15ª Edição da Revista PACTA

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EDITORIAL Todos os dias esta equipa trabalha com a maior dedicação e esforço para levar aos nossos leitores e seguidores o melhor, mais relevante e atual que as Relações Internacionais apresentam, pois não devemos esquecer que hoje a mudança acontece quase ao minuto, ao segundo, à milésima de segundo, que o mundo gira rapidamente, não deixando ninguém indiferente. É por isto que trabalhamos com tanto afinco, mas que por inúmeros contratempos e diversas dificuldades que se estenderam à nossa frente, não nos foi possível apresentar antes esta edição. Mas o mais importante é nunca descurar a qualidade, não impor limites à imaginação e à capacidade de trabalho. Muita coisa ficou por dizer, contudo prometemos para o ano trabalhar arduamente no sentido de vos surpreender e cativar cada vez mais. Para a última edição deste ano letivo, não podíamos deixar de vos trazer algo diferente e inovador, com os principais temas da realidade internacional que nos rodeia. Assim sendo, esta é uma edição de natureza não habitual mas original, centralizada quase exclusivamente em alguns blocos regionais e organizações internacionais, procurando dar ênfase a todas as convulsões sentidas na Europa. Procurámos ainda viajar pelo continente africano e asiático, sem esquecer a importância do desenvolvimento, segurança e defesa. Hoje não podemos pensar nas coisas sozinhos, não vivemos isolados no mundo. Fazer tudo em parceria é muito difícil, mas traz mais resultados. As dinâmicas são cada vez maiores, os fluxos não param de crescer e o Homem o que faz?

Torna o mundo melhor, pois tem a capacidade inerente de se adaptar e reinventar, não desistindo perante as adversidades. Mas isto seria possível sem uma forte aliança? Sem um conjunto de recursos indispensáveis? A cooperação mostra-se fundamental, mas a vontade política dos vários Estados é dominante. Como não podia deixar de ser, trazemos-vos os Cadernos do Tiaguistão, a habitual coluna do professor Tiago Ferreira Lopes. Recheada das melhores crónicas, críticas e opiniões, esta 15ª Edição conta igualmente com artigos de vários professores, académicos e investigadores do ISCSP e de outras casas onde tanto se pensa e escreve o decorrer das relações internacionais. É de realçar ainda que dentro desta revista pode ler uma extraordinária entrevista ao Senhor Embaixador de França, que vai abordar não só as relações com Portugal, como também os atuais problemas do terrorismo ou da crise de refugiados. Algo que não pode mesmo perder. Depois disto, segue uma cronologia repleta dos mais importantes eventos nos últimos meses e ainda uma experiência ERASMUS, desta vez em Madrid, Espanha. Em nome de toda a equipa, a todos agradeço o apoio que não deixam nunca de manifestar e que é tão essencial à continuação deste projeto. Vemo-nos daqui a uns meses, ainda com mais garra e ambição, cheio de novos desafios e com muita vontade de continuar ! Tiago Gonçalo Nobre

Coordenador da Equipa PACTA


ÍNDICE DE CONTEÚDOS PÁG. 4 Cadernos do Tiaguistão ENTRE O COLAPSO CIRCASSE E O ECLIPSE SHAPSUG

DESENVOLVIMENTO, SEGURANÇA E DEFESA UNIDAS PELO DESENVOLVIMENTO GLOBAL

PÁG. 6

O PAPEL DA OTAN NA SEGURANÇA REGIONAL E GLOBAL

PÁG. 8

ÁFRICA UMA INTRODUÇÃO À UNIÃO AFRICANA

PÁG. 11 UMA ECONOMIA MULTIEXPLORADA... DE JÓIA DO IMPÉRIO, A UM BURACO SEM FIM!

EQUIPA Coordenadores da PACTA: Sofia Ramos, 212430 Tiago Nobre, 216492 Colaboradores: Adriana Soares, 216405 Diogo Miguel, 218169 Gabriel Machado, 216387 Nuno Gonçalves, 216399 Rita Marques, 218151 Responsáveis pelas Redes Sociais: Adriana Soares Diogo Miguel Gabriel Machado Nuno Gonçalves Tiago Nobre Rita Marques Design Editorial: Maria João Martins

PÁG. 12 ÁSIA

ASEAN, QUE COMUNIDADE?

PÁG. 15

EUROPA A LÓGICA ESTRATÉGICA DO BREXIT

PÁG. 19

ALGUMAS REFLEXÕES A PROPÓSITO DO BREXIT

PÁG. 22

BREXIT: DA HISTERIA AO BUSINESS AS USUAL SEM “VOLTA ATRÁS”

PÁG. 25 ENTREVISTA

EMBAIXADOR DA REPÚBLICA FRANCESA, SENHOR JEAN-FRANÇOIS BLAREL

CRONOLOGIA

PÁG. 28

PÁG. 33 EXPERIÊNCIA ERASMUS EM MADRID

PÁG. 42


Cadernos de Tiaguistão

ENTRE O COLAPSO CIRCASSE E O ECLIPSE SHAPSUG

TIAGO FERREIRA LOPES Professor Universitário no Institute of Business Administration, Paquistão Investigador no Instituto do Oriente

Vivemos momentos históricos! Desde que a Humanidade regista e recorda aquilo que vive, para preservação da Memória Futura ou apenas por um laivo de narcisismo presentista, que as gerações do Presente crêem viver momentos únicos, de terríficos apocalipses no horizonte que não têm paralelo no já vivido. É sempre mais aterrador a História cujo final ainda não conhecemos. Quando o final da História que vivemos ainda se desvela e a ansiedade, ora mesclada com sentimento de vítima do devir Histórico ora mesclada com histeria colectiva ora escalda com ambas, se torna mais forte, existem sempre histórias parecidas para as quais podemos olhar para perceber como pode acabar a nossa narrativa ainda (e sempre!) em curso. Pág. 4 | PACTA

É para isso que a História também serve: não para dizer o que vai ser, mas para desvendar o que poderá ser e como poderemos lá chegar. Os Circasses são um dos grupos étnicos do Cáucaso Norte sobre os quais escrevo com maior regularidade. Os Circasses compreendem um projecto político moderno, mas um espaço sociocultural antigo. O epíteto Circasses compreende uma congregação simplificadora de várias tribos autónomas, assim como hoje em dia dizemos “Os Europeus” quando queremos atalhar a nomenclatura de quem vive no seio da União. Os Circasses estão pelo Cáucaso desde, pelo menos, o século VIII a.C., com ligações ao Reino do Bósforo; originalmente pagãos (com uma mitologia que partilha vários elementos com a Anatólia Turca, o Médio Volga Russo e os Escandinavos), terão sido cristianizados (após o século V a.C.) por influência directa do Império Bizantino. A islamização dos Circasses acontece também pela mão dos turcos (após o século XVII), mas agora sobre a égide do Império Otomano. Os Circasses compreendiam várias tribos autónomas que mantinham laços comerciais e que partilhavam elementos socioculturais, sem nunca colocarem em causa a sua autonomia política. O primeiro projecto confederal Circasse surge apenas no final


do século XVIII, quando o Império Russo intensifica as investidas militares na região. Em 1790 três das mais relevantes tribos Circasses do Cáucaso Noroeste (Shapsug, Abadzekh e Natukhay) unem-se, mas divisões internas entre a nobreza Shapsug (aliadada tribo Bzhedug) e as classes mercantes Shapsug (mais próximo dos Abadzekh e Natukhay) e pressão (e manipulação!) externa leva à inevitável implosão do projecto político confederal. Uma leitura das memórias dos líderes das várias tribos mostram como não faltou diálogo, mas sim capacidade de adaptação e transformação dos mecanismos que não funcionavam. Seguiram-se mais algumas tentativas de unificação, mas os Circasses não só não se uniam como perdiam terreno para o Império Russo ano após ano. Em 1796, as elites Circasses contaram com o apoio dos Cossacos do Mar Negro, que haviam vencido o Império Russo numa batalha nas margens do Rio Bziuko (na região de Krasnodar). Era o momento perfeito para se construir um espaço político confederal Circasse. Contudo, os poderosos Shapsug estavam (uma vez mais!) mais preocupados em salvar os negócios lucrativos com o Império Russo… Em 1861, os Circasses voltam a tentar erguer um projecto político confederal num momento em que o Império Russo avançava com as tropas e um ano após o czar Alexandre II ter assinado a directiva de deportação dos Circasses para o Império Otomano. O novo projecto confederal, apesar do momento dramático, portou-se como se as coisas não tivessem mudado e a sua ineficácia garantiu a sua irrelevância e subsequente implosão. Em 1864 todas as tribos Circasses seriam deportadas ou exterminadas, resultando naquele que é um dos vários genocídios que ainda clama por reconhecimento internacional. Os Circasses voltaram a aparecer na cena internacional em 2014 porque a comemoração dos 150 anos da sua deportação pelo porto de Sochi, coincidiu com os Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi. Até há poucos os Circasses pareciam ter sumido no nevoeiro da História.

Os Shapsug continuam por reaparecer… A falta de vontade da elite Shapsug pensar no bem comum das tribos Circasses e a construção de mecanismos políticos que não serviam as comunidades habituadas à sua autonomia política levaram ao fracasso do surgimento da Circássia. E isso apesar das práticas parlamentares dos projectos de 1796 e 1861 e até do apoio de Inglaterra (em 1861) e do Império Otomano (em 1796) ao projecto. Por estes dias existe um projecto de União a 28, que vai passar a 27, que parece não perceber as lições desta história. Tal como com os Circasses, com os ditos Europeus, existe uma elite de inspiração Shapsuguiana que pensa mais em si, nos seus interesses e nos seus ganhos, do que no bem comum de todos os outros grupos ditos Europeus. E depois essa mesma elite de inspiração Shapsuguiana admira-se quando os demais parceiros mostram apatia, rebeldia ou vontade de cisão. O projecto de União a 28, como o projecto confederal Circasse, porta-se perante os desafios de Presente como se estivesse no Passado e querendo forçar uma visão de Futuro. Ora sabe quem estuda História, que se há coisa que o Passado nos ensina, é que o Futuro não se força, quando o Presente não se molda. A incapacidade de responder ao Agora, terá efeito (surpreendente?) no Depois. Cabe aos 28, em breve 27, decidir o que querem. Se querem repetir os passinhos para o colapso Circasses, não se adaptando ao devir Histórico e aos desafios do mundo hodierno; se querem replicar o eclipse Shapsug e deixar que uma elite, de um grupo, ponha em causa a existência autónoma de todos os outros grupos. Ou se desta vez evitamos o colapso e o eclipse e caminhamos para a transformação solarenga do Presente, que entenda o Passado e projecte o Futuro… para todos…

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Desenvolvimento, Segurança e Defesa

Unidas pelo desenvolvimento global

MÓNICA FERRO Docente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa.

