonaro entrasse para a história como o primeiro chefe de Estado brasileiro que não conseguiu um segundo mandato, desde que a reeleição foi adotada no país. Ele ainda prevê dias desafiadores para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que assume seu terceiro mandato, mesmo depois de ser preso e condenado por corrupção. Bolsonaro foi o primeiro presidente da República, após a redemocratização e a adoção do instituto da reeleição, que não foi reeleito. A que você atribui isso?

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As pessoas votam no candidato à reeleição quando elas se sentem bem, quando estão se alimentando, trabalhando, tendo lazer. E com o governo Bolsonaro isso daí foi diferente.

Bolsonaro fez um governo que não agradou muita gente, o desemprego bateu recordes e a economia não funcionou

da forma esperada para que as pessoas reconhecessem isso no bolso e no seu dia a dia. Isso foi agravado pela pandemia. Enquanto alguns gestores trabalhavam para minimizar os efeitos, Bolsonaro subestimou a força do vírus, o tratou como gripezinha, brincou e usou até em tom de deboche. E o resultado veio nas urnas.

O governo Bolsonaro não soube trabalhar conquistar ou compensar os eleitores. As pessoas não viam resultado em suas ações ou nas suas políticas públicas que melhorassem suas vidas. E tudo isso se refletiu nas urnas.

Além disso, ele propôs muita coisa na sua campanha eleitoral de 2018 que não conseguiu cumprir, acabou sem condições de levar adiante seu governo, mantendo, perdendo a credibilidade de parte do eleitorado.

Lula venceu as eleições sem a máquina e o presidente Bolsonaro ficou aquém do que poderia ter feito. Foi um presidente avaliado negativamente durante todo seu mandato, não conseguindo reverter esses números.

A má gestão da crise da pandemia, na economia e no emprego. E isso tudo acabou refletindo, consequentemente, em sua relação com as pessoas. Errou ao confrontar a Ciência e criou em diversas ocasiões crises institucionais com o Congresso Nacional e o Judiciário.

O que poderia ter sido feito para que Bolsonaro pudesse ser reeleito? Algum fator determinante?

Acredito que sua derrota decorre de um conjunto de fatores. Se tivesse tido uma relação melhor com o Congresso, governadores e prefeitos. Subestimou adversários, privilegiou um determinado grupo de aliados ideológicos e deixou parte da população alijadas do Estado. Isso o tornou frágil para se manter no cargo. Preferiu ignorar vários Brasis dentro do Brasil.

Discursos machistas, debochados, inconsequentes, além de sua pregação contra a urna eletrônica e a constituição. Brincou com a vida das pessoas com covid-19, demorou a comprar vacinas, subestimou a ciência, o poder das vacinas. Desacreditou as vacinas e incentivou muita gente a não se vacinar.

No momento em que acordou para tudo isso, já era tarde demais. O presidente Lula e o PT se aproveitaram o viés golpista do discurso de Bolsonaro. Eles ainda reforçaram a tese de que Lula foi alvo de uma perseguição política, uma narrativa que acabou prevalecendo e ganhando até a chancela do STF. Bolsonaro facilitou e deixou de ocupar os espaços necessários para garantir a sua reeleição.

Qual sua avaliação sobre a performance de Bolsonaro como presidente? Apesar da derrota, ele teve um desempenho expressivo nas eleições 2022. A eleição foi muito mais acirrada do que as pesquisas eleitorais indicavam e reavivou no imaginário do eleitorado as acusações que levaram o ex-presidente Lula a ser preso e acusado de corrupção.

Em toda a gestão, sua performance foi pífia. Em vários momentos, seu desempenho ficou aquém do esperado pela sociedade, mercado e incompatível com o cargo de presidente da República. Em vez de governar, preferiu se manter como se estivesse em cima do palanque, falando para grupos específicos, em vez de estar tratando dos problemas efetivo dos brasileiros.

Em muitos momentos, sua atuação não teve a dimensão exigida para o cargo que ocupava. E o resultado disso apareceu nas urnas, perdeu parte dos apoios que teve junto ao eleitorado em 2018 e ainda foi alvo de um número recorde de pedidos de impeachment dos mais variados partidos, em grande parte por conta de seu comportamento, atitudes e gestos, como a decretação de sigilo de 100 anos sobre ações corriqueiras do governo, o que ajudou a aumentar o clima de desconfiança por parte do eleitor.

Bolsonaro foi eleito em 2018 ao conseguir encarnar o antipetismo, como o anti-Lula e anti-Dilma, com o discurso de

que minha bandeira não é vermelha e defendendo uma pauta de costumes conservadora e em defesa de teses até mesmo inconstitucionais. Conseguiu atrair os votos dos antigos eleitores do PSDB e de outras legendas de centro esquerda.

Seu discurso começou a ganhar forçar especialmente após o impeachment da presidenta Dilma, em meio ao avanço da Operação Lava Jato, que culminou na prisão de Lula.

