Agradecimentos
Quero dedicar este livro às três figuras pastorais que mais me influenciaram, principalmente em relação à minha vida ministerial, por meio de suas mensagens, livros e encontros pessoais.
O primeiro deles é o pastor R. C. Sproul, que foi estar com o Senhor em dezembro de 2017. Seu ensinamento sobre a santidade e soberania de Deus marcou e mudou minha vida e ministério para sempre. Com sua morte, a igreja do século 21 perdeu um dos seus melhores expoentes das Escrituras em relação ao caráter de Deus.
O segundo é o pastor John MacArthur, que tem sido fiel às Escrituras por 50 anos de pregação. Seu apreço pela autoridade, infalibilidade, inerrância e suficiência das Escrituras, juntamente com sua luta extraordinária pela pureza do evangelho, ajudaram-me a honrar a revelação de Deus da mesma forma, em outra parte do mundo. Agradeço a Deus pelo dom de pregação deste estimado pastor, que, sem dúvida, tem impactado o meu. Ele é um verdadeiro presente para a igreja atual.
O terceiro é o pastor John Piper, que, com sua paixão pela supremacia de Cristo sobre todas as coisas, sua ênfase na centralidade na glória de Deus como finalidade última da vida e seu desejo contínuo de levar o evangelho onde Cristo não foi pregado, tem alimentado minha fé e fortalecido ainda mais minha paixão por Deus, por sua glória e por sua causa.
Também quero dedicar este livro aos pastores e pregadores que o lerem. Espero que, assim como Deus levantou e usou esses irmãos que eu citei para abençoar sua igreja, ele possa cada um de vocês, pastores e
Agradecimentos
pregadores, onde quer que Deus os tenha colocado. Tenho a esperança de que este livro seja um instrumento nas mãos divinas para equipar cada um de vocês.
Agradeço a Deus, doador de todas as dádivas e dons, pela oportunidade de escrever um livro sobre a maior tarefa que posso imaginar — pastorear as ovelhas que ele mesmo comprou com preço de sangue.
Agradeço a minha esposa, Cathy, por mais uma vez apoiar meu trabalho ministerial sem nunca reclamar do tempo que eu gasto com as ovelhas do Senhor. Isso é algo que eu nunca deixo de recordar. É uma grande bênção para mim!
Agradeço às minhas editoras do manuscrito deste livro, Lidia Limardo e Jeanine Martínez. Seu trabalho facilitou o meu e até mesmo dos editores finais.
Por último, mas não menos importante, agradeço a Giancarlo Montemayor, diretor da B&H Espanhol, por seu apoio a esta publicação e seu entusiasmo ao lê-la.
Introdução
O pastor e seu ministério
Estou convencido de que a crise de cultura pastoral frequentemente começa nas salas de aula do seminário. Ela inicia com uma maneira de lidar com a Palavra de Deus que é distante, impessoal, baseada em informações. Ela começa com pastores que, em seus anos de seminário, se tornaram bastante satisfeitos em manter a Palavra de Deus distante do seu próprio coração. Começa com matérias que são acadêmicas sem serem pastorais. Começa com cérebros se tornando mais importantes do que corações. Começa com pontuações em testes sendo mais importantes do que caráter. O problema com todas essas coisas é que elas são sutis e ilusórias.1
Paul David Tripp
Cada um dos títulos dos capítulos deste livro começa com a expressão “O pastor e…”, para que cada pastor e mesmo o leitor que não é pastor possa entender melhor o trabalho que um ministro do evangelho deve fazer. Neste capítulo introdutório, veremos a importância do ministério pastoral, a situação atual do pastorado, o exercício do ministério pastoral como vocação e não como profissão, e qual é a atitude correta que deve ter aquele que assume esta responsabilidade. A título de introdução, acho importante esclarecer que, quando examinamos o Novo Testamento, descobrimos que os termos pastor, presbítero e bispo são formas diferentes de
1 Paul David Tripp, Vocação perigosa (São Paulo: Cultura Cristã, 2024), p. 43-44.
se referir ao mesmo ofício.2 É essencial definir ou estabelecer a identidade da figura logo ao começarmos nossa reflexão, para que possamos entender sobre quem estamos falando. Por isso, quis mostrar que, ao me referir ao pastor em qualquer de suas características, também estou me referindo ao bispo e/ou ao presbítero.
Em termos de igreja local, esses “títulos” podem, às vezes, assumir diferentes conotações por razões práticas de cada comunidade, mas não por razões bíblicas. Essa maneira prática de usar esses termos com conotações diferentes em certas igrejas locais não é antibíblica em si, desde que entendamos e expliquemos que, biblicamente falando, o que um pastor faz é o mesmo que um presbítero ou bispo poderia fazer e, portanto, o padrão para os três é o mesmo. Que o pastor desempenhe certas funções e o presbítero outras, pode ser algo exclusivamente funcional para uma igreja local. No entanto, seu padrão, seus requisitos, seu caráter e suas responsabilidades são semelhantes.
No Novo Testamento, a palavra traduzida como presbítero é presbuteros , que aparece aproximadamente setenta vezes nesta parte das Escrituras. Essencialmente, seu significado faz referência a “alguém com cabelos grisalhos” ou “mais precisamente, um homem maduro e experiente para julgar”.3 Em Israel, o ancião era alguém de idade avançada, que havia adquirido sabedoria para guiar seu povo. No Novo Testamento, os presbíteros eram exclusivamente do sexo masculino.4
Quando a Bíblia relaciona uma determinada idade ao início da liderança espiritual, os exemplos apontam para algo em torno de 30 anos. Por exemplo, um homem descendente de Arão podia entrar no serviço do sacerdócio em tempo integral aos 30 anos (Nm 4.46-47). Nosso Senhor também começou seu ministério terreno por volta dos 30 anos (Lc 3.23). Muitos comentaristas acreditam que Timóteo estava em seus 30 e poucos anos (1Tm 4.2). Embora esses exemplos
2 Tom Pennington, A Biblical Case for Elder, em: John MacArthur (org.), The Sheperd as Theologian (Eugene: Harvest House Publisher, 2017).
