CRISE E REESTRUTURAÇÃO DO SETOR EÓLICO BRASILEIRO

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CRISE E REESTRUTURAÇÃO DO SETOR EÓLICO BRASILEIRO:

UMA ANÁLISE CRÍTICA, PERSPECTIVAS E DIREÇÕES ESTRATÉGICAS

Pedro Luis Joaquim Dias

https://lattes.cnpq.br/2149119675047363

Desde há muito tempo, um entusiasta das energias renováveis; há 12 anos aficionado pelo setor eólico; há uma vida advogado e contador, especialista tributário e em economia de empresas UMESP/USP/PUCSP

Resumo: O artigo analisa criticamente a trajetória recente do setor eólico no Brasil, com ênfase na crise instaurada a partir de 2022. A partir de uma abordagem multicausal, identifica fatores conjunturais, estruturais e institucionais que explicam a retração dos investimentos, os curtailments recorrentes e as dificuldades da cadeia produtiva nacional.

Fundamentado em dados da EPE, ABDI e na literatura especializada, o estudo evidencia a desarticulação entre geração e transmissão, a ausência de uma política industrial de segunda geração e lacunas regulatórias como principais vetores da crise. Propõem-se caminhos para a reestruturação do setor, baseados em planejamento integrado, inovação industrial, valorização regulatória da flexibilidade e desenvolvimento territorial. Concluise que o futuro da energia eólica dependerá da qualidade das decisões institucionais tomadas no presente.

Palavras-chave: energia eólica; crise energética; curtailment; política industrial; planejamento energético; transmissão elétrica.

1 Introdução

Nas últimas décadas, a energia eólica emergiu como uma das principais fontes renováveis da matriz elétrica brasileira. Com uma matriz predominantemente renovável, o país encontrou na fonte eólica não apenas um recurso limpo e abundante, mas também uma solução estratégica para diversificar sua oferta e mitigar a variabilidade hidrológica. Desde o Leilão de Energia de Reserva de 2009, a energia eólica passou a representar parcela significativa da geração nacional, atingindo aproximadamente 12% da matriz elétrica em 2023 (EPE, 2024).

Contudo, a partir de 2022, observa-se uma inflexão nesse ciclo. A retração nos investimentos, o fechamento de fábricas, o aumento dos cortes de geração (curtailments) e a insegurança regulatória indicam o esgotamento de um modelo de expansão baseado exclusivamente em leilões, exigências de conteúdo local e financiamento estatal (LOVISI, 2025). Este artigo se insere em um esforço crítico recente de reinterpretação das bases institucionais e produtivas da energia renovável no Brasil, propondo uma análise multicausal da crise do setor eólico, com base em dados técnicos, documentos institucionais, literatura especializada e manifestações públicas de atores estratégicos.

1.1 Metodologia

A pesquisa adota abordagem qualitativa, com base em análise documental e revisão crítica de literatura técnica, institucional e jornalística produzida entre 2011 e 2025. Foram utilizados dados secundários oriundos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), de publicações acadêmicas, planos governamentais e declarações públicas de representantes do setor. A triangulação entre esses tipos de fonte permitiu uma leitura sistêmica e contextualizada do problema, considerando o distanciamento temporal e o contexto histórico das projeções analisadas.

2 Referencias

A literatura técnica nacional apresenta a energia eólica como uma das soluções mais promissoras para a transição energética. Obras como as de FADIGAS (2011), PINTO (2014, 2019), PHILIPPI JR. (2011) e VEIGA (2012) discutem dos fundamentos físicotecnológicos da geração até as suas implicações econômicas, ambientais e operacionais na matriz brasileira.

O Atlas do Potencial Eólico Brasileiro (EPE, 2021) e suas atualizações estaduais apontaram um potencial técnico superior a 2.200 GW o que equivale a mais de 100 vezes a capacidade instalada atual (EPE, 2023), considerando torres de até 150 metros. É importante diferenciar o potencial teórico (recursos naturais), o técnico (áreas com viabilidade técnico-econômica) e o potencial aproveitável (aquele de fato integrado ao sistema energético). A partir de 2009, o Sistema AMA (EPE, 2014) passou a consolidar dados anemométricos de centenas de parques eólicos, permitindo projeções regionais mais acuradas.