Nascida nos escombros da II Guerra Mundial – embora o seu ato criador date de 1944 em Dumbarton Oaks 1 – a ONU foi criada para preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, construindo um mundo mais justo e mais desenvolvido para todos “nós, os povos das Nações Unidas 2 ”. Este mundo melhor pressupõe um leque amplo de tarefas a que a ONU tem dedicado recursos e atenção, tentando galvanizar os Estados – os decisores últimos – para uma ação concertada em matérias de paz e segurança internacionais, conscientes de que o Desenvolvimento é novo nome da Paz, como viria a afirmar o Papa Paulo VI. Paz e segurança, estado de direito, desenvolvimento e direitos humanos são os pilares do Pág. 6 | PACTA

multilateralismo que as Nações Unidas promovem como alicerces para o desenvolvimento global. Ao longo dos anos – dos seus 70 anos de vigência – a ONU soube afirmar-se como o depositário da legitimidade internacional, a fonte de onde brotam as normas de direito internacional que enquadram todas as áreas de ação humana, e o espaço de conversação mais avançado do mundo no que diz respeito à cooperação internacional para o desenvolvimento. Anos Internacionais, décadas temáticas, programas, fundos e uma panóplia de Resoluções e Declarações têm trazido o desenvolvimento para o centro e topo da agenda internacional, instando a um nível de financiamento adequado e a um grau de operacionalização que os estados têm teimado em não cumprir. E esta foi a razão para que no virar do Milénio o Secretário Geral das Nações Unidas tenha decidido recentrar – programática e paradigmaticamente – a ação da Organização nestas matérias. Mantendo o alto nível da conversação e das declarações, a ONU adotou a Declaração do Milénio e pediu a um grupo de especialistas que traduzisse os grandes compromissos – a prática corrente - para um conjunto de Objetivos concretos, mensuráveis


através de Metas e indicadores, com marcos temporais concretos. A Organização passa de promover o desenvolvimento como se de um horizonte longínquo se tratasse, para passar a galvanizar os atores internacionais e nacionais em torno de 8 objetivos concretos, monitorizações através de 20 metas, medidas pelo cumprimento de 60 indicadores, Tudo isto realizado até 2015, o ano em que todas as pessoas deveriam ter atingido um patamar de dignidade mínimo. Não obstante todas as críticas que se podem fazer a este roteiro de dignidade, e já escrevi abundantemente sobre isso, os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio constituíram uma nova oportunidade para a Organização e para os Estados e para os milhões de pessoas a quem se pretendia dar mais liberdade. Foi, inquestionável, a mais mobilizadora e inovadora narrativa em prol do desenvolvem-to de que havia exemplo, e as falhas de criação não podem servir para explicar as falhas de resultado. Verificando que o resultado ficava aquém das expetativas, a ONU tratou, mais uma vez, de mobilizar toda a comunidade internacional para um balanço e ação sequente. Foram dezenas as reuniões, consultas e sondagens realizadas pelos estados, pela sociedade civil, pela Organização e pela vasta constelação de entidades que compõem o sistema das Nações Unidas, tentando, por um lado, perceber que Mundo é que queríamos para depois de 2015, e, pelo outro, retirar boas práticas e lições aprendidas que pudessem ser disseminadas e aplicadas. 2015 foi o coroar desse processo, com três reuniões seminais a definirem a agenda para 2030, que é a nossa, a de desenvolvimento sustentável. Financiamento do desenvolvimento (Adis Abeba), definição dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável e das suas 169 metas (Nova Iorque), e o quadro de ação para o combate às alterações climáticas (Paris) devem ser lidas em conjunto e interpretadas como as linhas de orientação da comunidade internacional. Ser desenvolvido, a partir de 2016, “significa

viver com dignidade, sem fome, livre de pobreza, com saúde e educação de qualidade, em igualdade de género, com acesso à água e ao saneamento, com segurança energética, com um emprego digno, com as desigualdades reduzidas, em cidades e comunidades sustentáveis, com padrões de consumo responsáveis, combatendo as alterações climáticas, protegendo os recursos marítimos e os ecossistemas terrestres, em paz e justiça e construindo parcerias para que tudo isto seja possível, para todas as pessoas 3 . A tarefa não é pequena, nem fácil, e pressupõe que a Organização das Nações Unidas consiga manter a liderança que conseguiu forjar ao longo da sua já longa existência. O multilateralismo – pedra de toque de todo o edifício onusiano – está a ser posto em questão quer pelas políticas soberanistas de alguns estados, quer pelo facto de não estar a dar os frutos pretendidos em muitas matérias. O combate ao terrorismo e os fracassos em sede de respeito pelos direitos humanos, por exemplo, contaminam a perceção genérica sobre a Organização e o seu potencial. E a cooperação para o desenvolvimento tem sido vítima de um descrédito propalado por muitos que nunca foram ao terreno ver as vidas que se salvam, a dignidade que se regasta e o futuro que se constrói com estas ações. Mas a ONU não pode ficar refém de perceções e nos próximos meses deve estar à altura dos tremendos desafios que lhe são colocados: a definição dos indicadores dos ODS, a reforma das operações de paz e a escolha do/a ocupante do 38.º andar da sede da Organização serão sinais pelos quais todos esperaremos com a ansiedade de quem sabe que as Nações Unidas permanecem o melhor instrumento de construção de um mundo melhor. Afinal foi em nome de todos “nós, os povos das Nações Unidas” que esta criação magnífica se foi construindo e reinventando. 1

A estrutura fundamental da Organização das Nações Unidas ficou desenhada em Dumbarton Oaks, nas Conversações de Washington sobre uma Organização para a Paz e Segurança Internacionais, e que tiveram ligar entre 21 de agosto e 7 de outubro de 1944. 2

Preâmbulo da Carta das Nações Unidas.

3 Mónica Ferro, Uma segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão, Diário de Notícias, 25 de setembro de 2015, in http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/convidados/interior/uma-segunda-oportunidade-para-causar-uma-primeira-boa-impressao--4797469. html

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Desenvolvimento, Segurança e Defesa

O PAPEL DA OTAN NA SEGURANÇA REGIONAL E GLOBAL

MARIA FRANCISCA SARAIVA Professora Auxiliar no ISCSP-ULisboa

A Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN, ou NATO, no acrónimo inglês, é uma aliança política e militar intergovernamental fundada a 4 deAbril de 1949 na área euro-atlântica. Como organização posterior à criação das Nações Unidas (1945), a Aliança Atlântica afirma-se como uma aliança política e militar ao abrigo do artigo 51.º da Carta das Nações Unidas, reservando-se o direito de legítima defesa colectiva quando um ou vários dos seus membros forem vítimas de um ataque armado. Deste modo, a aliança militar está autorizada a usar a força armada no quadro do exercício da legítima defesa colectiva e ainda no caso do Conselho de Segurança das Nações Unidas decidir subdelegar na organização um mandato coercitivo (artigo 53.º da Carta das Nações Unidas). Pág. 8 | PACTA

A OTAN foi um instrumento indispensável para promover os interesses nacionais dos Estados Unidos na área euro-atlântica no quadro do confronto ideológico com a URSS no pós Segunda Guerra Mundial e um mecanismo que permitiu acoplar militarmente os Estados Unidos aos problemas de segurança do bloco europeu formado por democracias liberais. Com o fim da Guerra Fria e a dissolução do Pacto de Varsóvia em 1991 questionou-se a relevância e a necessidade da OTAN como pacto militar defensivo no novo contexto. Correntes não realistas das relações internacionais explicam a sobrevivência da OTAN após o fim do bipolarismo pelo facto dos países membros se guiarem por normas de confiança e partilha baseadas em elementos materiais e simbólicos que ajudam a explicar por que razão os Estados membros já não esperam ou preparam o uso da força no seu relacionamento com os outros membros da organização. Para algumas perspectivas construtivistas, a identidade comum baseia-se numa aliança de democracias que tem como característica principal comportar-se como uma comunidade de segurança pluralista. Esta leitura da OTAN enfatiza a capacidade de um conjunto de países desenvolverem estratégias e práticas de relacionamento pacífico no interior da região


euro-atlântica, bem como nas áreas exteriores ao perímetro geográfico da OTAN, através de uma estratégia de dissuasão nuclear destinada a evitar a guerra. Esta estratégia recusa um primeiro emprego da força armada contra Estados inimigos apenas possível, como referido, em legítima defesa, isto é, após um país da OTAN ter sofrido um ataque armado. No entanto, alguns autores acrescentaram os valores liberais a esta equação, entendendo-os como condição necessária para a construção de uma comunidade de segurança na área euro-atlântica. Esta perspectiva da “paz liberal” não reduz a noção de identidade partilhada às relações no interior da comunidade, ampliando a ambição da comunidade de segurança para a esfera de gestão de crises fora do perímetro da OTAN e da segurança cooperativa envolvendo a capacidade expedicionária de projecção de poder militar a distância estratégica, conforme ficou consagrado no Conceito Estratégico de Lisboa de 2010, em vigor. Pode dizer-se que esta nova vocação da OTAN baseada numa espécie de “missão civilizadora” envolvendo a exportação dos valores liberais para outras áreas geográficas tem duas expressões fundamentais. A primeira remete para uma “política de porta aberta” que o comunicado final da recente cimeira de Varsóvia (8/9 de Julho de 2016) confirmou e que consiste no acolhimento como novos Estados membros da OTAN de países oriundos do antigo bloco soviético que partilham os valores da democracia, liberdade individual e Estado de Direito. Em segundo lugar a Teoria da Paz Democrática tem inspirado o envolvimento da organização na segurança regional e global através de missões de resposta a crises para lá das fronteiras da Aliança, nos Balcãs, no Mediterrâneo, ou no Afeganistão e ainda o diálogo com os “parceiros globais” envolvendo o Afeganistão, Austrália, Iraque, Japão, República da Coreia, Mongólia, Nova Zelândia e Paquistão. É, contudo, aqui que residem alguns dos problemas com que a Aliança hoje se confronta. Merece referência a intervenção no Kosovo em 1999, cujas motivações humanitárias nunca foram inteiramente assumidas pelos

países membros da Aliança. Esta decisão colocou a organização numa posição de desafio à ordem instituída pela Carta das Nações Unidas ao promover uma intervenção armada num território não pertencente à OTAN sem autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Em 2005 a declaração final da cimeira das Nações Unidas rejeitou a ideia proposta no relatório sobre a Responsabilidade de Proteger (2001) sobre uma nova excepção humanitária permitindo o uso da força sem o consentimento do Conselho de Segurança, afastando a possibilidade de uma “legalização” ex post facto do Kosovo. A intervenção na Líbia em 2011, desta vez com mandato do Conselho, contribuiu para o desgaste da Aliança, que se viu a braços com a acusação de ter excedido o mandato recebido. De facto, existiu uma componente de apoio militar terrestre aos rebeldes, expressamente proibida pela resolução 1973 do Conselho de Segurança, que não se encontrava sob comando da OTAN mas que foi executada por alguns países membros da organização, o que demonstra que o problema da coesão entre os seus membros é um elemento crucial para o futuro da organização. Em segundo lugar, a identidade da Aliança é hoje um dos temas mais controversos do debate interno. Existem, na verdade, várias OTANs. O modelo da OTAN global, defendido pelos “reformistas” (bloco anglo-saxónico), reclama um papel de destaque para a OTAN na segurança global segundo uma lógica de ordem liberal democrática capaz de eliminar as ameaças, não já nas fronteiras geográficas da Aliança mas na sua origem. Este modelo foi de certo modo acolhido no texto do Conceito Estratégico de Lisboa, plasmado na ideia de aprofundamento do diálogo político da Aliança com os “parceiros globais” e ainda, se possível, com o Brasil, Índia e África do Sul. Alemanha, França, Itália e Espanha representam um modelo de Aliança menos ambicioso que evita a globalização dos teatros de operações e se constrói em torno de uma gestão prudente dos alargamentos e da combinação da componente defesa territorial com o reforço das capacidades expedicionárias da Aliança. Finalmente, o Pág. 9 | PACTA


