#OCaminhoDoCoração: Introdução 2 “Disposição Inicial”

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Este livro é propriedade, no seu todo e em cada uma das suas partes, da Rede Mundial de Oração do Papa O seu acesso, total ou parcialmente, é gratuito O conteúdo não pode ser modificado, total ou parcialmente, sem autorização prévia concedida pelo Secretariado Internacional A Rede Mundial de Oração do Papa autoriza a distribuição gratuita deste livro O seu conteúdo pode ser reproduzido total ou parcialmente e apresentado em diversos suportes (virtuais ou físicos), mediante indicação da fonte Rede Mundial de Oração do Papa É proibida a sua venda ou doação onerosa sem autorização expressa emitida pelo Secretariado Internacional

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QUERIDOS AMIGOS NO SENHOR

O Caminho do Coração é o itinerário espiritual proposto pela Rede Mundial de Oração do Papa. É o fundamento da nossa missão, uma missão de compaixão pelo mundo. Inscreve-se no processo iniciado pelo Papa Francisco com a Exortação Apostólica Evangelii gaudium, «A Alegria do Evangelho»

Constitui o resultado de um longo processo impulsionado pelo P. Adolfo Nicolás, então Superior Geral da Companhia de Jesus. No início elaborou-se um esquema, designado então de marco referencial, com uma equipa internacional liderada pelo P. Claudio Barriga SJ. Este itinerário foi apresentado ao Papa Francisco num documento intitulado Um caminho com Jesus em disponibilidade apostólica (agosto de 2014). Apresentava-se uma nova forma de compreender a missão do Apostolado da Oração, numa dinâmica de disponibilidade apostólica. O Santo Padre aprovou-o em dezembro de 2014.

O Caminho do Coração é essencial para a recriação desta Obra Pontifícia como Rede Mundial de Oração do Papa. Constitui um aprofundamento, para os nossos dias, da tradição espiritual do Apostolado da Oração, e articula, de uma forma original, elementos essenciais deste tesouro espiritual com a dinâmica do Coração de Jesus É a chave de interpretação da nossa missão Por isso apresentamos em 2017 um comentário a este itinerário espiritual, designado agora «Dinâmica interna do passo», para ajudar as equipas nacionais da Rede Mundial de Oração do Papa a entrar na dinâmica interior do Caminho do Coração e a aprofundá-lo

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Com o desejo de desenvolver o processo de recriação, sentimos a necessidade de ampliar os conteúdos escritos. Assim, iniciamos em 2017 um trabalho de elaboração e organização dos materiais que constituem hoje os 11 livros de O Caminho do Coração. Este trabalho realizou-se com uma equipa internacional liderada por Bettina Raed, diretora regional da Rede Mundial de Oração do Papa na Argentina e Uruguai. Assim, a partir da pátria do Papa Francisco, e com o apoio de diversos companheiros, quer jesuítas quer leigos, foi articulado este trabalho. Agradeço de modo particular a Bettina por toda a sua disponibilidade e pelo seu trabalho de elaboração e coordenação.

Agradeço também a TeleVid, das Congregações Marianas da Colômbia, pelo seu apoio na conversão deste material num suporte acessível ao nível digital e visual. www.caminodelcorazon.church (em castelhano).

Espero que estes conteúdos ajudem a propor a missão de compaixão pelo mundo com criatividade (em retiros espirituais, sessões de formação, os encontros das Primeiras Sextas-feiras, etc ) É o fundamento da nossa missão, o nosso modo específico de entrar na dinâmica do Coração de Jesus.