3 Dicionário Bíblico de Strong, #g4245.
4 Strong, #g4245.
não reflitam uma obrigação em relação ao ofício do presbítero na igreja local, eles fornecem diretrizes gerais.5
Em Israel, o ancião não podia ser alguém jovem. Ele tinha responsabilidades de Estado e era considerado um líder perante a nação. Por isso, esperava-se que o ancião fosse alguém com reconhecida experiência, pois era isso que o termo significava em seu sentido literal.
O termo bispo vem do grego episkopos no original, do qual se origina o nome da Igreja Episcopal, por exemplo. Este termo aparece cerca de cinco vezes no Novo Testamento e pertence ao gênero masculino, referindo-se a um superintendente ou supervisor, especialmente no sentido de supervisão realizada por um presbítero ou pastor.6
E já que estamos tratando de algo que nos diz respeito, que é o ministério pastoral, o termo pastor deriva do grego poimen. Como substantivo, ela aparece cerca de dezoito vezes no Novo Testamento. Segundo o dicionário Strong, o pastor é “aquele a cujo cuidado e controle outros se submeteram e cujos preceitos eles seguem”.7 Sabemos da responsabilidade da pessoa que carrega esse título porque o Senhor Jesus instruiu Pedro sobre o que queria que ele fizesse com suas ovelhas: que ele as alimentasse e cuidasse; esse é o trabalho do pastor (Jo 21.15-17; veja também At 20.28 e 1Pe 5.1-2).
Vejamos em 1Pedro 5:1-2 como essas três funções (presbítero, pastor e bispo) estão se referindo à mesma pessoa ou ofício:
Rogo, pois, aos presbíteros [presbuteros] que há entre vós, eu, presbítero como eles [Nota: Pedro é apóstolo, mas considera-se nesse momento um presbítero, que está pastoreando a igreja “com eles”, não se colocando acima dos outros presbíteros.], e ainda coparticipante da glória que há de ser revelada: Apascentai [poimaino] o rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele [en hymin episkopeo], não por força, mas voluntariamente: nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto (ARC). 8
5 Tom Pennington, A Biblical Case for Elder, em: John MacArthur (org.), The Sheperd as Theologian (Eugene: Harvest House Publisher, 2017).
6 Strong, #g1985.
7 Strong., #g4166.
8 Devido à versão Almeida Revista e Atualizada não apresentar a expressão “tendo cuidado dele” (en hymin episkopeo), o que não permitiria que a tradução expressasse
Nesta passagem, vemos claramente que os três termos representam essencialmente a mesma pessoa ou função.9 Na igreja que pastoreio, a Iglesia Bautista Internacional, em Santo Domingo, temos vários pastores ordenados. Além disso, estabelecemos o que chamamos de “presbíteros em treinamento” — pessoas reconhecidas com potencial para serem futuros pastores e que passarão por um processo de treinamento de dois a três anos, ao final do qual poderão ser ordenados ao ministério pastoral. Nesse caso, usamos o termo “presbítero” para diferenciá-los daqueles que já são pastores ordenados. Mas, durante sua formação, eles realizarão funções pastorais de ensino, pregação, aconselhamento, batismos, direção de pequenos grupos, direção de certas áreas de ministério etc. Nesse contexto, eles já estão pastoreando; ao mesmo tempo, estão sendo capacitados e supervisionados. Este é um exemplo de como uma igreja local pode atribuir um sentido diferente aos termos pastor, presbítero e bispo; mas devemos entender que as funções são essencialmente iguais.
O pastorado em nossos dias
Ao nos referirmos à situação atual do pastorado, queremos primeiro dar ênfase ao contexto norte-americano e, depois, ao latino-americano, onde tive a oportunidade de ministrar na grande maioria dos países latinos, do Cone Sul ao México. As observações sobre a igreja norte-americana incluem extensa revisão de literatura, por meio de periódicos, pesquisas, estudos, discussões e sua situação atual.
A igreja latino-americana carece de documentação e estatísticas suficientes sobre questões ministeriais, especificamente em relação ao ministério pastoral. É fato que a igreja norte-americana é mais bem estudada do que a igreja latino-americana e às vezes acho que conheço a igreja norte-americana melhor do que a igreja latina, apesar de ser latino e viver na América Latina. A igreja e o ministério pastoral na América do Norte têm sido estudados em praticamente todas as áreas, desde seu funcionamento, suas tendências, seus desafios e suas práticas, inclusive
adequadamente a ênfase do autor, o texto do versículo 2 está conforme a Almeida Revista e Corrigida, edição de 1969. (N.T.)
9 John MacArthur, The Master’s Plan for the Church (Chicago: Moody Press, 1991), p. 180-185.
sobre a renda dos pastores, de seus auxiliares e secretários, entre muitas outras questões.
A situação do ministério pastoral em nossos dias pode ser refletida em algumas estatísticas, vindas dos Estados Unidos, que embora não correspondam à nossa região, podem nos ajudar a entender a situação atual do ministério pastoral (ou servir como um aviso). Gostemos ou não, a igreja norte-americana é a igreja que exerce a maior influência na eclesiologia latino-americana hoje.
Em junho de 2017, Thom Rainer, presidente e CEO da Lifeway Christian Resources e conhecido pesquisador das questões ministeriais, revelou que entre 7.000 e 10.000 igrejas fecharão suas portas nos Estados Unidos nos 12 meses seguintes — uma realidade triste e difícil.10 O mesmo autor revelou em abril de 2018 que cerca de 1.700 pastores deixam o ministério a cada mês naquela nação. E os dez motivos mais comuns para esse êxodo, segundo a mesma publicação, são os seguintes: desânimo, sensação de fracasso, solidão, queda moral, pressões econômicas, raiva, esgotamento físico e mental, problemas de saúde, problemas conjugais ou familiares e a sensação de estar sobrecarregado.11 Esses dados foram questionados por Ed Stetzer em um artigo publicado na revista Christianity Today, por considerar algumas delas desatualizadas ou não bem fundamentadas.12 13 Suponhamos que as estatísticas apresentadas por Rainer estejam apenas 50% corretas. Ainda assim, são extremamente alarmantes. Um estudo realizado entre janeiro de 2015 e julho de 2016 com cerca de 8.150 pastores evangélicos ou reformados revelou uma melhora significativa em certas estatísticas relacionadas ao estado espiritual dos pastores nos Estados Unidos, o que é animador; no entanto, o estudo também revelou que entre os pastores:
10 Thom Rainer, Six Stages of a Dying Church. Disponível em: https://thomrainer. com/2017/06/six-stages-dying-church.
11 Thom Rainer, 10 Real Reasons Pastors Quit Too Soon. Disponível em: https://churchleaders.com/pastors/pastor-articles/161343-tim_peters_10_common_reasons_pastors_ quit_too_soon.html.
