Paper: "A Democracia é o governo do povo?"

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A voz dos nossos alunos

“A Democracia é o governo do povo?” Por João Francisco Lopes 2º Ano de Licenciatura em Relações Internacionais Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas

“Oh God, the terrible tyranny of the majority. We all have our harps to play. And it’s up to you to know with which ear you’ll listen.” -Ray Brandbury, Fahrenheit 451

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citação supramencionada abre o espectro do leitor para uma perspectiva da democracia, de facto, muito sui generis, detendo, no seu antro, níveis de análise distintos, uma vez que a realidade distópica, na qual se patenteia o culto da incultura e a primazia pela “pós-verdade”, sendo este o mundo vivencial de Fahrenheit 451, pode-se extrapolar alguns pontos-chave da obra para a realidade, claro, estando muito hiperbolizados no presente romance. Em primeiro lugar, o autor norte-americano, faz referência a um conceito chave de Alexis de Tocqueville – a tirania da maioria – colocando a tónica na análise de que o povo, na sua maioria – sendo que, para motivos de facilitação da menção do conceito de maioria, irei referir-me a “massas”, contudo sem algum sentido pejorativo –, rege a sociedade pelos interesses da maioria eleitoral em detrimento das minorias, i.e., sem tomar em conta os interesses destas últimas, tornando evidente uma comparação legítima a uma tirania, de facto (Mill, 1998: 8-9). Colocando em análise a agencialidade do indivíduo,

neste caso, representado pelo conjunto de “massa”. Em segundo lugar, torna-se vidente a analogia na qual é colocado no cerne da questão o facto de que todos nós – sublinha-se eleitores – possuímos uma opinião (“We all have our harps to play”), formada pela ideologia, por um enquadramento sociocultural, pelas diversas fases da socialização, o que irá, Ipso facto, conflituar as nossas decisões, podendo-se referir que as estruturas determinantes da sociedade, podendo-se mencionar os aparelhos ideológicos – religião, moda, media, escolas, entre outros – (Lara, 2015: 234), que influenciam o modo de pensar e de agir dos agentes sociais. Neste sentido, os eleitores detêm no seu poder de voto, a capacidade de “decidir” o sujeito no qual se revêm, ou, por outro sentido, no projecto político que lhes é mais caro (“And it’s up to you to know with which ear you’ll listen”), mas, concomitantemente, estes mesmos eleitores detêm uma parcialidade evidente, cada vez mais recorrente com o endurecimento do “tribalismo político” (Roberts, 2017) e com a “imposição” das diferentes estruturas preponderantes. Tornando evidente a tónica colocada no nível de análise da estrutura. A questão essencial e a pedra basilar do tema em questão – “A Democracia é o Governo do Povo?” – é, na minha perspectiva, subjacente às diversas dinâmicas conducentes de uma sociedade, tendo como génese as diferentes estruturas ideológicas, os vários aparelhos.

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Por conseguinte, serão as decisões de cada indivíduo realmente livres, ou, por outro lado, influenciadas pelas demais forças centrípetas de várias instituições, entidades e/ou indivíduos, colocando pressão sobre o pensamento do cidadão, sendo este o núcleo chave da procura de votos para um determinado projecto político democrático. Ipso facto, os decisores políticos ou os concorrentes para tal grau, ou de forma mais genérica, a classe política nacional e internacional, coloca no cerne do seu discurso, pensamentos, preocupações, princípios base, defendidos pelas massas de um modo universal, com o fim de congregar apoiantes, caíndo, por vezes, num completo desuso da retórica, muito baseada no “ethos” e no “pathos” (Hirsh, 2017: 2), de modo a procurar manipular as massas. Estas aferições intelectuais que são obtidas através do chamado “marketing político”, i.e., um conjunto de ferramentas utilizadas com o fim de “depurar” o pensamento popular e, num ponto subsequente, conseguir apelar a certas e determinadas ideias base das massas, como método de prossecução de interesses, utilizado pelos partidos “catch all parties” (Lara, 2015: 268) ou por outro tipo de instituições. Exemplo dessa forma de acção são os anúncios do Facebook e da Google (Kovach, 2017), presentes nos seus domínios cibernéticos, tão como o papel dos diferentes algoritmos des-

