BLOOMSDAY CONCERTO JAMES JOYCE Kevin McDermott
coleção aida yared
ingressos r$ 40,00 inteira r$ 20,00 meia realização Instituto Moreira Salles/ Coordenação de Literatura concepção Eucanaã Ferraz produção Artemundi textos Kevin McDermott tradução Elvia Bezerra projeto gráfico Claudia Warrak Raul Loureiro revisão Flávio Cintra do Amaral agradecimentos Aida Yared André Conti Caetano Galindo Cássio Loredano Pedro Corrêa do Lago
a coordenação de literatura do ims tem sob sua guarda bibliotecas e acervos de importantes escritores brasileiros: rachel de queiroz, clarice lispector, erico verissimo, otto lara resende, ana cristina cesar, mario quintana, entre outros. além disso, edita livros e desenvolve atividades como cursos, leituras e exposições. instituto moreira salles rio de janeiro rua marquês de são vicente 476 gávea 22451-040 rio de janeiro rj tel [21] 3284 7400 fax [21] 2239 5559 www.ims.com.br terça a sexta: 13h - 20h sábados, domingos e feriados: 11h - 20h
O último livro de Joyce conserva até hoje o mesmo caráter extremamente fascinante e intrigante de quando surgiu. Se Ulisses chocou por sua descrição de processos da consciência, o Finnegans Wake (traduzido no Brasil por Augusto e Haroldo de Campos com o título de Finnicius Revém) vai além: é o primeiro livro em que a ação acontece inteiramente no inconsciente — trata-se de um sonho que se desenrola em uma noite. A influência do psicólogo suíço Carl Gustav Jung é evidente nesse romance: os personagens são arquétipos, entre os quais Humphrey Chimpden Earwicker (dono de um bar de Dublin) e Anna Livia Plurabelle (sua mulher e… muito mais). Os ciclos vitais são recorrentes nessa obra e constituem não só tema como estrutura narrativa, narrativa que não tem exatamente um fecho: o romance abre com o final da frase que encerra o livro. Cada palavra é um trocadilho multilíngue; cada sentença, um exercício desafiador de significados que se justapõem uns sobre os outros. É provável que ninguém, além do autor, possa jamais identificar o que está escrito em Wake — muito menos compreender. Mas há outra maneira de se aproximar dessa enigmática obra-prima: pode-se ouvi-la! No Wake, o texto de Joyce tornou-se, de fato, música, e seus sons podem ser percebidos por meio das emoções que evocam, não no consciente, mas no inconsciente: conteúdo, forma, técnica e sentido formam um todo.
“Those Lovely Seaside Girls” Essa canção é associada ao
“Pretendente” da história, Blazes Boylan, produtor musical com quem Molly terá um encontro amoroso ao longo do dia. O nome de Blazes aparece no início do livro, quando, num bar, o sr. Bloom lê uma carta de sua filha, Milly Bloom, e passa pelo constrangimento de deparar com o rival. Apesar das estranhas associações, a canção ainda desperta lembranças alegres no plácido sr. Bloom.
Ulisses (Ulysses)
A ação de Ulisses se desenvolve num único dia: 16 de junho de 1904, data que se consagrou carinhosamente entre os joycianos como o Bloomsday, em homenagem a Leopold Bloom, o herói do romance. Stephen Dedalus retorna para compor o personagem Ulisses e dar continuidade à história logo depois que a doença fatal de sua mãe interrompe seu autoimposto exílio em Paris. O ponto de partida de Joyce é a Odisseia, de Homero. Mas na criação do romancista irlandês, a viagem do lendário herói grego pelo Mediterrâneo ao reencontro da mulher se transforma na história de um cidadão comum que vaga por Dublin. Ambos os heróis enfrentam uma série de aventuras e perigos nas suas viagens e têm de lidar com problemas em casa, quando chegam aos seus respectivos destinos. Grande parte do romance é escrita no estilo que Joyce consagrou — agora vastamente imitado e conhecido como stream of consciousness (fluxo de consciência). Em outras palavras, muito de Ulisses ocorre nas mentes de seus personagens, sem que haja elucidações. Nesse romance, as alusões musicais são encontradas em quase todas as páginas; personagens são associados com leitmotivs wagnerianos, e a música adquire também valor de elemento estrutural: todo o episódio “As sereias” (“Sirenes”) é dedicado à música, enquanto o clímax do romance ocorre no dó agudo de uma ária operística.
“Blumenlied” Leopold é filho de um judeu húngaro que traduziu
o nome da família, Virag (flor, em húngaro), para Bloom. O próprio Bloom é irlandês e converteu-se ao catolicismo antes de se casar com Molly. Sua mente, agitada e ardilosa, é cheia de associações, e ele, explicitamente, liga essa obra, uma das peças para piano mais populares dos séculos xix e xx, a si próprio. Como o Ulisses dos clássicos, o sr. Bloom é um homem de muitos ardis: sua mente é povoada de ideias e invenções, a maioria delas divertidamente impraticáveis — embora se deva admitir que a fantasia de criar um teclado mudo pode fazer mais feliz a vida de pessoas que moram perto de alunos de piano.
