#OCaminhoDoCoração Passo Quatro: “O Pai envia o Seu Filho para salvar”

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Este livro é propriedade, no seu todo e em cada uma das suas partes, da Rede Mundial de Oração do Papa O seu acesso, total ou parcialmente, é gratuito O conteúdo não pode ser modificado, total ou parcialmente, sem autorização prévia concedida pelo Secretariado Internacional A Rede Mundial de Oração do Papa autoriza a distribuição gratuita deste livro O seu conteúdo pode ser reproduzido total ou parcialmente e apresentado em diversos suportes (virtuais ou físicos), mediante indicação da fonte Rede Mundial de Oração do Papa É proibida a sua venda ou doação onerosa sem autorização expressa emitida pelo Secretariado Internacional.

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QUERIDOS AMIGOS NO SENHOR

O Caminho do Coração é o itinerário espiritual proposto pela Rede Mundial de Oração do Papa. É o fundamento da nossa missão, uma missão de compaixão pelo mundo. Inscreve-se no processo iniciado pelo Papa Francisco com a Exortação Apostólica Evangelii gaudium, «A Alegria do Evangelho»

Constitui o resultado de um longo processo impulsionado pelo P Adolfo Nicolás, então Superior Geral da Companhia de Jesus No início elaborou-se um esquema, designado então de marco referencial, com uma equipa internacional liderada pelo P Claudio Barriga SJ Este itinerário foi apresentado ao Papa Francisco num documento intitulado Um caminho com Jesus em disponibilidade apostólica (agosto de 2014) Apresentava-se uma nova forma de compreender a missão do Apostolado da Oração, numa dinâmica de disponibilidade apostólica O Santo Padre aprovou-o em dezembro de 2014

O Caminho do Coração é essencial para a recriação desta Obra Pontifícia como Rede Mundial de Oração do Papa Constitui um aprofundamento, para os nossos dias, da tradição espiritual do Apostolado da Oração, e articula, de uma forma original, elementos essenciais deste tesouro espiritual com a dinâmica do Coração de Jesus É a chave de interpretação da nossa missão Por isso apresentamos em 2017 um comentário a este itinerário espiritual, designado agora «Dinâmica interna do passo», para ajudar as equipas nacionais da Rede Mundial de Oração do Papa a entrar na dinâmica interior do Caminho do Coração e a aprofundá-lo

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Com o desejo de desenvolver o processo de recriação, sentimos a necessidade de ampliar os conteúdos escritos. Assim, iniciamos em 2017 um trabalho de elaboração e organização dos materiais que constituem hoje os 11 livros de O Caminho do Coração. Este trabalho realizou-se com uma equipa internacional liderada por Bettina Raed, diretora regional da Rede Mundial de Oração do Papa na Argentina e Uruguai. Assim, a partir da pátria do Papa Francisco, e com o apoio de diversos companheiros, quer jesuítas quer leigos, foi articulado este trabalho. Agradeço de modo particular a Bettina por toda a sua disponibilidade e pelo seu trabalho de elaboração e coordenação.

Agradeço também a TeleVid, das Congregações Marianas da Colômbia, pelo seu apoio na conversão deste material num suporte acessível ao nível digital e visual. www.caminodelcorazon.church (em castelhano).

Espero que estes conteúdos ajudem a propor a missão de compaixão pelo mundo com criatividade (em retiros espirituais, sessões de formação, os encontros das Primeiras Sextas-feiras, etc.).

É o fundamento da nossa missão, o nosso modo específico de entrar na dinâmica do Coração de Jesus.

– inclui o Movimento Eucarístico Juvenil

Cidade do Vaticano, 3 de dezembro de 2019, Dia de São Francisco Xavier e dos 175 anos do Apostolado da Oração

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Esquema para orientar o passo

Palavra-chave: ENCONTRO

Objetivo: Experimentar ser salvos, sanados, «misericordiados», perdoados

Atitudes-chave: Espanto Receção e acolhimento do perdão «Admiração exclamativa»

O que se pretende alcançar – Fruto: reconhecer que estamos salvos, sanados, curados

A caminho

Dinâmica interna do passo: Da «consciência da vida desfeita» à «experiência de salvação»

Marco referencial

O Pai não nos abandonou no meio deste mundo sem coração Falou-nos muitas vezes e de muitos modos pelos profetas, e agora, nesta etapa final, fê-lo pelo seu Filho feito homem, Jesus Cristo (cf Hb 1, 1)

N’Ele, o Pai uniu a nossa história à sua, para restaurar a criação e para sanar a nossa humanidade ferida N’Ele, que deu a sua vida por nós, na cruz, e a quem o Pai ressuscitou de entre os mortos, perdoou-nos os nossos pecados

N’Ele, o amor ardente de Deus vem ao nosso encontro, decidido a salvar-nos

Com Ele aprendemos a reconhecer o Espírito de Deus atuante no nosso mundo, suscitando coisas novas, inclusive no meio de sofrimentos e dificuldades

Dinâmica interna do passo

A Bíblia apresenta-nos várias alianças de Deus com a humanidade: a de Noé, a de Abraão e, finalmente, a nova Aliança em Cristo Ao longo das Escrituras revela-se como um Deus que quer estabelecer com a humanidade uma relação tão forte e terna como a relação de amor de um esposo com a sua esposa Os profetas Ezequiel e Oseias descrevem a Deus como um amante abandonado pela sua amada e que a procura até aos confins do deserto, a fim de se comprometer com ela para sempre Deus espera-nos, canta o Cântico dos Cânticos Toda a história da humanidade, desde o princípio até ao fim dos tempos, é uma história de amor, a história das núpcias de Deus com a humanidade.

Este amor revela-se em toda a sua plenitude em Jesus. Como no-lo disse o evangelista São João: «O amor de Deus manifestou-se desta forma no meio de nós: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito, para que, por Ele, tenhamos a vida. É nisto que está o amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele mesmo que nos amou e enviou o seu Filho» (1 Jo 4, 9-10)

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Jesus Cristo revela-nos o verdadeiro rosto do Amor Quando, no Evangelho, escutamos e olhamos para Jesus, é precisamente o amor que vemos Ele encarnou em Jesus Cristo Para o dizer com palavras de São João: « O que existia desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos e as nossas mãos tocaram relativamente ao Verbo da Vida…» é o amor (1 Jo 1, 1) É esta a experiência dos primeiros discípulos! «Nós conhecemos o amor que Deus nos tem, pois cremos nele. Deus é amor» (1 Jo 4, 16)

O itinerário humano de Jesus, as suas palavras e gestos revelam toda a altura, largura e profundidade daquele que é a fonte da vida E a ressurreição confirma que Ele é o caminho, a verdade e a vida (cf. Jo 14, 6). O amor, tal como Ele o viveu, é força de ressurreição que transforma não só o homem no mais profundo do seu ser, mas o universo inteiro.