P

Diretor internacional da Rede Mundial de Oração do Papa

– inclui o Movimento Eucarístico Juvenil

Cidade do Vaticano, 3 de dezembro de 2019, Dia de São Francisco Xavier e dos 175 anos do Apostolado da Oração

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Esquema para orientar o passo

Propomos-te algumas orientações para te ajudar a utilizar este livro. Poderás usá-las como indicadores do caminho, que te apontem os «lugares» por onde deverás passar

Palavra-chave: DISPOR-ME

Objetivo: Situar o participante no início do caminho espiritual a percorrer

Atitudes-chave: Abertura à experiência e à liberdade interior

O que se pretende alcançar – Fruto: Confiança

Dinâmica interna do passo: Do «ensimesmamento» à «abertura»

Marco referencial

"Vinde à parte, a um lugar solitário, e descansai um pouco". Porque eram muitos os que iam e vinham e nem sequer tinham tempo para comer. Entrando, pois, numa barca, retiraram-se à parte, para um lugar solitário (Mc 6, 31-32)

Onde estou? Como estou? A que venho?

Dizemos, com frequência, que «não temos tempo» e que «estamos cansados disto ou daquilo», alguns expressam mesmo o seu fastio e desagrado afirmando que precisam de «mudar qualquer coisa na sua vida». Imagina que o podes fazer agora. Reservarás algum tempo para pensar e refletir sobre «essas coisas» que reclamam a tua atenção, porque estão a tirar energia, beleza e sabor à tua vida «Isso» sobre o qual precisas de refletir seriamente é o que hoje deves começar a ordenar Por exemplo: é possível que precises de gastar algum tempo para «ordenar o tempo»

Algum tempo para «ordenar os afetos», algum tempo para «rezar com tempo», algum tempo para «estar a sós», algum tempo para pensar sobre «isso» que hoje reclama a tua atenção, etc

Dinâmica interna do passo.

Pensa na tua situação e tenta definir como te sentes Evita dizer «bem» ou «mal»

Procura, antes, «descrever» como está a ser este tempo: como estou a viver a minha vida? Como estou a viver com a minha família e com a minha comunidade? Como é a minha relação com Deus? Quais são os problemas mais graves que tenho?

Lê lentamente o texto, sem pressa, e saboreia as palavras do profeta. Que palavras ressoam com força dentro de ti? O que sentes que te dizem? Pensa que Deus está presente e te dirige as seguintes palavras: «É assim que a vou seduzir: levá-la-ei ao deserto para lhe falar ao coração. Dar-lhe-ei então as suas vinhas e o Vale de Acor será como porta de esperança. Aí, ela responderá como no tempo da sua juventude, como nos dias em que subiu da terra do Egito. (...) Então, te desposarei para sempre; desposar-te-ei conforme a justiça e o direito, com amor e misericórdia. Desposar-te-ei

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com fidelidade, e tu conhecerás o Senhor». (Os 2:16-17, 21-22 )

Depois de sentires e agradeceres a presença de Deus, fixa-te em cada palavra: naquilo que a mesma significa, na importância que tem para ti, para a tua vida. Pensa: Por que razão Deus to está a dizer a ti? Há coisas na tua vida que estás a viver agora ou que te sucederam anteriormente e pelas quais necessitas que Deus te volte a seduzir? Que coisas poderão ser essas? Sentes no coração que Deus não te fala de castigo, mas de algo muito bom: de te seduzir, de te falar de amor, de te desposar para sempre

Depois de teres sentido tudo isto no coração, dá graças a Deus por Ele ser assim, por te fazer uma proposta tão bela para a tua vida, e por as suas palavras te consolarem profundamente Termina com uma Ave-Maria, pedindo a Maria que te ajude a manteres-te perto do Amor de Deus Reconhece que Deus te fala pessoalmente, ao teu coração, para te revelar como te ama Sente o que vais ler a seguir: : «Palavra que o Senhor dirigiu a Jeremias, nestes termos: "Vai, desce à casa do oleiro, e ali escutarás a minha palavra". Fui, então, à casa do oleiro, e encontrei-o a trabalhar ao torno. Quando o vaso que estava a modelar não lhe saía bem, retomava o barro com as mãos e fazia outro, como bem lhe parecia. Então, foi-me dirigida a palavra do Senhor, dizendo: "Casa de Israel, não poderei fazer de vós o que faz este oleiro? Como o barro nas suas mãos, assim sois vós nas minhas, casa de Israel – oráculo do Senhor"» (Je 18:2-6)