grupo formado pela Polónia, República Checa e países bálticos também assume uma agenda regional e local, mas com enfoque nas questões da defesa territorial plasmada no artigo 5.º, por razões que se prendem com o aumento da pressão militar russa junto às suas fronteiras. O actual ambiente estratégico caracterizase pela insegurança e instabilidade na periferia da OTAN. O comunicado final da cimeira de Varsóvia é invulgarmente longo, denotando preocupação com a evolução do ambiente de segurança na periferia da Europa a leste e no flanco sul. É óbvio que a questão russa não é propriamente problema da OTAN mas sim um confronto político que envolve directamente os Estados Unidos e a Federação Russa em torno da afirmação da identidade euroasiática da Rússia, que do ponto de vista de Moscovo envolve a assunção, pela país, de responsabilidades de gestão do espaço de segurança pan-europeu. É certo que a anexação ilegal da Crimeia, a desestabilização da Ucrânia e as violações constantes do princípio de proibição do uso da força da vida internacional configuram condutas ilegais que a OTAN tem denunciado. No entanto, é inegável que a Aliança é hoje uma voz menos credível na Pág. 10 | PACTA

defesa destes valores fundamentais, como acima referido. Em relação ao flanco sul, a Aliança identificou a presença do Daesh, as redes de crime organizado e a sua ligação ao tráfico de seres humanos e, em especial, de refugiados e de outros migrantes, como problemas fundamentais para a segurança da OTAN. A crise de identidade em que a OTAN vive não parece ter sido resolvida pela cimeira de Varsóvia. A organização continua à procura de uma identidade pós Guerra Fria que depende do reforço do nível de coesão interna e da definição de um denominador comum em relação às ameaças percepcionadas por cada um dos Estados membros. O ambiente de segurança internacional sugere um regresso da OTAN aos problemas da segurança regional mas não resolve completamente o problema da definição de prioridades, sem a qual a organização não tem condições para se afirmar regionalmente como organização de referência no espaço pan-europeu e no ambiente de segurança global, no qual a OTAN pode optar por manter uma postura de desafio ao regime internacional de segurança desenhado no final da Segunda Guerra Mundial, ou, pelo contrário, decidir inverter a opção estratégica seguida durante a última década de actividade.


África

Uma introdução à União Africana

Nuno Miguel Gonçalves

Tiago Gonçalo Nobre

Aluno do 3ºano da Licenciatura em Relações Internacionais no ISCSP-UL

Licenciado em Relações Internacionais no ISCSP-UL

A União Africana (UA) foi fundada em 2002, em substituição à Organização da Unidade Africana, que procurou a união dos países africanos face ao neocolonialismo e visando quase a criação de uma federação continental. Desta forma, a criação da UA vem demonstrar a preocupação das elites locais face aos novos tempos, a necessidade de procurar novos caminhos, no sentido de superar os desafios do desenvolvimento do continente africano. A “atual versão” da entidade tenta manter a ideia originar, mas olhando atentamente e debruçando-se em questões mais pragmáticas, como sendo o comércio e a segurança. Podemos dizer que hoje a União Africana se distingue por ser a mais importante instituição diplomática do continente.

Neste sentido, importa referir que a UA se baseia no modelo da União Europeia (em termos de estrutura e formatação), apesar de nos últimos tempos apresentar uma matriz mais voltada para a Comunidade das Nações. Os seus objetivos prendem-se com o lema Towards a Peaceful, Prosperous & Integrated Africa, daí que os seus campos de acção se dividam na Agenda 2063, que se mostra o quadro estratégico para a transformação sócio-económica do continente ao longo dos próximos 50 anos. O seu pilar passa pela implementação de iniciativas continentais para o crescimento e desenvolvimento sustentável.

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África

Uma economia multiexplorada… de jóia do Império, a um buraco sem fim!

Adriana Massano Soares

Tiago Gonçalo Nobre

Licenciados em Relações Internacionais no ISCSP-UL

Uma economia que vive de artifícios, já ouviu falar? Com certeza que sim, mas não desta forma. É deste tipo de economia característica da época da colonização moderna que resulta a sociedade em que vivemos hoje – sociedade capitalista e de consumo. Os efeitos da colonização repercutem-se até aos dias atuais, não só pela importância dos resultados da expansão económica, demográfica e cultural, como mesmo pela miscigenação nas antigas colónias, nos países do chamado Terceiro Mundo. Assistimos aos inúmeros e complexos problemas que estes países enfrentam para “(…) tornar as suas economias em bases mais jutas, modernizar as suas estruturas e assegurar o progresso social sem comprometer a independência, nos moldes da cooperação internacional” (Menezes, 2012). Assim sendo, a verdade Pág. 12 | PACTA

é que se por um lado é possível identificar uma incontestável ação civilizadora resultante do processo de expansão colonial, por outro lado, é certo que esta conduziu ao desaparecimento de importantes culturas e a sujeição de numerosos povos às necessidades e interesses coloniais. A história da colonização moderna estabelece um paradigma: a deformação da economia nos países colonizados, que são formatados para viver da exportação de matérias primas. O que acontece ainda hoje. Não exportam só comodities mas também royalties. Nestas economias, são os consumidores e oligopólios que estabelecem os preços. Este ciclo vicioso de dependência é genérico, a economia dependente é multiexplorada, transformando aquilo que conhecemos hoje como comércio internacional. A troca nunca é igualitária, nunca é a favor dos países dependentes. As relações comerciais entre dois países, já por si só, são tão mais assimétricas quanto maior é a dependência dos centros de decisão de um deles face ao outro. As economias dos países que outrora foram colónias são muito heterogéneas, mas todas elas, em geral claro, apresentam características comuns: o predomínio económico de uma agricultura com baixos níveis de produtividade;


o fraco desenvolvimento da industria dependente do exterior; o peso excessivo do comércio e dos serviços e as altas taxas de desemprego e subemprego. O cenário apresenta-se assim, em grande medida, provocado pela difícil convivência do mundo tradicional com o mundo industrializado. Esta dependência é económica, é comercial, é tecnológica. E não está livre de opções políticas e ideológicas. Neste sentido, é importante atentar que a seguir à descolonização vem a dependência. Descoberta pelos portugueses no século XV e com a sua colonização desenvolvida a partir do século XX, rapidamente se descobriu que Angola não tinha apenas o potencial marítimo, mas também se apresentava como uma verdadeira fonte de petróleo e importantes minerais, como diamantes, dai que tivesse sido considerada a jóia do império colonial português. Assim, Angola se torna um dos exmplos mais característicos deste ciclo de dependência que permaneceu após o período de descolonização. Tal como o Professor António de Sousa Lara refere, os países que se tornaram independentes depois de 1975 ficaram presos a “um conjunto de características e

circunstâncias, a herança colonial, que os coloca num ciclo vicioso de pobreza e numa condição de sistemática dependência externa” que nem o tempo parece querer fazer mudar (Lara, 2014). Angola é um país rico em recursos como o petróleo, diamantes e café, que apresentou taxas de crescimento altíssimas. A sua capital é uma das cidades mais caras do mundo e, nessa mesma capital, a vida de luxo de uns convive com a extrema pobreza de outros. A verdade é que Angola tem, sem dúvida, a ambição de ser uma potência regional, com expressão e projeção política em África, mas para isso, precisa primeiro, de ser forte internamente. Existe um fator bastante importante, que marca sem dúvida a organização e desenvolvimento de todo o Estado, que tem que ver com a dependência externa: embora tenha um solo e um subsolo bastante ricos, Angola apresenta um elevado nível de dependência de produtos estrangeiros, e com a crise atualmente vivida, isto faz com que seja bastante difícil, para os empresários angolanos, comprar esses produtos a países estrangeiros ao preço a que se habituaram. A Pág. 13 | PACTA


falta de produção nacional, aliada à falta de comercialização de produtos estrangeiros faz com que faltem bens essenciais para alimentar os mais de 20 milhões de habitantes que existem em Angola, um país que até há bem pouco tempo era visto como a terra das oportunidades para os portugueses. A dependência excessiva de uma única fonte de receitas de exploração (o petróleo) torna o Estado angolano e os seus objetivos muito vulneráveis às variações de preços, no mercado internacional. Desde o fim da Guerra Civil que os líderes governamentais têm utilizado o petróleo como sustentáculo do país, no entanto, importa frisar que a produção petrolífera em Angola não é exatamente igual à produção petrolífera, por exemplo, na Arábia Saudita, portanto uma quebra no preço do petróleo, que é facilmente colmatável na Arábia, constitui uma grande alteração na economia angolana, que deixa a nu todas as diferenças existentes entre os cidadãos. Hoje, vemos Angola mergulhada numa crise, com o seu presidente a pedir ajuda ao Fundo Monetário Internacional, mas como é isto possível? Não era este o país que há uns tempos apresentava um dos maiores crescimentos económicos, em que se assistiu a uma “explosão” industrial e de infraestruturas? Não estamos a falar do mesmo país? Melhor, não é este o país que até então utilizava o petróleo, algumas vezes, como arma diplomática, o que o fez chegar a alguns fóruns e organizações internacionais? É exatamente o mesmo país, que se apresenta no modelo de exportações de royalties e comodities, o que, na realidade, se tornou o grande problema a que todos preferem não ligar. Angola apresenta diversas potencialidades que podem ser desenvolvidas e o que acontece? Nada. Por exemplo, o planalto de Angola, que tem potencialidade para alimentar África Negra toda de carne bovina, nem sequer alimenta este país, que hoje em dia não é autossuficiente em nada. Não há desenvolvimento nenhum em áreas potenciais e assistimos exclusivamente a uma petro-economia. Mas o petróleo não chega, porque a sua estrutura é dependente, agravado ainda Pág. 14 | PACTA

mais pela dependência de um único produto. E como se sai de uma economia dependente? Não se sai! É uma economia multiexplorada. É esta dependência que impede o país de caminhar no sentido de se tornar num dos mais importantes players do comércio mundial. Deste modo, queremos concluir lembrando que todas as mudanças são convulsivas e que a colonização moderna é a fase preliminar da sociedade que temos hoje. As produções não deviam ser concorrentes, mas sim complementares.

