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Rênio Quintas, um farol da cultura na capital federal
O maestro conta que assistiu Brasília crescer em todos os níveis: materialmente, espiritualmente, socialmente e culturalmente
Por:Rócio Barreto
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Nascido no Rio de Janeiro, em 1955, Rênio Quintas chegou em Brasília com 5 anos de idade para a inauguração da capi tal federal. Maestro instrumentista e arranjador, ele tornou-se um ativista cultural na cidade ao lado da companheira Célia Porto. Sua ligação com a música foi herdada dos pais � ambos eram pianistas. O pai, também jornalista, costumava acordar os filhos ao som de música clássica ao piano. Foi um dos fundadores do movimento candango pela dinamização da cultura ao lado de nomes emblemáticos no Distrito Federal como Vladimir Carvalho, Maria do Rosário Caetano, Ezio Pires e Severino Francisco.
Como Maestro reconhecido nacionalmente, como vê a cultura e a música no Brasil e no DF nos últimos anos?
A cultura e a música brasileira das mais fantásticas e privilegiadas do planeta. Nosso povo é criador, apesar de todos os pesares, de todos os massacres que a gente sofre. Nossa criatividade é uma das mais ricas e mais variadas expressões da cultura humana, do planeta terra, do nosso país. Considero que a cultura ela tem como perspectiva a sensação de pertencimento. E isso que explica um pouco essa resistência do povo brasileiro, a grandeza do que criamos e do que fazemos. Sofremos muito de uns anos para cá, assistimos uma inversão de valores primeiro, quando a gente tinha as grandes gravadoras, a gente não conseguia gravar limpeza, falando estritamente da música, das músicas independentes. Os músicos independentes tiveram que apelar para o estúdio feito em casa, que começou como um tornado lá no final da década de 60. Depois, com o advento da música dependente do ceder, a gente adquiriu uma certa velocidade, um mercado paralelo. Mesmo sem nível para competir com as grandes gravadoras, ele acabou estabelecendo parâmetros mínimos para poder investir. Com o advento do streaming, voltamos à situação anterior, porque são gigantes big techs dominaram totalmente as plataformas e os pagamentos são irrisórios e a pulverização dos trabalhos é gritante. Então, estamos enfrentando isso. Agora é uma questão que está colocada no planeta inteiro. Estamos aqui na luta para conquistar agora aqui em Brasília, a cena brasileira fantástica. O celeiro de artistas que a gente cria aqui, a quantidade de criadores, a quantidade de músicos bons que vão para o mundo inteiro. São premiados internacionalmente em todas as linguagens. Aí eu não me prendo só a música não, me prendo a todas linguagens. Somos premiados no mundo inteiro e aqui carece de uma cena que a gente possa transformar o nosso mercado interno em consumidor dos nossos trabalhos. Esse é o click que está faltando. Temos que fazer formação de plateia, temos que criar políticas culturais com mais eficiência para chegamos à população. Apesar de estarmos muito avançados nas políticas públicas e culturais. Nós temos o maior fundo de cultura do país em termos proporcionais e uma lei de incentivo à cultura que reflete várias frentes, o que é um diferencial, mas esse arcabouço não foi capaz de criar uma massa crítica suficiente para que a gente consiga alcançar aqui o mercado de consumo do Distrito Federal. São 3.000.000 de pessoas que gostam de música, então assim a nossa diáspora com a grande mídia ainda é muito grande.
O pessoal da música, da cultura em geral, tem recebido apoio do Governo Federal e do DF?
As políticas públicas voltadas para a cultura são muito avançadas aqui no Distrito Federal, nós criamos uma lei orgânica da cultura, a lei 934, de 2017, assim como avançamos pelo lado do Marco Regulatório da Organizações da Sociedade Civil, que são fatores que impulsionam muito a cultura. O problema é que que os governos insistem em não obedecê-las. As políticas de governo não têm a cultura como como fundamento. A cultura tinha que ser prioridade no meu entendimento. A cultura é que vai revolucionar o planeta, pois catalisa as emoções e faz as pessoas se sentirem cada vez mais humanas. A sensação de pertencimento é o que nos tira da barbárie. Então a arte, a cultura, vinculadas às forças do Estado, fundamentam a possibilidade de a gente ter um Brasil melhor, uma cidade melhor. E agora temos o presidente Lula, que nos dá uma esperança, porque o governo anterior, que não merece nem ser citado, é um governo que tentou realmente destruir a base de toda a cultura que conhecemos, na verdade, de toda a civilização que conhecemos. E graças à força do povo brasileiro, resistimos, não fomos mortos por causa dessa pandemia horrorosa. Nossa área, então, foi duramente atingida. Fomos os primeiros a parar e os últimos a voltarmos, mas estamos voltando, estamos aí investindo, acreditando e vamos em frente.
