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2.3 Propaganda Computacional e as mudanças dos meios de comunicação

o Departamento de Justiça, e muitos dos anúncios patrióticos foram publicados gratuitamente.16 Mas quando a moral do público começou a diminuir, Creel logo passou a fazer um uso mais robusto de propaganda xenofóbica, pôsteres como o da Fig. 9 onde alemães são retratados como macacos e a legenda lê “destrua esses brutos loucos”, foram responsáveis por plantar um sentimento anti-germânico no inconsciente americano, resultando em pacifistas, imigrantes alemães e socialistas sofrendo atos de violência por vigilantes deplorados por Wilson e Creel, gerando um terror silencioso para aqueles que não aceitavam os esforços da guerra como válidos. Chomsky avaliou o sucesso do CIP como um fracasso para a democracia e o início de uma longa campanha americana onde propaganda foi utilizada de forma antiética para suplantar discursos contrários àquele apoiado pelo Governo.

[...] a marca de uma cultura totalitária bem azeitada. Ela mostra que a construção do consenso está funcionando [...] a propaganda política patrocinada pelo Estado, quando apoiada pelas classes instruídas e quando não existe espaço para contestá-la, pode ter consequências importantes. (CHOMSKY, 2014, p. 7-30)

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Figura 9- Pôster americano contra os alemães.

Fonte: Photo12/UIG via Getty Images.

O método Creel se tornou um marco na história da propaganda americana, mostrando que era possível gerar um consenso ao redor de uma iniciativa controversa mediante a manipulação de fatos e mantendo-se em uma posição de poder através

16 Conteúdo disponível em: https://www.history.com/news/world-war-1-propaganda-woodrow-wilsonfake-news#:~:text=During%20the%2020,ads%20for%20free.. Acessado em: 27.nov.2021.

do controle da narrativa. Contudo, as mudanças extremas que decorreram no campo de comunicação em massa desde 1900, tornou mais difícil a constituição de um consenso, as redes sociais fragmentaram a ideia de comunicação a um nível drástico:

A ascensão da Internet e a mudança para a mídia automatizada, no entanto, fornece aos que estão no poder novos desafios e novas estratégias de propaganda. Um ambiente de sobrecarga de informações torna mais difícil proteger uma narrativa dominante por causa das barreiras de entrada para a produção de mídia e distribuição são reduzidos. (ANDREJEVIC, 2020).

Tal mudança demanda que um novo modelo propagandista seja estruturado para conseguir lidar com as correntes sempre mutáveis do ambiente hiper digital que estamos vivendo. A manipulação de fatos e o uso de fake news se mantém como ferramentas extremamente úteis, mas a noção de como manter o controle da narrativa foi fundamentalmente alterada.

Não é mais suficiente ser capaz de capturar e moldar as narrativas que aparecem no noticiário da noite ou no jornal da manhã. Eles podem ser contrariados e, em alguns casos, eclipsados por uma torrente de informações online. Uma resposta é substituir o princípio da organização descrito por Ellul com o de mensagens desorganizadas: o objetivo não é mais sustentar uma narrativa dominante, mas evitar que qualquer contra-narrativa possa emergir. (ANDREJEVIC, 2020)

Partindo do princípio de mensagens desorganizadas, aqueles que buscam sustentar uma posição de poder podem realizar uma distribuição maciça de informações, especialmente informações falsas, já que o sistema de checagem presente em jornais e meios de comunicação jornalísticos é facilmente contornado, garantindo uma velocidade na distribuição desse conteúdo incomparável pelo jornalismo tradicional.

2.3 Propaganda Computacional e as mudanças dos meios de comunicação

O objetivo, atualmente, é impedir que um consenso alternativo ao das elites e do governo seja atingido. Segundo Chomsky: “É preciso manter as pessoas atomizadas, segregadas e isoladas. Elas não podem se organizar, porque assim elas podem deixar de ser apenas espectadoras da ação” (CHOMSKY, 2014). Fake news, nesse sentido, é uma ótima estratégia de “atomização”, sua utilidade para criar desconfiança em meios de comunicações estabelecidos leva uma nova remessa do público a buscarem informações em blogs e portais onde o principal objetivo não é

reportar fatos jornalísticos ao seu público-alvo, mas criar fricção e apontar diferentes segmentos da mídia como “corruptos”.