Depois de teres feito a leitura do texto, muito lentamente, volta a lê-lo, para o entenderes bem Agora, ao reler o texto, detém-te naquilo que mais chama a tua atenção Se for uma palavra ou uma frase, repete-a várias vezes, ao ritmo da tua respiração Detém-te a saboreá-la Deixa-te ficar aí, saboreando Se o texto suscita em ti alguma imagem, contempla-a Deus está a comunicar contigo dessa maneira Imagina que desces à oficina, que é o teu coração Aí está Deus a moldar o teu coração O vaso é a tua vida

Hoje, neste momento, neste tempo de oração, Deus está a pegar no barro, a tua vida, nas suas mãos, e continua a criar-te, a curar-te, a dar-te vida, força, ânimo Por vezes, a vida quebra-se, o barro parte-se, precisamente porque é barro, mas a tua vida está nas mãos de Deus e, se o deixares atuar, Ele reconstrui-la-á.

As ruturas, as quebras, as crises fazem parte da nossa vida. É inútil pretender evitá-las porque fazem parte da nossa condição particular de seres vivos. Não as devemos procurar e muito menos gerar, mas dispor-nos a vivê-las em profundidade, com a nossa confiança posta em Jesus. Estas circunstâncias dinamizam a nossa vida e, se as soubermos acolher como parte da nossa existência, abrem caminhos novos e possibilidades distintas

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Talvez te encontres num momento de rutura, de quebra ou de crise. Talvez sintas apenas que precisas de restaurar alguma coisa e, por isso, desejas iniciar este Caminho do Coração Seja qual for o motivo que te trouxe aqui, não duvides de que o Oleiro tomará a tua vida nas suas mãos para refazê-la de novo Lembra-te: Ele tomará de ti o que lhe ofereceres para ser transformado e não fará nada sem o teu consentimento Ele respeita as nossas decisões, mas, se queres descobrir o motivo pelo qual te trouxe até aqui, dispõe-te a entrar, com ânimo e liberdade, no âmbito sagrado da oração

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ENTRADA SEGUNDO A PERSPETIVA ESPIRITUAL.

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«Chegada a tarde daquele mesmo dia, que era o primeiro da semana, e estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam juntos, por medo dos judeus, foi Jesus, colocou-se no meio deles e disse-lhes: "A paz esteja convosco!".

Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado Os discípulos alegraram-se muito ao ver o Senhor Ele disse-lhes novamente: "A paz esteja convosco Assim como o Pai me enviou, também Eu vos envio a vós". Tendo dito estas palavras, soprou sobre eles e disse-lhes: "Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados, àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos"» (Jo 20:19-23).

O medo, o temor, o risco, a valentia, o esforço, tal como o amor, são experiências quotidianas que dão cor à nossa vida Estas emoções perpassam todos os planos da nossa vida, surgem a qualquer momento, sem aviso prévio, e invadem a nossa casa interior Instalam-se dentro de nós, como doce hóspede da alma ou como visitante indesejado O medo, tal como o amor, influencia profundamente a nossa vontade Exerce um certo poder sobre nós

Tanto o medo como o amor têm a sua razão de ser na nossa vida. Pretender eliminar o medo porque não nos agrada, para dar lugar ao amor, sem qualquer tipo de discernimento, poderá constituir um ato de inconsciência extrema. O medo é prejudicial quando faz com que nos encerremos em nós mesmos, dificultando a nossa confiança em Deus. Quando não nos deixa avançar juntamente com Ele, mesmo sabendo que o caminho se pode revelar incerto para nós, ou quando nos obriga a fechar as portas à esperança e à fé O medo, porém, também tem os seus benefícios Por exemplo, torna-nos mais cautelosos e prudentes, permite-nos estar despertos e conscientes para não nos deixarmos enganar O medo ajuda-nos a estar alerta para não largarmos as mãos de Deus e torna-nos mais prudentes no trato com os outros

