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Ainda pequeno, mas um avanço

Enquanto sofre boicote dos representantes de setores mais reacionários da sociedade quando se fala de mudanças climáticas, o governo federal parece ter optado por atacar o problema pelas beiradas. Nada mal para um tema que requer um tratamento transversal por sua própria natureza.

O obscurantismo sob o qual vivemos nos últimos anos fez o governo federal perder de vista, entre outras referências, os parâmetros estabelecidos pelas Nações Unidas em seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Para além da atenção que cada um dos dezessete objetivos merece per se, os chamados ODS impõem um entrelaçamento de agendas capaz de produzir a trama que coloca a sustentabilidade à frente de qualquer aspecto particular, coisa bem diferente do que se viu por estas bandas ao longo de quase meia década de porteiras abertas para o desatino.

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Felizmente derrotada na eleição presidencial, a agenda da acumulação de capital às custas da irresponsabilidade ambiental resolveu se vingar via representação parlamentar, cuja composição tem se mostrado bastante receptiva a tal insanidade. Prova disso deu a Câmara dos Deputados quando, simultaneamente, soltou amarras para permitir mais destruição da Mata Atlântica e mutilou a reforma administrativa do governo Lula 3 para enfraquecer os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas.

Não faltaram críticas à atuação do governo nestes episódios — ou mesmo à falta dela, na opinião até de alguns aliados. Mas é bem plausível a justificativa de que a correlação de forças na Casa não permitiria uma atuação mais incisiva, sob pena de comprometer outras agendas num futuro nem tão remoto assim.

Seja como for, no que dependeu exclusivamente do Executivo, este primeiro semestre trouxe duas medidas de algum modo alvissareiras no campo da mobilidade. Curiosamente, não vieram dos ministérios dos Transportes ou das Cidades, mas da área econômica, o que não deixa de ser altamente significativo.

A primeira dessas medidas, logo no início do ano, foi a nova política de taxação dos combustíveis, que tem entre seus critérios o estímulo ao uso de fontes de energia renováveis. Pode-se questionar se a diferença nas alíquotas será capaz de produzir alterações importantes nos hábitos de consumo ou nas opções dos gestores das frotas. Mas não há como negar que traz de imediato uma sinalização e, quem sabe, uma expectativa de consolidação do critério ao longo do tempo.

Quanto à segunda medida, é bem verdade que carrega o pecado original de enxergar a indústria automotiva como motor privilegiado da economia. Todavia, registrada essa ressalva, é forçoso reconhecer que a inclusão de veículos de transporte coletivo e, de novo, do desincentivo ao uso de combustíveis fósseis representa uma significativa evolução em relação ao regime automotivo dos governos Lula 2 e Dilma, por exemplo, com foco quase exclusivo na popularização da mobilidade motorizada individual.

Claro que as duas iniciativas são ainda tímidas. Além disso, o noticiário deixa uma forte suspeita de que não houve muita articulação entre elas, nem alguma diretriz política mais robusta. De todo modo soa promissora a perspectiva de que há uma sensibilidade razoavelmente disseminada na área econômica a ponto de inspirar os tecnocratas no momento da elaboração de suas medidas.

* Paulo Cesar Marques da Silva é professor da área de Transportes da Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília. Possui graduação em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal da Bahia (1983), mestrado em Engenharia de Transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992) e doutorado em Transport Studies pela University of London (University College London) (2001).

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