12 Ed Stetzer, That Stat that Says Pastors are All Miserable and Want to Quit (Part 1), Christianity Today, 14 de outubro de 2015.
13 Ed Stetzer, That Stat that Says Pastors are All Miserable and Want to Quit (Part 2). Christianity Today, 28 de outubro de 2015.
O pastor e seu ministério
35% lutam contra a depressão (1 em 3).
26% estão extremamente cansados (1 em 4).
28% são espiritualmente malnutridos (1 em 4).
23% sentem-se distantes de sua família (1 em 4).14
O trabalho de um pastor é exigente necessita do respaldo divino para ser realizado. Os autores Derek Prime e Alistair Begg escreveram um excelente livro sobre o chamado pastoral, intitulado Ser pastor . Os autores definem o ministério pastoral desta forma: “O ministério dos pastores e mestres não é simplesmente um trabalho. É, antes, uma vocação, a resposta a um chamado específico de Deus. É a mais alta no serviço cristão”.15 Note que, nas palavras de Prime e Begg, o ministério pastoral não é algo que a pessoa decide fazer, mas “a resposta” que ela dá a um chamado feito por Deus.
O pastorado na América Latina
Vejamos algumas das questões que afetam o ministério pastoral atualmente na América Latina:
1. Falta de pureza doutrinária e integridade: Há falta de pureza doutrinária em grandes setores da Igreja hoje; muitos pastores afirmam crer na revelação de Deus, mas, apesar de afirmarem a inerrância e infalibilidade da Bíblia, ensinam e aceitam doutrinas que contradizem a Palavra de Deus, que, em muitos casos representam revelações extrabíblicas, como eles mesmos afirmam.
Além disso, falta integridade financeira, sexual e profissional em muitos líderes do rebanho de Deus, como veremos com mais detalhes.
2. Baixo padrão: Em parte, o que foi descrito acima se deve ao rebaixamento do padrão da figura do pastor. Tenho regularmente ouvido pastores declararem à congregação: “Não olhe para
14 Dr. Richard J Krejcir. Statistics on Pastors: 2016 Update. Disponível em: http://www. churchleadership.org/apps/articles/default.asp?blogid=4545&view=post&articleid=Statistics-on-Pastors-2016 Update&link=1&fldKeywords=&fldAuthor=&fldTopic=0
15 Derek Prime; Alistair Begg, Ser pastor (São Paulo: Cultura Cristã, 2017), p. 15.
mim, porque não sou o exemplo; olhe para Cristo”. Em última análise, isso é verdade; Cristo é o nosso modelo. Mas o apóstolo Paulo declarou mais de uma vez: “Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo”. A realidade é que somos líderes e o líder tem seguidores. Esses seguidores imitarão seu exemplo, quer você queira ou não. E você precisa modelar para suas ovelhas o estilo de vida que deseja que elas imitem. Perante o exposto, não há dúvida de que muitos homens que ocupam os púlpitos atualmente que não deveriam estar pastoreando.
3. Seleção do tipo bufê das condições bíblicas para ser pastor: O bufê é uma forma popular e comum de servir refeições, pois os participantes podem escolher a comida oferecida a seu gosto e na quantidade desejada. Da mesma forma, existe em nossos dias uma prática comum: uma seleção, em estilo bufê, das condições para ser pastor.
O apóstolo Paulo descreveu, em 1Timóteo 3, quais são os requisitos para o pastorado: “que o bispo seja […]” começa o texto mencionado. E a primeira exigência da lista para que alguém alcance o presbitério ou pastorado é que ele “seja irrepreensível”. A mesma coisa acontece na lista de condições estipuladas por Paulo em Tito 1. Não são sugestões, mas condições necessárias para a tarefa. Ou seja, você não é feito bispo para depois ter as condições que o bispo precisa. Para se tornar um bispo, pastor ou presbítero, você deve primeiro ser para depois poder fazer ou poder desempenhar tal função. No capítulo 4 apresentarei uma discussão detalhada do texto bíblico a que me refiro aqui.
4. Desrespeito ao ofício pastoral: Existe uma falta respeito ao ofício pastoral, não só porque vivemos em uma sociedade secularizada, mas também por tudo o que foi descrito acima. Quando o pastor não se comporta à altura do seu chamado, isso resultará em desrespeito da congregação à sua posição. Além disso, em uma geração que se levanta contra a autoridade e é cada vez mais egocêntrica, muitos pensam assim: “Eu tenho o Espírito Santo como você”; “Eu tenho a Bíblia como você”; “Posso ir a Deus como você”, “Não preciso de nenhum homem como meu
mediador”. Embora estas afirmações sejam verdadeiras, não podemos esquecer que, da mesma forma, Deus deu líderes e mestres à Igreja, pessoas que vão à nossa frente, que têm muito a ensinar e com quem as ovelhas podem aprender.
5. Pastores que se autodenominam: Outro agravante é que muitos pastores assumem a posição de pastor por si mesmos, mas é importante que haja reconhecimento do chamado. É Deus quem chama, mas é a congregação que reconhece. Quando uma pessoa insiste em pastorear sem o apoio de outros líderes ou da congregação, ele está comprando um bilhete para o fracasso e deverá enfrentar as consequências.
A crise da ética ministerial
Atualmente, vivemos uma crise de ética ministerial significativa e, como já mencionei, ela é “tanto um reflexo do nosso tempo como uma influência da nossa sociedade”.16 Sempre que a sociedade passa por mudanças, a igreja também passa, pois ela está plantada na sociedade e o mundo acaba contaminando a igreja ao invés da igreja evangelizar o mundo. Em nossos dias, infelizmente vemos que, à medida que a sociedade se corrompeu e se deteriorou, o ministério pastoral também passou por situações semelhantes.