“É preciso fraternidade entre todos os Estados, com respeito mútuo que se afirme em todas as decisões que afetem mais do que um Estado, o que obriga a não menosprezar os menos dotados de riquezas. Nisso, como na vida interna dos Países, o diálogo construtivo é fundamental e nada o pode substituir (Soares, 2011)”

Bibliografia Livros - Lara, António de Sousa Lara (2014) – Colonização Moderna, Descolonização e Dependência. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Fontes Eletrónicas - Menezes, Raquel (2012) – Colonização. Disponível em http://www.coladaweb.com/ historia/colonizacao ; Data de acesso: 03/07/2016 - Soares, João (2011) – Globalização ou Colonização Moderna? Disponível em http://domirante.blogspot.pt/2011/11/globalizacao-ou-colonizacao-moderna.html ; Data de acesso: 05/07/2016


Ásia

ASEAN, que 1 Comunidade? Nuno Canas Mendes Instituto do Oriente/ISCSP-ULisboa

Com a entrada em funcionamento da Comunidade ASEAN nos finais de 2015, durante a presidência da organização a cargo da Malásia, várias foram as questões que vieram à superfície, desde logo a capacidade dos cinco países envolvidos (Indonésia, Malásia, Filipinas, Singapura e Tailândia) em agir num mercado aberto de 600 milhões de consumidores com uma capacidade de produção capaz de competir com as maiores economias do mundo (no seu conjunto, aparece em 7.º lugar entre as maiores, com um aumento do comércio internacional que triplicou nos últimos dez anos). Importa antes de mais analisar como se perspectiva o funcionamento desta trindade de comunidades. No que toca à comunidade política e de segurança, é de esperar mudanças nas questões de segurança não tradicionais (pirataria, crime organizado transnacional, catástrofes naturais), mas menos nas tradicionais, sobretudo nas áreas sensíveis da soberania e da integridade territorial. Neste sentido, a aproximação e o aprofundamento do diálogo não implicará, à partida, alterações significativas ao ASEAN Way.

É no pilar económico (AEC) que se esperam as mudanças mais significativas, designadamente numa redução das barreiras ao comércio de bens, serviços e capitais e no aumento da sua quota na indústria mundial, assim como no estímulo às empresas locais a expandirem os seus negócios e a exportarem para fora dos países da comunidade ASEAN, tornando-se assim numa espécie de nova ‘fábrica do mundo’. Tal implicará que modernizem o equipamento e que capacitem a sua mão-de-obra, bem como as infraestruturas, ou seja, a ideia da combinação dos baixos custos de mão-deobra com uma capacidade industrial reforçada. A expansão dos mercados induzirá uma dinâmica de concessão de facilidades ao investimento estrangeiro, abolindo práticas protecionistas. No plano do comércio internacional, espera-se que as barreiras aduaneiras e não pautais sejam eliminadas e que com a liberalização em curso das economias se crie um mercado único. Quanto ao pilar sócio-cultural, o propósito é promover um maior contacto entre os povos e culturas, de modo a tentar criar um maior diálogo e conhecimento das especificidades de cada um e de todos, vislumbrando uma identidade regional, tarefa que, evidentemente, será difícil de pôr em prática. Existem alguns receios de que um calendário bastante ambicioso e algumas iniciativas mal planeadas possam comprometer os resultados. Este texto foi originalmente publicado no Anuário Janus 2015, mas foi revisto e alterado. 1

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Ponto de situação O ratio do comércio no PIB é dos mais elevados entre as regiões em desenvolvimento (cerca de 130%). O comércio intra-regional expandiu-se, assim como o extra-regional, razão pela qual o desempenho económico tem sido tão bom nas últimas três décadas; para tal têm contribuído os acordos de comércio de bens, serviços e protecção ao investimento, não obstante a persistência de práticas proteccionistas (como várias medidas de salvaguarda, incluindo licenças, regulamentos, taxas e regulamentos sanitários e de segurança). O projecto da AEC foi aprovado pelos líderes da ASEAN em 2007 como ‘plano de acção’, na sua 13.ª cimeira (AEC Blueprint, http://www. asean.org/archive/5187-10.pdf ), a saber: um mercado e uma base de produção únicos, uma região económica competitiva, de desenvolvimento económico competitivo e totalmente integrada na economia global. Na prossecução de tais metas, definiu-se como objectivo a livre circulação de bens, com eliminação de direitos e das barreiras não-pautais, facilitação do comércio, integração alfandegária e remoção das barreiras técnicas ao comércio. Com efeito, verificou-se uma redução significativa dos direitos aduaneiros (com 70% dos produtos sem direitos e uma percentagem mínima acima dos 10% de direitos); aumento das trocas de bens manufacturados e agrícolas, bem como do comércio de serviços (embora neste sector subsistam vários entraves à liberalização); progressos no investimento e fluxos de capitais com a assinatura do Acordo Abrangente de Investimento (2012) e aprovação do ‘National Single Window’ (Brunei, Indonésia, Malásia, Filipinas, Singapura e Tailândia). Previa-se igualmente a livre circulação de serviços (transportes aéreos, e-ASEAN, saúde, turismo e logística), de investimentos, de capitais, de pessoal qualificado e definiu-se uma política de competitividade. Na senda das metas definidas e garantindo a integração na economia mundial, a ASEAN tem mantido intensa actividade conducente à assinatura de acordos de comércio livre (o que fez com 6 parceiros de Pág. 16 | PACTA

diálogo, designadamente a Austrália, a República Popular da China, a Índia, o Japão, a República da Coreia e a Nova Zelândia). De sublinhar ainda que as negociações para a Parceria Económica Regional Abrangente, entre a ASEAN e os seus parceiros de diálogo, foram lançadas em 2012.

Constrangimentos As dificuldades a superar prendem-se essencialmente com a persistência de barreiras ao comércio, traduzidas em medidas não-pautais, e a aplicação do modo 4 (serviços profissionais), como se poderá ver de seguida. Actualmente, os instrumentos bilaterais e regionais que regulam o comércio de serviços são insuficientes, exigindo um esforço de regulamentação. As medidas não-pautais aumentaram nas maiores economias da ASEAN desde o início da crise financeira global. De 2009 a 2013, foram postas em prática um total de 186 medidas não-pautais, a maior parte delas pelas maiores economias: 75 pela Indonésia, 39 pelo Vietname, 27 pela Tailândia, 16 pela Malásia e 15 por Singapura (figura 1). O comércio de serviços também tem estado limitado por várias restrições impostas em vários Estados-membros, com excepção de Singapura. As economias de rendimento médio da ASEAN – Indonésia, Malásia, Filipinas e Tailândia – ‘fecharam-se’ ao modo 4 (serviços profissionais), com tópicos sensíveis como a protecção legal aos trabalhadores migrantes. Com efeito, em 2007 a ASEAN adoptou a Declaração sobre a Protecção e Promoção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e o debate tem recaído na tensão entre os Estados que enviam, favoráveis ao acordo, e os que recebem, que preferem manter a desregulamentação. Um dos problemas de base da ASEAN, que aliás surgiu com o horizonte do ‘alargamento’ durante os anos 90, é o das assimetrias das economias dos Estados-membros e, consequentemente, da necessidade de conciliar interesses que não são convergentes e que ademais evidenciam uma necessidade premente de


FIGURA 1.

Fonte: http://www.kpmg.com/Global/en/IssuesAndInsights/ArticlesPublications/PublishingImages/asean-economic-community2015-chart1.jpg, consultado em 15.1.2015.

FIGURA 2.

Fonte: Global Trade Alert database (http://www.globaltradealert.org/, consultado em 16 de Janeiro 2015).

aprofundar a cooperação. Deste ponto de vista, parece particularmente gritante a necessidade de aumentar os fluxos intra-regionais, quer de mercados, quer de mobilidade de pessoas, bens e conhecimento. No fundo, é esta a filosofia da comunidade trina. Mas esta filosofia é exigente financeiramente, pois envolverá investimentos de elevadíssima monta durante as duas próximas décadas (estimando-se em $60 biliões

anuais, até 2022, sendo que no cômputo geral, energia e transportes representam cerca de 63% das necessidades, com a Indonésia, a Malásia, as Filipinas e a Tailândia a representarem, por si só, um investimento total de $523 biliões, de acordo com a estimativa da Goldman-Sachs, de 2013 (Balboa & Wignaraja, 2014). Pág. 17 | PACTA


Expectável incompletude O arranque do projecto AEC foi crucial para transformar a ASEAN numa das mais dinâmicas regiões económicas do mundo em desenvolvimento. Algumas dúvidas persistem e radicam na própria ‘natureza’ dos intervenientes e do próprio projecto: é legítimo questionar se o calendário definido é realista e se os quatro pilares supramencionados podem realmente ser atingidos até Dezembro de 2015, durante a presidência malaia. Na Cimeira de 22 de Novembro de 2015, em Kuala Lumpur, foram apresentadas as principais medidas estratégicas para o período 2016-2025 para as três comunidades no seu todo e para cada uma, com a aprovação da ASEAN Community Vision 2025, de tom suave, mas mesmo assim pondo a tónica em questões políticas sensíveis, como a do Mar do Sul da China, e sobretudo no aprofundamento dos laços económicos (“A highly integrated and cohesive regional economy that supports sustained high economic growth by increasing trade, investment, and job creation; improving regional capacity to respond to global challenges and mega trends; advancing a single market agenda through enhanced commitments in trade in goods, and through an effective resolution of non-tariff barriers; deeper integration in trade in services; and a more seamless movement of investment, skilled labour, business persons, and capital;). O cepticismo é grande, mas a amplitude dos objectivos não é de somenos. Assim, de entre o trabalho que se espera concluir, está o levantamento das necessidades e fins que poderão ser atingidos e, com base nisto, delinear as medidas subsequentes num horizonte que se fixa em 2025, concretamente, na diminuição das assimetrias regionais (3.º pilar, financiamento de infraestruturas) e na diminuição das restrições ao comércio de serviços e medidas não-pautais (1.º pilar). Será igualmente importante um reforço institucional, através da acção do Secretariado e robustecendo o respectivo orçamento e capacidades técnicas para pôr em marcha a Pág. 18 | PACTA

agenda da AEC. A expectável incompletude de uma praxis de pequenos passos, que no ASEAN way tem um valor adicional: os progressos da ‘socialização’, acima descritos, são notórios e mostram que a AEC é uma realização que, não obstante alguns constrangimentos, também enunciados, é uma importante meta. Referências: ASEAN Secretariat. 2008. ASEAN Economic Community Blueprint. http://www.asean.org/archive/5187-10.pdf (consultado a 16 de Janeiro de 2015).

ASEAN Secretariat, 2015. ASEAN Community Vision 2025, http://www.asean.org/wp-content/ uploads/images/2015/November/aec-page/ASEAN-Community-Vision-2025.pdf (consultado em 1.7.2016).

KPMG. 2014. An Overview of Infrastructure Opportunities in ASEAN. http://www.kpmg.com/SG/en/ IssuesAndInsights/ArticlesPublications/Documents/ Advisory-INFRA-ASEAN-An-overview-of-infrastructure-opportunities-in-ASEAN.pdf (consultado a 16 de Janeiro de 2015).

Goldman and Sachs. 2013. ASEAN’s Half a Trillion Dollar Infrastructure Opportunity. Asia Economics Analyst, Issue No. 13/18. http://www.btinvest.com. sg/system/assets/14801/ASEAN%20infras%20opportunity.pdf (consultado a 16 de Janeiro de 2015). Wignaraja, G. 2014. The Regional Comprehensive Economic Partnership: An Initial Assessment. In P. Petri and T. Guoqiang (eds.) New Directions in Asia-Pacific Economic Integration, Honolulu: EastWest Center. http://www.eastwestcenter.org/publications/new-directions-in-asia-pacific-economic-integratio Jenny D. Balboa and Ganeshan Wignaraja. ASEAN Economic Community 2015: What is next?, in http://www.asiapathways-adbi.org/2014/12/ asean-economic-community-2015-what-is-next/#sthash.Eo1dBBOr.dpuf, (consultado em 10.1.2015).