Dizer que as fake news funcionam como propaganda, no entanto, não é sugerir que elas são necessariamente acreditadas; em vez disso, é considerar como ela preserva e fortalece relações de poder. O objetivo final das campanhas de notícias falsas é incapacitar o papel desempenhado pelas notícias e informações no desafio de crenças individuais ou relações de poder existentes, permitindo assim que aqueles no poder busquem suas agendas sem perseguição. [...] “Notícias falsas” não precisam ser acreditadas para funcionar; em vez disso, ela precisa fomentar a disseminação da descrença na forma de uma sabedoria generalizada que retrata todas as crenças (pelo menos no domínio da política) como a província do tolo. (ANDREJEVIC, 2020)

Baseando-se nessa ideia, a fragmentação dos meios comunicacionais se apresenta como uma grande oportunidade para evitar qualquer contra narrativa, e sua natureza altamente autômata faz com que a propaganda política adentre um novo capítulo, o da propaganda computacional.

Como prática comunicativa, propaganda computacional descreve o uso de algoritmos, automação e curadoria humana para gerenciar e distribuir propositalmente informações enganosas nas redes de mídia social [...] Campanhas políticas (e seus apoiadores civis) implantaram bots políticos e propaganda computacional durante as recentes eleições para mudar o voto ou para difamar e intimidar a oposição. Atores políticos anônimos espalharam notícias falsas e coordenaram campanhas de desinformação e grupos de trolls para atacar defensores dos direitos humanos, grupos da sociedade civil e jornalistas. A propaganda computacional é uma nova ferramenta de comunicação extremamente poderosa - e está sendo usada contra atores e instituições democráticas em todo o mundo. (WOOLEY e HOWARD, 2019)

Países como Rússia, Ucrânia, Polônia, Canadá, Estados Unidos e Brasil, são alguns dos exemplos onde foi reportado um uso massivo de fake news e bots durante períodos chaves da política. O problema se tornou tão grave a ponto do Fórum Econômico Mundial17 apontar a rápida propagação de desinformação como um dos dez maiores perigos para a sociedade. A tecnologia e a inteligência por trás da criação de bots políticos chegou a um ponto onde, em 2014, um bot chamado “Eugene Gootsman” passou no teste de Turing, o que significa que foi capaz de enganar um terço dos juízes fazendo-os

17 Conteúdo Disponível em: https://www3.weforum.org/docs/WEF_GlobalRisks_Report_2014.pdf. Acessado em: 05. Out. 2021.

acreditar que estavam interagindo com uma pessoa real após cinco minutos de conversa.18 A sofisticação por trás do desenvolvimento de tais ferramentas só aumentou nos seis anos desde que essa façanha foi atingida. A Rússia é um dos países que nos últimos anos, tem atraído a atenção do mundo por causa de sua expansão e aprimoramento de técnicas de propaganda “descontrolada”. Um relatório desenvolvido por consultores militares da corporação Research and Development (RAND) focado ostensivamente nessa técnica russa de propaganda, enfatizou a natureza multicanalizada das novas plataformas para a distribuição de conteúdo manipulado e até completamente falso.

Caracterizamos o modelo russo contemporâneo de propaganda como “a mangueira de fogo da falsidade” por causa de duas de suas características distintivas: um grande número de canais e mensagens e uma disposição desavergonhada de disseminar verdades parciais ou ficções definitivas. Nas palavras de um observador, “[N] ova propaganda russa entretém, confunde e oprime o público.” A propaganda russa contemporânea tem pelo menos duas outras características distintas. Também é rápido, contínuo e repetitivo e carece de compromisso com a consistência. Curiosamente, vários desses recursos vão diretamente contra a sabedoria convencional sobre influência efetiva e comunicação de fontes governamentais ou de defesa, que tradicionalmente enfatizam a importância da verdade, credibilidade e a prevenção de contradições. Apesar de ignorar esses princípios tradicionais, a Rússia parece ter desfrutado de algum sucesso sob seu modelo de propaganda contemporâneo, seja por meio de persuasão e influência mais direta, seja por meio de ofuscação, confusão e interrupção ou diminuição de reportagens e mensagens verdadeiras. (PAUL e MATTHEWS, 2016)

O impacto tecnológico da Rússia no cenário internacional foi tamanho, que o país foi acusado de interferir nas campanhas eleitorais americanas de 2016 e 202019 , ambas a favor de Donald Trump, um dos casos mais notórios sendo o hackeamento e vazamento de e-mails do Partido Democrata e o presidente de campanha de Hillary Clinton20 . Contudo, o mais impressionante não é a capacidade de hackear dados, mas sim a infraestrutura construída pelo Kremlin para disseminar essas informações para

18 Conteúdo disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/06/computador-convencejuizes-que-e-garoto-de-13-anos-em-teste-de-turing.html. Acessado em: 27.nov.2021. 19 Conteúdo Disponível em: https://www.vox.com/2020/9/21/21401149/russia-2020-electionmeddling-trump-biden. Acessado em : 05.out.2021. 20 Conteúdo disponível em: https://www.washingtonpost.com/world/national-security/how-therussians-hacked-the-dnc-and-passed-its-emails-to-wikileaks/2018/07/13/af19a828-86c3-11e8-8553a3ce89036c78_story.html. Acessado em: 05.out.2021.

o grande público, combinando manipulação e interação orgânica com as redes sociais e seus canais oficiais.