Nesse momento um artista ou agente cultural consegue sobreviver dignamente sem apoio do Governo, apenas com bilheteria?
É bastante improvável. Na realidade, a cultura é um direito, tem que ser impulsionada, incentivada pelo Estado. Então, a pessoa que quer ser totalmente independente, vai conseguir algumas coisinhas, mas não vai ter um resultado que mantenha uma sustentabilidade nos trabalhos. Por isso, as políticas culturais são fundamentais, como por exemplo, a Lei Paulo Gustavo, a Lei Aldir Blanc 2, que acabam dando o suporte necessário, após as demandas que ficarem reprimidas nesses anos de pandemia. Sem elas, dificilmente teríamos a volta das relações normais. Por isso que esse apoio é estruturante, para que a gente possa refazer o tecido cultural, refazer a relação com a própria plateia. Tivemos de promover uma reeducação de plateia, porque as redes invadiram tudo. Tem todo um contencioso relacionado com as televisões, com as mídias e a gente com os shows ao vivo, tudo isso é um caldo de cultura que a gente precisa avaliar, mas eu acredito que é essencial nos dias de hoje políticas públicas culturais.

Na sua opinião, o que é preciso para uma maior divulgação da cultura popular no Brasil?
Vou repetir, precisamos de políticas públicas voltadas à cultura. Os geniais pontos de cultura são uma forma bem grande de pertencimento, de apropriação dos saberes culturais ancestrais dos nossos mestres. E a partir dessa fortaleza, estabelecemos o patamar de crescimento sustentável de toda a cultura popular brasileira. Eu acho que a grande aposta é essa. Por isso que acredito muito em um Ministério da Cultura fortalecido, como está agora no governo Lula.
Qual seria seu conselho para um artista que está começando agora?
Eu diria ao artista que está começando agora, seja autêntico no que você faz, seja criador, crie conteúdo, estabeleça relação de crescimento e de apoio ao seu pensar, com os trabalhos que você vai vendo, que vão te dar suporte para que você consiga chegar na sua forma de se expressar. A gente sempre tem metas, mas fundamental é que a gente tenha a nossa própria forma de se expressar. É que vai fazer a diferença. Existe uma limitação do ponto de vista de mercado, pois os grandes investidores só investem em coisas massificadas, mas existe uma possibilidade real de você chegar lá sendo autêntico, tendo o seu trabalho.
Há algum trabalho seu a ser lançado esse ano?
Bom meus projetos de curto prazo são seguir tocando em vários festivais, em várias frentes. Estou tocando uns shows com a Celia Porto, fazendo um reviver do CD que lançamos do Legião Urbana. O trabalho que ela tem de interpretar em MPB. Assim, vamos tocando o barco nessa seara aí. E os meus trabalhos voltados para minha criação, né? Eu estou fazendo um projeto de arranjos para a Orquestra Sinfônica e escrevendo um livro falando sobre as minhas experiências na música e no planeta. São os meus projetos mais próximos.

Alguma consideração final?
Agradeço a revista Plano B pelo interesse no meu trabalho, solicitando essa entrevista e colocando a arte e a cultura como expressão máxima da liberdade humana. A cultura, ela tem em seu bojo a possibilidade realmente de transformar a sociedade para melhor. Nós temos todas as possibilidades de sermos um país muito melhor do que somos com um investimento maciço em cultura. Eu acredito que a cultura é um catalizador de toda a expressão a nossa brasilidade. A cultura brasileira é um fenômeno de diversidade, de riqueza que pode transformar a nossas vidas. E podemos levar isso para o planeta inteiro. É nisso que eu acredito.