O amor tem um rosto, é alguém. Jesus Cristo é o amor encarnado de Deus. Em Jesus Cristo, Deus revelou-se a si mesmo como Aquele que só pode amar e chegar à profundidade última do amor, ou seja, morrer por aqueles que ama e perdoar aos seus inimigos Com efeito, a manifestação mais profunda do amor é o perdão: «Deus demonstra o seu amor para connosco: quando ainda éramos pecadores é que Cristo morreu por nós» (Rm 5, 8)

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Entrada segundo a perspetiva bíblica

O que é que tem eficácia suficiente para transformar a vida de uma pessoa? Como seria uma força transformadora capaz de produzir uma viragem copernicana na vida de alguém? Por vezes nós, como pessoas, passamos por experiências de transformação, situações, relações pessoais que nos fizeram levantar, permitindo-nos retomar a marcha, e mudaram a nossa vida Experimentamos com frequência que alguns encontros foram determinantes na nossa vida, porque nos libertamos de algo, ficamos a compreender algo, fomos iluminados, nos tornamos mais conscientes Encontros com pessoas que nos abriram a uma nova esperança, a um modo diferente de olhar e de nos situarmos na realidade; encontros que nos fizeram, alguma vez, exclamar: «foi Deus quem te enviou»

Decididamente, há encontros que transformam a vida, que nos abrem a novos horizontes, que nos fazem mudar de perspetiva e que nos convidam a contagiar os outros com a transformação recebida

Um percurso através dos relatos bíblicos poderia ajudar-nos a visualizar esses encontros restauradores, nos quais os enviados de Deus se fazem presentes para comunicar aos protagonistas que a vida se abre à sua frente de uma forma definitiva, e que eles são convidados a acolhê-la.

O livro do Êxodo narra-nos os encontros entre o Senhor e Moisés na sua missão de conduzir o povo para a terra prometida «Quando Moisés se dirigia para a tenda, todo o povo se levantava, permanecendo cada um à entrada da própria tenda, para o seguir com os olhos, até Moisés entrar na tenda. Logo que Moisés entrava na tenda, a coluna de nuvem descia e mantinha-se à entrada, e o Senhor falava com Moisés» (Ex 33, 8-9)

Deus sai ao encontro de Moisés na sarça ardente e na nuvem E a imagem da nuvem era o Senhor que saía ao encontro pessoal com Moisés

O Primeiro Livro dos Reis relata-nos o encontro de Deus com Elias no monte Horeb, quando este, escondido numa gruta e em fuga dos seus perseguidores, esperava a passagem do Senhor: «Tendo chegado ao Horeb, Elias passou a noite numa caverna, onde lhe foi dirigida a palavra do Senhor: "Que fazes aí, Elias?" Ele respondeu: "Ardo de zelo pelo Senhor, o Deus do universo, porque os filhos de Israel abandonaram a tua aliança, derrubaram os teus altares e assassinaram os teus profetas. Só eu escapei; mas também a mim me querem matar!" O Senhor disse-lhe então: "Sai e mantém-te neste monte, na presença do Senhor; eis que o Senhor vai passar!"» (1 Rs 19, 9-11)

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Elias descobre a presença do Senhor na brisa suave perante a qual cobre o rosto, Deus revela-se mediante uma experiência íntima e silenciosa E com este encontro põe-no a caminho «O Senhor disse-lhe: "Vai e volta pelo caminho do deserto"» (1 Rs 19, 15)

E assim como Deus saiu ao encontro do seu povo eleito, de diversas formas, Ele próprio quis aproximar-se e enviou o seu Filho: «Estando Isabel no sexto mês, foi enviado por Deus o anjo Gabriel a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem chamado José, da casa de David; e o nome da virgem era Maria» (Lc 1, 26-27)

Todos nós reconhecemos, no coração, este quadro do Evangelho de São Lucas que comemoramos anualmente na noite de Natal. Um encontro que mudou a vida de Maria por completo, os seus projetos com José, a sua imagem, a sua situação social, as suas decisões. Este encontro abriu uma esperança para ela e para o seu povo, «os pobres de Javé», os anawin, que esperam no Senhor. Maria é ponto de chegada e de partida do cumprimento de uma promessa: no encontro com o anjo torna-se realidade uma promessa e abre-se um novo caminho de esperança «Vou realizar algo de novo, que já está a aparecer: não o notais?» (Is 43, 19)

Maria põe-se a caminho sem demora, o encontro põe-na de pé ante o projeto de Deus, e parte rumo à casa de sua prima Isabel O encontro de «dois grandes», um encontro que gerou a salvação O Pai que enviou o seu Filho e o Espírito que pronuncia, em Isabel, o reconhecimento do dom de Deus: «Donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor? Porque, logo que chegou aos meus ouvidos a tua saudação, o menino saltou de alegria no meu seio» (Lc 1, 43-44) Maria não pode conter a vida que a habita, a alegria indizível de ser «a eleita» para concretizar a promessa que habitava no seu coração, e o Espírito que a inunda brota da sua boca sob a forma de louvores: «A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador» (Lc 1, 46). É o encontro de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, com toda a criação, a suprema confirmação do sim eterno de Maria ao Pai, que transformará para sempre a vida do mundo.

