PACTA
Mais que uma revista, uma janela para o mundo 17ªEdição- Janeiro 2018 A Erosão da Democracia
Democracia Globalização e Modelo Social
Os media e a sua influência sobre a opinião pública
Populismo Populismo Exclusivo vs. Inclusivo
Editorial É
com grande orgulho para a equipa da PACTA, que hoje apresentamos aos alunos de Relações Internacionais aquela que é já a 17ª Edição desta revista, cujos principais objetivos sempre corresponderam ao esclarecimento dos nossos alunos, assim como uma constante progressão informativa. A PACTA, enquanto revista cientifica de Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, trabalha todos os dias extra curricularmente, para que aos seus leitores cheguem notícias daqueles que são os quadros de discussão internacionais, na tentativa de diversificar e alargar os seus conhecimentos. A 17ª Edição da PACTA tem como grande temática a “Erosão da Democracia”, o que levanta uma série de questões e em certos momentos prospeções daquilo que poderá vir a ser o fim da democracia liberal. Inúmeras ameaças àquele que é hoje por nós conhecido como Estado Social são estabelecidas, desde os efeitos da economia à pressão dos media. Mas é também importante ressalvar a necessidade de discutir a emergência de discursos de carácter populista e entender o motivo para que em pleno século XXI ainda prevaleçam atitudes de primazia de nações perante outras.
Como tal, esta edição conta com artigos que abordam a influência dos media naquela que é a opinião pública, sobre a globalização e o efeito da mesma sobre o Estado Social. Debruçamo-nos ainda sobre a questão dos Sindicalismos e o porquê da sua importância naquele que é o órgão de contestação dos trabalhadores. Destacamos a ainda recente temática do Terrorismo, que direta ou indiretamente influencia o modelo democrático. Sem esquecer a enfoque sobre a questões dos populismos e o caso particular da Turquia. O ultimo artigo corresponde à “voz” de um dos nossos alunos de Relações Internacionais que se debruça sobre o sentido da Democracia. Apresentamos ainda aos nossos leitores um Cartoon assim como as já habituais cronologias. Da minha parte, enquanto Coordenadora da PACTA, resta-me agradecer aos professores que despenderam tempo das suas agendas para colaborarem connosco. A toda a equipa que comigo embarcou neste projeto, assim como ao restante Núcleo de Estudantes de Relações Internacionais, quero principalmente fazer chegar uma palavra de gratidão por acreditarem nas capacidades desta equipa e continuarmos a fazer chegar aos nossos alunos novas oportunidades, novos desafios, e acima de tudo, por continuarmos a ser “Mais que uma revista, uma janela para o mundo”.
No momento em que urgem temáticas como o Aquecimento Global seguido de eminências de Guerra Nucleares, é deveras importante para os alunos de Relações Internacionais, como para os restantes leitores interessados nas mesmas, reconhecerem o peso que apresenta a democracia nas contas finais.
Sara Teixeira Coordenadora de PACTA
Equipa Bárbara Margarida Antunes Marques nº219622 Daniela da Silva Martins nº219867 Francisco Manuel Managil Cabral nº219852 Gonçalo Marques Vidal Falcão Matos nº221663 Gustavo Nuno Simões Raposo de Carvalho nº222036 João Pedro Eixa nº221355 Rita Reis Gonçalves nº221677 Ruben Mário Duarte Abrantes nº219888 Sara Catarina Nóbrega Teixeira nº219823 Vitor Hugo Gonçalves nº219870 Xiang Zhou nº219834
Contactos ri.pelouro.investiga@gmail.com https://issuu.com/pacta https://www.facebook.com/PACTARI/ https://soundcloud.com/user-684824092
Design Editorial Sara Teixeira
Índice 01/
Os media e a sua influência sobre a opinião pública
03/
Globalização e Modelo Social
05/
Dos Sindicatos na Democracia
09/
Populismo Exclusivo vs. Inclusivo
13/
Terrorismo: Uma Ameaça Global
17/
A face eclipsada do Crescente
19/
A Democracia ĂŠ o governo do povo?
22/
Cartoon
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Cronologia
Media Medium ©
Os media e a sua influência sobre a opinião pública
Maria João Militão Ferreira Professora Auxiliar no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Universidade de Lisboa
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relação entre os media e a democracia é complexa e contestada (Müller, 2014). Os efeitos do que Larry Diamond (2010) designa como tecnologias de libertação fazem-se sentir, de forma diferenciada, em vários tipos de regimes políticos, nomeadamente, os regimes autoritários, as democracias eleitorais, os regimes em transição para a democracia e ainda os regimes democráticos liberais. Paradoxalmente, se é consensual os efeitos potencialmente benéficos que tais tecnologias de libertação, e na condição de manterem um estatuto de independência em relação ao aparelho de poder, podem assumir nos casos dos regimes autoritários, das democracias eleitorais e dos regimes em transição para a democracia (Diamond, 2010), é no caso das democracias liberais que a relação entre media e democracia se torna mais complexa (Müller, 2014). Certos autores, entre os quais Diamond (2010), salientam o facto dos media, nas democracias liberais, e apesar das limitações à liberdade de informação que ocorre em praticamente todas as democracias maduras (ver Freedom House, 2017), serem fontes de responsabilização vertical não eleitoral e de responsabilização horizontal do exercício do poder político, através da produção e da mobilização da informação e do reforço do “empenhamento cívico” (Müller, 2014: para. 4). Todavia, segundo Müller (2014: para. 3), e apesar do estudo das funções democráticas dos media ser ainda uma área academicamente pouco explorada, o facto dos media, nas democracias maduras operarem segundo princípios da economia de mercado leva-os a descurarem os seus deveres para com o fortalecimento dos sistemas democráticos (Müller, 2014). Na perspetiva de Müller (2014:para. 6), tais deveres são, fundamentalmente, a “disseminação de informação politicamente relevante para os cidadãos” e a “disponibilização” de um “fórum público” que “espelhe” a diversidade existente numa sociedade.
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As funções democráticas dos media devem ser compreendidas tendo em conta, não só os fatores domésticos que caraterizam cada comunidade política, como também os fatores internacionais, designadamente a natureza do sistema internacional (Der Derian, 2011). James Der Derian (2011), um dos mais influentes pensadores internacionais defende que o sistema internacional deve ser caracterizado como heteropolar, ou seja, como um sistema em que diferentes sujeitos internacionais “operam numa matriz complexa” que prefigura a capacidade de “sujeitos super-empoderados” em utilizar a reticulação internacional para “multiplicarem os seus impactos”. Neste sentido, vários sujeitos com capacidade de agência internacional contribuem para o que Der Derian (2003) designa como “balcanização da verdade”, ou seja, a fragmentação e multiplicação das narrativas internacionais cuja principal função é legitimar e justificar as práticas internacionais e definir a(s) verdade(s) na arena global. Falar da formação da verdade nas sociedades contemporâneas e de como tal formação associa os media ao exercício da política doméstica e, sobretudo, da política internacional obriga a recordar o pensamento Foucauldiano e toda a literatura que se debruça sobre quem decide o que é real e o que é legítimo no plano internacional e sobre como os media influenciam a formação da consciência individual e coletiva sobre questões internacionais através de práticas discursivas e visuais (Foucault, 1999; Santos, 2010; Entman, 1993). Neste contexto, a relação entre opinião pública, media e aparelho de poder torna-se crucial (Der Derian, 2001), designadamente, se pensarmos nos processos de formação e reificação das grandes visões civilizacionais sobre as relações culturais internacionais (Saïd, 1997).