Entre os motivos citados como causas para a demissão de pastores em diferentes estudos realizados nos Estados Unidos nos últimos 20 anos estão:
• Falta de comunicação com a congregação.
• Uso inadequado de redes sociais.
• Plágio.
• Imoralidade sexual.
• Falta de integridade financeira. 17 18
16 Joe E. Trull; James Carter, Ética ministerial (São Paulo: Vida Nova, 2010), p. 10.
17 David L. Goetz, Forced Out. Disponível em: https://www.christianitytoday.com/ pastors/1996/winter/6l1040.html.
18 Thom Rainer, 4 most common reasons that get pastors fired. Biblical Leadership . Disponível em: https://www.biblicalleadership.com/blogs/ the-4-most-common-acts-of-stupidity-that-get-pastors-fired/.
Esses motivos são extremamente graves, especialmente quando pensamos que “nenhuma profissão é tão eticamente exigente quanto o ministério cristão. Nenhum profissional deve modelar a moralidade tanto quanto um ministro do evangelho”.19 O ministro ou pastor representa Deus para seu povo e proclama sua Palavra enquanto prega. Portanto, Deus, e até mesmo a sociedade, têm grandes expectativas em relação aos pastores. Não esqueçamos o ensinamento do Senhor Jesus: “Mas àquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido; e àquele a quem muito se confia, muito mais lhe pedirão” (Lc 12.48b).
É óbvio que nós, líderes, seremos julgados com mais severidade.
É lógico esperar mais dos pais do que dos filhos, especialmente quando esses filhos são crianças. Eticamente falando, a vocação pastoral é a vocação mais exigente e da qual se espera o melhor exemplo pelo que representa o chamado divino para o ministério.
Como disse anteriormente, quando Paulo escreveu a Timóteo e Tito a respeito das qualificações de um ministro, ele instruiu que o ministro deveria “ser irrepreensível”. Este é o primeiro adjetivo usado. Não diz “sem pecado”, mas que o ministro deve ser “irrepreensível”. É um detalhe extraordinário que, antes de qualquer outro atributo, Paulo tenha estabelecido que a qualidade número um de um ministro é sua irrepreensibilidade. Isso nos dá uma ideia de quão sublime é o chamado pastoral. Retornaremos a este assunto à frente. O que quero estabelecer aqui é o “peso” do chamado e a responsabilidade que implica realizá-lo.
Vocação pastoral
O ministério pastoral é mais do que preparação acadêmica. Essa preparação nos ajuda a entender o ministério pastoral, isto é, o que um pastor ou presbítero deve fazer, as responsabilidades do pastorado, além de aguçar os dons e talentos para o cumprimento dessas responsabilidades. Mas, no final, o ministério pastoral é uma resposta ao chamado que Deus faz. Haverá momentos em seu ministério (segundos, minutos, dias ou períodos maiores) em que você pensará: “Acho que vou desistir!”.
19 Joe E. Trull; James Carter, Ética ministerial (São Paulo: Vida Nova, 2010), p. 14.
Mas, então, você pensará: “Não vou fazer isso, porque Deus me chamou”. E, mais uma vez, tomará fôlego e decidirá ficar com a congregação, porque o chamado de Deus é mais forte do que suas emoções ou sentimentos. Acredite em mim quando digo que, a única razão de um pastor permanecer em seu lugar é o chamado de Deus. Há dificuldades suficientes no ministério para afastar qualquer um de seu chamado, mas, se Deus o chamou, você permanecerá, porque terá uma motivação e uma paixão inexplicáveis, que não o deixarão desistir.
Em certa ocasião, Moisés pediu a Deus que tirasse sua vida porque sentia que não tinha mais força emocional para continuar e Deus teve que intervir. Eis a passagem:
Então, Moisés ouviu chorar o povo por famílias, cada um à porta de sua tenda; e a ira do Senhor grandemente se acendeu, e pareceu mal aos olhos de Moisés. Disse Moisés ao Senhor: Por que fizeste mal a teu servo, e por que não achei favor aos teus olhos, visto que puseste sobre mim a carga de todo este povo? Concebi eu, porventura, todo este povo? Dei-o eu à luz, para que me digas: Leva-o ao teu colo, como a ama leva a criança que mama, à terra que, sob juramento, prometeste a seus pais? Donde teria eu carne para dar a todo este povo? Pois chora diante de mim, dizendo: Dá-nos carne que possamos comer. Eu sozinho não posso levar todo este povo, pois me é pesado demais. Se assim me tratas, mata-me de uma vez, eu te peço, se tenho achado favor aos teus olhos; e não me deixes ver a minha miséria. Disse o Senhor a Moisés: Ajunta-me setenta homens dos anciãos de Israel, que sabes serem anciãos e superintendentes do povo; e os trarás perante a tenda da congregação, para que assistam ali contigo. Então, descerei e ali falarei contigo; tirarei do Espírito que está sobre ti e o porei sobre eles; e contigo levarão a carga do povo, para que não a leves tu somente. (Nm 11.10-17)
Esta narrativa mostra claramente que o ministério pastoral ou o cuidado com as ovelhas do Senhor não pode ser realizado sem a assistência divina. Tenho enfatizado até aqui que o chamado pastoral é uma vocação. A palavra vocação vem do latim vocatio, que significa “chamado” ou “convocação”, o que nos permite ver o ponto central que estou buscando mostrar: que a vocação ministerial é um chamado ou uma convocação divina para a realização de uma obra.
É importante saber que o conceito de vocação mudou com a Reforma Protestante. Antes, a palavra “vocação” indicava apenas o ministério de padres e bispos, mas Martinho Lutero e João Calvino enfatizaram que o termo abrigava uma ideia muito mais ampla. Eles ensinaram que “vocação” tem a ver com o chamado que Deus faz a cada pessoa para realizar uma tarefa em sua vida e que essa função é tão sagrada quanto aquela que o bispo, o pastor ou o presbítero exerce em sua igreja. Quando você limpa um banheiro, pinta uma parede ou atua como médico, engenheiro ou advogado, se Deus o chamou para esse trabalho, isso é tão sagrado quanto o que é feito atrás de um púlpito no domingo de manhã. Pois, em cada uma dessas funções você representa a Deus e, por isso, deve desempenhá-la para a glória daquele que o criou.