Do mesmo modo que este Deus, feito homem em Jesus, saiu ao encontro de toda a criação em Maria, libertando-a das dinâmicas de morte, também sairá ao encontro da dor e do sofrimento concreto, levando a cada um em particular a salvação e a vida de que cada homem e mulher necessite Deus, em Jesus, dá-nos a vida em abundância É esse o estilo de Jesus, o seu modo de estar no mundo: sair ao encontro dos seus e comunicar-lhes a sua vida Abre, deste modo, a esperança à vida, acolhe, abraça, cura e sana Torna realidade, em toda a criação, a promessa de vida e de perdão, para

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que alivie a dor e tire o pecado do mundo. Os encontros de Jesus são encontros de vida para sempre

«Um leproso veio ter com ele, caiu de joelhos e suplicou: "Se quiseres, podes purificar-me". Compadecido, Jesus estendeu a mão, tocou-o e disse-lhe: "Quero, fica purificado"» (Mc 1, 40-41)

«Vendo Jesus a fé daqueles homens, disse ao paralítico: "Filho, os teus pecados estão perdoados. (…) Eu te ordeno – disse ao paralítico: levanta-te, pega no teu catre e vai para tua casa". Ele levantou-se e, pegando logo no catre, saiu à vista de todos» (Mc 2:5-11)

«Ao chegar a casa, os cegos aproximaram-se d’Ele, e Jesus disse-lhes: "Credes que tenho poder para fazer isso?" Responderam-lhe: "Cremos, Senhor!" Então, tocou-lhes os olhos, dizendo: "Seja-vos feito segundo a vossa fé". E os olhos abriram-se-lhes» (Mt 9:27-30).

Jesus sai ao encontro da fé que espera e crê na promessa de amor e de salvação, para lá das dificuldades extremas, das dores e dos fracassos A fé dos que creem e a misericórdia infinita de Deus revelada em Jesus são os ingredientes dos encontros que saram, restabelecendo a vida

O encontro com Jesus é transformador, é o rosto visível de um Deus invisível A Bíblia mostra-nos, através de imagens e de quadros de curas e libertações, que ninguém que se tenha deixado encontrar por Jesus saiu igual desse encontro, que todo aquele que acreditou na promessa de salvação foi restaurado, reconstruído e restabelecido na sua dignidade O encontro com Jesus devolve à vida quem estava morto ou paralisado «Então, disse ao homem: "Estende a tua mão" Ele estendeu-a, e a mão tornou-se sã como a outra» (Mt 12, 13)

Hoje, Jesus também sai ao nosso encontro e do mesmo modo nos procura e nos interpela como o Anjo interpelou a Maria. Essa foi a pergunta que o Pai tinha para ela. Hoje uma pergunta nos é feita a nós, se permitirmos que o Senhor, por meio de nós, continue a ser uma promessa salvadora para nós e para outros. Não sairemos iguais deste encontro! Ele é o único que pode e quer reconstruir as nossas ruínas, ressuscitar as nossas mortes e devolver a vida às nossas paralisias Ele é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo Feliz de ti que foste convidado a participar da sua vida! Jesus espera pela tua resposta

● «Vou fazer uma coisa nova que já começa a despontar: não a vedes?» (Is 43:9)

● Eu vi a opressão do meu povo que está no Egito. […] Por isso desci, a fim de os

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libertar das mãos dos egípcios…» (Ex 3:7-8).

● Eu ensinava Efraim a andar, trazia-o nos meus braços… Com vínculos humanos eu os atraía, com laços de amor» (Os 11:3-4)

● Se tu conhecesses o dom de Deus…» (Jo 4:10)

● «Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua morada, cearei com ele e ele comigo» (Ap 3:20)

● «Era Deus que reconciliava consigo o mundo em Cristo, não lhes imputando os seus pecados» (2 Co 5:19)

● «O Espírito ajuda também a nossa fraqueza…» (Rm: 8:26)

● «Tanto amou Deus o mundo, que lhe deu o seu Filho Unigénito…». (Jo 3:16)

● «O Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido» (Lc 19:10)

● «Humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até à morte, e morte de cruz» (Fl 2:8)

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Entrada segundo a perspetiva da fé

Como um professor trata uma criança

O homem nasce como um ser inacabado, como um ser «por terminar», por assim dizer; é um ser em construção contínua e ilimitada, em desenvolvimento, em processo É ao longo do processo da vida que se vai completando, crescendo, «tornando-se mais pessoa». Por isso dizemos que a verdade do homem, entendida como aquilo que ele é chamado a ser e que se vai desenrolando «para a frente», ultrapassa sempre a sua realidade concreta, o seu hoje. Por isso, os dons que o Senhor oferece à pessoa assumem a forma não só de dom, mas de missão, de possibilidade, de oportunidade de desdobramento futuro. Por isso dizemos que os dons do Senhor constituem, hoje, um presente e também uma missão que nos permite fazê-los crescer ao longo do processo da vida Assim podemos entender a nossa própria existência como um presente, mas também como uma missão, como algo que podemos continuar a desdobrar, a desenvolver, a fazer crescer

Como homens, vivemos a nossa vida como que arriscando o nosso próprio ser, jogando a nossa liberdade com as limitações próprias inerentes ao facto de se estar no mundo Vamo-nos desenvolvendo dentro de uma liberdade limitada, acolhendo a nossa existência e desdobrando-a com tudo aquilo que fazemos Vamos fazendo história daquilo que recebemos, integrando-o nas nossas decisões, na forma como cada um de nós vai desenrolando o seu próprio projeto Diz a ascética (que significa «prática»): «Chegar a ser aquilo que Deus quer que cada um seja». É como que ir elegendo na nossa vida aquilo que o Senhor elege para nós e, assim, ir realizando na história o projeto do Senhor, com o nosso toque pessoal. É um equilíbrio entre acolher a existência como dom e desdobrá-la como missão, ao mesmo tempo que nos vamos deixando moldar pelo Senhor, nos vamos deixando fazer por Ele, para que o nosso ser seja tudo aquilo que é chamado a ser n’Ele

Diz-nos Santo Inácio que, olhando o Senhor, – Pai, Filho e Espírito Santo –, a circularidade do mundo inteiro, cheio de homens e mulheres, e vendo-os a todos errantes, desviados do seu propósito e do seu caminho, determinou que a segunda Pessoa, o Filho, se fizesse homem, para «levar a cabo a redenção do género humano»

Então Deus fez-se homem e habitou entre nós A importância deste aniquilamento, kénosis, abaixamento, esvaziamento de Deus na pessoa de Jesus, não está no empobrecimento, visto que Deus não precisa de perder nada de si mesmo para se fazer Homem. A essência da kénosis, pelo contrário, radica na entrega que esta significa, quer dizer, na livre decisão de se tornar igual ao homem em tudo menos no

