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3.3 A construção da máquina de fake news bolsonarista
from FAKE NEWS, O VÍRUS
by Rede Código
brasileiro para a disseminação de conteúdo pró-vida, anti-LGBT+ entre outras pautas de extrema-direita.43 Arsuaga já havia se tornado um jogador poderoso dentro da esfera ultradireitista, realizado reuniões no Vaticano e encontros com o Papa Francisco e recolhendo de outros cardeais de importância dentro da Santa Sé, instruções de como disseminar as crenças católicas internacionalmente. E foi do monsenhor Carrasco de Paula, então presidente do Pontifício Conselho para a Vida, e Antoine Camilleri, subsecretário de Estado da Santa Sé, que Arsuaga recebeu o conselho de unificar os integrantes pró vida ao redor do mundo e criar grupos de pressão dentro da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA). Ignacio é, de certa forma, um catequista da era digital, sua chegada ao Brasil foi um marco para o letramento digital da nova geração de conservadores, ainda perdidos em meio a cibercultura e seus diversos aparatos para a disseminação de opinião. Arsuaga conduziu seminários onde explicava não somente como desenvolver uma rede vasta de interação com pessoas de valores morais semelhantes, mas também como ser pago para difundir conteúdo conservador. O WikiLeaks disponibilizou mais de dezessete mil documentos da Hazte Oir e da CitizenGO, onde é possível encontrar o conhecimento tecnológico e as pautas que tem norteado a extrema-direita no Brasil. A Fig.12 é parte de um dos documentos exibidos em um seminário em 9 de novembro de 2013, intitulado “Novas formas de comunicar a mensagem pró vida e vencer a guerra cultural”. Guerra cultural é o termo usado por ultradireitistas para o combate ao globalismo, direitos humanos universais e a comunidade LGBT+. O slide propõe algumas ideias de assuntos que podem ser abordados como a promoção da “família natural”, composta por pai, mãe e filhos, divulgar as dificuldades do aborto para as mulheres e reivindicar o direito à vida de crianças não nascidas.
43 Conteúdo disponível em: https://theintercept.com/2021/08/18/catolico-espanha-citizengo-treinouextrema-direita-2013-bolsonaro/#:~:text=Com%20ele%20no,4. Acessado em: 27.nov.2021.
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Figura 12- Slide apresentado em seminário pró vida.
Fonte: WikiLeaks.
Os seminários se tornaram um sucesso graças a abordagem de Arsuaga, focada em um passo-a-passo simples que ensinava até mesmo a como redigir um email bem sucedido para a coleta de fundos, assim como dicas para o investimento em design gráfico e no uso de imagens sempre que possível44, desenvolvendo uma incubadora política que viria dar à luz ao seu primeiro filho brasileiro, o bolsonarismo, cinco anos depois.
Com todos os elementos funcionando individualmente, a eleição de Bolsonaro precisava apenas de um elo que unisse todos os ingredientes em uma receita bem sucedida. A responsabilidade de criar essa ponte foi designada aos seus filhos, Eduardo e Carlos Bolsonaro, que tiveram contato direto com a maioria das pessoas mencionadas anteriormente.
44 Conteúdo disponível em: https://theintercept.com/2021/08/18/catolico-espanha-citizengotreinou-extrema-direita-2013-bolsonaro/#:~:text=Com%20ele%20no,4. Acessado em: 27.nov.2021.
Figura 13- Encontros de Eduardo Bolsonaro com influenciadores.
Fonte: elaborado pela autora, 2021.

Em seu livro “A Máquina do Ódio”, a jornalista Patrícia Campos Mello delineia o desenvolvimento da campanha digital inovadora em solo brasileiro.
A estratégia digital da campanha do ex-capitão estava anos-luz à frente de qualquer outra. Carlos Bolsonaro, o Carluxo, o Zero Dois, segundo filho do então candidato, foi um visionário. Ele acompanhava como os outros políticos populistas de direita estavam atuando mundo afora e muito cedo percebeu que a propaganda — viral ou contratada — nas redes sociais passaria a ser crucial em campanhas políticas. Ao longo dos anos, Carluxo, à frente da estratégia digital do pai, estimulou a criação de uma infinidade de grupos no WhatsApp e no Facebook e identificou influenciadores, as pessoas mais ativas na difusão e criação de mensagens. Jair Bolsonaro e os três filhos políticos também se transformaram em influenciadores digitais, documentando pelo YouTube e pelas mídias sociais suas vidas e se comunicando diretamente com seus apoiadores. (MELLO, 2020).