O relatório da comunidade de inteligência dos Estados Unidos sobre as atividades russas menciona especificamente que "a máquina de propaganda estatal da Rússia - composta por seus aparatos de mídia doméstica, canais que visam públicos globais, como RT e Sputnik, e uma rede de trolls quase governamentais - contribuíram para a campanha de influência servindo como uma plataforma para mensagens do Kremlin para os russos e audiências internacionais. (SANOVICH, 2019)

Seu uso avançado de bots, que buscam atualmente se assemelhar o máximo possível a usuários humanos, compartilhando não apenas conteúdo político, mas também miscelâneo, combinado a um ambiente adaptado especificamente para atingir uma ampla gama de públicos, definiu a Rússia como um farol de desinformação organizada. Com estudiosos e analistas afirmando que o país de Putin pode ser considerado a fonte primária das guerras de desinformação como a conhecemos hoje, dentro do espectro político. Chegando cada vez mais perto de encontrar um equilíbrio tênue entre a captação de informações sensíveis de atores políticos, e sua distribuição em um cenário digital, com seu conteúdo moldado da forma mais "democrática" possível, ironicamente, para ter sucesso na divulgação do material, independentemente das barreiras geográficas, religiosas ou étnicas. O método “russo” de desinformação também se espalhou para países em desenvolvimento, especialmente o Brasil, onde foi registrado um uso maciço de bots e fake news durante eventos pivôs da democracia brasileira. A primeira sendo em 2014, durante as manifestações contra o governo Dilma, demandando seu impeachment,21 e em 2018, entrementes as campanhas presidenciais encabeçadas por Jair Bolsonaro e Fernando Haddad. Sendo o Brasil o maior país da América do Sul e o segundo maior no hemisfério em relação ao uso da internet (superado apenas pelos Estados Unidos)22, as redes sociais se tornaram um terreno fértil para o debate político. “Estruturas algorítmicas, compostas de bancos de dados, modelos matemáticos e softwares que os efetivam, se tornaram fundamentais nos processos de formação da opinião pública e na disputa

21 Conteúdo disponível em: http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2018/03/candidatos-postaram-usandorobos-nas-eleicoes-revela-estudo-da-fgv.html. Acessado em: 27.nov.2021. 22 Conteúdo disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_pa%C3%ADses_por_n%C3%BAmero_de_usu%C3%A1rios_de_Internet . Acessado em: 27.nov.2021.

pelas preferências políticas do eleitorado”. (AMADEU, 2019). Contanto, a grande presença digital de boa parte da sociedade brasileira não é indicativa de uma sociedade que saiba como se relacionar com os termos confusos e por vezes, obscuros dos algoritmos que regem suas interações online.

As redes sociais online, utilizadas por milhões de pessoas, são organizadas por algoritmos que definem o que devemos ver e quantos dos nossos amigos ou seguidores devem visualizar um conteúdo que publicamos, entre outras ações. Eli Pariser chamou essa atividade algorítmica de filtragem. O resultado desses filtros seriam bolhas que reúnem e interligam aqueles que têm o mesmo padrão e as mesmas características. A maior parte das pessoas imagina que, ao procurar um termo no Google, todos obtemos os mesmos resultados – aqueles que o PageRank, famoso algoritmo da companhia, classifica como mais relevantes, com base nos links feitos por outras páginas. No entanto, desde dezembro de 2009, isso já não é verdade. Agora, obtemos o resultado que o algoritmo do Google sugere ser melhor para cada usuário específico – e outra pessoa poderá encontrar resultados completamente diferentes [...] Ao analisar as consequências dos ranqueamentos nos mecanismos de busca, Frank Pasquale alerta que eles podem gerar um efeito perverso que denominou de “profecias autorrealizáveis” (self-fulfilling prophecies). Isso quer dizer que o melhor classificado se torna o mais popular e, portanto, o mais bem-sucedido, independentemente de seus méritos. (AMADEU, 2019)