A cadeia produtiva nacional foi construída com base em exigências de conteúdo local, mas os relatórios da ABDI (2014; 2018) indicam que essa base revela fragilidades estruturais, como a dependência tecnológica, gargalos logísticos, fraca inserção internacional e forte dependência do mercado interno. Comparativamente, países como Alemanha e Dinamarca conseguiram construir cadeias mais resilientes ao combinarem conteúdo local com inovação e política industrial de longo prazo.

Além disso, a experiência internacional notadamente estudos recentes da IEA (2022) e IRENA (2023) reforça a importância da coordenação entre planejamento energético, regulação e política industrial. No caso brasileiro, os avanços registrados nas últimas duas décadas não foram suficientes para prevenir vulnerabilidades que, em contextos de desaceleração econômica e instabilidade institucional, revelaram-se determinantes para a crise atual. Essas evidências internacionais reforçam a importância de rever os mecanismos institucionais vigentes no Brasil.

3 Diagnóstico da Crise: Uma Análise Multicausal

3.1 Fatores Conjunturais

A crise do setor eólico não decorre de um fator isolado, mas da combinação de múltiplas causas. Em termos conjunturais, destacam-se o baixo crescimento do PIB entre 2014 e 2022, a rápida expansão da geração solar distribuída, especialmente, da micro e minigeração distribuída fotovoltaica, que passou de 0,5 GW para mais de 25 GW entre 2017 e 2024 (ANEEL, 2024) e a consequente redução da demanda por energia centralizada (GANNMOUM, 2025).

3.2 Fatores Estruturais

Estruturalmente, observa-se uma desarticulação entre a expansão da geração e a infraestrutura de transmissão, resultando em curtailments frequentes especialmente no Nordeste, evidenciando uma assimetria entre o ritmo da expansão da geração e a infraestrutura de suporte disponível. Em 2024, estima-se que mais de 2,5 TWh deixaram de ser escoados por limitações sistêmicas (ONS, 2024). Estudos da EPE e da ABDI já alertavam para essa fragilidade, bem como para os entraves logísticos, o planejamento territorial fragmentado e a capacidade limitada de resposta da indústria nacional.

3.3 Fatores Institucionais

No plano institucional, a indefinição regulatória quanto à alocação dos riscos sistêmicos e a transferência dos custos dos curtailments às empresas geradoras cria um ambiente de insegurança (LOVISI, 2025). A inexistência de uma política industrial de longo prazo e a ausência de estratégia para a internacionalização da cadeia produtiva completam esse quadro de vulnerabilidade, o que compromete a previsibilidade necessária para investimentos de longo prazo e inibe a competitividade do setor.

4 O Discurso da Superação: Desejo ou Perspectiva?

Desde 2023, observa-se a circulação de discursos otimistas sobre uma retomada iminente do setor eólico, com base em potenciais oportunidades associadas ao hidrogênio verde, à reindustrialização e aos investimentos do novo PAC (REVISTA PB, 2025), embora careçam, em sua maioria, de planos operacionais consistentes ou métricas verificáveis

No entanto, essas projeções são, em geral, pouco fundamentadas do ponto de vista técnico, econômico e regulatório. Os cenários energéticos desenvolvidos no âmbito do PNE 2055 apontam para futuros diversos e incertos incluindo hipóteses de estagnação ou bloqueio da transição , o que evidencia que o futuro da energia eólica dependerá fundamentalmente das escolhas feitas no presente (EPE, 2023).

Vale destacar que previsões voluntaristas podem induzir erros de alocação de capital e postergação de decisões estratégicas, como já observado no atraso de investimentos em transmissão compatível com a geração instalada, evidenciando a desconexão histórica entre o discurso de expansão e a efetiva capacidade de integração sistêmica.

5 Caminhos para a Reestruturação do Setor

A superação da crise do setor eólico brasileiro requer ações coordenadas em múltiplas frentes. Este artigo propõe quatro direções estratégicas centrais:

• - Reformulação da política industrial, priorizando pesquisa e desenvolvimento (P&D), inovação tecnológica e a inserção internacional da cadeia produtiva.