O amor é essa outra força interior que, ao contrário do aspeto negativo que caracteriza o medo, nos faz sair de nós mesmos, para irmos ao encontro dos outros É a energia que nos transforma de dentro para fora No entanto, o amor também implica um risco muito grande O amor humano tende a disfarçar-se de divino e a arrogar-se uma certa omnipotência. O amor humano pode corromper-se em dependência, voracidade e subjugação, destruindo pessoas e vínculos. Assim, uma sã atenção alertar-nos-á para as motivações mais profundas dos movimentos da nossa afetividade, mostrando-nos de que modo o amor e o medo se movem no nosso interior e aquilo a que nos conduzem.

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Este itinerário espiritual que inicias e que designamos de Caminho do Coração, pretende conduzir-te ao mais profundo de ti mesmo, ao centro do teu ser, para poderes viver, a partir daí, no coração do mundo. Na profundidade do teu ser, onde habita Deus, tudo se torna mais claro Não faltarão momentos em que o medo fará a sua aparição e tu te sentirás paralisado, mas também não te faltará a experiência do amor divino que te fará sair desse impasse e confiar mais n’Ele Anima-te a fazer-te ao largo, a mergulhar no teu próprio mistério, para te encontrares com o Mestre divino em quem toda a pergunta humana encontra resposta

Os discípulos de Jesus estavam atemorizados pelo que acabava de acontecer O mestre tinha sido assassinado pelas autoridades religiosas e políticas Não o estaríamos nós também? E quando o medo, o desespero e a perda da fé pareciam ter estendido um manto de escuridão sobre os seus corações, Jesus fez-se presente no meio deles para lhes levar a paz e lhes entregar o Espírito Santo Quem é o Espírito Santo? É o doce hóspede da alma, a promessa do Pai É o advogado Aquele que acorre em nosso auxílio quando o invocamos. É Ele quem conduz à plenitude a obra da salvação. É, por fim, aquele que cumprirá em nós o processo de transformação interior que estamos a iniciar. Aquele que forja em nós a semelhança com Jesus. Este processo de semelhança restaura em nós aquilo que o pecado destruiu: a nossa condição de homens livres e filhos de Deus O Caminho do Coração que vamos iniciar transforma-nos em itinerantes do Espírito, à maneira dos apóstolos, para deixarmos de ser vagabundos espirituais Este itinerário tem uma orientação, um norte que o conduz

Como discernir se o nosso caminhar é de itinerantes ou de vagabundos? Como saber se a nossa itinerância acontece por ação do Espírito de Deus?

Os itinerantes do espírito sabem encontrar Deus nas coisas criadas Sabem apreciar a obra de Deus e sentem respeito e admiração por ela Pelo contrário, os vagabundos fogem do contacto com a realidade para dimensões «espiritualistas» que só servem para desumanizá-los Chegam mesmo a definir-se como «pessoas religiosas» e «empenhadas», enquanto julgam os outros com crueldade.

Os itinerantes, dóceis ao Espírito, tendem a travar amizades profundas, a colaborar. Sentem o desejo de fazer parte «de», de colaborar «com», de dar o seu tempo «para». Pelo contrário, os vagabundos espirituais não são propensos a estabelecer relações sãs nem duradouras Costumam ter problemas de comunicação e, basicamente, são pouco sociáveis São os que querem chegar a Deus rompendo com o mundo No entanto, se se comprometem ou assumem responsabilidades,

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fazem-no afastando os demais e não permitindo que alguém se entreponha entre eles e aquilo que «se deve fazer». O vagabundo, de personalidade egocêntrica, busca a sua própria santidade independentemente da caridade e da solidariedade para com os outros, centrando-se no seu próprio itinerário