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tas “entidades” com o fim de promover e evidenciar assuntos e temas, os quais são mais visualizados ou “clicados” por cada indivíduo, numa clara consequência de criação de uma redoma ideológica e intelectual individual, que caso o indivíduo não detenha a vontade de a “quebrar” e de se libertar das “correntes” perpetuadas pelas estruturas do ciberespaço, procurando, pesquisando, fazendo por saber, adquirir conhecimento, tal não será concebido e, é este o ponto fulcral da minha análise, quando somos presenteados com essa “redoma” individual, estaremos voláteis a discursos populistas e fechados, cada vez mais radicalizados, nos nossos pensamentos, recrudescendo a não-discussão, a não-liberdade e, promovendo, o surgimento e a chegada ao poder de decisores políticos capazes de captar tais motivações massificadas (Sullivan, 2017). Os decisores políticos, eleitos pela maioria, serão estes motivados pela sua própria agenda individual e política, ou pela do “povo”? Preponderantemente, esses indivíduos detêm uma ideologia própria, um enquadramento necessário, logo, eles mesmos são agentes construtores e perpetuadores das estruturas que, por sua vez, irão influenciar as massas e que, por conseguinte, promoverão a continuidade e o endurecimento estrutural, num ciclo vicioso.


AFP ©

Então, voltando à questão inicial, será o povo o condutor do seu caminho político? Não, este povo apenas possui a ilusão que está no controle, o próprio procedimento democrático, no âmago presente, coloca em evidência a “tirania da maioria”, assim deixando de “fora”, por vezes, 49% restante do povo, tendo os outros 51% o poder de decisão do todo; a grande pressão colocado no eleitor por parte dos discursos populistas, pelos aparelhos ideológicos, pela sociedade em si – em respeito ao “politicamente correcto”, ou de forma mais provocativa, a “censura do politicamente correcto” – o cidadão comum será enviesado por um determinado caminho ideológico, com todas as características acima descritas, i.e., usufrui o seu poder de voto em prol da classe política, logo não detém uma agencialidade independente e, desta feita, as próprias instituições políticas inclusivas, representativas da democracia, como a liberdade de expressão sem filtro – exemplo disso será os discursos de ódio – , a possibilidade de procura pelo “edge” competitivo das empresas, para agregar mais consumidores e lhes dar mais bem-estar total, para que estes continuem a utilizar os seus serviços, tais como a Google e a Facebook dão azo a que todas estas instituições que já referi operem da forma como operam e, consequentemente cristalizam as “redomas ideológicas” e promovem a desinformação e a “ignorância motivada” (Resnick, 2017).

erbada que possibilita a “tirania da maioria” e a desinformação, não obstante, também promove o conhecimento e a discussão crítica, mas para tal é necessária vontade, em que muitas vezes, esta está encurralada pelo “politicamente correcto” ou pela “redoma ideológica” do “tribalismo político”. Então, alguns alicerces democráticos estão, cada vez mais, a minar o seu próprio fim – efectivar uma sociedade democrática –, e o sentimento de empoderamento do povo, colocando este subjugado ideologicamente, tão como pela maioria eleitoral, detendo um poder ilusório, na realidade que nos é apresentada hoje em dia. PA

HIRSCH, Thierry (2017). “Donald Trump’s Inaugural Speech – A Brief Rethorical Analysis” http://www. academia.edu/31228506/Donald_Trumps_Inaugural_Speech_-_A_Brief_Rhetorical_Analysis_T._ Hirsch_.pdf (20 de Novembro 2017). KOVACH, Steve (2017). “When it comes to political ads, it’s time for Facebook and Google to be held to the same standards as ABC and CBS (FB)” http://markets.businessinsider.com/news/stocks/why-political-ads-should-be-regulated-online-2017-9-1002908340 (20 de Novembro 2017). LARA, António de Sousa (2015). Ciência Política: Estudo da Ordem e da Subversão, 8.ª edição, Instituto Superior de Ciência Sociais e Políticas, Universidade Técnica de Lisboa, Colecção manuais pedagógicos. MILL, John Stuart (1998). On Liberty and Other Essays, ed. John Gray, Oxford, Oxford University Press. RESNICK, Brian (2017). ““Motivated ignorance” is ruining our political discourse – Talking with a political opponent is almost as unpleasant as getting a tooth pulled” https://www.vox.com/science-andhealth/2017/5/15/15585176/motivated-ignorance-politics-debate (22 de Novembro 2017). ROBERTS, David (2017). “Donald Trump and the rise of tribal epistemology – Journalism cannot be neutral toward a threat to the conditions that make it possible” https://www.vox.com/policy-and-politics/2017/3/22/14762030/donald-trump-tribal-epistemology (19 de Novembro 2017). SULLIVAN, Andrew (2017). “America Wasn’t Built for Humans – Tribalism was an urge our Founding Fathers assumed we could overcome. And so it has become our greatest vulnerability” http://nymag. com/daily/intelligencer/2017/09/can-democracy-survive-tribalism.html (22 de Novembro 2017).

Neste sentido, é a própria natureza democrática exac03 ll PACTA



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