hedgeuganda.com
É, neste contexto, que a agência dos media nas relações internacionais, e a sua relação, quer com a agenda da opinião pública quer com a agenda do aparelho político deve ser considerada como eminentemente normativa (Entman, 1993), influenciando a forma como os sujeitos internacionais, governamentais, intergovernamentais e não-governamentais, desenvolvem aquilo a que João Gomes Cravinho (2002) designa como “hegemonia normativa”. Tal agência normativa dos media é empoderada pelas novas tecnologias da informação e da comunicação, designadamente pela tecnologia digital, que permitem facilitar a produção de obras cinematográficas documentais que, como Carr (2006) argumentou, difundem narrativas políticas profundas com potenciais efeitos ao nível da resistência às formas de hegemonia política e económica: Todavia, a mesma tecnologia digital está na base da crescente criação de um diferencial a realidade e a sua perceção (Morris, 2011). Tal diferencial complexifica a relação entre os media e a opinião pública, dado que transforma os indivíduos em agentes ativos da definição do real (Morris, 2011). Nas palavras de Morris (2011): “[o]lhar para o mundo deixou de ser um ato de fé para passar a ser um ato de vontade”. PA
em http://www.nytimes.com/2006/06/19/business/media/19carr.html.Consultado a 20 de Dezembro de 2016. Cravinho, J. (2002). Visões do Mundo: a disciplina de Relações Internacionais e o mundo contemporâneo. Lisboa: Imprensa das Ciências Sociais. Diamond, L. (2010). Liberation Technology. Journal of Democracy, 21. Der Derian, J. (2001). Virtuous War. Mapping the Military-Industrial-Media Network. Colorado: Westview Press. Der Derian, J. (2003). War as Game. The Brown Journal of World Affairs. Disponível em http://teaching. thenoiseofthestreet.net/dms259fall12/wp-content/uploads/2012/09/WAR_AS_GAME.pdf. Consultado a 10 de Julho de 2015. Der Derian, J. (2011). Security in an Age of Heteropolarity. Conference Procedings. Yerevan, Armenia, 1718 November, 2011. Disponível em https://securecaucasus.files.wordpress.com/2012/04/james-derderyan. pdf. Consultado a 20 de Dezembro de 2016. dos Santos, J. (2010). The Evolution of Media. Global Media Project, Brown University, 17 de Fevereiro de 2010. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=TZl2tqilxEg. Consultado a 20 de Dezembro de 2016. Entman, R. (1993). Framing: Towards Clarification of a Fractured Paradigm. Journal of Communication, 43, 4. Foucault, M (1999). Em defesa da sociedade. São Paulo: Editora Martins Fontes Freedom House, (2017). Europe. Disponível em https://freedomhouse.org/regions/europe. Consultado a 20 de Novembro de 2017. Morris, E. (2011). Believing is Seeing: Observations on the Mysteries of Photography. Nova York: Penguim Press, 2011. Müller, L. (2014). The impact of the mass media on the quality of democracy within a state remains a much-overlooked area of study. LSE. EuroCrisis in the Press. Disponível em http://blogs.lse.ac.uk/eurocrisispress/2014/12/10/the-impact-of-the-mass-media-on-the-quality-of-democracy-within-a-state-remains-amuch-overlooked-area-of-study/. Consultado a 27 de Novembro de 2017. Saïd, E. (1997). Covering Islam: How the Media and the Experts Determine How we See the Rest of the World. New York: Vintage Books.
Carr, D. (2006). Cascading Inconvenient Truths. The New York Times, 19 de Junho de 2006. Disponível
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Economia
Globalização e Modelo Social: as Duas Faces de Janus Business summit africa ©
Carla Guapo Costa
Professora Associada no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Universidade de Lisboa
“There has never been a time of greater promise, or one of greater potential peril.” -Klaus Schwab, CEO World Economic Forum.
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ma das palavras mais utilizadas no mundo inteiro, na sociedade actual, é a globalização, ou, dependendo do contexto, uma sociedade ou economia globalizadas. No entanto, por muito que a utilizemos, raras vezes pensamos no seu verdadeiro significado, ou nas implicações que a globalização acarretou para a vida quotidiana e para o delinear das tendências evolutivas das sociedades contemporâneas. E, da mesma forma, não conseguimos encontrar um consenso sobre os benefícios e os aspectos menos positivos do processo de globalização. Para os economistas, nomeadamente os que sentem mais afinidades com o modelo de supply side economics, ou economia mainstream, os benefícios da globalização (no seu sentido mais radical) são indiscutíveis: o desaparecimento progressivo de barreias à livre circulação de mercadorias, serviços e factores de produção vai traduzir-se em ganhos de eficiência significativos, à medida que a produtividade e a remuneração do capital e do trabalho são induzidas pela afectação aos sectores e regiões mais capacitados, que exercem uma maior atracção. Da mesma forma, os custos de transacção, ou custos de funcionamento do sistema económico, são claramente minimizados, à medida que se restringem fortemente os desvarios intervencionistas dos poderes públicos à dosagem necessária ao eficiente funcionamento dos ‘mercados’, e se recomendam enfaticamente políticas económicas de cariz
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disciplinador (principalmente nos domínios monetário, comercial, orçamental e fiscal, de cariz conjuntural), visando a criação de ambientes institucionais que reforcem a competitividade e a atracção de investimento, ancorados, por sua vez, numa vasta panóplia de reformas estruturais de âmbito microeconómico. E a evidência histórica, suportada pelos dados crus dos economistas, aí está para confirmar os pressupostos do mainstream: embora cada vez mais volátil, a economia mundial prossegue um ritmo de crescimento modesto mas continuado, suportado maioritariamente pelas grandes economias emergentes, em detrimento do passo lento das potências tradicionais; a participação intensa nas relações económicas internacionais, principalmente pela via do comércio e do investimento, por parte da China e da Índia (para citar apenas os mais mediáticos) fez sair, estatisticamente, da pobreza muitos milhões de pessoas, melhorando as condições materiais de muitas outras. Os denominados ‘drivers’ da competitividade, disseminados evangelicamente pelas organizações internacionais, ajudaram a desenvolver sistemas de educação, saúde e investigação científica e governação (a denominada qualidade das instituições) em países fracamente dotados dessas soft skills, ao mesmo tempo que se prosseguia, a nível mundial, à (re)construção de todos os tipos de infraestruturas físicas, destinadas a promover uma melhor circulação de mercadorias, energia, commodities, pessoas (trabalho) e, também, capital e informação, alavancados na redução dos custos de transporte e de comunicação em resultado da inovação tecnológica. A globalização impunha-se no mundo inteiro, disciplinando os mais relutantes, com a evidência do seu impacto na eficiência e no crescimento económico, em várias regiões do mundo.
