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Enfermagem: profissão da resistência e luta por direitos
Por: Camila Piacesi
Já tem uns três anos que você sempre está lendo notícias sobre a enfermagem nos noticiários. Durante a pandemia, a profissão ganhou destaque pela atuação contra a COVID-19 e pela defesa do Sistema Único de Saúde (SUS). De lá pra cá, começou uma luta por direitos negados a uma profissão que existe há dois séculos, mas sobrevive acumulando frustações há mais de 30 anos.
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No dia 12 de maio de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o PLN 5 que virou a lei n 14.581 que se refere as fontes de custeio para o pagamento do piso salarial nacional da enfermagem e no dia 18 do mesmo mês, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Roberto Barroso, revoga a liminar que suspendia a Lei número 14.434, que instituía o piso. Uma vitória que chegou com anos de atraso para a categoria e após uma longa novela de narrativas.
A luta pelo piso salarial nacional da enfermagem não é nova, e muito menos começou na pandemia. Ela vem desde 1988, desde antes da Constituinte, quando a deputada Benedita Domingues propôs o Projeto de Lei, sem êxito.
Em meio ao caos do enfrentamento a epidemia de COVID-19, e aqui eu digo não só a responsabilidade de assumir a linha de frente na imunização da população brasileira, mas sobreviver e trabalhar em meio a desordem que a saúde pública brasileira vivia durante o desgoverno do ex-presidente da República que negociava a compra de vacina de maneira escusa.
Naquela época faltavam vacinas, equipamentos de proteção individual (EPI), leitos, oxímetros, servidores, medicamentos, e até estrutura física para o enfretamento a doença. Entretanto, mesmo diante do medo de morrer ou infectar algum familiar, os enfermeiros assumiram protagonismo na luta contra a doença, receberam o reconhecimento da população brasileira e o título de heróis.
Comportamento
Mas, infelizmente a titulação não paga as contas e a dignidade para estes profissionais fazia-se a cada momento mais e mais necessária.
Um enfermeiro da rede privada em Brasília ganha aproximadamente de 2 a 3 mil reais por mês para trabalhar 44 horas semanais. Para viver, a categoria busca mais de dois ou até três empregos.
Agora, assumir três empregos e exaustivas cargas horárias neste cenário nada favorável da pandemia tornava-se mais complicado do que já era. Por isso, os profissionais se uniram em prol da dignidade da enfermagem.
Neste período, foram realizados diversos atos nacionais para denunciar a situação descrita acima. O primeiro, foi em Brasília, em frente ao Palácio do Planalto.

O que era pra ser um ato pequeno e silencioso, ganhou o mundo, quando seguidores bolsonaristas foram agredir verbalmente e fisicamente uma enfermeira que protestava. Para o presidente do Sindicato dos Enfermeiros do DF, Jorge Henrique Sousa, este fatídico dia foi um marco. O bolsonarista Renan, de certa forma, deu voz a enfermagem. “Me lembro que dei entrevista para os maiores jornais e mídia do Brasil. Nas entrevistas sempre falava sobre as nossas condições de trabalho e acho que tudo isso fez com que a gente ganhasse a visibilidade que precisávamos para ter o apresso e reconhecimento da sociedade”, explicou.
Depois ocorreu uma vigília no Museu Nacional da República, organizada pelo Sindicato dos Enfermeiros do DF com projeção dos nomes dos 109 profissionais ceifados pela Covid.
A diretora de Comunicação da entidade, Nayara Jéssica, comentou que o ato também lembrou da negligência histórica, e que a ordem era ganhar visibilidade para conseguirem reconhecimento.
Após os dois atos, em maio de 2020, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) apresenta um Projeto de Lei o PL 2564/20, que propõe o piso salarial da enfermagem aos enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares e parteiras de todo o Brasil.
Com o piso, enfermeiras e enfermeirosde todo país receberão R$ 4.750, os técnicos de enfermagem R$ 3.325, auxiliares de enfermagem e parteiras R$ 2.375. Sendo que os técnicos devem receber 70% do piso dos enfermeiros e os auxiliares e parteiras 50% do mínimo pago aos enfermeiros.