Europa

A LÓGICA ESTRATÉGICA DO BREXIT PEDRO BORGES GRAÇA Instituto do Oriente/ISCSP-ULisboa

O chamado projecto europeu teve na sua origem a preocupação da reconstrução económica e social em paz e segurança após a devastação das duas grandes guerras civis europeias do século XX, mundiais pelos efeitos, como observa Adriano Moreira. O “problema alemão” esteve no centro de todas as hostilidades desde o século XIX e diluiu-se na separação forçada entre a República Federal e a República Democrata na Nova Ordem que vigorou durante a Guerra Fria. A Queda do Muro de Berlim insuflou o projecto europeu com uma nova dinâmica: por um lado a reunificação da Alemanha, por outro o Tratado de Maastricht de 1992 compensando essa reunificação, esse alargamento, com o aprofundamento prometido da coesão económica e social, susten-

-tada por uma moeda única europeia, em que os países europeus menos ricos se aproximariam progressivamente dos mais ricos com o seu apoio e solidariedade instituída na nova União Europeia. Ora, o que aconteceu de então para cá, nestes 25 anos, neste quarto de século, foi que a política de alargamento se sobrepôs à política de aprofundamento e consequentemente os países menos ricos como Portugal foram efectivamente prejudicados a prazo pela entrada dos países do espaço póssoviético na União Europeia. Mas outros países mais ricos ficaram também reféns da política progressiva de concentração de poder na Comissão Europeia e no Banco Central Europeu, como a Inglaterra (“coordenadora” do Reino Unido), ressurgindo assim em perspectiva o “problema alemão” na equação. Com efeito, o alargamento da União Europeia a Leste reconfigurou o velho lebensraum da geopolítica alemã. Agora noutros moldes, obedecendo a um renovado conceito estratégico nacional, sobretudo económico - que integrou, por exemplo, o conhecimento acumulado pelo sistema de informações da antiga República Democrática Alemã –, encontra-se nos países do leste da Europa a consolidação actual do espaço vital da Pág. 19 | PACTA


Alemanha, um mercado natural para o made in germany que conquistou também o resto da União Europeia. Em grande medida os subsídios que acompanharam o alargamento têm servido para comprar produtos e serviços alemães e ao mesmo expandir para esse espaço a sua capacidade tecnológica e industrial, deslocalizando-a com diminuição de custos. O brexit - a saída da Inglaterra da União Europeia - não é passível de ser plenamente compreendido se não se tomar esta conjuntura em devida consideração. Na verdade, a globalização, e em particular o projecto europeu, não afectou o Estado na sua componente “nação” mas tão-somente na sua componente “soberania”, nomeadamente económica. Ou seja, por exemplo significativo, Ingleses, Franceses e Alemães, as antigas potências mundiais anteriores às guerras civis europeias do século XX, ainda se vêem intimamente e reciprocamente como Ingleses, Franceses e Alemães; a identidade nacional e cultural historicamente fundamentada não foi beliscada nem deixa de estar presente na visão de futuro e planeamento estratégico da tomada de decisão política. A competitividade económica enquanto dinâmica de conflitualidade nãoarmada tem mostrado pois ser compatível Pág. 20 | PACTA

com a cooperação política. Portanto, não só o caminho e campanha favorável ao brexit mas também o processo político inglês que o desencadeou parecem ter-se sustentado no posicionamento histórico da Inglaterra face ao “continente”, à Europa assim percepcionada, no sentido de a dividirem para melhor governarem os seus interesses. O General De Gaulle sempre vetou por essa razão a inclusão da Inglaterra no projecto europeu. Nesta perspectiva, com especial atenção à progressão económica e política da Alemanha, os dois “partidos” referendários britânicos estavam apenas divididos quanto à melhor forma de eles próprios dividirem os seus históricos rivais europeus: ou estando dentro ou estando fora da União Europeia. Não é pois de ignorar nem iludir o facto de o discurso dos vencedores ter sido abertamente anti-alemão. A lógica estratégica presente no brexit reflecte pois a percepção inglesa de que a sua soberania em termos de economia política se encontrava ameaçada, em perda crescente, face à União Europeia e à influência intensificada da Alemanha no sistema. Do lado da União Europeia, com especial relevo para o ministro das finanças alemão, o discurso foi declaradamente anti-brexit, agitando-se o cenário das


consequências catastróficas para a economia britânica. Porém, pelo contrário, logo a seguir aos resultados do referendo o que aconteceu é que o impacto negativo nas bolsas europeias foi muito superior ao que se verificou na bolsa britânica: 3% aproximadamente contra 7% nos alemães, 8% nos franceses e 12% nos espanhóis e italianos. Por seu turno, a descida nos americanos foi na ordem dos 2%. Portanto, este indicador dos chamados mercados é consistente com o facto de que a anglobalização – o verdadeiro nome da globalização segundo o britânico Niall Ferguson no seu livro “Empire” – assenta em grande medida no sistema financeiro anglo-americano construído minuciosamente após a Segunda Guerra Mundial. Mas sem contradição, revelador da afirmação de soberania dos ingleses nesta conjuntura, é também a ruptura da lógica estratégia dos ingleses com o planeamento estratégico dos americanos relativamente à relação destes com a União Europeia através da parceria transatlântica em processo de negociação, o qual muito provavelmente sofrerá um impasse. Note-se que, em contraponto à União Europeia, a Commonwealth representa um sistema económico particular do Reino

Unido e que já foi com esse “poder negocial” que os ingleses negociaram com os americanos os “tratados secretos” após a Segunda Guerra Mundial que consolidaram precisamente a anglobalização. Afigura-se assim que a perda está mais do lado da União Europeia, e falta ainda tempo para avaliar as consequências, por exemplo na política agrícola comum e muito em especial nas pescas e na gestão dos recursos marinhos. Com efeito, do ponto de vista da análise estratégica, é ainda preciso deixar correr tempo e factos para se avaliar se prospectivamente o brexit não favorecerá ainda os ingleses quanto ao pior cenário da União Europeia que se traduziria no colapso do seu sistema financeiro. Este pior cenário seria efectivo caso se confirmasse que o Deutsch Bank estaria tecnicamente insolvente com um buraco de cerca de 50 triliões de euros de crédito mal parado. A evolução da conjuntura pós-brexit não se apresenta benéfica para Portugal.

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Europa

Algumas reflexões a propósito do “Brexit”

Andreia Soares e Castro Doutorada e Mestre em Relações Internacionais pelo ISCSP-ULisboa, onde é Professora Auxiliar, e investigadora integrada do CAPP-ISCSP.

No dia 23 de Junho de 2016 os britânicos, através de referendo, votaram a favor da saída do Reino Unido (RU) da União Europeia (UE), dando expressão aquilo que o artigo 50º do TUE permite – “Qualquer Estado-membro pode decidir, em conformidade com as respectivas normas constitucionais, retirar-se da União” –, e abrindo um importante precedente numa UE que era tida como irreversível e indispensável. De facto, nestes já mais de 60 anos, o projecto europeu teve sempre uma grande atractividade, patente no seu alargamento (de 6 a 28). Consequentemente, Pág. 22 | PACTA

a UE é hoje muito mais diversa, o processo de decisão é mais demorado e mais difícil se torna gerir as crises. Daí a introdução da chamada cláusula de saída no TUE pelo Tratado de Lisboa (2009), que será pela primeira vez accionada pelo RU. Até ao fim das negociações previstas pelo artigo 50º, o RU continua a ser Estado-membro da UE e tem a obrigação de respeitar todas as obrigações enquanto tal. Só o tempo mostrará as reais consequências quer para o RU quer para a UE. Importa, contudo, referir algumas ideias importantes: 1. O RU teve sempre uma relação especial com o projecto europeu caracterizado pela integração supranacional: avesso à perda de soberania nacional e relutante aos avanços na integração, o RU não foi membro fundador das Comunidades Europeias, tendo entrado apenas em 1973, após dois vetos de Charles De Gaulle; logo em 1975 referendou a permanência na então CEE, com 67% dos votos a favor1; Margaret Thatcher conseguiu, em 1984, uma redução da contribuição financeira para o orçamento da UE (o chamado cheque britânico); foi por causa do RU que o Tratado de Maastricht formalizou uma Europa


a duas velocidades, pois não quis abdicar da libra e fazer parte da UEM e do euro; beneficia de cláusulas de isenção (“opting-outs”) relativamente a Schengen, Carta dos Direitos Fundamentais da UE e Espaço de liberdade, segurança e justiça. Acresce que, em Fevereiro de 2016, conseguiu renegociar os termos da sua adesão à UE numa negociação difícil, pois já não havia muito espaço para ainda mais concessões, mas que provou a vontade pela permanência do RU na UE. O “Brexit” significa que a UE perde como membro uma grande potência económica e militar. Contudo, será sempre um parceiro privilegiado e um aliado importante na resposta aos problemas e desafios comuns. 2. Apesar do “Brexit”, a UE é necessária e válida ainda hoje. A UE é muito mais do que um projecto económico: é um projecto político de paz e valores; é a melhor garantia das democracias da Europa, de segurança e estabilidade dos seus Estados e povos; continua a ser necessária face à globalização e à perda de poder dos Estados. Se a UE amplia o poder dos Estados então o “Brexit” é uma perda de soberania para o RU. Com efeito, deixará de ter voz e voto na legislação

discutida em Bruxelas. Por outro lado, e porque nenhum Estado pode agir isoladamente no contexto internacional, dada a globalização e a interdependência crescente, o RU terá de negociar com a UE as áreas onde lhe interessa continuar a cooperar com a organização, provando que esta continua a ser um parceiro inevitável do RU. Podemos perspectivar que o acordo entre ambas as partes permitirá ao RU um nível de acesso ao mercado interno via Espaço Económico Europeu (EEE), à semelhança do modelo norueguês e a aceitação pelo RU da regulamentação da UE (“red tape”) e da liberdade de circulação de pessoas. Se as negociações para a saída não chegarem a acordo favorável para ambas as partes um novo referendo poderá ser convocado e a adesão à UE poderá ser novamente atractiva. 3. O “Brexit” remete para o crescimento dos partidos populistas e eurocépticos, para o eurocepticismo e a insatisfação dos cidadãos europeus relativamente à UE e para a complexa relação entre a UE e os Estados nacionais. O projecto europeu enfrenta uma grave crise de confiança e credibilidade, que não é de hoje, e que se explica por assentar na

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visão e decisão das elites políticas europeias (“top down”), com uma fraca participação dos respectivos cidadãos, bem como pela própria natureza da UE, que “não é um Estado, não tem um governo, não tem um demos”2. Acresce a incapacidade do modelo da UE de resolver os problemas dos cidadãos, que os Estados sozinhos também são incapazes de solucionar (mais segurança, prosperidade e emprego). É pois premente que os líderes europeus sejam capazes de recuperar a confiança dos seus cidadãos, envolvendo-os mais na UE, e explicando-lhes os benefícios da agregação de soberanias e do valor acrescentado da UE, bem como que a opção voluntária pelo exercício da soberania em conjunto implica escolhas, obrigações e compromissos. 4. O “Brexit” como oportunidade para a reforma da UE. Ao “Brexit”, os 27 devem responder reafirmando a sua vontade de prosseguir juntos, mas reflectindo sobre o significado destes resultados. Não devemos subestimar o poder da vontade política dos Estados, que foi sempre essencial para o avanço do projecto. De facto, “a UE será aquilo que os Estados-membros quiserem que ela seja. Será sempre o compromisso possível entre perspectivas diferentes de evolução”3. É importante sublinhar ainda que o “Brexit” é apenas mais um problema a somar aos enormes desafios e crises (refugiados, Zona Euro, crise da Ucrânia, ameaça e atentados terroristas, etc.) que necessitarão de mais acção colectiva e, consequentemente, a evolução da UE. 5. Os referendos são sempre instrumentos imprevisíveis, que devem ser repensados. David Cameron prometeu realizar um referendo sobre a permanência na UE se ganhasse as eleições gerais de 2015. O Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa considerou há dias ser inadmissível a realização de um referendo em Portugal sobre a pertença à UE, afirmando que “bastam as aventuras dos outros, não Pág. 24 | PACTA

vamos juntar mais problemas aos problemas que já existem”4 . O referendo do “Brexit” é um alerta para aquele provérbio que diz: “quem brinca com o fogo, queima-se!”.