“My Girl’s a Yorkshire Girl” No fim do dia, o sr. Bloom
acompanha Stephen Dedalus, bêbado, a um bairro de prostituição de Dublin. O episódio de “Circe” assume a forma de peça de teatro, com direções de palco e nomes de personagens antes das falas. É, essencialmente, uma fantasmagoria, o pesadelo de um bêbado que se constrói a partir dos pensamentos de todos ali presentes, trazidos à tona para deleite do leitor. Essa canção de teatro musical de variedades constitui um direto – apesar de bizarro – paralelo à história do Ulisses homérico, quando ele afasta os pretendentes de Penélope. Ao ouvir a canção, o sr. Bloom compara sua situação com a de Molly e Blazes; logo em seguida, Stephen encontra o espectro de sua mãe. Essa canção serve de prelúdio para o clímax do capítulo.
“The Holy City” Nossa última música de Ulisses também é de
“Circe”. Na mistura de “vida real” e fantasia, a “marca registrada” desse capítulo, uma das prostitutas ouve a gravação de uma canção – um solo bom e popular de uma música protestante. O fato evoca no sr. Bloom uma fantasiosa imagem do religioso norte-americano Alexander Dowie, cuja presença em Dublin ele tinha visto anunciada num folheto no começo do dia. O sr. Bloom se entrega ao delírio de fundar uma “nova Bloomusalém”, na qual será Sumo Sacerdote e Soberano. Seus sonhos grandiosos e benevolentes tornam-se pesadelos de frustração, traição e punição. Assim como nas fantasias do sr. Bloom, na vida “real” da personagem o aceno à religião e à decência conduz a um desfecho rápido e perturbador quando a agulha da vitrola range no último sulco do disco.
“Finigan’s Wake” Quando escrevia o Wake, Joyce disse a um
conhecido: “Estou construindo uma obra do nada. Mas há raios e trovões”. A inspiração joyciana vem de um fato simples: uma canção do teatro de variedades norte-americano da década de 1860 executada por um menestrel maquiado de negro e tocador de banjo. Como ocorreu com várias canções desse tipo, ela foi importada pelos irlandeses e é geralmente aceita como autêntica canção popular na Irlanda. Seu tema cômico ajusta-se perfeitamente ao temperamento e aos propósitos irônicos de Joyce — um carregador de tijolos irlandês, bêbado, cai de uma escada e, dado como morto, é levado para casa. Em seguida, em meio a um velório tumultuado, o homem ressuscita no momento em que ocorre uma briga entre os presentes e, em meio a socos, esguicham uísque sobre seu corpo: o ciclo da morte e ressurreição é o tema principal do Wake. Dessa semente minúscula e insignificante, Joyce, com seu extraordinário talento, criou uma obra-prima da literatura inglesa e universal.
“Nuvoletta” Anna Livia Plurabelle representa muitos aspectos da
natureza feminina. Representa também a água — especialmente a água do rio Liffey, que atravessa a cidade de Dublin. No desenrolar do romance, vê-se Anna Livia identificar-se com a chuva e unir-se aos pequenos córregos que alimentam o Liffey nas colinas que, do alto, contemplam Dublin. A personagem corre pela cidade em direção ao oceano, onde evapora e é levada para as nuvens. Na obra do compositor norte-americano Samuel Barber, Anna Livia surge como a recém-nascida nuvem Nuvoletta. Em sua nova condição, ela considera a possibilidade de lançar-se das nuvens para fora a fim de reiniciar o ciclo. É possível que, ao compor música a partir das palavras de Joyce, nenhum compositor tenha reconhecido o processo alquímico do autor, que usa a sofisticada técnica de trocadilhos sobrepostos, citações e jogos criativos semelhantes. São dignas de nota a citação do Tristão e Isolda de Wagner, a evocação do espaço interestelar criada pelos ecos de cordas, nos sons do piano, para expressar a angústia do nascimento da meninachuva, assim como a forma circular da composição.
postal, frança, 1940. coleção aida yared
Ralph Richey piano
tenor
Finnegans Wake
“In Old Madrid” A “Penélope” de Ulisses é Marion “Molly” Bloom, mulher de Leopold, cantora clássica criada em Gibraltar e filha de um major do Exército britânico. Essa canção realça seu passado “hispânico” e constitui um dos leitmotivs. Em nossa primeira leitura, o sr. Bloom mostra a Stephen Dedalus uma foto de divulgação em que Molly aparece de pé, ao lado de um piano no qual se vê a partitura da canção. A segunda referência aparece no último capítulo de livro, talvez o mais famoso exemplo da técnica joyciana de fluxo de consciência: deitada na cama, semiadormecida, os pensamentos de Molly se voltam para a canção, cujas palavras evocam outras ideias.
* As duas citações indicadas com asteriscos estão de acordo com a tradução de Bernardina Pinheiro em Um retrato do artista quando jovem (Rio de Janeiro: Alfaguara, 2006).
capa: desenho de constantin brancusi © brancusi, constantin/ licenciado por autvis, brasil, 2010/ imagem cedida por other images | cartaz: j.j.,1904. foto de c. p. curran
j.j., década de 1920. coleção particular
16 jun 2010/20H