No período da Reforma, Lutero foi quem mais deu ênfase à ideia de que o cristão deve ver sua área de atuação como sua vocação, desde que Deus o tenha chamado para servir naquilo. Nela, você deve glorificar a Deus, independentemente de qual seja sua área. Onde você realiza o chamado de Deus, essa é a sua vocação. Se você aspira a uma carreira técnica ou universitária, é provável que pense: “Vou para a universidade para fazer carreira”. E de certa forma é verdade. Mas essa ideia tem uma conotação um pouco diferente da que a palavra “vocação” implica, pois entendemos a vocação como uma extensão da obra de Deus, o que “eleva sua ocupação a uma responsabilidade sagrada”.20 Para Lutero, “há uma direta conexão entre a obra de Deus na criação e a sua obra nesses ofícios”.21
Uma carreira ou profissão geralmente representa um desejo ou sonho pessoal, que leva a pessoa a tornar-se um médico, advogado ou engenheiro. Nesse caso, o foco do serviço é a sociedade em geral e isso é importante. Lutero declarou: “Deus não precisa de nossas boas obras, mas nosso próximo sim”.22 Novamente, uma vocação é o trabalho que Deus designou a você. No entanto, quando falamos sobre vocação em termos ministeriais, o serviço é primordialmente dirigido às ovelhas
20 Doug Sherman, Your Work Matters to God (Colorado Springs: NavPress, 1990), p. 55.
21 Gustaf Wingren, A vocação segundo Lutero, (São Paulo: Editora Concórdia, 2006), p. 26.
22 Ibid.
de Cristo, compradas por preço de sangue. Isso tem sido denominado por alguns como “obra da redenção”. O trabalho feito para a sociedade também é importante para Deus, mas chamamos esse tipo de trabalho de obra da criação.
O pastorado não é uma profissão
Tenho enfatizado que o ministério é uma resposta a um chamado sobrenatural e, portanto, a pessoa chamada recebe dons sobrenaturais para desempenhar funções específicas, pois não seria possível exercer o ministério pastoral sem esses dons. É possível exercer uma carreira profissional sem dons sobrenaturais, mas não é possível fazer o mesmo no ministério pastoral. Isso estabelece uma diferença entre essas duas esferas de atuação. Infelizmente, um dos problemas é que profissionalizamos o chamado e isso tem trazido muitos prejuízos ao ministério pastoral. Infelizmente, transformamos o chamado divino em profissionalismo. Vejamos esta citação do Pastor John Piper, retirada do livro Irmãos, nós não somos profissionais:
Nós, pastores, estamos sendo aniquilados [Que expressão forte!] pela profissionalização do ministério pastoral. A mentalidade do profissional não é a mentalidade do profeta. Não é a mentalidade do escravo de Cristo. O profissionalismo não tem nada que ver com a essência e o cerne do ministério cristão. Quanto mais profissionais desejamos ser, mais morte espiritual deixaremos em nosso rastro. Pois não existe a versão profissional do “tornar-se como criança” (Mt 18.3); não existe compassividade profissional (Ef 4.32); não existem anseios profissionais por Deus (Sl 42.1). […] Somos loucos por causa de Cristo, mas os profissionais são sensatos; somos fracos, os profissionais, porém, são fortes. Eles são sempre honrados; mas ninguém nos respeita. Não tentamos garantir um estilo de vida profissional; antes, passamos fome, sede, nudez e falta de morada. Quando somos amaldiçoados, abençoamos; quando perseguidos, suportamos; quando caluniados, respondemos com amabilidade. Até agora nos tornamos a escória da terra, o lixo do mundo (1Co 4.9-13). Ou não? 23
23 John Piper, Irmãos, nós não somos profissionais (São Paulo: Shedd Publicações, 2009), p. 15-16.
Você consegue notar a diferença? Nesta passagem, o pastor John Piper revela um coração ferido pela distorção que vemos neste tempo no ministério pastoral. Um seminário não pode ensinar ninguém a ter um “anseio profissional” por Deus. Sou a favor da preparação e esta é uma das razões pelas quais ensino em um seminário teológico. No entanto, um programa de doutorado não pode formar o coração para ansiar a Deus de forma “doutoral”; isso não existe. O anseio por Deus é algo que se forma no coração, de forma distinta, porque Deus quer que este anseio saia de um coração pastoral, como o coração de seu Filho. A menos que mudemos essa maneira de pensar sobre o chamado e a vocação pastoral, continuaremos a aniquilar o ministério.
Quando pessoas nos maltratam — e vão nos maltratar — como fizeram com Cristo, somos tentados a reagir como um profissional de carreira faria, e somos tentados a pensar que isso se justifica porque é assim que as pessoas se defendem. Mas não é assim que fomos chamados a agir em nossa vocação, porque não é assim que Cristo nos chamou para viver o ministério pastoral. Quando nos amaldiçoam, temos que abençoar; quando nos desacreditam, temos que reconhecer que isso é parte do nosso chamado. Talvez a ilustração a seguir possa ajudá-lo a ver esse ponto com mais clareza: o chamado é como um pacote de viagem de férias. Se você já viajou assim, provavelmente sabe que existem resorts com um tipo específico hospedagem chamado all inclusive. Isso significa que você paga uma tarifa e tudo o que consumir naquele local (bebidas, comidas, lanches, entretenimento e hospedagem) está incluído na tarifa. O ministério pastoral funciona como um pacote all inclusive, no qual você encontra coisas ruins como decepções, maus-tratos, descrédito e acusações, mas também o melhor: Deus, seu chamado, sua graça, seu poder e sua companhia.
