A voz dos nossos alunos
“A Democracia é o governo do povo?” Por Pedro Henrique Aron Oliveira 3º Ano de Licenciatura em Relações Internacionais Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas
“D
emocracia” – Uma ideia que é aparentemente inata para a maioria das pessoas do mundo atual, um ideal a ser atingido e implantado onde não existe, a melhor forma de governo… Muito é dito sobre a Democracia, a sua essência e a sua expressão, e, antes de debruçar sobre o tema principal, mostra-se importante fazer uma análise da sua origem e no que consiste. A Democracia, etimologicamente, vem das expressões gregas Demos, significando “Povo”, e Kratos, que significa “Poder”. É, portanto, o “Poder do Povo”, o poder dos Cidadãos – ressaltando aqui a conceção ateniense de Cidadão, o que limitava o número desses e facilitava a sua ação direta, sendo da responsabilidade destes a dinamização política da Polis – mas aqui voltaremos em tempo. Ainda durante a Antiguidade Clássica, duas conceções sobre a Democracia surgiram: Platão caracteriza a Democracia como forma de poder enquanto o degenerar do “governo dos guerreiros enriquecidos” em que acontece o amolecimento dos ricos e revolta dos pobres, com a multidão dominando e tomando conta do Pod-
er. Não é o governo ideal mas sim uma degeneração. Aristóteles, por sua vez, caracteriza como “Forma sã de Governo, o poder de muitos (povo), em favor de todos” sendo, em conjunto com a Oligarquia, o Governo ideal. Como referido anteriormente, durante a Antiguidade Clássica a única forma de Democracia existente era a “Democracia Direta”, em que os cidadãos exerciam diretamente o poder político em assembleias, o que era eficaz tendo em conta a divisão política dos territórios ser realizada em “Cidades-Estado”, sendo os cidadãos pouco numerosos e bem divididos. Porém, a partir do século XVIII, a forma mais comum de associação era o “Estado-Nação” ou Estado, o que veio alterar, em razão da necessidade, a Democracia Direta, dando lugar à Democracia Representativa que temos atualmente. Este novo tipo de democracia pressupõe a escolha de representantes entre os cidadãos, por via do sufrágio e segundo os mais diversos critérios, para governar ou dar voz aos seus interesses nos diversos ambientes em que se inserem: Parlamentos, Câmaras, Congressos, Cortes, Assembleias.
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No entanto, inicialmente essa representatividade não era completa. Por exemplo, o direito de participar nos sufrágios não foi desde logo garantido às mulheres. Atualmente, o maior questionamento sobre a eficácia da democracia enquanto governo do povo é baseado justamente nesta questão: Representatividade. As mulheres, após incansáveis lutas e protestos, conseguiram o direito de participar ativamente nos processos democráticos; Hoje em dia, o que existem são grupos minoritários que procuram ter voz nas diversas instituições democráticas, destes, o mais evidente é a comunidade LGBTQ+ que procura fazer valer os seus direitos através dos representantes nestas instituições. O seu sucesso ou insucesso levanta outro debate já antigo: Será o método da maioria realmente o mais eficaz para a decisão das mais diversas matérias? A decisão por maioria significa que a vontade popular é respeitada ou que apenas esta importa, ignorando a vontade das minorias existentes na sociedade? Este debate sobre a maioria é mais aprofundado quando acrescentamos outro fator importante: a abstenção. É legítimo dizer que a vontade da maioria foi respeitada, numa decisão tomada por maioria dos representantes eleitos por, por exemplo, 45% da população portuguesa no último sufrágio ? A própria existência de taxas tão altas de abstenção não é em si uma demonstração da PACTA ll 02
falha da democracia enquanto forma de governo “do Povo para o Povo”? Certo é que a abstenção permite a existência de maiorias absolutas defendendo apenas um lado, apenas determinados interesses em detrimento de outros. Pode-se encarar a existência de maiorias absolutas como um facilitador à tomada de decisões, como uma união do povo no sentido do que é defendido por esta maioria, mas na realidade não é mais do que a falta de interesse popular pelo sistema político. A Democracia também é questionada no âmbito supranacional, principalmente na questão da União Europeia. No seu funcionamento, a única instituição europeia que possui eleições diretas é o Parlamento Europeu, sendo que em todas as outras perde-se aos poucos o caráter democrático pois a sua constituição é nomeada, escolhida por uma elite decisora sem a necessidade de uma consulta popular. Além disso, a elaboração de propostas legislativas formais na União é feita quase exclusivamente pela ComissãoEuropeia – sendo a recolha de assinaturas sobre determinado tema de no mínimo 1 milhão de nacionais de pelo menos 7 Estados Membros diferentes a única outra forma de o fazer e mesmo esta passará posteriormente para a Comissão – que posteriormente as encaminha para o Parlamento Europeu e para o Conselho da União Europeia.
MAJDI MOHAMMED/AP PHOTO ©
Isto tudo vem tirar cada vez mais a escolha dos temas a legislar das mãos da população e a deixar nas mãos dos políticos em Bruxelas, o que é preocupante quando grande parte da legislação aplicada em Portugal, por exemplo, tem origem na UE. Por outro lado, poderá se afirmar que o simples fato dessa legislação ter sido aprovada no Parlamento Europeu, eleito diretamente pela população nacional, será uma expressão clara da democracia funcionando no plano supranacional. Ao redor do mundo, com movimentos sociais como a primavera árabe e com o Regime Change americano no Médio Oriente e na África em conjunto com o State-Building, a democracia tem vindo a ser alcançada e simultaneamente interferida, manipulada em função dos interesses de outros Estados. Neste contexto de Estados fragilizados, um Estado será tanto mais democrático quanto convier para a potência regional ou internacional que o apoie ou possua interesse na região.
Por fim, a democracia, em todos os planos, possui uma divisão entre o que a coloca como o tipo de governo último (como defendido por Fukuyama no Fim da História e do Último Homem) e o que aponta as suas diversas falhas, existindo possibilidade para uma possível emergência de um novo tipo de governo. No entanto, torna-se cada vez mais evidente a ilusão do poder residir no povo quando, na verdade, está nas elites políticas e nos lobbies diversos que as influenciam. PA
LARA, António de Sousa (2015), Ciência Política – Estudo da Ordem e da Subversão, Lisboa, ISCSP, 8ª edição; Seminário “Parlamento Brasileiro: História e Perspectivas”, promovido pelo projeto Câmara nos 500 Anos com o objetivo de contribuir para a análise da representação política brasileira. http://www2.camara.leg.br/a-camara/conheca/historia/historia/cdnos500anos/seminarios/semin1/index.html (consultado em 21/11/2017, às 22:40); Jornal online “Diário de Notícias”, https://www.dn.pt/lusa/interior/autarquicas-taxa-de-abstencao-entre-4003-e-48-indicam-projecoes-televisivas-8812132.html (consultado em 22/11/2017, às 02:20); Fundação Francisco Manuel dos Santos. 2017. Taxa de abstenção nas eleições para as Autarquias Locais. h t t p s : / / w w w. p o r d a t a . p t / P o r t u g a l / Ta x a + d e + a b s t e n % C 3 % A 7 % C 3 % A 3 o + n a s + e lei%C3%A7%C3%B5es+para+as+Autarquias+Locais-2210 (consultado em 22/11/2017, às 02:25).
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