Esse relacionamento entre mérito e popularidade tem sido um dos maiores pontos de discussão sobre a alfabetização digital. Acostumados a um ecossistema altamente regulado e exclusivo da mídia tradicional brasileira, que concentra uma oligarquia comunicacional nas mãos de apenas cinco famílias23 , donas de 50% dos principais veículos de comunicação, a transição para o meio digital, que ainda comporta seus próprios monopólios mas infere grande parte da responsabilidade de comunicação, emissor e mensagem, a seus usuários, fez com que grande parte do povo brasileiro ainda espelhe seu comportamento para com a mídia digital ao da mídia tradicional, acreditando que um grande número de visitantes a uma página ou grande interação com algum tipo de conteúdo por internautas, deve, por extensão, atribuir tal conteúdo com algum mérito factual, pois esse é o comportamento que foi estimulado pelas oligarquias da comunicação sendo elas únicas em seu domínio da esfera jornalística e de entretenimento no Brasil. O brasileiro se acostumou à ideia de que as

23 Conteúdo disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/cinco-familiascontrolam-50-dos-principais-veiculos-de-midia-do-pais-indica-relatorio/. Acessado em: 05.out.2021.

fontes de suas notícias não haviam de ser questionadas, pois elas eram as únicas no país que conseguiam suprir a demanda informacional de interesse brasileiro. Levando em consideração a extrema importância da mídia e por extensão quem a controla, a Media Ownership Monitor Latin America (MOM) em parceria com a Intervozes decidiu analisar os proprietários da mídia brasileira e sua relação a agendas políticas, uso de discurso teológico e outros fatores chaves que impactam a democracia informacional, e o resultado não foi positivo. Segundo a MOM-Brasil; “No Brasil, o resultado indica alerta vermelho. Nosso sistema de mídia mostra alta concentração de audiência e de propriedade, alta concentração geográfica, falta de transparência, além de interferências econômicas, políticas e religiosas.” (INTERVOZES; REPORTERES SEM FRONTEIRAS, 2017). O Grupo Globo, controlado pela família Marinho detém a maior parcela de audiência do Brasil, segundo o próprio grupo, eles atingem cerca de cem milhões de brasileiros por dia através de seus diversos aparatos comunicacionais como rádio, televisão, jornais e revistas. A Fig.10 ilustra o número de propriedades midiáticas que pertencem ao grupo.

Figura 10- Mapa da influência do Grupo Globo.

Fonte: Media Ownership Monitor.

Essa concepção estreita de quem tem o direito de relatar os acontecimentos pelo mundo e dar importância ou mérito a uma reportagem, acabou indo totalmente contra a esfera das mídias sociais e como a informação é trocada nessas plataformas, onde qualquer um pode ser repórter e os assuntos de interesse de cada indivíduo superam os de um grupo demográfico maior. Em outras palavras, hoje, os algoritmos detêm a responsabilidade de “gatekeeping” do que é de interesse de um determinado grupo ou sociedade tanto quanto os grandes conglomerados de mídia. “A comunicação digital distribuída reduziu as barreiras para se tornar um falante ou emissor de informações, ou seja, permitiu que as pessoas falassem mais, porém não assegurou que elas fossem ouvidas” (AMADEU, 2019). Essa liberdade de “expressão”, apresentada pelas redes sociais se torna um grande atrativo para aqueles que buscam escapar das oligarquias brasileiras, porém, é possível que os usuários utilizem essas plataformas como fontes imparciais de informação, sem saber que os algoritmos que as mantêm também são parciais.

[...] algoritmos podem possuir viés, ou seja, um direcionamento, uma tendência e, algumas vezes, procedimentos equivocados. Como são performativos, podem promover uma série de distorções que, em inúmeros casos, podem ser apresentadas como representações fiéis e objetivas da realidade. (AMADEU, 2019)

A ideia de que os algoritmos são puramente matemáticos e precisos por natureza é muitas vezes usada como chamariz para sua imparcialidade, sendo oposta aos impulsos emocionais de seres humanos que são incapazes de se manter totalmente racionais diante diversos cenários, especialmente políticos. Algoritmos parecem, à primeira vista, atingir o objetivo iluminista e positivista ideal, de uma sociedade movida puramente pela razão. Como definido por Amadeu; “O velho mito da objetividade do jornalismo encontra seu maior aliado, a objetividade algorítmica. O caráter técnico do algoritmo é apresentado como garantia de sua imparcialidade” (AMADEU, 2019). Mas sabemos que essa não é a realidade. Um dos principais usos de algoritmos e “big data” é o marketing, a venda de informações de usuários a empresas de varejo e entre outras. Isso é um fato importantíssimo para que possamos inferir sobre a real intenção de plataformas de comunicação digital, a de vender e não informar.

[...] “as plataformas são infraestruturas digitais que permitem que dois ou mais grupos interajam”. A primeira característica dessa fase seria

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