Cada um deles emprestou ao bolsonarismo componentes essenciais para que a campanha política de sua família e da extrema-direita pudessem prosperar. Foi através de Eduardo e Carlos que a máquina de fake news bolsonarista foi criada e adaptada, conjurando o poder das redes sociais, sua falta de fiscalização e os moldes que já haviam sido traçados pelo M5E e a vitória de Donald Trump, anos antes. Já beirando a votação do segundo turno, a campanha de Bolsonaro até aquele momento havia sido alastrada por acusações de uso de fake news maciço contra seu oponente, Fernando Haddad. Segundo levantamento do Congresso em Foco, de agosto a outubro de 2018, as agências de checagem Lupa, Aos Fatos e Fato ou Fake desmentiram 123 fake news, 104 por apoiadores bolsonaristas contra Haddad e 19, por apoiadores de Haddad contra Bolsonaro. As redes sociais mais relevantes para a distribuição de fake news foram WhatsApp, Facebook, Instagram e Twitter, todos eles, com exceção do Twitter, agregam mais de 100 milhões de usuários em território brasileiro. Segundo os ex aliados de Bolsonaro, Joice Hasselmann (PSL) e Alexandre Frota (PSL), havia uma organização consistente em como o conteúdo era veiculado para a população, evitando deixar rastros que pudessem ligar diretamente a Bolsonaro e seus filhos. Em uma série de reportagens para a Folha de São Paulo, Mello se enveredou no mundo de disparos digitais, bots, influencers e empresários que moldaram a primeira campanha digital em massa da história do Brasil e se tornou também símbolo do novo capítulo sombrio que o jornalismo brasileiro adentrava, depois de ser vítima de uma campanha de linchamento virtual por causa de suas reportagens danosas aos Bolsonaros e ao bolsonarismo como um todo. Até 2019, o uso de serviços de disparos de mensagens em massa era um meio de campanha legalizado, onde candidatos contratavam empresas de marketing digital para a automatização de conteúdo partidário em redes sociais para apoiadores que aceitaram fazer parte de grupos onde notícias, propaganda e outros tipos de conteúdo a favor do candidato eram divulgadas. O processo devia ser declarado ao Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), que estabelecia algumas restrições sobre que tipo de conteúdo poderia ser veiculado, permitindo apenas assuntos que se relacionassem diretamente ao candidato responsável pelo grupo, sendo crime disseminar qualquer tipo de ataque a seus opositores políticos. Os integrantes do grupo também deveriam estar de total acordo com o uso de suas informações pessoais, como nome e número de telefone. A responsabilidade legal das informações compartilhadas recairia
totalmente ao candidato responsável pela contratação do serviço, qualquer infringimento dos termos acima podendo resultar em multa e até a cassação da chapa responsável por sua candidatura. Esse tipo de serviço foi usado pela ex-presidente Dilma Rousseff, em 2014, e vários outros candidatos durante as eleições de 2018, incluindo Fernando Haddad, Henrique Meirelles e Jair Bolsonaro. Mas o que diferenciou a campanha digital de Bolsonaro dos seus opositores foi o apoio ilegal de empresários que financiaram serviços de disparo em massa, configurando infringimento da Lei nº 13.165/2015, que proíbe a doação de recursos para campanhas eleitorais por parte de pessoas jurídicas. Segundo reportagem publicada pela Folha de São Paulo45 uma semana antes do segundo turno, diversas empresas haviam fechado dezenas de contratos de disparos em massa contra o PT no WhatsApp, alguns ao redor de doze milhões de reais, e planejavam uma grande operação alguns dias antes das eleições. De acordo com a matéria:
Entre as agências prestando esse tipo de serviços estão a Quickmobile, a Yacows, Croc Services e SMS Market. Os preços variam de R$ 0,08 a R$ 0,12 por disparo de mensagem para a base própria do candidato e de R$ 0,30 a R$ 0,40 quando a base é fornecida pela agência. As bases de usuários muitas vezes são fornecidas ilegalmente por empresas de cobrança ou por funcionários de empresas telefônicas. Empresas investigadas pela reportagem afirmaram não poder aceitar pedidos antes do dia 28 de outubro, data da eleição, afirmando ter serviços enormes de disparos de WhatsApp na semana anterior ao segundo turno comprados por empresas privadas. (FOLHA DE SÃO PAULO, 2018).