Os itinerantes estão empenhados na realidade que lhes toca viver Não espiritualizam em vão a realidade, mas sabem aproveitar o lado bom dos acontecimentos e suportar as dificuldades que a própria vida acarreta Os vagabundos, pelo contrário, costumam ser pessoas que, com frequência, se privam a si mesmas da alegria e do prazer E quando encontram prazer nalguma coisa, sentem culpa e remorso A ascética cristã e a autodisciplina serão sempre necessárias, mas dentro dos seus próprios limites e sob a lupa do discernimento

Normalmente, os itinerantes do espírito pensam mais nos outros do que em si mesmos Estão atentos às necessidades dos outros e dispostos a renunciar aos seus próprios critérios para favorecer a união e aumentar a comunhão. Os vagabundos espirituais fecham-se sobre si mesmos e esquivam-se a um compromisso sério. Não se querem envolver e, de um modo geral, tendem a justificar a sua falta de integração responsabilizando os outros de serem «pouco espirituais e devotos». Os vagabundos costumam refugiar-se sob alguma «autoridade espiritual» para conseguir proteção e cuidado Procuram a proximidade do poder para se sentirem fortes

O itinerante espiritual não é aquele que fica apegado às coisas, mas o que vive o seu compromisso até ao fundo, atravessando toda a criação, até chegar a encontrar Deus em todas as coisas Todavia, fá-lo enfrentando o «aqui e agora» da sua vida Em contacto com a realidade que lhe toca viver Os itinerantes do espírito dispõem-se, claramente, a assumir riscos Quando se dão conta de que Deus lhes marca um novo caminho, aceitam abandonar as suas seguranças para penetrarem no novo e no desconhecido, como diz Jesus a Nicodemos (Jo 3, 1-21) O vagabundo espiritual, muito pelo contrário, agarra-se às suas seguranças Está apegado à norma, à lei e à autoridade para se salvaguardar. Desconfia das mudanças e autodenomina-se «prudente», para dissimular a sua cobardia.

Perante o discernimento, os itinerantes do espírito estão abertos a descobrir Deus mediante o senso comum, as autoridades legítimas, os amigos, as inúmeras situações que lhes toca viver Os vagabundos espirituais recusam-se a encontrar Deus no «comum» e quotidiano das suas vidas Tendem a pôr todo o género de restrições sobre o modo como Deus pode comunicar com eles Rejeitam

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obstinadamente interpelações ou sugestões de outros. Exigindo a si mesmos e aos outros uma adesão rígida à letra da lei, permanecem alheios ao espírito desta. Apresentam-se como guardiões da ortodoxia, para justificar o seu procedimento e para ocultar as suas verdadeiras motivações

Por fim, para sabermos se a nossa forma de caminhar é de itinerantes do espírito ou de vagabundos espirituais, devemos analisar a nossa relação com a solidão

O peregrino espiritual procura estar só, como necessidade integrante da sua relação pessoal com Deus Tal surge do anseio por uma intimidade amorosa e serena O vagabundo espiritual, pelo contrário, quer que o deixem só para continuar isolado A sua solidão consiste mais em fugir de tudo do que em estar com o Todo, é mais um retirar-se da vida do que um esforço por penetrar na profundidade da mesma Em alternativa, pode multiplicar exageradamente os seus compromissos, para ter a agenda cheia Procura estar em «tudo» e não perder «pitada de nada»

Enfim, o peregrino espiritual é uma pessoa que vive em plenitude o seu «estar no mundo, sem ser do mundo», ao passo que o vagabundo não só foge do mundo, como constrói o seu próprio mundo, desentendendo-se de tudo e de todos.

Que este itinerário te ajude a entrar em sintonia com o Coração de Jesus, sendo dócil ao Espírito do Senhor, a fim de discernires o teu caminho rumo à união íntima com Deus Ele transformará o teu coração de pedra num coração de carne, para que te abras à colaboração com a sua missão de compaixão pelo mundo Encontrando-o em todas as coisas, em tudo aquilo que te toca viver, poderás, em seguida, recapitular toda a tua história n’Ele e decidir colaborar com Ele na sua missão, ao seu estilo e à sua maneira

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Oração de confiança

Pai, coloco-me nas tuas mãos, faz de mim o que quiseres

Aconteça o que acontecer, eu te dou graças Estou disposto a tudo.

