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O novo ‘Lobby do Batom’
Cofundadora da Quero Você Eleita, Gabriela Rollemberg acredita que este é o caminho para se ampliar a participação feminina nos espaços de Poder
Inspirada no movimento que surgiu durante a última Assembleia Nacional Constituinte _ através do qual a minoritária bancada feminina, com apenas 26 deputadas federais, conseguiu negociar grandes conquistas para as brasileiras, como a inclusão no texto constitucional da garantia de igualdade de direitos entre homens e mulheres e a licença maternidade _, a advogada e cientista política Gabriela Rollemberg tem trabalhado para reeditar o chamado ‘Lobby do Batom’. Cofundadora da Quero Você Eleita , um laboratório de inovação política com foco na eleição de mais mulheres para cargos do Poder, ela já apresentou sua ideia às principais lideranças femininas da Câmara dos Deputados. Seu próximo passo, é mobilizar também a bancada do Senado e ampliar o apoio que vem costurando junto a sociedade civil organizada.
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Como surgiu a ideia de relançar o ‘Lobby do Batom’, quase 40 anos depois da Constituinte?
Com a possibilidade da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional no 9/2023, conhecida como “PEC da Anistia”, que prevê um novo perdão aos partidos políticos que não destinaram o percentual mínimo de recursos públicos para as candidaturas de mulheres e negros nas últimas eleições, analisando o cenário político em que praticamente todos os partidos políticos estão unidos pela sua aprovação, entendemos a necessidade urgente da sociedade civil caminhar de mãos dadas com as banca- da feminina da Câmara e do Senado, de modo a potencializar as suas forças nessa temática e em todas as demais que visam evitar os retrocessos e promover avanços nos direitos das mulheres. A ideia é se inspirar no mesmo movimento que aconteceu na Assembleia Constituinte, em que todas as parlamentares trabalharam juntas em defesa das mulheres, mas que dessa vez essa atuação seja conjunta com a sociedade civil organizada.
Quais as principais bandeiras que serão levantadas por esse novo movimento?
Estamos trabalhando na construção de consensos mínimos entre os movimentos, institutos e coletivos, tendo sido já delimitada uma agenda ideal de avanços estruturantes para esse primeiro momento:
• Reserva de no mínimo 30% de cadeiras para as mulheres nos cargos proporcionais até se chegar à paridade entre homens e mulheres nos parlamentos do país;
• Rejeitar o perdão amplo aos partidos políticos que descumpriram as regras de destinação dos recursos do fundo eleitoral e partidário;
• Constitucionalizar a destinação de recursos do fundo eleitoral e fundo partidário para candidaturas de mulheres negras e homens negros;
• Nas ações eleitorais de cassação das chapas proporcionais em decorrência de candidaturas fictícias de mulheres, proteger as mandatárias para que não sejam cassadas, bem como prever a aplicação da sanção aos dirigentes partidários; e
• Assegurar que ao menos as vagas ocupadas por mulheres nos Tribunais sejam sucedidas por mulheres e negras, na mesma proporção, bem como que a próxima vaga no Supremo Tribunal Federal seja ocupada por uma jurista negra com reconhecida trajetória de defesa dos Direitos Humanos.
Por que as mulheres não conseguiram avançar em sua representação mesmo depois das cotas de 30%?
A cota de 30% que define a obrigatoriedade de lançamento de candidaturas femininas para os Parlamentos, só passou a ser aplicada de forma obrigatória a partir da eleição de 2010. Anteriormente, o que havia era mera previsão de reserva de percentual de candidaturas, o que não trazia eficiência. Mesmo com a obrigatoriedade de lançar candidatas, os partidos políticos vêm burlando a cota, lançando candidaturas fictícias, conhecidas vulgarmente como candidaturas laranja. Levou algum tempo até que o TSE entendesse que essa fraude deveria levar à cassação de toda a chapa, como vem acontecendo atualmente. No geral, os partidos querem apenas mulheres candidatas, não que elas sejam de fato eleitas. É o que se verifica na forma de distribuição dos recursos dos fundos eleitoral e partidário para campanha eleitoral, pois mesmo havendo obrigação prevista em decisão judicial do STF de destinação de pelo menos 30% dos recursos para as candidatas desde a eleição de 2018, o que ocorreu desde então foram sucessivas anistias para perdoar desvios desses recursos para outras finalidades, que não a eleição de mulheres. Temos boas ações afirmativas previstas em lei e na Constituição. No entanto, não estão sendo efetivamente aplicadas no decorrer dos anos, o que apenas prejudica a qualidade da democracia brasileira. Se a nova anistia for aprovada, será uma década de anistias na temática da participação feminina na política.