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pecado, por amor. O Senhor escolhe fazer-se um de nós sem perder nada da sua condição divina

Por isso, afirmamos que a plenitude do amor de Deus pela humanidade não se encontra no brilho, na majestade, na glória ou no poder, mas sim na plenitude da solidariedade e da entrega da sua kénosis, do seu abaixamento até à condição humana, por amor É esta entrega solidária de Deus à humanidade que torna fecunda a sua kénosis O Senhor escolhe fazer-se solidário com o género humano, entrando na história como homem verdadeiro, igual a nós em tudo menos no pecado

A kénosis não consiste na assunção de uma simples natureza, mas sim na assunção do mundo inteiro com a sua história de pecado, inseparáveis desta humanidade concreta, e com aquilo que lhe é próprio, a sua historicidade, a sua possibilidade de realização no tempo, o seu «ir-se fazendo». Deus encarna e faz-se Homem. Não de uma maneira teórica ou abstrata de «ser homem», mas como o somos nós. Mais ainda: levou-o até ao extremo e, portanto, com uma longa série de condicionamentos escravizantes que o homem não experimenta como necessariamente inerentes à ideia de homem, mas como pertencentes ao homem concreto que vive uma vida concreta no tempo e no espaço Jesus viveu num tempo concreto uma vida concreta

Se concebemos o homem como «história», como um ser cuja essência consiste em tornar-se aquilo que é e, nesse processo, arriscar o seu próprio ser, então também a Encarnação há de ser necessariamente histórica Portanto, a Divindade entra, seriamente, numa evolução e, de um certo modo que nós não conhecemos nem compreendemos, corre o risco do sucesso Deus não só se fez homem e servidor, também se fez risco e aposta Jesus é Filho de Deus, mas segundo a carne, na forma de ter-de-chegar-a-ser-Filho de Deus O Filho de Deus vai-se tornando Filho de Deus na história, vai-se dando conta da sua identidade, vai-se desenvolvendo: ou seja, ao mesmo tempo que é conduzido pela ação do Espírito, vai-se deixando fazer, a fim de que o seu Ser assuma aquilo que é chamado a ser na época histórica que lhe coube viver.

A entrega solidária da kénosis não consiste em que Deus se tenha feito homem, mas em que se tenha feito servo, pobre, maldito , não é uma encarnação neutra, mas uma encarnação que assume a condição dos últimos, dos crucificados da história Encarnação e Ressurreição não são momentos isolados e independentes, mas momentos tão intrinsecamente ligados que constituem uma única realidade: quando um deles se verifica, seguem-se necessariamente os outros A Encarnação só fica concluída na Ressurreição, mas passando necessariamente pela Cruz

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Ora, tudo isto foi escolhido por Deus de forma solidária connosco, para nos ensinar, como um professor ensina uma criança, como devemos viver o nosso processo de nos tornarmos mais humanos Tornarmo-nos mais humanos, à maneira de Jesus, é tornarmo-nos solidários com os crucificados da história, com os marginalizados, com os pobres e excluídos, assumindo a sua cruz, por amor e em solidariedade para com as suas vidas Tornarmo-nos mais humanos ao estilo de Jesus é abrirmo-nos ao amor, o que significa passar pela cruz, que desemboca na ressurreição De facto, a morte de cruz, em Jesus, não teve a última palavra, e também a não terá em nós, que n’Ele somos chamados à Ressurreição

A vida sacramental. A reconciliação

Os sacramentos respondem a uma necessidade íntima do homem. Curiosamente, enquanto, para muitos cristãos, os sacramentos perderam a força do sinal, os não-crentes inventaram sinais para preencher essa necessidade íntima inegável. Toda a nossa linguagem é simbólica, o que significa que devemos distinguir a realidade em si da respetiva mensagem Um móvel velho, para alguns, não passará disso, apenas um móvel velho, mas para o seu dono poderá ser a recordação de um ser querido que já não está vivo Esse móvel será sinal desse amor e desse afeto perdido

Do mesmo modo, também os sacramentos são sinais visíveis que tornam presente uma realidade invisível De facto, Jesus Cristo continua a agir hoje como ontem De entre todos os sinais de Deus no mundo, Jesus é o sinal visível fidelíssimo do rosto do Pai: «Quem me vê, vê o Pai» (Jo 14, 9) Poderíamos dizer que Jesus Cristo é sacramento de Deus, o sinal visível do Pai na terra

Depois da Páscoa, porém, Jesus Cristo deixou de ser acessível à nossa experiência direta, como o tinha sido para os discípulos. Todavia, a Igreja é hoje o «corpo místico» de Jesus, sinal da vida de Deus na terra. E o que era visível em Jesus Cristo é-o hoje nos sacramentos da Igreja. Poderíamos dizer que toda a Igreja é «um corpo sacramentado».

Hoje, na nossa vida de fé, acedemos a uma diversificação desse «corpo sacramentado», ou seja, a «vários sacramentos» Acedemos ao corpo sacramentado da Igreja através de alguns sacramentos que são sinais do Deus que sai ao encontro do homem nas suas experiências fundantes de vida (nascimento, amor e compromisso, quedas, doença, morte, consagração a outros)

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Os sacramentos, como sinais visíveis que tornam presente uma realidade invisível, são encontros com Deus, encontros que têm uma dimensão sensível, quer dizer, acessível à experiência dos sentidos: podemos tocar, ver, ouvir, saborear Infelizmente, com o passar do tempo, os rituais e sinais sensíveis dos sacramentos foram perdendo «a sua força simbólica», devido, precisamente, ao debilitamento da sua carga enquanto «sinais» A imersão no batismo foi substituída por umas gotas de água, o pão, por uma hóstia, uma taça que pouco se parece com aquilo que usamos nas refeições, etc Digamos que os sinais deixaram de ser tão evidentes ou perderam parte do seu simbolismo, embora não tenham perdido a sua validade A validade quase ganhou terreno em detrimento da força do sinal À palavra do rito que se une ao sinal e que, por essa união, se deveria impor por sua própria força, hoje soma-se «a palavra que explica o sinal». Ora, se um sinal precisa de ser explicado, quer dizer que perdeu a sua força de sinal ou o seu simbolismo.