O texto foi aprovado no dia 29 de novembro de 2021 no Senado e seguiu para o rito na Câmara dos Deputados, quando foi aprovado no dia 4 de maio de 2022.
O presidente Jorge, comenta que neste dia de votação na Câmara, tinham mais de 10 mil profissionais em Brasília. Eles ocuparam todo o Congresso. “Acredito que esta mobilização fez toda a diferença. Isso foi decisivo para que a votação fosse praticamente unânime na Câmara dos Deputados”, disse ele.
Porém mesmo com a aprovação, havia o medo do PL ser inconstitucional e os movimentos sindicais correram para que fosse criada e aprovada a Emenda Constitucional número 124, a que tornava o Projeto de Lei do Piso constitucional. Em julho, a EC 124 é aprovada e, no dia 4 de agosto, sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro.
Durante todo este tramite na Câmara dos Deputados e no Senado Federal o Sindicato doa enfermeiros do DF juntamente com as entidades sindicais de todo Brasil não pararam com as mobilizações para pressionar a aprovação do PL.
Mas, o lobby dos hospitais particulares foi muito forte, e após ver a lei sancionada, não aceitaram pagar o piso e recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF). Atendendo a ADI do 7222, entidade que representa hospitais, clínicas e estabelecimentos privados de saúde, o ministro do STF, Luiz Roberto Barroso suspendeu os efeitos da Lei do Piso. Ele solicitou que fossem indicadas as fontes de custeio para pagamento do Piso.

Para a enfermeira Marcela Vilarim Muniz, a decisão do Barroso foi uma afronta à dignidade dos enfermeiros, que trabalham em condições precárias, recebem muito pouco e carregam uma responsabilidade enorme sob a vida do paciente. A primeira paralisação da enfermagem foi no dia 21 de setembro de 2022, por conta da decisão monocrática do ministro. Cerca de 2 milhões de trabalhadores e trabalhadoras da enfermagem de todo o Brasil cruzaram os braços. Somente em Brasília, mais de 10 mil pessoas participaram do ato em frente ao STF.
Mais uma vez, a enfermagem ganhava todos os noticiários por conta do descaso que passavam na luta por direitos.
Como a temática já se estendia há anos, o deputado federal Mauro Benevides (PDT-CE) propôs a Emenda Constitucional 127 que prevê auxílio financeiro para custear o piso. A EC foi aprovada, mas o Piso continuava suspenso.
No dia 1 de janeiro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assume a presidência com a promessa de resolver o imbróglio da enfermagem. Então, no dia 18 de abril de 2023, o presidente assina o PLN 5 - que garante a abertura de crédito orçamentário para o Piso Salarial da Enfermagem em todo o Brasil. E no dia 26 de abril de 2023, o projeto foi aprovado no Congresso Nacional, em sessão conjunta. No Dia Internacional da Enfermagem, 12 de maio, o chefe de Estado sanciona a
Lei das Fontes de que garantem os recursos para o pagamento do piso para os estados, municípios, entidades filantrópicas e hospitais privados que atendam até 60% pelo SUS.
O ato foi publicado no Diário Oficial da União (DOU), e na noite do mesmo dia, a portaria do Ministério da Saúde (MS) que trata dos repasses dos 7,3 bilhões de reais para o pagamento do Piso da Enfermagem foi publicada.
Não havendo mais razão de manter a suspenção do piso, o ministro Barroso revoga a liminar que suspendia o pagamento do mínimo da enfermagem. O julgamento do STF ainda está em votação, sem previsão de acabar.
A expectativa é que em agosto o valor de 4,750 reais esteja no contracheque dos enfermeiros e das enfermeiras da rede privada de todo o país. Já para a rede pública é necessária uma lei que modifique os valores e a tabela de remuneração dos profissionais.
O presidente do SindEnfermeiro-DF lembra que a ordem agora é não aceitar que nenhum profissional receba menos que o piso e negociar a implantação no piso na Secretaria de Saúde do DF (SES) o mais rápido possível. Após isso, a luta será pela redução da jornada para 30 horas. Outra luta histórica, que acumula derrotas, mas é extremante necessária para o não adoecimento da categoria e para a melhoria do atendimento à população.