• - Integração entre planejamento de geração, transmissão e demanda, buscando previsibilidade locacional, articulação federativa e racionalização territorial.

• - Estabelecimento de mecanismos regulatórios que valorizem atributos sistêmicos como flexibilidade, previsibilidade e estabilidade da fonte eólica.

• - Vinculação da expansão eólica ao desenvolvimento regional por meio de arranjos produtivos locais, fundos territoriais e qualificação descentralizada.

Além disso, deve-se incorporar o potencial da energia eólica offshore como vetor complementar à matriz, respeitando critérios ambientais, tecnológicos e de viabilidade econômica, especialmente no litoral nordestino e sudeste, onde os estudos iniciais já indicam viabilidade operacional (EPE, 2024). Iniciativas como o PROINFA e os novos projetos de leilão offshore no litoral nordestino indicam caminhos complementares à expansão tradicional terrestre.

6 Considerações Finais

Este artigo revela um acúmulo de fragilidades estruturais e institucionais que comprometeram a resiliência do modelo adotado. A combinação de planejamento fragmentado, inércia regulatória, política industrial limitada e ausência de coordenação territorial comprometeu a consolidação de um modelo sustentável de expansão.

Apesar dessas limitações, o Brasil segue detentor de um dos maiores potenciais eólicos do mundo, além de capacidade técnica instalada e experiência acumulada em projetos de grande escala. Para que esse potencial se converta em segurança energética e desenvolvimento socioeconômico, será necessária uma reconfiguração profunda da governança do setor, orientada por critérios de longo prazo, integração federativa e compromisso com a industrialização verde.

O sucesso da energia eólica no Brasil dependerá menos da abundância dos ventos e mais da qualidade das escolhas institucionais feitas a partir de agora. O país tem a oportunidade histórica de se consolidar como referência internacional em renováveis desde que promova uma inflexão estratégica baseada em planejamento de longo prazo, integração federativa e governança industrial.

Referências

ABDI. Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Atualização do Mapeamento da Cadeia Produtiva da Indústria Eólica no Brasil. Brasília: ABDI, 2018.

ANEEL. Agência Nacional de Energia Elétrica. Declarações institucionais sobre riscos de curtailment. Brasília, 2025.

EPE. Empresa de Pesquisa Energética. Atlas do Potencial Eólico Brasileiro. Rio de Janeiro: EPE, 2021.

EPE. Empresa de Pesquisa Energética. Sistema AMA – Base de Dados Anemométricos. Relatório Técnico. Rio de Janeiro: EPE, 2014.

EPE. Empresa de Pesquisa Energética. Plano Nacional de Energia 2055: Caderno de Cenários. Rio de Janeiro: EPE, 2023.

FADIGAS, E. A. F. A. Energia Eólica. Coord. Arlindo Philippi Jr. Barueri: Manole, 2011.

GANNMOUM, E. Crise passageira no setor eólico pode ser explicada pelo PIB e ascensão da energia solar. Revista Problemas Brasileiros, São Paulo: FecomercioSP, fev. 2025.

IEA. International Energy Agency. Power System Flexibility for the Energy Transition. Paris: IEA, 2022.

IRENA. International Renewable Energy Agency. Innovation Outlook: Renewable Power-to-Hydrogen. Abu Dhabi: IRENA, 2023.

LOVISI, P. Brasileiro não tem que pagar por energia desnecessária, diz diretor-geral da Aneel. Folha de S.Paulo, São Paulo, 1 abr. 2025.

PHILIPPI JR., A. (Coord.). Energia Eólica. Barueri: Manole, 2011.

PINTO, M. O. Fundamentos de Energia Eólica. Rio de Janeiro: LTC, 2014.

PINTO, M. (Org.). Energia Eólica: Princípio e Operação. São Paulo: Érica, 2019.

REVISTA PB. Crise passageira no setor eólico pode ser explicada pelo PIB e ascensão da energia solar. FecomercioSP, fev. 2025.

VEIGA, J. E. da (Org.). Energia Eólica. São Paulo: Senac, 2012.

ONS. Operador Nacional do Sistema Elétrico. Relatório de Operações Técnicas. Brasília: ONS, 2024.

Pedro Luis Joaquim Dias

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