Embora esta realidade seja inegável, os sacramentos continuam a ser sinais visíveis do Deus invisível O corpo sacramentado da Igreja diversifica-se em sete sacramentos nos quais o próprio Deus sai ao encontro do homem Que tempo propício e que oportunidade para recuperar o valor e a profundidade dos sinais sacramentais, a beleza do seu simbolismo e o significado da dimensão sensível da graça que nos aproxima! Com efeito, voltando a meditar sobre eles, a determo-nos nos gestos, palavras e rituais, podemos redescobrir a profundidade do simbolismo e a densidade do sinal, e também entrar em relação profunda com o Senhor Porque se trata dos gestos e das palavras de Jesus

No âmbito dos sacramentos propostos pela Igreja, queremos deter-nos agora num deles, o sacramento da Reconciliação, que aproxima de nós, por excelência, a graça da misericórdia infinita e ilimitada do Pai.

A reconciliação é o sacramento do amor, do encontro de Deus com o homem que cai devido à sua fragilidade e vulnerabilidade. É a celebração da misericórdia de Deus. E é o próprio Deus que procura a pessoa e a abraça para que se levante. A graça deste sacramento alcança o homem independentemente das condições pessoais do sacerdote, que é apenas um mediador da graça Deus torna a sua graça atuante mediante a força do sinal acrescida da palavra (a pessoa que reconhece a sua queda numa conversa fraterna e o sacerdote que lhe faz chegar o perdão, vindo de Deus)

A reconciliação, como qualquer sacramento, é uma celebração, celebra a vida dedicada a seguir Cristo O que significa isto? Significa que Deus acorre ao encontro e

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à hora marcada com a sua graça, abraçando e perdoando a pessoa que cai. No entanto, é esta pessoa que lhe permite a sua entrada e eficácia, fazendo-se presente e mostrando-se disponível para receber a graça Abrir as portas à graça da reconciliação é, além de receber o perdão de Deus, o compromisso de completar com a própria vida aquilo que a graça inicia, fazer com que essa graça se faça vida em saída para os irmãos Por outras palavras, que a graça sacramental não morra nesse ato de perdão, mas continue a atuar na vida da pessoa; que o sacramento se torne vida e a vida sacramento de misericórdia para os outros

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Entrada segundo a perspetiva espiritual

Aprender a meditar

Precisamos de deter a marcha das nossas vidas e de investir esse tempo de sã passividade-atividade a contemplar e refletir sobre o que vivemos A «tomarmos consciência» e a fazermos passar de novo pelo coração e pelos sentidos interiores os acontecimentos da nossa vida. Nós, seres humanos, somos as únicas criaturas com capacidade de autoconsciência, quer dizer, com capacidade para pensar sobre nós mesmos. Esta capacidade de autoconsciência permite-nos meditar, distanciar-nos dos acontecimentos e das situações que vivemos, para nos apercebermos dos mesmos. Quando meditamos, aplicamos as nossas potências (memória, inteligência e vontade) a algumas realidades para voltarmos a experimentá-las Por exemplo, trazendo à memória acontecimentos felizes da nossa vida passada, reproduziremos de novo os sentimentos que eles geraram em nós e reviveremos, hoje, aquilo que vivemos no passado

Quando meditamos sobre algo, aplicamos a nossa memória, recuperamos esse acontecimento e trazemo-lo ao presente com as suas situações de tempo, lugar e pessoas, que arrastam consigo decisões, sentimentos e desejos Esta elaboração interior move-nos a agir, pois, a partir dela, são suscitados desejos que mobilizam a vontade

Contudo, meditar não deve começar e terminar num mero ato autocentrado, voltado para nós mesmos, em busca de tranquilidade ou complacência. Pelo contrário, deve ser um meio de abrir a nossa vida à consciência da presença do Senhor naquilo que vivemos. Então, tomando consciência das nossas experiências e da presença do Senhor nelas, dar-nos-emos conta da nossa resposta, do modo como acolhemos essa presença ou nos fechamos a ela

A presença do Senhor é curativa, salvífica É uma presença amorosa que nos abre à vida em abundância Meditando sobre os acontecimentos que vivemos, podemos dar-nos conta dessa ação salvífica do Senhor

A Bíblia é um relato que descreve como o Senhor resgata os seus do caminho das quedas e os orienta pela senda que os reconduz ao seu amor A Bíblia é a história de amor de Deus com os seus eleitos Meditar, hoje, os vários momentos desta história, significa trazer para o nosso presente esses mistérios vividos e narrados por outros Significa trazer para o nosso presente uma experiência viva e eficaz, um mistério que encerra uma mensagem de salvação atualizada e dirigida à minha vida atual

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Dedicar tempo a meditar sobre como Deus se aproximou dos seus filhos ao longo da história, para os resgatar das suas quedas e dos seus fracassos, significa darmo-nos conta de como Deus salva e como me salva a mim em particular Assim como a Bíblia é a história de salvação do povo eleito por Deus, a vida de cada pessoa também é uma história de salvação entretecida entre Deus e a pessoa que é filha/filho eleita/o pelo Senhor

A humanidade inteira é salva pelo Senhor no seu infinito amor, e também o é cada vida particular Aprender a olhar a minha vida e a meditar sobre ela ajuda-me a descobrir a mão de Deus presente, transformando a minha existência numa história de amor e salvação Podemos olhar os momentos em que o Senhor nos estendeu a mão, aliviou as nossas dores, abriu as águas e nos deu a comer o maná

A própria vida é uma história de salvação, como o é a história do povo de Israel, e como o é a história de salvação de toda a humanidade. Se quisermos conhecer mais a fundo o amor de Deus, experimentar a sua mão amorosa sobre a nossa vida e reforçar a nossa relação pessoal com Ele, será muito útil determo-nos a meditar sobre as nossas experiências vividas e o modo como o nosso Criador e Senhor tem atuado nelas E contemplarmos a vida que vai crescendo no mundo à nossa volta, entre as pessoas que fazem parte da nossa existência

Pratica o exercício frequente de meditar a Palavra do Senhor na Bíblia, alimenta-te dela, saboreando a sua mensagem E reserva também um tempo de silêncio para refletires sobre aquilo que vives, não com a cabeça, mas com o coração Um tempo para sentires, para te deixares impressionar e para meditares sobre o modo como estás a viver e como o Senhor se tem feito presente naquilo que vives

Para aprofundar. Anexo dois: «Prontos para começar a viver».