No entanto, progressivamente, algumas das suas premissas têm vindo a ser postas em causa. Uma das críticas mais acesas passa pelo papel da globalização, e das forças políticas e económicas a ela associadas, na erosão crescente do modelo social, e, consequentemente, no descontentamento das populações, em países desenvolvidos e em desenvolvimento, na ascensão dos populismos e radicalismos e na fragilização da própria democracia. Os anos mais recentes têm sido férteis nessas manifestações, em todos os pontos do globo, em todo o tipo de sociedade: desde a América do Norte, ao âmago da integração europeia, passando por varias partes do continente africano e sub-continente sul-americano, e acabando na Europa Central e na Ásia, são numerosos os exemplos de como a insatisfação e desânimo crescentes com a evolução do modelo social que suporta a globalização se traduz em radicalismos cada vez mais violentos. O que tem causado, então, a erosão desse modelo social e como evita-lo, ou, pelo menos, minimizar as suas consequências? Os relatórios de várias organizações internacionais fornecem algumas pistas: as desigualdades têm vindo a aumentar, de forma persistente, entre países e, principalmente, entre grupos socioeconómicos no seio de cada país, com destaque para as economias em desenvolvimento. Em quase todos os países, em todos os continentes, a fatia da riqueza gerada que é apropriada por uma fracção diminuta da população (menos de 1% em muitos casos) é cada vez maior, gerando o descontentamento e a frustração dos restantes. Naturalmente, nenhuma sociedade ou projecto estruturante pode prosperar se os seus membros não partilham dos benefícios gerados pelo modelo seleccionado. E, neste contexto, proliferam os radicalismos, a falta de respeito e de tolerância pela diferença, a confiança nas Instituições, a ausência do cosmopolitismo, vital para o progresso da Humanidade. Tal como em tantos outros exemplos, o desconhecimento, ou desvalorização, da evolução histórica, tem sido nefasto para o
progresso das sociedades: a experiência do regime do Gold Standard, no final do século XIX, pautado pela eficiência económica e pela devastação social; a sucessão de crises financeiras que tem assolado a economia mundial; a contínua desvalorização da actuação dos poderes públicos face aos interesses específicos das empresas transnacionais e à lógica especulativa do capital financeiro (atente-se, a título de exemplo, no papel desempenhado pelas agências de rating na antecâmara da última crise financeira, ao atribuírem a classificação máxima a instituições que viriam a falir, ou a resgatadas pelos contribuintes, em seis meses); a ausência de regulação dos factores que provocam maior instabilidade nas relações económicas internacionais; a falta de transparência na actuação de algumas das principais organizações internacionais encarregues, estatutariamente, de zelar pelo multilateralismo e pela abertura comercial; o avanço inelutável da inovação tecnológica, patente nos dilemas societais, éticos e morais que se avizinham com a 4ª Revolução Industrial; entre muitos outros. Todos estes factores, sobejamente conhecidos, têm-se traduzido na erosão dos pilares do que denominamos modelo social, no contrato que, ao longo dos séculos, se tentou estabelecer e respeitar entre as ideologias políticas e crenças religiosas, as instituições, as forças do progresso e do desenvolvimento, e os cidadãos a quem devem, em primeira instância, beneficiar. E a prossecução dessa erosão (in)sustentada não augura um desfecho satisfatório, nomeadamente para os regimes democráticos e para a ordem liberal, social e económica, que, desde que devidamente contextualizados e regulamentados, já demonstraram ser os sistemas mais adequados ao progresso social, técnico e humano. Definir e estabelecer limites às forças mais radicais da globalização, a denominada hiperglobalizaçção, como refere Dani Rodrik, será a única forma de estancar a erosão do modelo e assegurar a continuidade do projecto, tendo sempre presente que eficiência e solidariedade constituem as duas faces de uma mesma moeda: a do progresso humano e social. PA
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Sindicatos
Dos Sindicatos na Democracia CGTP ©
José Luís Jacinto Professor Associado no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Universidade de Lisboa
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m dos pilares do Estado social assenta no reconhecimento formal do papel dos sindicatos. Em consequência, estas associações de trabalhadores para a defesa dos seus interesses socioprofissionais assumem duas dimensões essenciais, a laboral e a política. A dimensão laboral remete para a capacidade de representar os trabalhadores em processos de negociação coletiva e de os liderar em processos de luta coletiva. A dimensão política remete para fórmulas neocorporativas, que admitem a intervenção sindical na formação da vontade política, através da concertação social e da consequente influência na formação da legislação laboral. Neste quadro, os sindicatos evoluíram no sentido de assumir o papel de parceiros sociais, passando de uma lógica revolucionária para uma lógica reformista. Um dos primeiros a analisar essa evolução, foi um alemão, o filósofo social Götz Briefs, o qual propôs a distinção entre sindicatos clássicos e sindicatos consolidados. Os primeiros pretendem estar ao serviço de uma ideologia revolucionária, apresentando-se como se estivessem situados no exterior do sistema capitalista e como se fossem instrumentos para o derrubar. Os segundos assumem a sua integração no sistema, dotados de um estatuto jurídico próprio que lhes permite participar na formação da vontade política. São, por isso, agentes reformistas, que pretendem melhorar a sorte dos trabalhadores, estando, para tal, disponíveis para fórmulas permanentes de negociação.
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O milagre económico alemão do pós-guerra, e a sua consolidação no século XXI, tem muito que ver com estas formas de pacificação social que resultaram na participação dos trabalhadores, associados em sindicatos consolidados, no processo de reforma do capitalismo. Noutros países, os sindicatos têm alguma dificuldade em assumir a transformação da sua natureza. Apresentam, por isso, um elevado grau de ambiguidade discursiva. Fazem, por exemplo, questão de manter e repetir alusões às malfeitorias do capital, como que tentando fazer esquecer que se tornaram em estruturas burocráticas que, como prognosticou Max Weber, contribuíram decisivamente para compatibilizar o capitalismo com a democracia. Na verdade, a tendência reformista de todos os sindicatos tem a ver com algo de mais fundo do que os interesses burocráticos da instituição. Resulta, sobretudo, da vontade dos trabalhadores de ver melhorada a sua situação através da negociação, porque perceberam que, dentro do sistema capitalista, a disponibilidade para negociar resulta numa redistribuição da riqueza produzida que lhes pode ser mais favorável. É que os trabalhadores deixaram de ser proletários. Passaram a ser proprietários, a ter casa própria, automóvel, acesso a bens de consumo. Passaram, por isso, a ter algo que podem perder. A revolução já não os atrai.