O que mais afasta as mulheres da política?
Toda mulher que se lança no desafio da política coloca em risco a sua própria existência, não importa o cargo, o partido, ou o país. A política ainda é construída por homens para homens. Infelizmente, ainda costuma ser um ambiente tóxico e violento, no qual há muitos obstáculos para a eleição das mulheres bem como para a sua permanência nos mandatos. Elas não são bem vindas, incomodam o status quo, basta ver um recente levantamento que apontou que mesmo sendo minoria na Câmara, as deputadas da atual legislatura são alvo de 70% das representações no Conselho de Ética. Elas sofrem violência política constantemente pelo simples fato de serem mulheres. Precisamos garantir a autossustentabilidade dos mandatos femininos. Não basta eleger mulheres, temos que garantir que elas queiram permanecer na política.
Qual o maior desafio que a Quero Você Eleita enfrentou desde a sua criação em 2020?
A persistente falta de recursos para as candidaturas femininas, apesar da previsão expressa de destinação de percentual mínimo dos recursos. Trabalhamos com candidaturas de diversos partidos, sejam elas proporcionais ou majoritárias, mas, no geral, elas são procuradas de última hora, para cumprir a cota ou para ser vice, não têm acesso à estrutura partidária na pré-campanha, e mesmo quando crescem nas pesquisas não recebem o devido investimento para se viabilizar. O que acaba sendo mais comum é colocar as mulheres para pavimentar o caminho dos homens e fortalecer candidaturas masculinas. Infelizmente, a violência política começa nos partidos.

Quando o Brasil atingirá a paridade de gênero na política?
Se começar a cumprir as suas próprias regras legais e constitucionais, teremos uma potente aceleração nos percentuais construídos até aqui. Da mesma forma, há grande possibilidade de avanços significativos se aprovada a cota de cadeiras para as eleições municipais do próximo ano. No entanto, se mantido o ritmo atual de crescimento percentual, há estimativas que mencionam aproximadamente 120 anos, o que é absolutamente inaceitável.
Qual a diferença que as mulheres podem fazer na política?
As mulheres têm se destacado com mandatos inovadores que promovem o pertencimento, pedagogia política, construção coletiva, escuta ativa e diálogo inclusivo. As mulheres são atravessadas por outros desafios pessoais, profissionais e até mesmo fisiológicos, trazem novas perspectivas. Somos metade da população, metade da força de trabalho, praticamente a metade dos lares brasileiros são chefiados por mulheres, não faz sentido ignorar esse potencial na elaboração de leis e políticas públicas. A nossa participação na arena política produz novos conceitos e inovações até mesmo na nossa linguagem: feminicídio, economia do cuidado, dignidade menstrual, violência política de gênero... Mudar o vocabulário muda a nossa forma de compreender o mundo e de nos organizar.
Que mensagem deixaria para as mulheres que têm medo de entrar na vida pública?
Tem uma frase de uma música de uma cantora maravilhosa do Recôncavo Baiano, Sued Nunes, que é nosso lema “eu sou uma, mas não sou só”. É preciso reverenciar todas as mulheres que deram a vida para que pudéssemos alcançar os nossos direitos. Apesar de todos os desafios, todas as que vieram antes de nós apenas provaram que quanto mais mulheres na política, mais a gente muda a política, a cultura e a sociedade. Ainda há muito para ser mudado. Estamos todas no mesmo barco, precisamos estar unidas e remando na mesma direção. Se estiver com medo, saiba que não está sozinha, estamos aqui pra te dar a mão!