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Entrada segundo as palavras do Papa

«O perdão é o sinal mais visível do amor do Pai, que Jesus quis revelar ao longo de toda a sua vida. Não existe página do Evangelho que possa ser subtraída a este imperativo do amor que chega até ao perdão. Até mesmo no último momento da sua vida terrena, enquanto estava a ser crucificado, Jesus tem palavras de perdão: «Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem» (Lc 23, 34)

Nada de quanto um pecador arrependido coloca diante da misericórdia de Deus fica sem o abraço do seu perdão Por esse motivo, nenhum de nós pode pôr condições à misericórdia; ela será sempre um ato de gratuidade do Pai celeste, um amor incondicional e imerecido Não podemos correr o risco de nos opormos à plena liberdade do amor com que Deus entra na vida de cada pessoa

A misericórdia é essa ação concreta do amor que, perdoando, transforma e muda a vida Assim se manifesta o seu mistério divino Deus é misericordioso (cf Ex 34, 6), a sua misericórdia dura para sempre (cf. Sl 136), de geração em geração abraça cada pessoa que se abandona a Ele e transforma-a, dando-lhe a sua própria vida (…).

A Bíblia é a grande história que narra as maravilhas da misericórdia de Deus. Cada uma das suas páginas está impregnada do amor do Pai que, desde a criação, quis imprimir no universo os sinais do seu amor O Espírito Santo, por meio das palavras dos profetas e dos escritos sapienciais, foi moldando a história de Israel como reconhecimento da ternura e da proximidade de Deus, apesar da infidelidade do povo A vida de Jesus e a sua pregação marcam, de modo decisivo, a história da comunidade cristã, que entende a própria missão como resposta ao mandato de Cristo de ser instrumento permanente da sua misericórdia e do seu perdão (cf Jo 20, 23)

Por meio da Sagrada Escritura, que se mantém viva graças à fé da Igreja, o Senhor continua a falar à sua Esposa, indicando-lhe os caminhos a seguir, para que o Evangelho da salvação chegue a todos Desejo vivamente que a Palavra de Deus seja cada vez mais celebrada, conhecida e difundida, para que nos ajude a compreender melhor o mistério do amor que brota desta fonte de misericórdia. Recorda-o claramente o Apóstolo: "Toda a Escritura, divinamente inspirada, é útil para ensinar, para argumentar, para corrigir e educar na justiça" (2 Tm 3, 16)» (Papa Francisco Misericordia et misera 1-4).

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Entrada segundo a perspetiva da oração

O Pai envia o seu Filho para salvar

Ao longo do Caminho do Coração, com menor ou maior consciência, reconhecemos e aceitámos que a nossa maneira de ser e de agir – em suma, de viver –, tem provocado dor a outros e a nós mesmos Não é fácil erradicar uma atitude ou maneira de proceder, mas se deixamos Deus entrar na nossa vida, iremos recuperando, pouco a pouco, a semelhança com o Filho que perdemos devido às nossas desordens interiores, ao nosso pecado. Nós somos amados por um Deus que nos convida a deixarmo-nos amar e salvar. Assim tem início o caminho da conversão e da transformação interior. Deus quer amar-nos e salvar-nos, o Filho veio para salvar os que estavam perdidos A boa notícia é que o amor oferecido não tem limites É um amor gratuito Devo olhar-me a partir do seu olhar, para me aceitar e me reconciliar com a minha pequenez e fragilidade

Jesus revela-nos o projeto de misericórdia que seu Pai tem para o ser humano e a criação inteira O seu plano de amor consiste em recuperar a nossa amizade Deus Pai quer e procura a nossa amizade, competindo a nós encontrarmo-nos com Ele e deixarmo-nos alcançar por Ele O seu amor e a sua misericórdia ordenam e devolvem a vida a todos os recantos do nosso ser A experiência da reconciliação faz-nos experimentar uma necessidade vital de transformação O seu amor misericordioso situa o nosso amor humano dentro de um processo de reconfiguração à imagem do seu amor. É um processo pessoal, habitualmente denominado «conversão do coração». A graça de Deus requer a nossa colaboração, a nossa confiança e a nossa esperança, para restaurar a beleza do ser humano gerada no seu interior desde a sua criação.

Este caminho de conversão do coração, da cura do amor, da restauração do ser humano deparar-se-á, sem dúvida, com entraves e obstáculos que não nos devem fazer esquecer a iniciativa do seu amor e da sua misericórdia

É muito importante compreender que Deus não tem de ultrapassar as ofensas que recebeu para perdoar porque, pura e simplesmente, perdoar dá-lhe alegria, deseja profundamente fazê-lo Ele sente gozo no seu perdão, alegra-se por nos recriar no seu amor O amor do Pai mostra a gratuidade e profundidade do seu perdão Nas parábolas da misericórdia, Jesus revela-nos o Pai como aquele que se alegra quando nos recupera da morte que o pecado produz O núcleo da parábola do Pai Misericordioso (Lc 15, 11-32), por exemplo, é a alegria do Pai ao abraçar o filho que regressa a casa. É a alegria irreprimível e transbordante que o faz sair ao encontro do filho e beijá-lo. Deus Pai, quando perdoa, dignifica e devolve a vida.

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Quando existe uma falsa consciência do mal que infligimos aos outros e a nós, tendemos a girar sobre nós mesmos, acabando por travar um monólogo mental No entanto, quando existe uma consciência de culpa autêntica, abrimo-nos ao diálogo que liberta e ao abraço do Pai

Aquele que experimentou o perdão vive de outra maneira, relaciona-se com Deus, com os outros, consigo mesmo e com a criação de uma forma nova Aquele que experimentou a reconciliação não vive no temor da possível derrocada da sua imagem, de mostrar a sua debilidade, de sair prejudicado, de perder dignidade Relaciona-se com os outros com uma liberdade nova que brota da convicção de que é acolhido e perdoado pelo Pai O homem que se deixa abraçar pelo Pai pode experimentar o amor gratuito e fundante de Deus e pode oferecer-se como colaborador na construção de um mundo mais de acordo com o projeto do Pai. Em suma, humaniza o ambiente em que lhe toca viver.