Não obstante, os sindicatos clássicos de hoje, para continuar a usar a terminologia de Briefs, mesmo negociando, como que partem para as negociações convencidos da má-fé dos interlocutores patronais. E tentam convencer os trabalhadores de que toda a negociação é uma luta coletiva. No caso português, os sindicatos ligados à CGTP- Intersindical usam uma linguagem própria dos sindicatos clássicos. Nela, a greve ou a sua ameaça aparenta ser uma possibilidade sempre presente, mesmo que hoje se saiba que, ao menos no setor privado, é muito raro o recurso à greve. Ora, falar alto e pouco agir é sinal de fraqueza. Estará em crise o movimento sindical? A resposta só pode ser afirmativa. A progressiva perda de representatividade dos sindicatos é indiscutível. Os sinais de redução da filiação sindical são evidentes em todo o mundo e também entre nós, o que põe em causa a sua base de legitimação. No entanto, interessa a todos manter a ficção da representatividade sindical. Aos sindicatos, por razões óbvias, aos empregadores, para terem um interlocutor com o qual negociar a contratação coletiva, e ao Estado, para garantir o aval laboral às suas políticas públicas. Todos ganham se forem preservados os mecanismos instituídos de regulação social e de legitimação das decisões como forma de controlar conflitos e produzir ordem. Mas a realidade é mais forte do que a ficção. O caso da AutoEuropa é, entre nós, extremamente interessante. Esta empresa introduziu entre nós, no coração do setor da indústria metalúrgica, dominado sindicalmente pela grande federação que é a FIEQUIMETAL, pilar industrial da CGTP, uma empresa
desmedida, suportada politicamente pelo Estado, que recusou um papel aos sindicatos e resolveu o problema da regulamentação coletiva de modo original, escolhendo como interlocutor a comissão de trabalhadores. Com esta foi sempre possível estabelecer um entendimento à maneira dos alcançados na Alemanha na indústria pesada entre os empregadores e os sindicatos consolidados alemães, com base na negociação de empresa que sempre foi vista de viés pelos sindicatos portugueses. A tendência para a negociação de empresa é uma caraterística dos países capitalistas mais desenvolvidos, porque permite a aplicação de regras negociadas adaptadas às necessidades de cada empresa, assim otimizando a gestão de recursos humanos. A entrega de capacidade de representação às comissões de trabalhadores, eliminando o monopólio dos sindicatos, promove esse tipo de negociação mas constitui, indiscutivelmente, uma machadada no movimento sindical. Não só demonstra que os sindicatos não são indispensáveis, como revela que melhores entendimentos podem ser promovidos ao nível exclusivo da empresa. O aproveitamento pela CGTP – Intersindical da atual situação política para intervir num bastião que não controlava revela a sua resolução de resistir a uma mudança que, a médio prazo, a condenava. Bastou-lhe conseguir o que nunca fora conseguido em mais de vinte anos: que a comissão de trabalhadores da AutoEuropa, depois de negociar um acordo com a administração da empresa, não alcançasse a sua aprovação em plenário, mediante votação pela maioria dos trabalhadores. E conseguiu que se realizasse a primeira greve na empresa.
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O passo seguinte ainda não foi dado. A substituição da comissão de trabalhadores pelos sindicatos do setor poderá conduzir a novos acordos e, eventualmente, até à celebração de um acordo de empresa. Na verdade, consultando o site da FIEQUIMETAL, constata-se que esta já celebrou alguns acordos de empresa. Se isso acontecer numa organização com a dimensão da AutoEuropa, será dado um passo muito positivo no domínio da negociação coletiva. Mais do que isso, será um indicador de mudança no movimento sindical português. No entanto, para já, os intervenientes sindicais não conseguiram abandonar a agressividade discursiva que, sintomaticamente, recorre em primeira linha à ameaça de greve. Eis um mau sinal, mesmo que não passe de mais uma manifestação da ambiguidade discursiva que assinalámos. A verdade é que o movimento sindical está em modo defensivo. O que explica esta situação? No “Manifesto do Partido Comunista”, Marx e Engels proclamavam: “Todos os movimentos até aqui foram movimentos de minorias ou no interesse de minorias. O movimento proletário é o movimento autónomo da maioria imensa no interesse da maioria imensa.” Esta ideia seminal de uma maioria imensa e, por isso, irresistível, supunha uma consciência de classe, uma identidade cultural e uma identidade de propósitos ou, ao menos, de interesses. É tudo o que hoje está em causa. O conflito central do sistema capitalista identificado através do binómio capital-trabalho não existe. O que existe são inúmeros conflitos identitários, inúmeras definições de “nós” e “eles”. Deste modo, porque as identidades de cada pessoa são múltiplas, as instituições representativas estão em crise. Estão em crise os sindicatos, os partidos, as associações de todo o tipo, até as igrejas tradicionais. Ora, o caráter inorgânico de tantos interesses e de tantas identidades torna a sociedade menos legível e mais complexa. Não obstante, os seres humanos continuam a ter a necessidade de sentir que pertencem a um grupo, de definir um “nós” e, para isso, de definir um “eles”, um exterior, um inimigo. É por isso
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que os tempos estão maduros para os hábeis criadores das grandes ficções, dos mitos agregadores e exclusivistas. São os manipuladores das paixões humanas que conseguem, através de um discurso simplista, identificar um bode expiatório. Todo o populismo funciona assim, propondo respostas simples para problemas complexos. Respostas simples que se apresentam providas da virtude salvífica que permite resolver de uma vez por todos o problema. Bastará, proclama o mestre da palavra, que construamos um muro e ficareis em paz para todo o sempre. Estas pulsões populistas são extremamente perigosas porque tendem a criar maiorias conjunturais dotadas de legitimidade democrática. Ora, a comunidade fica sempre ameaçada quando uma porção do seu organismo, mesmo que maioritária, pretende agir como se fosse o todo. Nos casos mais graves, estaremos no umbral da democracia como ditadura da maioria que tanto assustava Tocqueville, para quem: “A liberdade de associação tornou-se uma garantia necessária contra a tirania da maioria. Não há país onde as associações sejam mais necessárias, para impedir o despotismo dos partidos ou o arbítrio do príncipe, do que aquele onde o estado social é democrático. Nos países onde tais associações de algum modo existem não me apercebo de mais nenhum obstáculo a alguma espécie de tirania.” É por isso que as associações são tão importantes. É por isso que os sindicatos deveriam ser fortes. Depende também deles. PA
A obra de Götz Briefs que consultámos foi a tradução espanhola intitulada “El problema sindical ayer y hoy”, Ediciones Rialp, Madrid, 1957. A definição da estratégia de relações laborais da Autoeuropa é descrita em “A Autoeuropa: um modelo de produção pós-fordista”, de António Damasceno Correia, in Análise Social XXXV (156), 2000, pós. 739-779. A citação de Alexis de Tocqueville foi retirada da página 292 de “De la Démocratie en Amérique”, volume 1, Éditions Gallimard, Paris, 1997. Uma reflexão muito mais desenvolvida sobre este tema pode ser encontrada em “O Trabalho e as Relações Internacionais”, José Luís Jacinto, ISCSP, Lisboa, 2002, em especial do capítulo “O Estado e os parceiros sociais: perplexidades institucionais” (pág. 381).
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Populismo Exclusivo Vs. Inclusivo: Uma Dinstinção real ou fictícia? Marco Lisi Departamento de Estudos Políticos Faculdade de Ciências Sociais e Humana Universidade Nova de Lisboa
O
fenómeno do populismo tem vindo a ser cada vez debatido na literatura e na opinião pública. Apesar de o seu aparecimento não ser recente , o sucesso obtido por algumas forças populistas nos últimos anos e a emergência de novos tipos de populismos levaram vários observadores a caracterizar o século XXI como o ‘século do populismo’ , enquanto outros – como, por exemplo, Chantal Mouffe - argumentam que o mundo ocidental estaria a atravessar um ‘momento populista’ . Segundo a notória definição de Cas Mudde, o populismo é entendido como ‘uma ideologia de baixa intensidade que considera a sociedade como estando fundamentalmente separada em dois grupos homogéneos e antagónicos, a «população pura» e a «elite corrupta», e que argumenta que a política deve ser uma expressão da vontade popular do povo’. Na tentativa de compreender melhor este fenómeno, inúmeros estudos têm procurado analisar as causas, as características e as consequências do populismo. Este contributo foca-se num aspecto específico, nomeadamente a heterogeneidade interna do populismo e a coerência conceptual das categorias utilizadas para descrever diferentes experiências populistas. Num estudo recente , Mudde e Kaltwasser procuraram caracterizar dois tipos distintos de populismo: o populismo inclusivo e o populismo exclusivo. Esta breve reflexão procura examinar esta distinção e a sua utilidade prática, aplicando estes conceitos a alguns casos empíricos. Depois da apresentação dos conceitos, irei analisar as características de algumas forças políticas geralmente associadas ao ‘populismo inclusivo’. Finalmente, nas conclusões irei problematizar a distinção conceptual de Mudde e Kaltwasser.