Aceito tudo. Contanto que a tua vontade se cumpra em mim e em todas as tuas criaturas Não desejo mais, ó Pai, confio-te a minha alma.

Ofereço-ta com todo o meu amor porque te amo e preciso de me oferecer a ti, de me colocar nas tuas mãos, sem condições, sem medida, com uma confiança infinita, porque Tu és meu Pai

Colóquio

Reserva agora um tempo para conversares com Jesus Como? Falando claramente com Ele sobre aquilo que sucedeu na tua oração É uma forma de conversar para fixar «aquelas coisas» que te sucederam durante a oração

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ENTRADA SEGUNDO AS PALAVRAS DO PAPA

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O grande risco do mundo atual, com a sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem Este é um risco, certo e permanente, que correm também os crentes Muitos caem nele, transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida Esta não é a escolha duma vida digna e plena, este não é o desígnio que Deus tem para nós, esta não é a vida no Espírito que jorra do coração de Cristo ressuscitado

Convido todo o cristão, em qualquer lugar e situação em que se encontre, a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de o procurar dia a dia sem cessar Não há motivo para alguém poder pensar que este convite não lhe diz respeito, já que "da alegria trazida pelo Senhor ninguém é excluído". Quem arrisca, o Senhor não o desilude; e quando alguém dá um pequeno passo em direção a Jesus, descobre que Ele já aguardava de braços abertos a sua chegada. Este é o momento para dizer a Jesus Cristo: "Senhor, deixei-me enganar, de mil maneiras fugi do vosso amor, mas aqui estou novamente para renovar a minha aliança convosco Preciso de Vós Resgatai-me de novo, Senhor; aceitai-me mais uma vez nos vossos braços redentores" Como nos faz bem voltar para Ele, quando nos perdemos! Insisto uma vez mais: Deus nunca se cansa de perdoar, somos nós que nos cansamos de pedir a sua misericórdia Aquele que nos convidou a perdoar "setenta vezes sete" (Mt 18, 22) dá-nos o exemplo: Ele perdoa setenta vezes sete Volta uma vez e outra a carregar-nos aos seus ombros Ninguém nos pode tirar a dignidade que este amor infinito e inabalável nos confere Ele permite-nos levantar a cabeça e recomeçar, com uma ternura que nunca nos defrauda e sempre nos pode restituir a alegria Não fujamos da ressurreição de Jesus; nunca nos dêmos por mortos, suceda o que suceder Que nada possa mais do que a sua vida que nos impele para diante! ( )

Há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa. Reconheço, porém, que a alegria não se vive da mesma maneira em todas as etapas e circunstâncias da vida, por vezes muito duras. Adapta-se e transforma-se, mas sempre permanece pelo menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal de, não obstante o contrário, sermos infinitamente amados. Compreendo as pessoas que se vergam à tristeza por causa das graves dificuldades que têm de suportar, mas aos poucos é preciso permitir que a alegria da fé comece a despertar, como uma secreta mas firme confiança, mesmo no meio das piores angústias: "A paz foi

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desterrada da minha alma, já nem sei o que é a felicidade (…). Isto, porém, guardo no meu coração; por isso, mantenho a esperança. É que a misericórdia do Senhor não acaba, não se esgota a sua compaixão. Cada manhã ela se renova; é grande a tua fidelidade ( ) Bom é esperar em silêncio a salvação do Senhor" (Lm 3, 1721-23 26)

A tentação apresenta-se, frequentemente, sob forma de desculpas e queixas, como se tivesse de haver inúmeras condições para ser possível a alegria Habitualmente, isto acontece porque " a sociedade técnica teve a possibilidade de multiplicar as ocasiões de prazer; no entanto, ela encontra dificuldades grandes no engendrar também a alegria" Posso dizer que as alegrias mais belas e espontâneas que vi ao longo da minha vida são as alegrias de pessoas muito pobres, que têm pouco a que se agarrar Recordo também a alegria genuína daqueles que, mesmo no meio de grandes compromissos profissionais, souberam conservar um coração crente, generoso e simples De várias maneiras, estas alegrias bebem na fonte do amor maior, que é o de Deus, a nós manifestado em Jesus Cristo Não me cansarei de repetir estas palavras de Bento XVI que nos levam ao centro do Evangelho: "Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo".