Propomos-te, neste passo do Caminho, que consideres o perdão como aquilo que ele é: um sacramento, uma festa, uma celebração da vida nova que Deus nos oferece mediante a sua misericórdia Com efeito, apesar de termos faltado ao amor, de não termos sabido responder à sua infinita misericórdia, Ele continua a ser fiel e redobra a sua aposta em nós Muitas vezes é a soberba, o egoísmo e a vaidade quem vencem em nós, mas o amor do Senhor tem sempre a última palavra Ele faz-se forte nas nossas debilidades Convidamos-te a que te prepares para a festa do perdão e para receberes a graça de experimentar a sua misericórdia

1.º Passo: Deixo que o Pai me abrace

É o Pai que sai ao encontro do filho que regressa e o abraça O Pai é o primeiro no abraço, no perdão. Devo deixar o Pai exercer o protagonismo de me perdoar. É o Pai que oferece o perdão, não é mérito nosso. No Evangelho, esta atitude reflete-se na mulher que se ajoelha, em casa de Simão (Lc 5, 8). Deus amou-nos quando éramos pecadores (Rm 5, 8). Devemos permitir que o Pai tenha o gosto de exercer o seu amor.

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2.º Passo: Aceito o amor em mim mesmo

A minha consciência não é tudo Eu não sou a última referência de mim mesmo nem da minha vida, mas sim o Pai Para celebrar a festa do perdão, é necessário experimentar a misericórdia e o abraço do Pai Dar lugar ao perdão não significa negar o meu pecado nem justificar-me de modo nenhum, mas dizê-lo a mim mesmo e reconhecer a minha verdade, tendo sempre presente que a iniciativa de amor é do Pai Aquele que não é capaz de usar de misericórdia para consigo mesmo, dificilmente o será para com os outros Muitas vezes, os pensamentos severos e acusadores que temos em relação aos outros são um reflexo de como nos vemos e olhamos a nós mesmos São expressões que denigrem e condenam excessivamente a nossa miséria, fragilidade ou pecado Isso faz com que não consigamos sentir o amor que Deus Pai nos tem. Devemos animar-nos a sentir que onde abundou o pecado sobreabundará a graça. No nosso interior, Deus deixou uma pegada inapagável do amor que nos tem. Devemos animar-nos a olhar mais o projeto (missão) que Jesus tem para mim do que o meu passado… «Muda, tudo muda! Que eu mude não é estranho».

3.º Passo: Oferecer o perdão a quem me ofendeu

A experiência do perdão autêntico faz-nos sair ao encontro dos outros Precisamos de ter a coragem de recomeçar É bom trazer à memória as pessoas que foram protagonistas, conscientes ou não, das nossas feridas As que ainda vivem e as que já cá não estão Talvez eu até sinta que tenho de perdoar a Deus pelo que Ele não me deu na minha vida, se é essa a imagem que tenho d’Ele No coração habitam as pessoas a quem queremos bem, que nos fizeram bem e nos manifestaram o seu amor, mas também guardamos no «sótão» do coração todos aqueles que nos prejudicaram É tempo de libertá-los, de os deixarmos sair De abrir as portas do cárcere que temos no nosso coração, para terminar o processo de perdão que o Pai, revelado em Jesus Cristo, iniciou em nós.

Para aprofundar. Recursos. Anexo um: «Escutar, compreender, sanar».

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Exercício

De que me vem salvar Jesus Cristo? O que significa para mim, de modo concreto, que Ele seja o meu Salvador? Recolher experiências pessoais em que eu tenha sido salvo, curado, libertado de

Exercício – Prática da releitura

Releitura em cinco passos

Recomendamos-te esta prática para reveres o teu dia e descobrires de que modo Deus se tornou presente ao longo dele. Examinar ou repassar o dia é um modo de orar, um modo de encontro com o Senhor, na intenção de descobrir a sua passagem pela nossa vida.

Fazer-te presente Inicia este momento de oração fazendo-te presente a ti mesmo, tomando consciência de para onde vais e com que intenção Procura que seja um momento tranquilo em que possas tomar contacto com o silêncio do teu coração O silêncio que envolve aquele com quem deves entrar em contacto despertar-te-á para a sua presença

Agradecer Volta a olhar o dia como um espetador, desde o amanhecer até ao momento presente, e agradece aquilo que viveste Olha simplesmente, como se fosse um filme, revendo as pessoas, os lugares e as coisas Não julgues, limitando-te a entrar de novo em contacto com aquilo que viveste Agradece o dia, os dons recebidos e tudo o que nele tiveres encontrado, tenha-te agradado ou não

Ajuda. Com o dia diante dos olhos do coração e tendo reconhecido os presentes que recebeste, pede ao Senhor que te ilumine, para descobrires a negligência com que trataste os dons d’Ele recebidos. Pede-lhe que te mostre os momentos e as circunstâncias em que não cuidaste desses dons, danificando-os, causando prejuízo a alguém ou impedindo um bem, privando de ajuda e carinho os teus irmãos Pede-lhe que te mostre se de algum modo lesaste alguém, alguma situação ou alguma coisa por que eras responsável Que o Senhor te mostre como vê as tuas atitudes de infidelidade e de falta de amor ao seu Amor infinito O seu coração misericordioso é o melhor espelho do teu coração

Perdão Pede perdão ao Senhor e aos teus irmãos, no teu coração, pelas tuas faltas e pecados, por não cuidares dos dons que o Senhor te oferece para poderes chegar à plenitude Abraça, no teu coração, as pessoas a quem tiveres magoado e que precisam do teu perdão, e que o Senhor lhes faça chegar esse abraço

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Propósito. Prepara o dia seguinte fazendo o propósito de viver como o Senhor quer, estando onde ele quer que estejas, fazendo o que Ele espera de ti Conclui esta oração rezando um Pai-Nosso ou uma Ave-Maria

Sugestão: Anota as tuas releituras e volta a lê-las quando precisares Não teças teorias nem fiques obcecado por aquilo que não te agrada de ti mesmo Na releitura deves procurar o olhar do Pai sobre ti para te olhares como Ele te olha Não procures perfecionismos estéreis, mas sim o modo como o teu Criador e Senhor deseja que conduzas a tua vida