Populismo inclusivo e exclusivo Na caracterização das diferentes formas de populismo, Mudde e Kaltwasser consideram as diferenças entre a experiência da América Latina e da Europa, evidenciando como nos dois con-
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textos o populismo assumiu traços muito distintos em três dimensões distintas. A primeira é a dimensão material e consiste na forma como são distribuídos os recursos na sociedade. Enquanto na Europa os partidos populistas têm proposto um estado social de tipo ‘chauvinista’ (welfare chauvinism) em que alguns grupos deveriam ser excluídos da protecção do Estado, na América Latina as forças (ou líderes) populistas têm recorrido a políticas sociais expansivas – por exemplo no sector da educação, habitação ou pensões – de forma a alargar os grupos beneficiados e reduzir as diferenças materiais entre os mais ricos e os mais pobres. A segunda dimensão da distinção entre populismo inclusivo e exclusivo baseia-se na dimensão política. Neste caso as diferenças relacionam-se com a participação e a contestação pública, um elemento fundamental da integração dos cidadãos no circuito da representação política. No caso do populismo inclusivo que tem emergido na América Latina, as forças populistas procuraram implementar uma democracia de tipo radical, com a introdução de novas formas de participação, como por exemplo a institucionalização de movimentos ou o reforço de associações cívicas (ex: associações de vizinhanças, cooperativas, etc.). Para além disso, procurou-se também revitalizar a democracia directa através do uso do referendo e outros instrumentos de intervenção popular, muitas vezes reforçando a componente plebiscitária (e illiberal) dos regimes presidenciais. No caso do populismo exclusivo, o objectivo principal não é diminuir a importância das eleições, mas aumentar a responsividade das elites. As forças populistas na Europa defendem sobretudo substituir as elites políticas do ‘sistema’ (establishment), dar voz à maioria silenciosa cujos interesses não são representados e abrir o sistema político ao contributo dos cidadãos. Por exemplo, uma das reformas defendidas é a revogação dos mandatos e o uso mais frequente dos referendos e outros instrumentos de consulta popular.
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Finalmente, a terceira dimensão que distingue os dois tipos de populismo baseia-se numa componente simbólica. Neste caso os autores consideram importante distinguir a fronteira entre os dois termos básicos do populismo, isto é, qual é a essência do ‘povo’ e da ‘elite’. O populismo inclusivo procura representar e incluir os grupos mais marginais, e utiliza a lógica amigo vs. inimigo para contrapor a maioria ‘sem voz’ à elite partidocrática, os representantes do ‘sistema’, muitas vezes associados a inimigos externos (por exemplo os Estados Unidos de América ou a União Europeia). Por outro lado, o populismo exclusivo define o povo com base nos traços identitários, identificando não tanto as características internas do ‘povo’ mas o inimigo externo, contrapondo o povo ‘genuíno’ aos grupos que deveriam ser excluídos (exemplo: minorias étnicas, grupos não nativos, etc.). Casos empíricos Até que ponto esta tipologia é útil para compreender o fenómeno do populismo nas sociedades contemporâneas? Enquanto o populismo inclusivo tem sido predominante na América Latina, na Europa este fenómeno tem sido associado tradicionalmente aos partidos de extrema-direita. No entanto, a crise económica e política tem fomentado a emergência de novas forças políticas populistas que procuraram diferenciar-se do consenso neo-liberal dos partidos centristas . Um dos elementos de novidade nos sistemas partidários europeus é a emergência de forças populistas de esquerda que procuraram adaptar a lógica populista à ideologia anti-capitalista, igualitária e altermundialista. Alguns exemplos desta nova ‘vaga’ do populismo de esquerda incluem o Podemos, o Movimento 5 Estrelas (M5S) e o SYRIZA. Uma análise mais detalhada dos fenómenos de populismo inclusivo da Europa do Sul evidencia a dificuldade de distinguir as duas
categorias de populismo elaboradas por Mudde e Kaltwasser, ao mesmo tempo que ressalta algumas diferenças importantes entre estas experiências. Se examinarmos os documentos e os discursos das forças populistas ‘inclusivas’ da Europa do Sul é fácil encontrar semelhanças sobretudo no que diz respeito à dimensão simbólica, nomeadamente na identificação do inimigo com base nos partidos tradicionais (ver os termos ‘a casta’, ‘a velha Grécia’, o ‘palácio’, etc.) e na Europa dos banqueiros, contrapondo os interesses dos povos do Sul aos interesses dos governos da Europa do Norte. Contudo, se analisarmos as outras dimensões utilizadas para diferenciar os dois tipos de populismo, a comparação entre os três casos aqui considerados aparece mais problemática. Nos programas eleitorais do SYRIZA não emerge uma visão articulada e sistemática de reformas políticas com o objectivo de estabelecer uma democracia participativa. Existem apenas raras menções ao referendo (sobretudo a nível europeu) e à questão da paridade do género. No caso do M5S o programa eleitoral de 2013 enfatiza apenas algumas medidas inovadoras baseadas na participação digital, sobretudo para reforçar a relação entre eleitos e eleitores. Entre os três partidos, Podemos é sem dúvida a força que aposta de forma mais convicta na reforma do sistema político. Nos seus documentos é constante a referência à necessidade de rever o pacto constitucional de 1978 que tem afastado de forma crescente os eleitores das instituições representativas. Neste sentido, o Podemos apresenta várias medidas para reforçar a responsabilização dos governantes (accountability) e a participação dos cidadãos. Contudo, é necessário observar que as reformas do sistema político não são uma prerrogativa das forças populistas , assim como não é necessariamente populista a tentativa de introduzir uma nova clivagem baseada em divisões verticais, o ‘povo’ em baixo e os ‘inimigos’ em cima.