Cfr. http://news.bbc.co.uk/onthisday/hi/dates/ stories/june/6/newsid_2499000/2499297.stm Acesso em 24.07.2016.

1

SOARES, Andreia M. União Europeia: que modelo político? – A actualidade do método comunitário. Lisboa: ISCSP, 2005, p. 423. 2

3

Idem, p. 313.

“Presidente da República declara-se contrário à realização de referendos sobre a pertença à União Europeia”, 21.07.2016, in http://www.presidencia.pt/?idc=10&idi=111835 Acesso em 24.07.2016.

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Europa

BREXIT: da histeria ao business as usual sem “volta atrás”

Ana Isabel Xavier Doutorada em Relações Internacionais (especialização em Estudos Europeus) pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Professora Auxiliar Convidada da FCSH-UNL. Investigadora Integrada do IPRI – Instituto Português de Relações Internacionais e associada do CIDIUM – Centro de Investigação e Desenvolvimento do Instituto Universitário Militar.

Assinado na capital portuguesa a 13 de dezembro 2007 e em vigor desde 1 de dezembro de 2009, o Tratado de Lisboa1 prevê pela primeira vez, no agora célebre artigo 50, a possibilidade de qualquer Estado sair voluntária e unilateralmente da União Europeia (UE). Numa campanha marcada pela imigração e manchada pelo assassinato da deputada trabalhista Jo Cox, o resultado do referendo de 23 de Junho ditou que 51,9% dos Britânicos querem o Brexit contra 48,1% defensores do Bremain2. No day after, muitos não queriam

acreditar em tal desfecho e começaram a circular petições para um segundo referendo. A hashtag #WhatHaveWeDone foi a mais utilizada no twitter. O Google trends revelou as 5 principais questões que dominaram as buscas depois de serem conhecidos os resultados e “o que significa deixar a UE” encabeçava a lista. O impacto económicofinanceiro mais visível foi a de uma sexta-feira negra com as bolsas a registarem fortes quedas na Europa, Ásia e Estados Unidos. A Libra esterlina registou mesmo os valores mais baixos desde 1985 em relação ao dólar. Politicamente, a primeira baixa previsível foi a de David Cameron. Reeleito em maio de 2015 com maioria absoluta, acenou com o referendo como bandeira de campanha e perante os resultados não teve outra opção senão abrir espaço para o partido e o país decidirem os termos do novo caminho a seguir. Também Nigel Farage se demitiu da liderança do partido independentista UKIP considerando ter alcançado a sua maior ambição política com a vitória do leave no referendo. Um pouco por toda a Europa, os eurocéticos instrumentalizaram a “vitória da democracia” para pedir um referendo também nos seus Pág. 25 | PACTA


países: foi assim em França com Marine le Pen da Frente Nacional, com Frauke Petry do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), com o holandês Geert Wilders do Partido para a Liberdade (PVV) e com Norbert Hofer do Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ). O Primeiroministro da Hungria Viktor Orban, o líder ultranacionalista Sérvio Vojislav Seselj e o chefe do Partido Liberal Democrata da Rússia (LDPR) Vladimir Jirinovski também não se coibiram de felicitar o povo britânico pela sua escolha. Das Instituições Europeias, as reações mais acesas vieram de Jean Claude Juncker, logo na sessão do Parlamento Europeu que aprovou uma resolução conjunta de três grupos políticos em que se pedia a “aplicação imediata” do processo de retirada do Reino Unido da União. Nesta sessão, o presidente da Comissão Europeia lamentou o voto dos britânicos, partilhou ter proibido quaisquer negociações bilaterais entre membros da Comissão e o Reino Unido e reforçou que o pedido formal britânico deve ser feito o mais rapidamente possível. Por sua vez, o Presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, tem reafirmado que sem notificação por parte do Reino Unido do seu desejo de saída não há negociações sobre as futuras relações (tal como articulado pelo artigo 50.º do Tratado de Lisboa) e que a participação no mercado único implica o respeito total pelas quatro liberdades, incluindo a de circulação. Uma questão que é particularmente importante para o Reino Unido que começa agora a preparar as condições da formalização do Brexit: em visitas recentes à Alemanha e França, a nova primeira ministra britânica Theresa May anunciou que o processo não será desencadeado antes do final de 2016/início de 2017 e que David Davis, advogado e apoiante do Brexit e Boris Johnson, ex-Mayor de Londres que liderou a campanha do Brexit e agora ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, irão liderar essas mesmas negociações. Tempo e ponderação é o que se espera antes e durante todo o processo, desde logo porque os tratados de funcionamento só deixam de ser aplicáveis a partir do momento em que o acordo firmado entre a Pág. 26 | PACTA

União e o estado-membro entrar em vigor, ou 2 anos após a negociação de abandono em caso de não alcançarem acordo ou num prazo ainda mais distendido no tempo desde que haja concordância entre as duas partes. Paralelamente às negociações no quadro da UE, as modalidades de saída a discutir englobam também a revisão e renegociação de todos os acordos internacionais vigentes entre, por um lado, o Reino Unido e o resto do mundo em nome da UE e, por outro, os acordos bilaterais entre o Reino Unido e os Estados-membros da UE. Nesse sentido, só depois se seguirá a celebração de um acordo que estabelece as condições de saída e as condições de futuras relações com a União Europeia. Três soluções poderão estar em cima da mesa: o acesso ao mercado único através do espaço económico europeu; um acordo de livre comércio que facilite o acesso mútuo aos mercados; ou a definição de limites Sendo a livre circulação de pessoas o (com Bruxelas a reiterar


insistentemente que as quatro liberdades do projeto europeu - bens, “calcanhar de aquiles” das negociações tarifários nos mercados de bens e produtos. capitais, mercadorias e pessoas – só podem ser encaradas em complemento) é bem provável que se opte pela primeira solução, embora prevendo-se algumas cláusulas de opting out nesta matéria. De facto, as notícias da visita recente de Theresa May ao seu homólogo Francês parecem avançar para a possibilidade de Londres poder restringir a entrada de imigrantes durante sete anos, como se de um “travão de emergência” se tratasse, sem prejuízo do acesso ao mercado único. O objetivo do acordo seria uma win-win situation: Londres continuaria a contribuir para o orçamento global sem ter poder de decisão sobre matérias ao mercado único e os Estados-membros conseguiriam gerir alguns danos económicos colaterais com a saída do maior contribuinte líquido e atenuar o efeito dominó de um potencial divórcio litigioso.

É bem verdade que o referendo não é legalmente vinculativo. Mas seria politicamente impensável não respeitar a decisão democrática que os Britânicos expressaram nas urnas. Não há volta atrás. Independentemente do timing da ativação do artigo 50.º, já se sabe que o Reino Unido não vai assumir a presidência rotativa prevista para o 2.º semestre de 2017, tendo a Bélgica já se oferecido para desenvolver os trabalhos necessários entre as Presidências de Malta e Eslovénia. Mas da histeria em torno deste referendo sai, pelo menos, uma certeza, um desafio e uma reflexão. A certeza é que o Reino Unido continuará a fazer parte da Europa e que os seus compromissos internacionais continuarão a ser assumidos e até reforçados noutros fora, como na NATO, onde a dimensão transatlântica claramente beneficia países como Portugal. Por sua vez, o desafio, é mais uma vez devolvido aos Estados-membros: estarão à altura de reinventar o projeto europeu com uma oportunidade renovada para maior solidariedade e coesão? Por fim, a reflexão, também em jeito de pergunta: como poderão os líderes Europeus e as Instituições Europeias assegurar que o projeto europeu está a ser construído com e para os cidadãos e que as suas aspirações e expectativas em torno da liberdade, segurança e bem-estar podem ser concretizadas? Para já tudo segue business as usual.

Curiosamente, Gordon Brown, o então Primeiro-ministro Britânico, chegou atrasado à assinatura do Tratado e esteve ausente da cerimónia oficial. 1

2

Recorde-se que, logo após a adesão do Reino Unido à então CEE em 1973, os britânicos foram chamados a decidir em referendo se o país deveria continuar no projeto europeu. Em 1975, 67% dos britânicos disseram que sim. Pág. 27 | PACTA


ENTREVISTA Sua Excelência o Embaixador da República Francesa, Senhor Jean-François Blarel

1.Comecemos por falar na história do relacionamento entre França e Portugal. Quando e em que contexto foi estabelecida a Embaixada de França em Portugal? O restabelecimento da democracia, na sequência da Revolução dos Cravos de 25 de Abril de 1974, e a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, em 1986, selaram o reencontro de Portugal com o Continente europeu, e também com a França, cujas relações – já muito antigas (a primeira dinastia real portuguesa pertenceu à linhagem dos Borgonha e as relações diplomáticas datam do século XVII) e mais ou menos intensas segundo as vicissitudes da história – se tornaram extraordinariamente ricas. A grande circulação de obras intelectuais em Portugal no século XIX, acerca dos ideais políticos liberais, da literatura, dos conhecimentos académicos, impregnou o país de cultura francesa cuja influência é profunda, ainda hoje, sendo que um quarto da sua população fala francês, apesar das mudanças provocadas pela globalização. No tempo da ditadura e no da transição democrática, a França foi considerada uma referência no que concerne a liberdade de expressão e o debate de ideias. Pág. 28 | PACTA

Em 1870, por morte de José de Lancastre e Távora (irmão de Pedro), o Palácio de Santos, actual sede da Embaixada de França em Lisboa, é alugado ao Ministro de França em Lisboa, o Conde Armand, que aí instala “a legação”, o antepassado da embaixada. Em 1909, o palácio foi comprado pelo governo Francês. Em 1937, a parte ocidental do edifício foi ocupada pelo Institut Français de Portugal (o Instituto cultural) e em 1948, a legação torna-se Embaixada de França. Assim começa um novo episódio da história das relações, também plurisseculares, entre França e Portugal. 2. Em que estado se encontram actualmente as relações entre França e Portugal? Essas relações são óptimas. No plano cultural, a afinidade é muito grande e a França continua a ser referência cultural em Portugal, ainda que a nossa língua tenha perdido, há 40 anos, o seu estatuto de primeira língua estrangeira ensinada no sistema escolar. A vaga de emigração portuguesa para França, principalmente nos anos 1960-1970, criou laços muito fortes entre as populações. Estima-se a 1,6 milhão o número de Portu-


gueses e de Luso-descendentes em França, que constituem a maior comunidade portuguesa no estrangeiro. Perfeitamente integrados, os Portugueses conquistaram um merecido lugar dentro das forças vivas da sociedade francesa, como destacado durante a recente visita do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e do Primeiro-Ministro António Costa a Paris, por ocasião das comemorações do dia 10 de Junho – Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. No plano económico, a França é um parceiro de primeiro plano para Portugal: o nosso país é o seu segundo cliente e o seu terceiro fornecedor. A França é o primeiro investidor estrangeiro em Portugal em termos de valor acrescentado, e o 2° relativamente ao número de empresas, de pessoas empregadas e de volume de negócios. Entre os maiores investimentos realizados, o grupo Vinci adquiriu, em 2013, os Aeroportos de Portugal, e o grupo Altice, em 2015, a Portugal Telecom. A esta familiaridade cultural económica e humana, junta-se uma cumplicidade geopolítica objectiva. Os três eixos da política externa de Portugal estão em consonância com as prioridades francesas. Portugal é um país atlântico: o nosso compromisso comum com a NATO, a nossa preocupação com a segurança e a luta contra os tráficos no oceano Atlântico, a nossa cooperação a nível da política marítima europeia, a nossa vontade de valorizar a frente atlântica, constituem interesses comuns duradouros. Portugal é um país inteiramente empenhado na Europa: partilhamos a mesma visão de uma Europa dotada de instituições eficazes e de uma Europa voluntarista que se organiza para se tornar um actor do mundo de amanhã. Portugal é um país voltado para o mundo lusófono e para os países emergentes do sul, no espírito de um mundo multipolar estruturado através da cooperação entre grupos regionais e a França atribui, também, uma importância estratégica às suas relações tanto com o Brasil, como com África.