O foco correto ao assumir o ministério
Cristo começou seu ministério da melhor maneira possível, sendo ungido pelo Espírito no rio Jordão; porém, acabou pregado na cruz e sem garantia de recompensa deste lado da eternidade. Não temos garantias de que, ao estabelecer uma igreja, terminaremos da melhor maneira possível. Além de Cristo, João Batista (Mt 14), Estevão (At 7), Tiago (At 12), todos
os apóstolos, exceto João (segundo a tradição), e milhares ou milhões de cristãos foram martirizados até a morte, apesar de terem servido ao Senhor fielmente. A história do missionário Henry Morrison retornando ao seu país, os Estados Unidos, ajuda-nos a entender como focar nossa mente.
A história teve várias publicações, com pequenas diferenças quanto ao texto exato. Esta é uma dessas versões:
Depois de quarenta anos de serviço fiel ao Senhor como missionário na África, Henry Morrison e sua esposa estavam voltando para Nova York. Quando o navio se aproximou do cais, Henry disse à esposa: “Olhe para aquela multidão. Eles não se esqueceram de nós”. No entanto, sem que Henry soubesse, o navio também carregava o presidente Teddy Roosevelt, que estava voltando de uma grande viagem de caça na África. Roosevelt desceu do barco, com grande alarde, enquanto as pessoas aplaudiam, bandeiras tremulavam, bandas tocavam e repórteres aguardavam para entrevistá-lo. Henry e sua esposa saíram lentamente do navio sem serem notados. Chamaram um táxi que os levou ao quarto de uma pensão que havia sido paga pelo conselho da missão. Nas semanas seguintes, Henry tentou, sem sucesso, deixar o incidente para trás. Ele estava afundando cada vez mais na depressão quando, certa noite, disse à esposa: “Tudo isso está errado. Este homem volta de uma caçada e todos fazem uma grande festa. Demos nossas vidas em serviço fiel a Deus por todos esses anos, mas parece que ninguém se importa”. Sua esposa disse que ele não deveria dar lugar a esse sentimento. Ao que Henry respondeu: “Eu sei, mas não posso evitar. Isso simplesmente não está certo”. Diante disso, sua esposa lhe disse: “Henry, você deve dizer isso ao Senhor e resolver isso agora. Você será inútil em seu ministério até que o faça”. Então, Henry Morrison foi para seu quarto, ajoelhou-se e, lembrando-se de Habacuque, começou a abrir seu coração ao Senhor. “Senhor, tu conheces nossa situação e o que me preocupa. Temos servido o Senhor fiel e alegremente por anos, sem reclamar. Mas, agora, Deus, eu simplesmente não consigo tirar esse incidente da minha cabeça […]. Após cerca de dez minutos de oração fervorosa, Henry voltou para a sala com um semblante calmo. Sua esposa disse: “Parece que você resolveu o problema. O que aconteceu?” Henry respondeu: “O Senhor resolveu para mim. Eu disse a ele o quão amargo eu estava pelo presidente ter recebido essa tremenda recepção, enquanto ninguém nos acolheu quando chegamos em casa. Quando terminei, parecia que o Senhor tinha
colocado sua mão no meu ombro e dito simplesmente: ‘Mas Henry, você ainda não está em casa!’”24
Reflexão final
Precisamos voltar ao nosso modelo original. Jesus formou e treinou o melhor “pequeno grupo” da história. Por três anos ele ensinou aqueles 12 homens, quase em tempo integral e, no final do treinamento:
Um de seus discípulos o vendeu.
Aquele que o confessou como o Cristo, o Filho do Deus vivo, o negou três vezes.
Outros dois queriam sentar-se à direita e à esquerda em seu reino. Outro discípulo, Tomé, depois de ouvir o testemunho de sua ressurreição da boca de duas mulheres que estiveram no túmulo de Jesus, de dois discípulos que estiveram com ele no caminho de Emaús e dos outros dez discípulos, permaneceu incrédulo e disse: “Se eu não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, e ali não puser o dedo, e não puser a mão no seu lado, de modo algum acreditarei” (Jo 20.25).
Finalmente, todos os seus discípulos fugiram quando pensaram que suas vidas estavam em perigo, para que se cumprisse a profecia de Zacarias 13.7: “Desperta, ó espada, contra o meu pastor e contra o homem que é o meu companheiro, diz o Senhor dos Exércitos; fere o pastor, e as ovelhas ficarão dispersas; mas volverei a mão para os pequeninos”. Esta foi a experiência do próprio Deus encarnado (veja Mt 26.31).
A perfeita obediência de Jesus à vontade do Pai não o isentou das decepções típicas do ministério pastoral. Por isso, você precisa viver o seu chamado em total dependência do Espírito Santo.
24 The Missionary’s Return . Disponível em: http://www.addeigloriam.org/ stories/morrison.htm.
O pastor e seu chamado
Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.
Jesus, em Marcos 10.45
Introdução
Em uma de suas visitas à nossa igreja, o Dr. Hershael York, do Seminário Teológico Batista do Sul, disse à nossa igreja: “Cristo não nos disse para tomarmos nosso travesseiro e segui-lo, mas para tomarmos nossa cruz e segui-lo”. Se isso é verdade para todo seguidor de Cristo, muito mais para o pastor das suas ovelhas. Este é o nosso chamado: seguir a Jesus enquanto carregamos nossa cruz. Quando ele nos manda carregar nossa cruz, está se referindo ao sacrifício que implica de ser um dos seus, a ponto de poder ser odiado pelos membros de sua própria família. Em Mateus 10, encontramos estas palavras de Jesus sobre o custo do discipulado:
Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai; entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra. Assim, os inimigos do homem serão os da sua própria casa. Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim; e quem não toma a sua cruz e vem após mim não é digno de mim. Quem acha a sua vida perdê-la-á; quem, todavia, perde a vida por minha causa achá-la-á. (Mt 10.34-39)
É um bom lembrete de que a vida cristã e especialmente o ministério pastoral são um chamado ao sacrifício. Jesus qualificou sua missão como um chamado ao serviço, declarando: “Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10.45). Diante disso, vemos Cristo na cruz dando sua vida por muitos, em total submissão aos propósitos de Deus. No Getsêmani, ele declarou: “[…] não se faça a minha vontade, e sim a tua” (Lc 22.42).