Somente graças a este encontro – ou reencontro – com o amor de Deus, que se converte em amizade feliz, é que somos resgatados da nossa consciência isolada e da autorreferencialidade Chegamos a ser plenamente humanos, quando somos mais do que humanos, quando permitimos a Deus que nos conduza para além de nós mesmos, a fim de alcançarmos o nosso ser mais verdadeiro Aqui está a fonte da ação evangelizadora Porque, se alguém acolheu este amor que lhe devolve o sentido da vida, como é que pode conter o desejo de o comunicar aos outros?» (Papa Francisco, Evangelii gaudium, 2-3 6-8)

Um exercício para a releitura espiritual da vida

Tenho aprendido que, quanto mais me aproximo de Cristo, tanto mais anseio verdadeiramente por estar sempre com Ele Não é que queira passar o dia inteiro de joelhos, a rezar. Apaixona-me viver e empenhar-me nas coisas de cada dia. No entanto, anseio por estar com Cristo e que Ele acompanhe a aventura da minha vida.

Desejo partilhar a minha vida com o Senhor, com o Criador. E, nessa dinâmica, descobri-lo no meu coração e em todas as coisas criadas. Desejo sentir a sua presença em cada passo que dou, quer seja na igreja ou numa reunião de amigos, no meio de uma tarefa quotidiana e até em cada pequeno detalhe que me toque viver Não quero perder a passagem do Senhor pela minha vida Quero descobri-lo quando

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medito a sua Palavra e também quando vou às compras, quando atendo o telefone ou quando estou a estudar ou a trabalhar. E ainda quando me delicio com um gelado ou com uma boa refeição. Desejo que Deus seja tudo na minha vida. Quero descobrir o Senhor no meio do lazer e do tédio, quando me zango ou quando estou triste, quando me divirto, cozinho ou faço desporto É por isso que a releitura é tão surpreendente e poderosa Coloca diante do Senhor a nossa vida quotidiana e ajuda-nos a descobrir Deus nela

A releitura une-me cada vez mais intimamente a Deus, revelando-me o seu olhar sobre tudo o que eu vivo Conduz-me ao louvor e à ação de graças pelos dons que Deus me concede e pela sua presença neles, pelas vezes que Ele me abre à alegria, à vida em abundância, à paz A releitura é uma oportunidade de eu descobrir as minhas faltas, de pedir perdão por elas e de reconhecer a necessidade de reparação Ajuda-me a descobrir as motivações subjacentes às minhas ações, aos meus pensamentos e aos meus autoenganos Ajuda-me a descobrir, em tudo o que vivo, aquilo que me aproxima da vida de Deus e aquilo que me afasta dela. Convido-te a que descubras por ti mesmo o impacto que a releitura diária produz na tua vida.

Conselhos práticos

Proponho-te o seguinte exercício, para entrares nesta prática:

Arranja um caderno ou bloco de apontamentos a teu gosto, que seja fácil de transportar Cola uma fotografia, uma frase ou uma gravura na primeira página, que te inspire para o encontro com o Senhor Poderás optar pela letra de uma canção inspiradora, por um poema ou uma oração cuja presença te recorde que estás prestes a iniciar um momento de encontro com o teu Criador e Senhor

Escolhe uma atividade, o dia que viveste, um espaço de tempo sobre o qual farás a releitura Poderá ser o dia completo ou, simplesmente, as tuas horas de trabalho ou algumas horas dedicadas a uma atividade especial, a uma palestra ou a um encontro que tenhas tido com determinada pessoa Trá-lo à memória e toma nota «O meu dia», «o meu trabalho», «esta conversa», «esta tarefa».