A gratuidade do Amor de Deus concretiza-se nas realidades que envolvem o teu dia: o ar, o sol, os perfumes, os amigos, a família, a saúde, o trabalho, tudo o que existe, tudo, inclusive a pedra que jaz no meio do mar e que não espera ser reconhecida por alguém. Tudo é dom e oferta. Por isso, quando pensares nos teus pecados ou falhas, primeiro deves calibrar o coração, colocando nele a «desmesura» dos dons que recebes por puro amor. E, logo a seguir, deves pedir luz para ver como as tuas atitudes tratam com negligência essas ofertas, causando dano às coisas, às pessoas, aos lugares, aos vínculos

Realiza esta prática periodicamente, até alcançares a frequência diária Tornar-se-á para ti uma experiência do modo como o Senhor transforma o teu coração de pedra num coração de carne

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Recursos

Anexo um

Escutar, compreender, curar Quantos de nós temos sentido, por vezes, uma necessidade profunda de contar a outro o que nos sucedeu! Quantas vezes precisamos de um olhar atento e de ouvidos abertos para receberem o que tínhamos a dizer! E quantos de nós podemos dizer que, falando com outros, «tiramos um peso de cima de nós»

Comunicar é uma realidade tão humana como divina e pode mudar completamente a vida de uma pessoa. Não podemos negar que existe em nós uma necessidade natural de falar e de expressar aquilo que nos sucede. E embora existam pessoas a quem custa comunicar o que sentem e vivem interiormente – por medo, timidez ou vergonha –, isso não significa que não sintam necessidade de deixar extravasar aquilo que as «oprime por dentro»

Experimentamos paz interior quando, desabafando, «tiramos um peso de cima de nós» Era o que fazia Jesus quando se encontrava com as pessoas: escutava atentamente o que tinham para dizer Quando escutas as pessoas que tens diante de ti e sentes empatia relativamente aos seus sentimentos – porque falam da sua vida, traduzindo por palavras o seu próprio mistério –, estás a abrir a porta da cura interior

Quando sentimos que alguém nos escuta de verdade ao descrevermos aquilo que nos está a suceder, isso sara-nos, cura-nos e liberta-nos a alma Quando alguém acolhe aquilo que dizemos com bondade e abertura de coração, a nossa própria vida encontra repouso. Há muitas pessoas a quem ninguém escuta e, sobretudo, que ninguém entende. Esta é, em suma, a pior dor que pode experimentar uma pessoa: que ninguém a atenda nem entenda. Por isso os milagres e as curas de Jesus começam sempre por um diálogo prévio. As pessoas sentiam-se compreendidas e abriam-se então à ação de Deus.

Por que razão procuramos alguém que nos entenda para lhe contarmos o que se passa connosco? Porque, quando as nossas misérias ou as nossas alegrias passam pelo coração de outro, realiza-se um milagre O peso dos problemas e a dor das feridas são aliviados quando os partilhamos, e os momentos de alegria e gozo multiplicam-se A dor partilhada torna-se mais suportável e a alegria partilhada sabe melhor

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Quando consigo deitar cá para fora aquilo que me oprime o coração, quando a minha miséria é entendida por outro, que me escuta e aconselha, a dor suaviza-se E quando a minha felicidade suscita um sorriso no rosto de quem me escuta, então a alegria é completa

O mundo precisa de homens e mulheres dispostos a escutar, a acolher, a receber o mistério do coração do homem que quer comunicar-se Estás disposto a ser um deles?

Anexo dois

Prontos para começar a viver Quando observas atentamente aquilo que sucede à tua volta, quando te colocas perante a realidade que te toca viver com olhos de aprendiz, quando percebes as situações por que tens de passar, aceitando-as sem as julgar, estando aberto e disposto a que te «sucedam coisas», então, de verdade, começaste a aprender a viver.

Nós, como pessoas, procuramos que nos sucedam coisas «lindas». Queremos que as nossas experiências de vida sejam agradáveis e recusamo-nos terminantemente a pensar, sequer, que possamos viver situações dolorosas, angustiantes e desagradáveis Agindo assim – o que, aliás, é normal –, deixamos de aprender sobre essa outra dimensão que a vida tem e que nos é impossível negar, como a dor, a tristeza a morte Viver é aprender a gerir aquilo que temos de atravessar

Viver é aprender a amar como o Senhor ama É descobrir esse ensinamento que se oculta, por vezes, atrás do doloroso manto da angústia, da pena e, inclusivamente, da morte, descobrindo a presença sempre fiel do amor do Senhor Quando conseguimos distanciar-nos dos juízos que fazemos sobre a realidade ou as pessoas, quando conseguimos suspender por um momento esse impulso irresistível de negar ou de qualificar como «mau», doloroso, angustioso ou desagradável tudo aquilo que não nos produz prazer; quando ultrapassamos as fronteiras dos nossos próprios juízos precipitados, então, sim, colocamo-nos perante a vida com olhos de discípulos, dispostos a beber da sabedoria presente no mistério da vida, na qual aprendemos a descobrir a semente do amor sempre presente. É então que na tua vida aparece o Mestre. O Mestre chegará quando o discípulo estiver preparado para acolher o seu ensino Esse Mestre está no teu interior e poderás escutá-lo quando te dispuseres de verdade a isso É a presença do amor, revelado em Jesus Cristo, que te habita e habita todas as coisas, disponível para ser descoberto com os olhos do coração

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Talvez neste momento da tua vida estejas a atravessar um período difícil Ou talvez estejas a viver um daqueles momentos com que tinhas «sonhado» Então, chegou o momento de abrires os olhos, de suspenderes os juízos e de deixares que a tua existência te revele a sua sabedoria e torne transparente, aos teus olhos, o Criador presente em toda a realidade Não te deixes encandear pelo brilho dos momentos agradáveis, extrai deles o amor que os habita Não te deixes cegar pela escuridão da dor e da mágoa, descobre a sabedoria que elas encerram, identificando a cota-parte de bem que as habita Talvez seja tempo de te dares conta do que é importante na tua vida, para tomares novas decisões Pode ser que o momento que estás a viver te mostre que a vida tem momentos bons e outros maus e que deves aprender a gerir os «maus» e a capitalizar os «bons».

Tudo aquilo que vives – tudo, mas mesmo tudo – encerra um ensinamento que torna palpável para ti a presença do Senhor. Não temas perder ou fracassar, em tudo o que vives há muito que aprender e amar E lembra-te disto: quando o discípulo está preparado, aparece o Mestre Quando o coração está disposto, descobres o Senhor na tua vida O Senhor está presente em tudo aquilo que vives Descobre-o!

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