Isso é o ministério pastoral! Morrer para si mesmo, para que os outros tenham vida; morrer para os seus desejos, para suas aspirações e seus sonhos; morrer para os seus “direitos” e para aquilo que você queria fazer em sua vida, para pastorear o rebanho de Deus. Você faz isso para a glória de Deus, porque ama a Deus e porque sabe que tem uma eternidade pela frente esperando por você com desejos e delícias muito acima de tudo o que é temporário.
Acredito que tempos atrás havia uma consciência maior do peso do ministério pastoral e do chamado para esse ministério, em relação ao que vemos em nossos dias com alguma frequência. Por isso, é vital entendermos o chamado pastoral, porque muitos se emocionam com a ideia de estar atrás de um púlpito expondo a Palavra de Deus, sem considerar que o pastorado é muito mais do que pregação.
Quem escolhe os pastores?
Quem chama, escolhe e ordena os pastores? Essas perguntas parecem ser semelhantes, mas têm conotações diferentes. Já entendemos que um contrato de trabalho com uma igreja e uma ordenação pastoral não fazem um pastor, porque esta não é uma vocação terrena. Uma igreja local pode reconhecer o chamado que Deus colocou na vida de uma pessoa e ela pode e deve ordenar pastores. Mas alguém pode ter muitos títulos e ofertas de trabalho das melhores igrejas e não ser um pastor aos olhos de Deus. Em outras palavras, o chamado é feito por Deus.
O seminário prepara a pessoa que já foi chamada por Deus para exercer o pastorado ou mesmo alguém que receberá seu chamado depois. Como tenho dito, antes de tudo é Deus quem chama, por isso, o chamado é sobrenatural e não depende de algo que a pessoa faça. Em Atos 20, lemos sobre Paulo se despedindo dos presbíteros da igreja de Éfeso,
enquanto estava na cidade de Mileto. Nos versículos 18 a 38 vemos o melhor discurso que um pastor poderia compartilhar com um grupo de pastores sobre como lidar com o ministério pastoral. Trabalharemos esta passagem bíblica no capítulo oito, pelo que, quero encorajar você a lê-la integralmente e com atenção. Por ora, quero analisar apenas ao versículo 28: “Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue”.
Essas duas declarações devem chamar a nossa atenção ao considerarmos o ministério pastoral:
• Deus é quem chama para o ministério.
• Deus coloca as ovelhas que foram compradas pelo sangue de seu Filho sob o cuidado de quem ele chama.
Você consegue imaginar isso? O próprio Deus pedindo que você cuide das pessoas compradas pelo preço do sangue de seu próprio Filho? Isso não é algo pequeno! Essa verdade acrescenta sobriedade ao ministério e, como costumamos dizer, “me deixa de cabelo em pé”; porque, cada vez que você aconselha, cada vez que oficia um casamento, que você cuida de alguém, que você prega, quem está diante de você são aqueles que pertencem a Deus, comprados pelo sangue de Jesus.
Por outro lado, quando Paulo escreve a Tito, ele afirma: “Por esta causa, te deixei em Creta, para que pusesses em ordem as coisas restantes, bem como, em cada cidade, constituísses presbíteros, conforme te prescrevi” (Tt 1.5). Em outras palavras, Deus chama, mas alguém terá que reconhecer e colocar quem foi chamado em seu lugar. É preciso um reconhecimento humano e, neste caso, Tito recebeu essa responsabilidade das mãos de Paulo. É necessário que os presbíteros, pastores e a própria igreja façam esse reconhecimento, mas não podemos nos esquecer que esse processo começa lá em cima, no Céu. Nunca devemos nos esquecer dessa verdade. O chamado não é um simples desejo pessoal; não é algo que você deixa de lado depois de um ano porque a lua de mel com o ministério acabou. O chamado não é simplesmente uma paixão, é uma convicção de que Deus o tirou de seu próprio caminho para colocá-lo em outro,
no qual você pode servi-lo e para servir ao seu povo, renunciando o que os outros desfrutam, mesmo que isso não seja pecaminoso em si. E você faz isso para a glória de Deus. As paixões podem ir e vir, pois são fugazes. Mas o chamado não é passageiro, pelo contrário, ele é uma convicção e a convicção não é apenas um forte sentimento, é uma confiança profunda de que Deus o separou do caminho que você estava seguindo para colocá-lo em uma posição de serviço a ele. O grande pregador inglês, Charles Spurgeon, descreveu o chamado pastoral desta forma:
Como pode o jovem saber se é vocacionado ou não? É uma indagação ponderável, e desejo tratá-la mui solenemente. Oh, a divina orientação para fazê-lo! O fato de que centenas perderam o rumo e tropeçaram num púlpito, está patenteado tristemente nos ministérios infrutíferos e nas igrejas decadentes que nos cercam. Errar na vocação é terrível calamidade para o homem, e, para a igreja sobre a qual ele se impõe, seu erro envolve aflição das mais dolorosas. (grifo do autor)25
Neste ensaio, intitulado Lições aos meus alunos, escrito por Spurgeon no final do século 19, ele destaca que centenas de pessoas “perderam o rumo e tropeçaram num púlpito”. O príncipe dos pregadores — como chamavam Spurgeon — acrescenta que isso fica mais evidente em ministérios infrutíferos e igrejas decadentes. Entretanto, chama ainda mais nossa atenção sua afirmação: “É uma indagação ponderável, e desejo tratá-la mui solenemente. Oh, a divina orientação para fazê-lo!”. Esta conversa ocorreu no contexto do ensino como parte de conversas de Spurgeon com seus alunos do seminário. Ele enfatiza que, devido à seriedade do assunto, ele precisa da ajuda de Deus para falar a respeito. Quem realmente entende o ministério pastoral é Deus. Ele conhece a natureza do ministério e sua seriedade. Portanto, a melhor maneira de ter uma ideia clara e bíblica sobre o ministério pastoral, é analisando o ministério do Senhor Jesus Cristo.
Chamado para ser exemplo
Já estabeleci que Deus é quem chama pastores de sua igreja. Agora precisamos considerar para o que Deus nos chama. Vejamos primeiro o
25 Charles Spurgeon, Lições aos meus alunos, vol. 2. (São Paulo: PES, 1990), p. 30-31.
que Pedro diz a respeito: Pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes, tornando-vos modelos do rebanho (1Pe 5.2-3).