Mais recentemente, o governo português demonstrou a sua solidariedade para com a França, no âmbito do artigo 42-7 do Tratado da União Europeia, para responder aos atentados terroristas que ocorreram em França no ano passado e para lutar em conjunto contra esta ameaça a nível mundial. 3. De que forma é que França vê a actual crise dos refugiados que a Europa enfrenta? Qual a posição oficial do país relativamente a esta questão? A Europa defronta-se actualmente com uma crise migratória sem precedentes desde o fim da segunda guerra mundial, que põe à prova a consistência dos seus valores e das suas instituições. As causas desta crise migratória, que se intensificou nestes últimos meses, estão bem identificadas: - A instabilidade, a guerra e o terrorismo, especialmente na Síria e no Iraque: mais de 4 milhões de refugiados vivem em campos situados em países vizinhos (Turquia, Líbano, Jordânia e Iraque). A situação dramática em que se encontram alguns destes campos provocou o exílio de uma parte desta população; - O desmoronamento do Estado líbio causou o aumento de um fluxo migratório através do Mediterrâneo central, provindo maioritariamente do Corno de África; - A estes fluxos vindos de África e do Médio

Oriente juntam-se os cidadãos dos países dos Balcãs. Neste contexto, a França toma iniciativas e tenta dar respostas à altura do desafio. Primeiro: responder à urgência humanitária. Como Portugal, também a França decidiu alargar o acolhimento dos refugiados e receberá 24 000 pessoas além das 6 750 pessoas que aceitou em Julho passado ou seja, mais de 30 000 pedidos de asilo suplementares. Pág. 29 | PACTA


Segundo: adaptar os meios nacionais a esta crise migratória. A reforma do direito de asilo, votada com uma ampla maioria no passado dia 29 de Julho de 2015 tem três objectivos: encurtar os prazos de avaliação dos pedidos de asilo; melhorar e repartir melhor o acolhimento dos requerentes de asilo no território; por fim, reforçar os direitos dos requerentes de asilo com a transposição das normas europeias. O Governo fez também um esforço suplementar de criação de 11 000 lugares de acolhimento. Terceiro: conseguir uma solução europeia equilibrada. A França tem estado, há mais de um ano, a tomar iniciativas, com a Alemanha, Portugal e os seus parceiros europeus, para contribuir para essa solução. Estas iniciativas visam: - Gerir o fluxo de migrantes fazendo, nos países da primeira entrada, a distinção entre as pessoas com necessidade de protecção – que devem ser repartidas pelo território da União Europeia – e os migrantes económicos que têm de ser reconduzidos com dignidade aos seus países de origem. - Controlar melhor a fronteira externa da União Europeia apoiando os países confrontados com o afluxo massivo de migrantes. - Combater melhor as fileiras de imigração clandestina, nomeadamente através de um reforço da cooperação policial europeia. Quarto: a elaboração de uma resposta comum com os países de origem e de trânsito. Para responder à urgência humanitária, a França mobiliza-se para dotar dos meios indispensáveis as agências das Nações Unidas e as organizações não-governamentais que intervêm nos campos situados nos países vizinhos da Síria. As necessidades humanitárias são igualmente crescentes no Continente Europeu. Mas sobretudo, a resolução da crise migratória passa pela resolução do conflito na Síria. Como o salientou o Presidente Hollande, a França fará a sua parte para o acolhimento destes refugiados. É nosso dever e nossa Pág. 30 | PACTA

responsabilidade. É uma questão de humanidade e de solidariedade. Além do acolhimento dos refugiados na Europa, a nossa acção passa igualmente pelo apoio aos países da região que recebem refugiados Sírios, nomeadamente o Líbano – onde os refugiados representam mais de um quarto da população do país – e ao qual a França pretende reforçar a sua ajuda. A gravidade da crise síria está na origem do drama dos refugiados a que assistimos actualmente e que comove a Europa. A França tem estado, desde o início, na linha da frente para se encontrar uma solução para esta crise e não se poupa a esforços, tanto diplomáticos como políticos. A França luta também militarmente contra o Daech no Iraque e na Síria. É, de facto, a resolução da crise síria que irá contribuir para estancar o fluxo de refugiados e permitir que os Sírios usufruam do direito que têm a viver em paz no seu país. 4. E qual a perspectiva em relação aos recentes episódios de terrorismo? Um dos fenómenos mais marcantes dos últimos anos, tanto para o mundo como para a França, é o do terrorismo. Desde os atentados de 11 de Setembro de 2001, o século iniciou-se sob os maus augúrios do radicalismo islamista. Da AlQuaida com as suas sucursais regionais (AQMI, AQPA), ao recente e enorme aumento de poder do Estado Islâmico, trata-se efec tivamente de um efeito de grande dimensão que não se extinguirá tão cedo e, sobretudo, sem uma acção concertada e determinada da comunidade internacional. A França constitui claramente um alvo prioritário, devido ao combate determinado que leva a cabo contra os jiadistas no Sahel, no Iraque e na Síria mas, também, e mais profundamente, pelos nossos seculares princípios universais de liberdade, laicidade e emancipação, de que os terroristas jiadistas tem pavor. A ameaça torna-se ainda maior pelo


facto dos grupos jiadistas procurarem recrutar uma parte dos seus activistas dentro das sociedades que têm por alvo. Este perigo tem nome: é a radicalização islamista que apoia e exalta o terrorismo do qual é, muitas vezes, a antecâmara. A resposta a este fenómeno, que pode prolongar-se durante uma geração, tem de ser global. Ela não pode ser desviada do contexto internacional. A mobilização internacional para erradicar a barbárie na origem, quer dizer, combater militarmente o Daech no Iraque e na Síria é necessária, mas não é suficiente. Todos sabemos que temos de encontrar uma solução política para o conflito sírio, não só por este ter feito centenas de milhares de mortos e milhões de refugiados desde 2011 mas, também, por ter permitido ao Daech instalar-se no país transformando-o num centro de formação e de expansão do terrorismo islâmico. Esta luta contra o terrorismo, para ser eficaz, tem de ser fundada também na entreajuda e cooperação internacionais, em particular europeias. Neste sentido, já se registaram inúmeros progressos, como a troca de dados sobre passageiros aéreos, adoptada pelo Parlamento Europeu, ou uma maior cooperação entre os nossos serviços de polícia e de informação. Mas esta também tem de ser uma luta interna contra uma ideologia funesta que atrai e corrompe algumas mentes mesmo dentro das nossas sociedades. Para isso, além das acções a curto prazo, é necessário estarmos em condições de propor um futuro, um projecto de sociedade viável e atractivo para a juventude europeia. 5. É possível a UE caminhar para uma maior e mais profunda integração? Ou os Estados-Membros ainda estão mais ligados aos seus interesses e objectivos nacionais do que aos interesses e objectivos comuns

Através de referendo, os Britânicos decidiram sair da União Europeia. É uma escolha penosa, que nós lamentamos profundamente, para o Reino Unido e para a Europa. Mas é a escolha deles e temos de o respeitar, tirando daí todas as consequências. A França continuará a trabalhar com este país amigo, as nossas estreitas relações serão preservadas. O voto dos Britânicos submete gravemente a Europa à prova. A Europa terá de mostrar nestas circunstâncias a sua solidez e a sua força, dando as respostas necessárias para controlar os riscos económicos e financeiros da saída do Reino Unido. Já foram tomadas medidas e confio na sua eficácia. Mas como salientou o Presidente François Hollande, a decisão Britânica também requer que se tome consciência das insuficiências do funcionamento da Europa e da perda de confiança dos povos no projecto que ela representa. A Europa, para avançar, já não pode fazer como dantes. Os povos esperam que a União Europeia reafirme os seus valores de liberdade, de tolerância e de paz. A Europa tem, pois, de ser uma potência que decide soberanamente o seu destino e que reivindica o seu modelo. A França estará entre os primeiros para que a Europa se concentre no essencial: a segurança e a defesa do nosso continente para proteger as nossas fronteiras e para preservar a paz face às ameaças; o investimento para o crescimento e para o emprego para implementar políticas industriais nos domínios das novas tecnologias e da transição energética; a harmonização fiscal e social para proporcionar regras à nossa economia e garantias aos nossos cidadãos; e ainda o reforço da zona euro e da governança democrática. A França tem uma responsabilidade especial por se situar no centro da União Europeia, que ela desejou e que ela construiu e porque é o passo que pode envolver os outros na caminhada e que garante o futuro do nosso continente.

do bloco regional? Pág. 31 | PACTA



CRONOLOGIA

FEVEREIRO

1 FEV

WHO declares Zika virus global health emergency. (Aljazeera)

Thousands of Hungarians protested on Wednesday against reforms of the education system by Prime Minister Viktor Orban’s center-right government that they consider oppressive and heavy-handed.