O conteúdo dos disparos era formado, em sua maioria, por memes, fake news e tentativas de desmentir a imprensa e quaisquer opositores da candidatura de Bolsonaro. O jornal El País se inscreveu em três desses grupos coordenados a partir de disparos de mensagens no WhatsApp, “O Brasil é Bolsonaro 17”, “Mulheres de Bem” e “Vídeos do Bolsonaro” de acordo com a publicação, juntos eles compartilhavam mais de mil mensagens por dia, com dois deles, “O Brasil é Bolsonaro” e “Mulheres de Bem” baseando-se mais fortemente na disseminação de fake news e boatos. Segundo a investigação do El País46, esses dois grupos buscam
45 Conteúdo disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/empresarios-bancamcampanha-contra-o-pt-pelo-whatsapp.shtml. Acessado em: 27.nov.2021. 46 Conteúdo disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/26/politica/1537997311_859341.html. Acessado em: 27.nov.2021.
"responder” ou até mesmo antecipar matérias vinculadas pela imprensa, muitas vezes através de mentiras. Segundo a matéria:
Outro boato que circulou nos grupos foi o de que uma entrevista com Adélio Bispo de Oliveira seria publicada em breve e nela o agressor diria que o atentado foi planejado pelo próprio Bolsonaro e sua equipe: ou seja, uma fake news para alertar sobre uma possível fake news futura. Algumas das mensagens diziam que a publicação ocorreria nesta quarta-feira (dia 26). Outras, no dia 5 de outubro, a dois dias do primeiro turno das eleições. Eis uma delas: “Adelio foi autorizado a dar entrevista dia 5 sexta-feira depois que acabar o horário eleitoral. Fontes confiáveis e dignas viram os textos. Ele vai dizer q foi o próprio partido de Bolsonaro que armou tudo. Vai contar todos os detalhes. Não acreditem, meus irmãos, será a última cartada nojenta, nazista dessa gentalha vermes vermelhos”. (EL PAÍS, 2018).
Acusações de fraude de pesquisas de intenção de voto e falso apoio por parte de celebridades também tem seu espaço dentro dos grupos, bem como atos de linchamento virtuais, de acordo com a reportagem há convocações para a crítica massiva e organizada de certos personagens que se opõem ao bolsonarismo:
Nesses grupos é comum se deparar com mensagens de pessoas pedindo para entrarem nos perfis de artistas que se declararam a favor da campanha #EleNão, contra Bolsonaro, e “descurtirem” as publicações. Dizia uma das mensagens, seguida dos links das páginas dos artistas: “Vamos dar dislike: negativar -- Meta pra hoje MILHÕES DE DESLIKES vamos mostrar para ele que nossa bandeira não é vermelha”. (EL PAÍS, 2018).
As campanhas a favor de Bolsonaro mantinham um Modus Operandi bem reconhecível. O primeiro passo era compartilhar para o grupo uma notícia falsa, meme ou qualquer tipo de conteúdo que por muitas vezes era fisgado de portais e/ou influenciadores bolsonaristas. O assunto se tornava a pauta do dia e seus integrantes eram motivados a disseminá-lo em todas as outras redes sociais, como Facebook, Instagram e Twitter, assim como encaminhar a informação para outros contatos do WhatsApp. Em seu livro “A Máquina do Ódio”, Mello aborda como Carlos Bolsonaro, também conhecido como Zero Dois, desenvolveu uma rede de comunicação tão eficaz e controlada.
A estratégia digital da campanha do ex-capitão estava anos-luz à frente de qualquer outra. Carlos Bolsonaro, o Carluxo, o Zero Dois, segundo filho do então candidato, foi um visionário. Ele acompanhava como os outros políticos populistas de direita estavam atuando mundo afora e muito cedo percebeu que a propaganda — viral ou contratada — nas redes sociais passaria a ser crucial em campanhas políticas.