Surfou na crise petista, usando a narrativa do ‘Lula ladrão’, preso por corrupção. Porém, a maioria das pessoas não quer saber se um gestor é corrupto ou não, a maioria vota pela qualidade de vida que o governante pode lhe proporcionar ao longo de sua gestão.

Ao longo de seu mandato, com seus próprios tropeços e seu discurso com viés golpista, Bolsonaro acabou perdendo a narrativa de combatente da corrupção. Mesmo assim, ainda conseguiu forçar um segundo turno com Lula, mas o excesso de erros táticos e sua opção de ignorar alertas de aliados do Centrão, acabaram diluindo o poder da máquina federal na campanha. O resultado das eleições todos viram.

Diante do resultado do segundo turno, que garantiu a Lula uma vitória apertada, podemos dizer que grande maioria não votou por gostar de A ou de B, mas por rejeitar mais um candidato do que outro. Isso coloca a governabilidade do país em risco?

O segundo turno foi criado justamente para que o candidato eleito, tenha de fato o apoio maioria do eleitorado. Mas em uma eleição com tantos candidatos à Presidência, os votos tendem a se pulverizar. Por isso, houve a opção de se es-

tabelecer um segundo turno para as eleições majoritárias em cidades com mais de 200 mil eleitores, caso nenhum dos candidatos obtenha 50% dos votos válidos no primeiro turno.

A diferença pequena de votos entre Lula e Bolsonaro no segundo turno da disputa presidencial pode sim ter reflexos do governo do PT, reduzindo a margem de manobra do Executivo em negociações com o Legislativo, sem dúvida, já que metade da população não votou Lula.

O governo que será empossado em janeiro na pode perder de vista a insatisfação demonstrada por uma parte significativa do eleitorado com a eleição de Lula, o que pode sim representar um perigo para a governabilidade do país.

Os grupos de pessoas que até hoje estão acampadas em frente ao QG do Exército e quarteis, seja em Brasília ou em outros estados, ainda acreditam que podem reverter o resultado das urnas e desafiam o Estado de Direito, bloqueando estradas, defendendo a intervenção militar, reforçando o clima de tensão e a divisão que permanece latente na sociedade brasileira. O presidente Lula costuma ser muito hábil diante de adversidades e vem tentando apaziguar os ânimos desde que a transição foi deflagrada, em conversas e negociações intensas com o Legislativo e Judiciário, o que deverá lhe garantir os instrumentos necessários para cumprir uma de suas principais promessas de campanha: a manutenção dos R$ 600 de Bolsa Família, com o pagamento adicional de R$ 150 por cada filho em idade escolar. Seja com a aprovação da PEC Social ou a partir da liminar do Supremo que tira os gastos com o Bolsa Família do Teto de Gastos.

A situação é preocupante, porém acredito que o presidente Lula vai conseguir assegurar a governabilidade. Aliás, desde sua eleição, vem trabalhando intensamente e deve conseguiu ampliar sua base parlamentar no Congresso Nacional.

Hoje parte do PT e do Centrão já articulam um acordo de convivência para 2023. É Centrão e Lula sendo pragmáticos mais uma vez?

No jargão da política, há quem diga que o Centrão não se compra, apenas se aluga, o que por si só já mostra como funciona o seu pragmatismo.

O presidente Lula, ao longo de sua trajetória, mostrou o quanto também pode ser pragmático. Ele sabe tirar proveito de sua facilidade para conversar com qualquer tipo de pessoa, em qualquer ambiente, de forma direta e simples, que permite a qualquer interlocutor o entender perfeitamente. Tem uma habilidade incrível de estabelecer um canal de diálogo com diferentes setores da sociedade. E não perdeu tempo, já está entrou em campo e abriu as conversas com governadores, inclusive com os que não o apoiaram. Lula vai usar do seu pragmatismo e do seu poder de oratória, de voz, de discurso e convencimento para que essas pessoas o apoiem.

Já Centrão gosta de estar ao lado de quem tem as chaves do cofre.

Quais os maiores desafios que o presidente Lula enfrentará?

As limitações orçamentárias despontam como um dos maiores problemas que o presidente Lula terá no seu mandato, ainda mais diante da lista extensa de promessas feitas ao longo de sua campanha eleitoral, o que exigirá em muitos momentos o aval do Congresso Nacional, e consequentemente do Centrão, para executar seus planos de governo. As eleições de 2022 deram a vitória ao presidente Lula, mas Bolsonaro conseguiu eleger muitos apoiadores fiéis que poderão dar trabalho ao novo governo do PT.

Um desafio grande será convencer parte desses parlamentares a apoiar seus projetos e aprová-los. Ele já teve uma prévia das dificuldades que poderá enfrentar a partir das primeiras negociações para a aprovação da PEC da Transição. Por isso, terá de usar toda sua habilidade para lidar com a parcela do eleitorado que segue fiel a Bolsonaro.

@rociobarretoDF

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