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Diferenças qualitativas emergem na dimensão material. SYRIZA tem vindo a afastar-se progressivamente do populismo inclusivo sobretudo depois da conquista do governo em 2015. Apesar da retórica de proteger os desempregados, os jovens e melhorar as condições de vida dos trabalhadores, na prática o SYRIZA tem vindo a implementar medidas de austeridade, sobretudo depois da assinatura do terceiro Memorando em 2016 . O caso mais problemático, contudo, emerge no caso do M5S em relação às políticas de imigração. Embora seja difícil delinear qual é a linha ‘oficial’ do M5S sobre esta temática , a verdade é que várias vezes o líder do Movimento (Beppe Grillo) tem defendido posições próximas das políticas exclusivas e restritivas avançadas por forças populistas de direita. Por exemplo, o partido posicionou-se contra a abolição do reato de imigração clandestina proposta pelo governo de centro-esquerda. Para além disso, várias vezes o líder do M5S tem defendido as posições do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre a questão da imigração. Finalmente, a distinção entre populismo exclusivo e inclusivo torna-se claramente problemática quando analisarmos as posições das forças populistas em relação ao processo de integração europeia. Independentemente do espectro ideológico, os partidos populistas identificam na Europa um dos principais problemas e obstáculos para o correcto funcionamento da democracia, para salvaguardar os direitos políticos e sociais dos cidadãos e para garantir o crescimento económico. Por outras palavras, o eurocepticismo (radical) tem aproximado esquerda e direita, tornando difícil distinguir as diferentes posições das forças populistas e as duas categorias elaboradas por Mudde e Kaltwasser. Conclusões A análise empírica de alguns casos recentes associados ao populismo inclusivo na Europa do Sul evidencia alguns problemas conceptuais e empíricos. Em primeiro lugar, é difícil hoje identificar a base do populismo inclusivo na dimensão socioeco-
nómica, enquanto o populismo exclusivo seria principalmente associado a questões culturais. Como demonstram as recentes eleições espanholas ou francesas, as duas componentes estão agora interligadas na política europeia como nunca aconteceu anteriormente. Isto acontece principalmente por duas razões: em primeiro lugar, porque um dos temas que tem vido a ser repoliticizado pelo populismo é o conflito em volta da integração europeia, e esta dimensão diz respeito, hoje em dia, quer a questões materiais quer a aspectos simbólicos. Em segundo lugar, vimos como dentro da categoria do populismo inclusivo existem fenómenos muito diferenciados que apresentam divergências importantes no que diz respeito às três dimensões analisadas. Para além disso, existem muitas semelhanças no contexto europeu entre as medidas concretas defendidas pelas forças populistas (de tipo inclusivo ou exclusivo) quer na dimensão material quer na dimensão política. Neste sentido, para uma melhor compreensão do fenómeno populista e das suas variantes, torna-se necessário uma definição conceptual mais sofisticada e uma validação empírica mais rigorosa. PA Gherghina, Sergiu, Sergiu Miscoiu, e Sorina Soare. Contemporary Populism. A Controversial Concept and Its Diverse Forms. Cambridge Scholars Publishing, 2013. Mudde, Cas. “The Populist Zeitgeist.” Government and Opposition, 2004, 541–63. Albertazzi, Daniele, e Duncan McDonnell, eds. Twenty-First Century Populism. New York: Plagrave Macmillan, 2008. https://www.opendemocracy.net/democraciaabierta/chantal-mouffe/populist-moment Mudde, Cas, e Cristóbal Rovira Kaltwasser. “Exclusionary vs Inclusionary Populism: Comparing Contmeporary Europe and Latin America.” Government and Opposition 48, no. 2 (2013): 147–74. Kriesi, Hanspeter, e Takis S. Pappas, eds. European Populism in the Shadow of the Great Recession. Colchester: ECPR press, 2015. March, Luke, e Keith, Daniel, eds. Europe’s Radical Left From Marginality to the Mainstream?, 2016. Veja-se, por exemplo, o caso de Macron em França. Mais em geral, esta retórica de mudança é típica de qualquer força (ou líder) anti-sistema. https://www.opendemocracy.net/can-europe-make-it/grigoris-markou/defeat-of-inclusionary-populism-in-greece-what-happens-next-0 Ver http://www.termometropolitico.it/1247828_politica-italia-immigrazione-m5s.html
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Terrorismo: Uma ameaça Global
Teresa de Almeida e Silva Professora Associada no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Universidade de Lisboa
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terrorismo é um fenómeno complexo em virtude da variedade das suas formas, das suas causas, objectivos e tipos e do carácter clandestino dos seus agentes e dos seus métodos. Assim, a luta contra ele será sempre difícil nas democracias pluralistas e terá de ser conduzida de forma simultânea em várias frentes, procurando um equilíbrio, muitas vezes difícil de estabelecer, entre, por um lado, o respeito pelos direitos, liberdades e garantias que caracterizam este tipo de sociedades e, por outro, a eficácia na manutenção da segurança. A generalidade das opções de resposta que têm sido tomadas pelos Estados ocidentais à ameaça representada pelo terrorismo têm consistido, sobretudo, em soluções domésticas e internacionais. As primeiras incluem todas as políticas legais e administrativas aplicáveis dentro do território de um único Estado, as segundas passam pela aproximação política, diplomática, económico-sancionatória e militar (Simon, 2013:88-92). As principais medidas que podem ser tomadas pelos Estados em termos de política interna são: medidas legislativas, investigação policial, desenvolvimento de um eficiente sistema de infor-
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mações, reforço de vigilância de fronteiras, protecção de potenciais alvos, preparação de forças policiais e militares, detecção e eliminação das fontes de receitas dos terroristas ou consciencialização dos agentes da comunicação social. Relativamente à política externa, os Estados podem: realizar acções diplomáticas para concertação de políticas, estabelecer um plano de cooperação e de colaboração entre os sistemas de informação, harmonizar a legislação e os procedimentos judiciais, criar tribunais internacionais, implementar sanções económicas e diplomáticas contra os Estados patrocinadores do terrorismo, realizar pesquisa e intercepção de transferências financeiras que sirvam de lavagem de dinheiro ou de financiamento de grupos terroristas e, em último recurso, podem também empreender acções militares. A actuação no campo da política externa, para ser eficaz, requer vontade inequívoca em combater as ameaças terroristas e impõe estreita cooperação entre países, a qual, no entanto, é muitas vezes dificultada, e algumas impossibilitada, não só por causa das diferenças entre as respectivas percepções dos interesses nacionais, mas também, como já foi referido, devido ao diferente entendimento do que é o terrorismo (Martins, 2015:92-114).
Como se sabe, no quadro estratégico actual, o terrorismo internacional apresenta-se como um desafio global e constitui uma das mais sérias ameaças à paz e à segurança internacionais e à democracia. Prospectivamente falando, pode afirmar-se que a instabilidade decorrente de inúmeros conflitos que persistem em algumas partes do mundo apresenta-se como um terreno fértil para que o terrorismo anti-sistémico cada vez mais se reforce enquanto instrumento de subversão política. Assim, deve considerar-se também como ameaça, real e efectiva, não apenas o terrorismo transnacional, mas também o terrorismo doméstico (e os atentados de Oslo, em 2011, assim o comprovam), de natureza nacionalista, independentista, racista e xenófoba, tantas vezes negligenciado em virtude do preconceito, latente, característico do Ocidente resultante da separação do mundo entre os “bons” (os países do mundo ocidental) e os “maus” (o resto do mundo) e da dificuldade em aceitar que o terrorismo também pode ser levado a cabo no interior das fron-
teiras daqueles que são considerados os “bons”. Com efeito, a desesperança e a falta de sentido para a vida (enquanto atitudes a nível individual) e a crença em determinadas ideologias extremistas (enquanto atitude a nível grupal, defendida pelos movimentos extremistas a que os indivíduos aderem de livre e espontânea) são superfluidades da globalização e funcionam como factores de ressentimento de que o terrorismo se alimenta (Morgado, 2016:11-12). E esta crença cega em ideologias extremistas, alimentada pela ocidental exploração mediática à volta dos ataques terroristas, tem como consequência mediata o crescimento dos partidos quer de extrema direita, quer de extrema esquerda. Em situações de crise são os partidos dos quadrantes mais extremos que vêm o seu número de eleitores aumentarem. Assim, caberá aos Estados, enquanto actores da sociedade internacional, monitorizar estas situações e cooperar no sentido de se estabelecerem medidas e políticas públicas que permitam controlar a ameaça representada pelo terrorismo e suas respectivas consequências.