Ao longo dos anos, Carluxo, à frente da estratégia digital do pai, estimulou a criação de uma infinidade de grupos no WhatsApp e no Facebook e identificou influenciadores, as pessoas mais ativas na difusão e criação de mensagens. Jair Bolsonaro e os três filhos políticos também se transformaram em influenciadores digitais, documentando pelo YouTube e pelas mídias sociais suas vidas e se comunicando diretamente com seus apoiadores. [...] O WhatsApp era uma peça-chave da abordagem concebida pelo Zero Dois. No decorrer dos anos, com parte dos links distribuída por meio do próprio aplicativo de mensagens ou do Facebook, foram se formando grupos de apoiadores que acabaram por constituir um exército digital. Os grupos funcionam como listas de transmissão, em que os administradores, aqueles que criaram o grupo, mandam mensagens para os 256 integrantes, número máximo permitido pelas regras da ferramenta. Se uma pessoa acessou um link para se inscrever em um grupo, ela tende a ter um viés de confirmação, ou seja, está predisposta a acreditar no conteúdo que vai receber. Integrantes do grupo, por sua vez, distribuem esse conteúdo para familiares e amigos. (MELLO, 2020)
Quando essas informações adentravam o reino de outras redes sociais, o conteúdo era impulsionado por mais apoiadores legítimos, robôs também conhecidos como bots e trolls, pessoas contratadas ou não, que buscam antagonizar outros usuários, postando comentários ofensivos, falsos ou disruptivos, a interação copiosa com postagens bolsonaristas alertava os algoritmos, que impulsionavam os assuntos dentro da esfera digital, colocando hashtags bolsonaristas em seus trending topics maximizando a interação orgânica com o conteúdo. Os bots foram elementos chaves para a disseminação de propaganda bolsonarista, em estudo realizado pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Dapp)47 que analisava 5,3 milhões de interações no Twitter, entre 12 e 18 de setembro de 2018, envolvendo mais de 712 mil perfis, 12,9% desses retuítes foram apontados como oriundos de bots e 43% deles eram a favor da candidatura de Jair Bolsonaro, na época, Flávio Bolsonaro negou que a campanha tivesse qualquer envolvimento com perfis automatizados. Todo esse aparato virtual foi extremamente eficaz na concepção que o movimento bolsonarista era vasto e irrefreável, gerando a sensação de isolamento de pessoas que não se identificavam com as políticas de Bolsonaro e nem seu ponto de vista controverso sobre uma série de questões sociais.
47 Conteúdo disponível em: https://canaltech.com.br/governo/campanha-eleitoral-no-twitterconta-com-bots-para-disseminar-desinformacao-123308/. Acessado em: 26.10.2021.
Depois de sua eleição, Bolsonaro trouxe consigo para dentro do Poder Executivo a máquina de disseminação de propaganda populista que o havia levado de azarão a Presidente, junto a Fábio Wajngarten48, que foi escolhido como secretário executivo do Ministério da Comunicação e chefe da Secretaria Especial de Comunicação (SECOM), Bolsonaro avultou seus ataques contra jornalistas em todas as frentes, de postagens em suas redes sociais até o corte de verba para emissoras. Os casos mais notórios foram contra Constança Rezende, jornalista do Estado de São Paulo, quando Bolsonaro postou em seu Twitter uma fala editada da jornalista e a acusava de querer “arruinar a vida de Flávio Bolsonaro”, e Patrícia Campos Mello, quando Bolsonaro fez acusações misóginas insinuando que Mello teria oferecido sexo em troca de provas contra ele no caso de disparos ilegais de mensagens no WhatsApp. Ambas jornalistas foram vítimas de linchamentos virtuais. Uma enxurrada de comentários e postagens ofensivas foram direcionadas a elas e até mesmo seus familiares, a maioria deles oriundos de bolsonaristas.
Em fevereiro de 2020, várias imagens ofensivas como esse vídeo começaram a circular nas redes sociais. Em uma delas, uma mulher aparece nua, de pernas abertas, em cima de uma pilha de notas de dólar. Em outra, o rosto dessa mesma mulher aparece com a legenda: “Folha da Puta — tudo por um furo, você quer o meu? Patrícia, Prostituta da Folha de S.Paulo — troco sexo por informações sobre Bolsonaro”. E tem uma em que essa mulher — sempre a mesma — aparece com a frase: “Ofereço o cuzinho em troca de informação sobre o governo Bozo”. Peço desculpas pelas palavras grosseiras, mas estou apenas descrevendo alguns dos incontáveis memes que passei a receber todos os dias, compartilhados por milhares de pessoas por WhatsApp, Facebook, Twitter e Instagram. São o meu rosto e o meu nome que estão nesses memes. (MELLO, 2020).