Escutar a ressonância afetiva dentro de ti

Como poderás ter sentido até aqui, a releitura requer que te mantenhas à escuta da ressonância afetiva dos acontecimentos e dos encontros por ti vividos, produzida no teu interior Como te afetou aquilo que pudeste dizer ou fazer? Como ressoam dentro de ti as coisas que viveste: têm que ver com a abertura, a paz, a alegria ou o dinamismo? Ou traduzem-se antes em encerramento: tristeza, irritação, frieza?

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Tendo em conta estes teus movimentos interiores, reconhecerás aquilo que te aproxima mais da vida e aquilo que te afasta dela, aquilo que te ajuda, ou não, a servir e a amar mais o Senhor

A releitura é um exercício que envolve a tua afetividade, uma dimensão importante a ter em conta na tua relação com o Senhor

No primeiro momento da tua releitura, reconheces aquilo que te abre à vida de forma abundante e dás graças ao Senhor pela sua presença na tua vida Num segundo momento, à luz do amor de Deus por ti, identificas o teu pecado, os teus encerramentos, e pedes-lhe perdão À luz de tudo isto, podes ver desde já o amanhã, a fim de escolheres aquilo que te abre à vida, a Cristo, e pedires ao Senhor a graça necessária para afastares aquilo que identifiques como obstáculo

Rever a tua vida para encontrares Deus

Resumo

«Aqui estou» – Apresentar-me a Deus com tudo o que sou e com tudo o que vivo: projetos, alegrias, deceções, bom ou mau humor Oferecer tudo isso ao Senhor que está presente, numa atitude de disponibilidade interior Pedir-lhe a graça de receber a sua luz para acolher o meu dia com o seu olhar Apresento-me ao Senhor, desperto na sua presença, sabendo que Ele me olha e me ama

Dizer «obrigado»

Trata-se de reconhecer o que recebi hoje Para o fazer, deixo desfilar diante de mim a minha jornada, de manhã até à noite, e gasto o tempo necessário para analisar de que modo estive presente nos encontros, nas atividades e nos acontecimentos que vivi Só me detenho a recordar os momentos que tenham ressoado em mim como abertura, luz, vida, alegria e paz. Tanto podem ser coisas muito pequenas como coisas grandes. Poderei então agradecer ao Senhor aquilo que recebi.

Pedir luz e perdão

Agora presto atenção àquilo que possa ter sido fonte de desalento, frieza, encerramento, àquilo que talvez também me tenha separado do Senhor e que eu posso designar como pecado É um simples balanço, sem julgamento da minha parte, a fim de aprender, por experiência, aquilo que me conduz à vida com abundância, a

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Cristo, ou então aquilo que me afasta d’Ele. Gasto o tempo necessário para o identificar e peço perdão ao Senhor de todo o meu coração, cheio de confiança, porque o seu Amor faz-me viver.

Também posso pedir-lhe a sua luz para me iluminar e para eu compreender o que sucedeu Fui negligente na minha vida espiritual (oração, missa, leitura da Bíblia) ou em relação ao objetivo determinado que tinha estabelecido?

Considerar o amanhã

Volto-me agora para o amanhã, oferecendo ao Senhor esse novo dia e aquilo que nele vou viver Tenho experiência daquilo que me conduz a uma maior vida e liberdade, a Cristo, mas também daquilo que me afasta d’Ele e me conduz por caminhos de morte Apresento-lhe, com confiança, «aquilo que quero e desejo» viver amanhã, porque Ele é fiel Peço-lhe a sua força e a sua graça, para estar completamente voltado para Ele, e só para Ele Recorrendo às palavras de Jesus, dirijo-me a Ele, que é nosso Pai

Convido-te agora a anotares no teu caderno ou bloco de notas as ressonâncias, os ecos que este exercício deixou no teu coração, para assim os guardares na tua memória

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