Deus nos chama a pastorear ovelhas com um desejo sincero, não apenas por um senso de responsabilidade, mas também de dedicação, motivados pela obra de Cristo na cruz e seu amor por nós. Isso deve ser verdade na hora de pregar, aconselhar, oficiar um casamento ou um funeral etc., cada atividade deve ser realizada porque nosso coração deseja glorificar a Deus cuidando de suas ovelhas, imbuídos de gratidão e não esperando receber um salário por fazê-las.
Escrevendo aos coríntios, o apóstolo Paulo disse a esse respeito: “Pois o amor de Cristo nos constrange, julgando nós isto: um morreu por todos; logo, todos morreram. E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou” (2Co 5.14-15). Paulo realizou seu ministério motivado por seu amor a Cristo. “Há duas coisas que eu sempre considerei como requisitos essenciais num pastor: trabalho e amor. O primeiro é um trabalho da mente, o último, um trabalho do coração: o trabalho fiel mostrará seu amor, e o amor sincero suavizará seu trabalho”.26
Da mesma forma, o ministério pastoral nunca deve ser realizado exercendo senhorio, como lemos no texto de 1Pedro que citei acima. Você não deve se impor, ser autoritário ou querer que as coisas sejam feitas simplesmente porque “você é o pastor”. Se você é um pastor e as ovelhas irão lhe obedecer, mas não por imposição. A obediência imposta não é obediência, é submetimento forçado; e não fomos chamados por Deus para impor nossa autoridade. Deus chama as ovelhas para se submeterem aos seus pastores, mas ele chama pastores para modelar o caráter de Cristo nelas, lembrando que, um dia, daremos contas de cada ovelha do nosso rebanho: “Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois velam por vossa alma, como quem deve prestar contas, para
26 Extraído do sermão O adeus do pastor, de George Swinnock (1627–1673). Citado em: Stephen Yuille, Um trabalho de amor: Prioridades pastorais de um puritano (Recife: Os Puritanos, 2015), Edição Kindle.
que façam isto com alegria e não gemendo; porque isto não aproveita a vós outros! (Hb 13.17).
Este versículo coloca um peso enorme nos ombros do pastor. Pensar que um dia teremos que comparecer perante o Juiz do universo para prestar contas de cada ovelha é algo que deve nos dominar. É preciso lembrar que todo pastor deixa um exemplo e será por esse exemplo que prestaremos conta ao Pastor dos pastores. A questão é: que tipo de exemplo estamos dando? O exemplo de Cristo é aquele que deixa uma marca perdurável. No caso do pastor, o que marca a ovelha não é sua oratória, seu carisma, ou seu conhecimento do grego e do hebraico; acima de tudo, o que a marca é o caráter do pastor. “Nossos ministérios são moldados pela condição de nossos corações. O que governa nossos corações, controla nossos ministérios”.27
O caráter do pastor
Qual é a coisa mais importante na vida de um pastor?
Seus talentos e seus dons?
Sua preparação acadêmica?
Seu chamado?
Seu caráter?
Dons e talentos são importantes, porque sem eles uma pessoa não pode pastorear.
A preparação ou estudo acadêmico é importante, seja formal ou informal. Tanto no presente quanto em toda a história da igreja, grandes homens de Deus nunca frequentaram um seminário, embora fossem eruditos ou autodidatas. Diz-se que Charles Spurgeon — que nunca frequentou um seminário — tinha uma biblioteca com mais de 12.000 títulos.28 Ele certamente era um homem preparado.
Chamado e caráter são de vital importância. Podemos dizer que a coisa mais importante no pastorado é o chamado. Há grandes homens
27 J. Stephen Yuille, Um trabalho de amor: Prioridades pastorais de um puritano (Recife: Os Puritanos, 2015), Edição Kindle.
28 The Spurgeon Archive. Disponível em: https://archive.spurgeon.org/fsl.php.
de Deus que possuem caráter exemplar, mas não têm um chamado pastoral. Um exemplo disso são os muitos professores de seminário, que têm um caráter comprovado, exemplar e irrepreensível, mas não são pastores. Há, ainda, aqueles que são famosos ou lideram mega igrejas, mas não têm caráter. Tanto o chamado quanto o caráter são essenciais para o exercício do ministério. Mas é importante dizer que, uma pessoa pode exercer o pastorado e ter um chamado, mas estar fora do tempo e, por isso, não ter o caráter devidamente preparado desempenhar a tarefa.
Embora seja verdade que o chamado muitas vezes precede o caráter (como foi o caso dos apóstolos), não é menos verdade que o caráter deve preceder o chamado, como vemos nos primeiros capítulos do livro de Atos. Jesus escolheu seus discípulos e então partiu para formar seu caráter, que veio à tona assim que o Senhor Jesus ascendeu ao céu.
A formação do caráter depende do tempo. O termo “caráter” vem de um termo grego e outro latino, que descrevem a marca deixada por um instrumento ou ferramenta de gravação [...] você não acorda um dia e tem um caráter piedoso. O caráter que você possui atualmente foi moldado ao longo de um período, por pequenas escolhas e decisões que moldaram quem você é.29
Observe também o peso que Paulo dá ao caráter da pessoa chamada para exercer o pastorado na seguinte passagem:
Fiel é a palavra: se alguém aspira ao episcopado, excelente obra almeja. É necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensível, esposo de uma só mulher, temperante, sóbrio, modesto, hospitaleiro, apto para ensinar; não dado ao vinho, não violento, porém cordato, inimigo de contendas, não avarento; e que governe bem a própria casa, criando os filhos sob disciplina, com todo o respeito (pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da igreja de Deus?); não seja neófito, para não suceder que se ensoberbeça e incorra na condenação do diabo. Pelo contrário, é necessário que ele tenha bom testemunho dos de fora, a fim de não cair no opróbrio e no laço do diabo. (1Tm 3.1-7)
29 Robert H. Thune, Gospel Eldership (Greensboro: New Growth Press, 2016), p. 35-36.