48 Conteúdo Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51199930. Acessado em: 26.10.2021.
Figura 14- Tuíte de Bolsonaro em relação a jornalista do Estado de SP.
Fonte: perfil oficial do presidente Jair Bolsonaro no Twitter.
Os ataques a opositores de Bolsonaro foram intitulados de “gabinete do ódio”49 , agressões feitas por meio de redes sociais conduzidas por políticos e simpatizantes do movimento bolsonarista nominalmente. A CPMI de Fake News acredita que Carlos, Eduardo e Flávio Bolsonaro50 assim como os assessores Tércio Thomaz, José Matheus Salles Gomes e Mateus Diniz, que trabalham no Planalto, estimulavam a violência contra jornalistas e profissionais da imprensa e operavam junto a SECOM51 .
Figura 15- Tuíte de Eduardo Bolsonaro em relação à Mello.
Fonte: Perfil oficial de Eduardo Bolsonaro no Twitter.


49 Conteúdo Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/gabinete-do-odio-alvo-cpmifake-news/. Acessado em: 26.10.2021.
50
51 Conteúdo disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/10/bolsonaro-determinacancelamento-de-assinaturas-da-folha-no-governo-federal.shtml#erramos. Acessado em: 27.10.2021.
Segundo a Federação Nacional de Jornalistas (FENAJ) a violência contra jornalistas cresceu mais de 105% em 2020 em relação a 2019, com Bolsonaro sendo o principal agressor.52 Bolsonaro já ressaltou o seu desejo de machucar jornalistas fisicamente com falas como “vontade de encher a tua boca na porrada”53 e agressões verbais como ”cala a boca”54 e ”bundão”55 .
Na avaliação da Federação Nacional dos Jornalistas esse crescimento está diretamente ligado ao bolsonarismo, movimento político de extrema-direta, capitaneado pelo presidente Jair Bolsonaro, que repercute na sociedade por meio dos seus seguidores. Houve um acréscimo não só de ataques gerais, mas de ataques por parte desse grupo que, naturalmente, agride como forma de controle da informação. Eles ocorrem para descredibilizar a imprensa para que parte da população continue se informando nas bolhas bolsonaristas, lugares de propagação de informações falsas e ou fraudulentas. (FENAJ, 2020).
Mas o “gabinete do ódio” não se limita a ataques através das redes sociais. Wajngarten ficou responsável por suprimir as verbas públicas aos meios de comunicação que se opuseram a Bolsonaro, mais notoriamente a Rede Globo de Televisão, que teve sua verba reduzida em 60%, enquanto emissoras como SBT e Record, canais abertamente apoiadores de Bolsonaro, tiveram suas verbas elevadas em 11% e 12% respectivamente. 56 Em 2020, Bolsonaro determinou o cancelamento de todas as assinaturas do jornal Folha de São Paulo dentro do Governo Federal, depois de uma série de ataques dirigidos à publicação desde 2018.57
Determinei que todo o governo federal rescinda e cancele a assinatura da Folha de S.Paulo. A ordem que eu dei [é que] nenhum órgão do meu governo vai receber o jornal Folha de S.Paulo aqui em Brasília. Está determinado. É o que eu posso fazer, mas nada além disso", disse, [...] em entrevista à TV Bandeirantes. "Recebi a Folha uma questão de uns 45, 50 dias atrás. Conversei com eles numa boa e, no
52 Conteúdo disponível em: https://fenaj.org.br/violencia-contra-jornalistas-cresce-10577-em-2020-comjair-bolsonaro-liderando-ataques/. Acessado em: 26.10.2021. 53 Conteúdo disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/08/24/apos-ameacarjornalista-bolsonaro-usa-rede-social-para-tentar-dar-versao-diferente.ghtml. Acessado em: 26.10.2021. 54 Conteúdo disponível em: https://www.poder360.com.br/governo/bolsonaro-manda-reporter-calar-aboca-e-diz-que-nao-interferiu-na-pf/. Acessado em: 26.10.2021. 55 Conteúdo disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/08/24/bolsonaro-chama-pessoalda-imprensa-de-bundao-e-diz-que-chance-de-jornalistas-sobreviverem-a-covid-e-menor.ghtml. Acessado em: 26.10.2021. 56 Conteúdo disponível em: https://www.terra.com.br/diversao/tv/blog-sala-de-tv/bolsonaro-corta-60-daverba-publicitaria-do-governo-a-globo,c7ebc42e1776e5116ccaa1cbd4be24a1r48101h2.html. Acessado em: 26.10.2021. 57 Conteúdo disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/10/bolsonaro-determinacancelamento-de-assinaturas-da-folha-no-governo-federal.shtml#erramos. Acessado em: 27.10.2021.