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Em suma, parece-nos que, no plano interno, do ponto de vista político, os Estados conseguirão prevenir a ameaça terrorista através de uma boa governação, transparência, ética e rectidão na condução da vida política, da definição de um processo sólido e credível de desenvolvimento económico dos países, da luta contra o crime (particularmente ao crime económico e financeiro), do fomento de políticas de educação para o emprego e, mais importante do que tudo isso, da definição de objectivos estratégicos claros para a política dos Estados. Já sob o outro ponto de vista securitário, a prevenção face a tais ameaças, a protecção no que concerne aos respectivos efeitos, a resposta aos seus desafios e a repressão dos seus actores assentam no trabalho de pesquisa, no tratamento e difusão de informações, bem como na actuação das forças de segurança, nomeadamente no que diz respeito à prevenção e à repressão dos crimes em que os actos terroristas se consubstanciam e à manutenção da ordem pública que é necessário repor na sequência da sua ocorrência. Aqui, convém enfatizar um aspecto importante: a preparação do cidadão para estes desafios, cabendo lhe um papel fundamental na detecção e identificação da ameaça terrorista (Martins, 2015:92-114). Já no plano internacional, ao nível político, o apoio ao desen-
volvimento dos Estados em vias de desenvolvimento, ao nível das infra-estruturas, do sistema político e das instituições, do ensino e das suas actividades produtivas, parece-nos ser um factor chave para o seu afastamento em relação à ameaça terrorista. No âmbito securitário, a transnacionalidade da ameaça terrorista, carece, ainda, de respostas também elas globais, o que implicará uma boa articulação entre os serviços de intelligence e as forças de segurança dos países ocidentais no sentido de combater os efeitos do terrorismo, uma ameaça inesperada, sem rosto e cada vez mais real. PA
Martins, Raul François Carneiro (2015) – Acerca de Terrorismo e de Terrorismos. Lisboa: IDN. Morgado, Miguel (2016) – Autoridade. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos. Simon, Jeffrey D. (2013) – Lone Wolf Terrorism: Understanding the Growing Threat. New York: Prometheus Books.
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Rubén Abrantes Estudante do 3ºano de Licenciatura de Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Universidade de Lisboa
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República da Turquia representa um importante ator internacional, ocupando um lugar estratégicamente sensível entre o Médio Oriente (Islâmico) e o Ocidente (Cristão). Esta também possui no seu território bases militares fulcrais incorporadas nas forças da NATO – a Turquia, membro desde 1952, é a segunda maior força militar da organização – e pipelines de gás e petróleo para fornecimento energético da europa. Pela sua história, como sucessora do Império Otomano, representa tanto uma potência do Oriente como Europeia, pertencendo ao Conselho da Europa e tendo um pedido formal de adesão à União Europeia. Por ser uma das 20 maiores economias do Mundo tem assento no G20, tendo influência na economia e decisões mundiais. A criação da República turca, por Mustafa Kemal (Ataturk – “Pai dos turcos”), irá consequenciar diversas reformas para ocidentalizar o país, pretendendo alcançar um nível de desenvolvimento social e económico semelhante ao bloco ocidental. Dos anos 30 aos anos 70, do século XX, passam por uma fase de substituição das importações, e só nos anos 80 é que se procede à liberalização económica, consequenciando uma volatilidade da economia turca. Como todos os países que escolhem o modelo capitalista e liberal, aos anos de grande crescimento seguem-se anos de recessão. Com a instabilidade política e económica, e com permissão constitucional (“tutelage democracy”), os militares intervêm, iniciando golpes (1960, 1971, 1980 e 1997) com o objectivo de afastar partidos islâmicos e políticas económicas nefastas, atuando como os “guardiões do secularismo”. 2001 foi um ano crucial na economia da Turquia devido a uma grande crise económica, que provocou falta de confiança no sistema partidário, o que fez com que o panorâma políti-
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co turco mudasse, permitindo ao AKP, criado 40 meses antes das eleições, uma inesperada maioria dos lugares no parlamento e a formação de governo. O Partido da Justiça e Desenvolvimento - Adalet ve Kalkınma Partisi – surgiu em 2001 e prometeu reformar a Turquia, tendo um discurso marcadamente populista pró-democracia agradando à maioria dos cidadãos (os grupos sociais que votaram com maior expressão no AKP foram: donas de casa, agricultores, trabalhadores do setor privado e desempregados). O AKP começou por ter uma política mais inclusiva e com intuitos de retirar poderes ao ramo militar, o que aumentou as expectativas do povo turco no sentido de um país mais democratizado. Contudo, verifica-se que o governo trouxe consigo um aumento da corrupção, concentração de poderes executivos, uma crescente tendência para o sistema presidencial (sob o autoritarismo de Recep Tayyip Erdoğan), e o crescimento de um partido de direita e de orientação islâmica, num Estado anteriormente laico. O discurso populista e o modelo económico adotado (“Populismo neoliberal” ou apenas “neopopulismo”) permite que o partido político de Erdoğan continue no poder. Segundo Yonca Özdemir, o AKP criou um tipo de liderança política personalista e paternalista através da concentração nas classes mais baixas da sociedade, da “ligação directa” entre o líder e as massas, de uma “ideologia vaga ou eclética”, de um “discurso que louva as classes mais baixas; anti-elitistas e/ou antiestablishment”, da “redestribuição ou clientelismo criando uma base material para o apoio popular” (Özdemir, 2015: 4-5). Todas estas características servem para descrever a governança de Erdoğan/AKP na Turquia.
Os líderes populistas, como o da Turquia, usam a assistência social para fortalecer o seu número de votos ao mesmo tempo que direcionam as políticas neoliberais para ajustamentos estruturais promovendo políticas sociais sustentáveis. Os programas sociais são úteis para o neopopulismo ao permitir que os líderes populistas manipulem facilmente o povo, dando benefícios materiais em troca de apoio político. O maior exemplo é o sistema nacional de saúde turco que, agora reformado, permite a todos os cidadãos que tenham rendimentos inferiores a 1/3 do salário mínimo nacional tenham direito à saúde gratuita, enquanto os restantes cidadãos contribuem com 12,5% do seu salário para este mesmo sistema de segurança social. Este acto permitiu ao AKP beneficiar as massas pobres alargando a sua base de apoio popular através de medidas populistas com objectivos eleitorais. As medidas do AKP levaram à “concentração de poderes no governo facilitando ganhos políticos pessoais, distorção das fronteiras entre democracia e autoritarismo, e, transformou a estrutura económica implementando um modelo neoliberal de desenvolvimento e apelando a interesses financeiros internacionais” (Özdemir, 2015:24) Em 2007 a Turquia vive uma crise política devido à incapacidade do parlamento eleger um Presidente, o que leva a uma série de emendas constituicionas, aprovadas por referendo, consequenciando a criação de um sistema político híbrido em que o parlamento turco continua com o controlo do processo legistativo e o governo com o controlo do executivo. O então Ministro dos Negócios Estrangeiros, Abdullah Gül, do AKP acaba por ser eleito em 2007. Em 2014, Recep Tayyip Erdogan candidata-se à Presidência e é eleito por voto directo popular, após mudança nesse sentido aprovada em referendo.