3 FEV

REUTERS/Laszlo Balogh

3 FEV

New pact promises to reshape Asia-Pacific free trade. (Aljazeera)

6 FEV

Pope and Russian Orthodox leader to hold historic encounter in Cuba. (The Washington Post)

13 FEV

Turquia começa a bombardear curdos na Síria. (Público)

20 FEV

Ilhas Fiji atingidas pelo pior tufão de sempre. (Público)

20 FEV David Cameron obteve uma vitória política na cimeira europeia com o acordo sobre o novo enquadramento do Reino Unido e tem agora uma data para a confirmar, ou não, através de referendo. O dia marcado é 23 de Junho. REUTERS/Dylan Martinez Pág. 33 | PACTA


23 FEV

Com OE 2016 aprovado, a esquerda já sonha com o próximo Orçamento. (Público)

23 FEV

Goldman Sachs diz que o Brasil caminha para a falência a médio prazo. (Diário de Notícias)

24 FEV

Italy close to landmark vote in favour of samesex civil unions. (The Guardian)

27 FEV

24 FEV

EU reforms cannot be reversed, Donald Tusk says. (BBC News)

Thousands of Russians marched through Moscow to honor slain Kremlin critic Boris Nemtsov on Saturday, the first anniversary of his death, and to press their demand that the authorities find and punish the person who ordered his killing. REUTERS/Sergei Karpukhin

28 FEV

Turquia: Erdogan “não respeita” decisão do Tribunal Constitucional de libertar jornalistas. (Euronews )

5 MAR A worsening economy has many Russians feeling nostalgic for the Soviet days of old. Recent polls suggest half of all Russians still think they were actually better off under the Soviet system. REUTERS Pág. 34 | PACTA


CRONOLOGIA

MARÇO

7 MAR “O Papa Francisco referiu-se à actual vaga de migrantes e refugiados que chegam a território europeu como uma nova “invasão árabe”. CHRISTIAN HARTMANN / AFP

7 MAR

El FMI apuesta por incorporar más mujeres al trabajo para relanzar el crecimiento europeo. (El País)

7 MAR

Coreia do Norte ameaça lançar “ataque nuclear preventivo”. (Público)

8 MAR

Juncker diz que Marcelo é “o homem certo no local certo”. (Diário de Notícias)

14 MAR

Millions in Brazil demand President Rouseff’s impeachment. (Euronews)

10 MAR “Migrants gather as they try to get products from a truck, at a makeshift camp on the Greek-Macedonian border near the village of Idomeni, Greece”. REUTERS/Stoyan Nenov Pág. 35 | PACTA


15 MAR

Berlusconi afirma que maternidade e cargos políticos são tarefas incompatíveis. (Diário de Notícias)

21 MAR

MpD obtém maioria absoluta em Cabo Verde. (Público)

21 MAR

Tribunal Penal Internacional condena Jean-Pierre Bemba por crimes de guerra na República centro-Africana. (Euronews)

23 MAR

“Manuel Valls: “A Europa fechou os olhos á radicalização islâmica””. (Euronews)

28 MAR “Os 17 activistas angolanos que foram considerados culpados dos crimes de “actos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores” foram condenados esta segunda-feira a penas que variam entre os dois e os oito anos de prisão” . Miguel Manso

26 MAR

Grécia começa a retirar refugiados e migrantes da “miséria humana” de Idomeni. (Público)

26 MAR

Coreia do Norte ameaça Washington com ataque nuclear. (Diário de Notícias)

3 ABR Num campo de refugiados na fronteira entre a Grécia e a Macedónia, uma criança mostra as cores da bandeira alemã pintadas no peito, num apelo a Berlim. Marko Djurica/REUTERS Pág. 36 | PACTA


CRONOLOGIA

ABRIL

3 ABR

Panama Papers: Mossack Fonseca leak reveals elite’s tax havens . (BBC News)

6 ABR

Angola pede assistência financeira ao FMI. (Público)

9 ABR

Cuba se resiste a la apertura económica por miedo al mercado. (El País)

11 ABR

Três presidentes depois, Brasil entra em contagem decrescente para um Impeachment. (Público)

12 ABR Boko Haram utiliza cada vez mais crianças em ataques suicidas: Num relatório divulgado pela agência das Nações Unidas para a protecção da infância é referido que, em 2014, o grupo extremista nigeriano utilizou quatro crianças nestes atentados, enquanto em 2015 o número aumentou onze vezes, subindo para um total de 44 ataques suicidas levados a cabo por crianças. Destas, 75% eram raparigas. AFP PHOTO/UNICEF

12 ABR

IMF warns ‘Brexit’ could do ‘severe damage’ to global economy. (Euronews)

16 ABR

Al Qaeda se extiende en África ocidental apoyada en el cantera subsahariana. (El País)

19 ABR

Portugal precisa de “segunda onda de reformas estruturais”. (Diário de Notícias)

22 ABR

Nations ink historic Paris climate deal. (BBC News)

Pág. 37 | PACTA


16 ABR Impeachment ou não, o futuro do Governo Dilma é uma incerteza. Evaristo Sá/AFP

24 ABR

Death toll in Ecuador earthquake nears 650. (Aljazeera)

4 MAI

Israel debate entrega de corpos de palestinianos às famílias. (Euronews)

7 MAI

Canadá: Incêndio gigantesco consome duas mil habitações e provoca 80 mil deslocados. (Euronews)

10 MAI

Ban Ki-moon em Portugal com Guterres na agenda. (Público)

17 MAI O secretário-geral da ONU quis ouvir os universitários sírios que estudam em Portugal e esta quinta-feira eles vieram de todo o país falar com ele. Pediram-lhe que apoie a Plataforma Global de Assistência a Estudantes Sírios, lançada por Jorge Sampaio em 2013, para que outros tenham a oportunidade de acabar os seus estudos, como eles; lembraram as crianças que vivem em campos de refugiados e todos, sem excepção, disseram querer voltar à Síria. Rui Gaudêncio Pág. 38 | PACTA


CRONOLOGIA

MAIO

17 MAI

Angry streets, not recall, may be Venezuela leader’s biggest risk. (Reuters)

21 MAI

Yemeni government agrees to rejoin Kuwait peace talks. (Aljazeera)

25 MAI

Pena de morte e castração química para pedófilos. (Diário de Notícias)

26 MAI

US election: Trump wins enough delegates for Republican nomination. (BBC News)

25 MAI Migrants are seen on a capsizing boat before a rescue operation by Italian navy ships “Bettica” and “Bergamini” (unseen) off the coast of Libya in this handout picture released by the Italian Marina Militare. Marina Militare/Handout via REUTERS

1 JUN -”Local residents fight to collect free drinking water from municipal corporation tanker on a hot summer day on the outskirts of Ahmedabad, India. REUTERS/Amit Dave Pág. 39 | PACTA


CRONOLOGIA

JUNHO

1 JUN

OCDE alerta para ondas de choque a nível mundial no caso de um “Brexit”. (Euronews)

1 JUN

Poland gets official warning from EU over constitutional court changes. (The Guardian)

4 JUN

China declara que não vai aceitar decisão do Tribunal de Haia em disputa com Filipinas. (Euronews)

11 JUN

El Brexit amenaza el estatus de Gibraltar. (El País)

4 JUN U.S. Secretary of State John Kerry hailed Mongolia as an “oasis of democracy” sitting in a tough location between Russia and China as he made a rare visit by a cabinet-level U.S. official. REUTERS, Saul Loeb, Pool

11 JUN

Chefe da Al-Qaeda promete lealdade ao novo chefe dos talibãs. (Diário de Notícias)

Pág. 40 | PACTA

13 JUN

Syria civil war: 224 killed in first week of Ramadan. (Aljazeera)

13 JUN

Hungria aprova nova lei para deter e expulsar refugiados. (Público)

13 JUN

NATO vai deslocar batalhões para países do Báltico e Polónia. (Observador)


15 JUN

20 JUN

21 JUN

21 JUN

Ciberespaço: O novo teatro de guerra da NATO. (Euronews)

Donald Tusk diz que Portugal está no caminho orçamental certo. (Diário de Notícias)

Jordan declares border with Syria ‘military zone’. (Aljazeera)

EU agrees extending Russia economic sanctions, formal decision pending: sources. (Reuters)

21 JUN

22 JUN

22 JUN

24 JUN

Bemba condenado a 18 anos de prisão pelo Tribunal Penal Internacional . (Diário de Notícias)

Colombia and Farc rebels reach agreement on bilateral ceasefire. (BBC News)

Nato chief says UK staying in the EU is key to fighting terrorism. (The Guardian)

Ban Ki-moon espera que UE continue um “parceiro sólido” da ONU. (Diário de Notícias)

25 JUN

25 JUN

26 JUN

27 JUN

China cuts communication channel with Taiwan. (Aljazeera)

Escocia pone sobre la mesa un nuevo referéndum de independencia. (El País)

Israel e Turquia anunciam normalização de relações diplomáticas. (Euronews)

EU leaders reject informal talks with UK . (BBC News)

24 JUN Reino Unido decide deixar a União Europeia em referendo: ‘23 de junho é nosso dia da independência’, diz líder da Brexit. G1 Pág. 41 | PACTA


Experiência

Erasmus em Madrid

Gabriel Machado Licenciado em Relações Internacionais no ISCSP-UL

Cheguei a Madrid logo nas primeiras semanas de Janeiro. Lembro-me de acabar um exame em Lisboa e nessa mesma madrugada seguir para o Porto e embarcar com destino a “Barajas”. Nunca tinha estado na capital espanhola e a verdade é que julgava que não ia sentir grande diferença com Portugal. Enganei-me e bem, senti uma grande diferença. E esta diferença sentiu-se em vários aspectos, desde a quantidade de pessoas, a dimensão da cidade, a rede de metro e de transportes públicos em geral e, claro está, o sistema de ensino. Como cheguei a Madrid num fim de semana, aproveitei esses dias para conhecer o bairro Pág. 42 | PACTA

onde iria viver durante os quatro meses seguintes: Vicálvaro. Vicálvaro era um bairro com forte presença latino-americana, então era bastante comum encontrar lojas com produtos da america latina. Ao mesmo tempo, era neste mesmo bairro que se situava o “Campus Madrid” (outrora Campus Vicálvaro) da Universidad Rey Juan Carlos. Foi nesse mesmo campus que vim a conhecer as pessoas que me iriam marcar de forma extraordinária e que me iriam acompanhar durante toda a minha estada. A verdade é que se conhecem imensas pessoas enquanto se faz Erasmus, mas o grupo com o qual se partilham mais momentos acaba por ser mais restrito. Foi fascinante conhecer mexicanos, norte-americanos, chineses, espanhóis e com o tempo ir percebendo pelos próprios, as respectivas culturas. No que diz respeito ao sistema de ensino, verifiquei que há grandes diferenças com o sistema de ensino que estava habituado. Para começar, o curso é lecionado em inglês – mesmo para os espanhóis – as unidades curriculares no curso de Relações Internacionais são mais variadas, focando outras áreas que nunca tinha estudado. A carga horária de cada unidade curricular é de 4 horas, divididas em duas aulas semanais, daí o ano lectivo ser dividido em “cuadrimes


tres” e não em semestres. Relativamente á vida da cidade, esta não se assemelha em nada com a capital portuguesa. Os espetáculos de rua animam a Plaza del Sol todas as noites, com diferentes atividades, a diversidade cultural é mais acentuada e isto tudo a par da grande dimensão da cidade. Um dos aspectos que gosto de realçar sempre que me perguntam sobre a minha experiêcia Erasmus é precisamente a questão da cultura Hip-Hop. Esta cidade apresenta um elevado número de bboys (breakdancers) e os mesmos não são vistos de lado pela sociedade, há estações de metro como “Nuevos Ministérios” ou “Chamartin” que são locais de treino diário. E a verdade é que as pessoas circulam pelas estações e não reclamam da música um bocado mais alta, das roupas um bocado mais largas nem do facto de um grupo de jovens estar a girar no chão – antes pelo contrário, gostam de ver.

As pessoas costumam dizer que quando vamos de Erasmus, voltamos pessoas diferentes e eu concordo. Não consigo apontar nenhum defeito a esta experiência e recomendo a todos os que tenham a possibilidade de a fazer.

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