dia seguinte, foi um festival de desinformação. Eu até fui criticado por assessores meus, e com razão. Por que falou com a Folha? Eu fui tentar dar uma chance pra eles. Não saiu nada do que eu falei. Só saiu desinformação. E algumas palavras que eu usei ali e falei: 'Isso aqui é palavrão, segura a onda, escorreguei'. Saiu palavrão [na entrevista], saiu tudo lá. Não dá pra gente confiar, por exemplo, na Folha de S.Paulo. (FOLHA DE SÃO PAULO, 2019).
Todos esses componentes oriundos do bolsonarismo fizeram com que o Brasil caísse nove posições no Ranking de Liberdade de Imprensa publicado pela ONG Repórteres sem Fronteiras, de 2018 a 2021, indo da 102ª posição para 111ª58 , adentrando a ”zona vermelha”, onde a condução de trabalhos jornalísticos é considerada difícil. A própria SECOM já fez uso de seus canais de informação oficial para disseminar ataques à imprensa e desinformação. Além de repassar mais de 7 milhões de reais para sites e canais de fake news através do Google AdSense. Segundo a CPMI de Fake News, mais de dois milhões de anúncios financiados pelo governo Bolsonaro foram parar em blogs de extrema direita, incluindo o Terça Livre, gerenciado por Allan dos Santos59, o Jornal da Cidade Online e o Conexão Política, sites conhecidos por seu extremismo e forte uso de desinformação60. A SECOM também fez uso de sua conta no Twitter para distorcer a tradução de um artigo pela revista britânica The Economist que tratava da conduta do governo frente à pandemia de covid-19, onde a frase “the most urgent priority is to vote him61.
58 Conteúdo Disponível em: https://www.poder360.com.br/midia/brasil-cai-em-ranking-de-liberdade-deimprensa-e-entra-em-zona-vermelha/. Acessado em: 26.10.2021. 59 Conteúdo disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/10/25/secompublicidade.htm. Acessado em: 27.10.2021. 60 Conteúdo disponível em: https://theintercept.com/2020/08/13/bolsonaro-usa-google-distribui-milhoesreais-sites-fake-news-adsense/. Acessado em: 27.10.2021. 61 Conteúdo disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/area/governo/secom-the-economistbolsonaro-traducao/. Acessado em: 27.10.2021.
Figura 16- Tuítes da SECOM.

Fonte: Perfil oficial da SECOM no Twitter.
A distorção de conteúdo por parte do governo e líderes bolsonaristas durante a pandemia de covid-19 se tornou um dos maiores pontos de controvérsia do país, sobrepondo dilemas sobre a comunicação efetiva ao redor do vírus e seus perigos para a saúde pública. A “infodemia” ao redor do vírus, “um grande aumento no volume de informações associadas a um assunto específico, que podem se multiplicar exponencialmente em pouco tempo devido a um evento específico”62, potencialmente afetaram em muito o combate a proliferação da covid-19.
63 Segundo a agência de checagem Aos Fatos, “das 3.989 falsidades e distorções ditas (por Bolsonaro) desde a posse, 2.496 (62,5%) foram reprisadas”. As declarações falsas ou enganosas mais repetidas pelo presidente são em relação à covid-19 em
62 Conteúdo disponível: https://www.scielosp.org/article/ress/2020.v29n4/e2020186/. Acessado em: 27.nov.2021. 63 Conteúdo disponível em: https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/2237. Acessado em: 27.10.2021