Nas eleições legislativas de Junho de 2015 o AKP decresceu na intenção de voto dos eleitores não conseguindo formar um governo maioritário por si só, algo que nunca tinha acontecido desde que ganhou o poder em 2002. Isto deveu-se em grande parte às consequências sociais e políticas deixadas pelos protestos de Gezi de 2013 onde cerca de 3 milhões de turcos se manifestaram contra as políticas autoritários do governo. Apesar disto fica a dúvida, mesmo que Erdoğan e o AKP deixem de governar, não há garantias que outra força populista suba ao poder na República da Turquia. PA
http://www.e-ir.info/2013/07/01/second-image-reversed-framing-effects-and-turkeys-gezi-park-demonstrations/ http://journal.georgetown.edu/the-post-kemalist-turkey-straddling-populism-and-pragmatism/ Yonca Özdemir, Turkey’s Justice and Development Party: an utmost case of neoliberal populism, Political Science & International Relations Program Middle East Technical University, Northern Cyprus Campus https://www.washingtonpost.com/news/monkey-cage/wp/2014/08/08/and-the-winner-of-turkeys-presidential-election-is-populism/?utm_term=.c4289d6b7546 https://www.opendemocracy.net/sezin-oney-emre-erdogan/turkey%E2%80%99s-populist-politics https://www.theguardian.com/books/2016/sep/02/trump-erdogan-farage-the-attractions-of-populism-for-politicians-the-dangers-for-democracy Amnesty International October, 2013, Gezi Park Protests brutal denial of the right to peaceful assembly in Turkey, Index: EUR 44/022/2013 Hayriye Özen (2015) An Unfinished Grassroots Populism: The Gezi Park Protests in Turkey and Their Aftermath, South European Society and Politics, 20:4, 533-552, DOI: 10.1080/13608746.2015.1099258 Bilge Yabanci (2016) Populism as the problem child of democracy: the AKP’s enduring appeal and the use of meso-level actors, Southeast European and Black Sea Studies, 16:4, 591-617, DOI: 10.1080/14683857.2016.1242204
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Miguel Perdigão Estudante do 2ºano de Licenciatura de Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Universidade de Lisboa
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bordar este tema constitui um desafio de elevada complexidade. Em bom rigor é necessário recuar ao berço civilizacional democrático (período da Antiguidade Clássica) para entender o conceito de Democracia. No seu mais recente livro, o historiador italiano Luciano Canfora remete-nos para uma abordagem histórica da civilização grega bastante elucidativa. Podemos constatar através de uma leitura da sua obra “A Democracia – História de uma ideologia” que a Democracia ateniense apresenta bastantes semelhanças com o modelo democrático europeu.
se revê. A degeneração de regimes cíclica platónica nunca esteve tão viva e a figura/noção de oligarca é hoje uma ameaça ao fenómeno da representatividade democrática. Cada vez mais existe a certeza generalizada de que a classe política se apropria dos centros de poder, estabelecendo neles as suas teias de influência com o aval do poder económico. O fenómeno da alternância democrática e os mecanismos de limitação de mandatos são uma “operação cosmética” quando se constata que essa mesma alternância é dominada legislatura após legislatura pelas mesmas soluções governativas: os Catch all parties (Otto Kirchheimer).
Sempre existiram vestígios de reuniões comunitárias e processos eleitorais de designação de representantes nesta civilização, sendo que os contornos e os moldes pelos quais se regiam estes processos eram bem mais arcaicos do que aqueles que experienciamos nas Democracias atuais. Contudo, o estatuto de cidadão ateniense encontrava-se restrito por um conjunto de regras apertadas que não eram simples de contornar. Apesar de mais tarde o estatuto da cidadania ter sido alargado a classes sociais mais desfavorecidas, os grupos dirigentes continuaram a ser constituídos maioritariamente por uma elite intelectual e rica: os hiparcas e buleutas.
A classe intelectualmente preparada para assumir as rédeas do poder nas Democracias tem uma responsabilidade acrescida de âmbito cívico face à degradação das mesmas. Quando confrontada com a escolha entre interferir e agir diretamente sobre a situação, muitos preferiram o conforto do sofá em detrimento do ativismo político, imiscuindo-se da responsabilidade de alterar o cenário político nos seus Estados.
Estabelecendo um paralelismo com a actualidade, e em concordância com a argumentação utilizada no mais recente livro de Noam Chomsky “Quem Governa o Mundo?”, parece hoje perentória a ideia de que os centros de decisão são controlados por uma elite sem preparação intelectual que se rege por um código de conduta desprovido de qualquer padrão ético e moral, enquanto o cidadão comum é lesado sistematicamente e vê as suas expectativas defraudadas por uma classe política na qual não
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Tendo a concordar com António Gramsci quando reflete acerca do papel do intelectual na sociedade. Ao defender a ideia de que todo o homem é perfeitamente capaz de exercer essa função independentemente da sua profissão por aquilo que apelida de intelectualidade orgânica: uma capacidade de exprimir de forma expedita e com clareza o pensamento das massas mas também de formular a sua própria linha ideológica proveniente das paixões e necessidades dos trabalhadores. A vanguarda intelectual será destinada a todos aqueles que quiserem realmente sê-la e não a um estrato social específico, pois a Democracia é de todos os que a ousarem defender.
Recuando ao período dos autores contratualistas e baseando-me no otimismo antropológico de Rousseau (Teoria do Bom Selvagem), a delegação de poderes num aparelho governativo central é um mal necessário para o bem comum numa Democracia. Atendendo ao facto de as instituições de natureza política e de natureza económica serem constituídas por homens e pelas vicissitudes de carácter que lhes estão agregadas, é normal que o regime comece paulatinamente a degenerar apesar do interesse das elites em cristalizar a cúpula do poder. Este aparelho central governativo, que é representado por um Estado enquanto corporização de um “Espírito Absoluto” segundo Hegel, controla os seus habitantes por intermédio de códigos de conduta transversais e uma forte repressão baseada no monopólio da força legítima de Weber. Considero igualmente nefasta para as Democracias a excessiva influência de tecnocratas nos seus governos. Para Marx, é do domínio fáctico que os tecnocratas não são ideologicamente neutros pois estão ao serviço de políticas neoliberais que põem em causa a estabilidade das Democracias ocidentais e do próprio projecto europeu (Brexit). A interferência e a abordagem científica aos problemas ao invés da abordagem política, cria graves fraturas na sociedade motivadas pelo desfasamento que os tecnocratas têm face à realidade dos países que governam. Em boa verdade, apesar de ser legítimo o cepticismo adoptado face à questão que dá corpo a este texto e de todas as críticas que teci, a Democracia continua a ser o mais perfeito de to-
dos os regimes até agora implementados. É vantajosa face aos totalitarismos porque libertou progressivamente a mulher da opressão patriarcal e atribuiu-lhe um papel mais interventivo na sociedade, concedendo-lhe o direito ao voto e a uma maior capacidade reivindicativa face aos seus direitos, mas não só. O nascimento do Estado Democrático Social (Welfare State) que experienciamos hoje na maioria dos países europeus garante a separação de poderes e a subordinação aos preceitos constitucionais de cada Estado. Há uma esfera de direitos inalienáveis nos quais o Estado não tem qualquer interferência direta, ao contrário do que aconteceu nos totalitarismos do século XX em que o indivíduo e o Estado se fundiram num só corpo. Há pluralismo partidário, eleições livres e liberdade de expressão. Este modelo foi até hoje aquele que conseguiu conciliar da melhor forma uma economia mista de mercado, preocupações sociais de redistribuição da riqueza e uma maior justiça social apesar de todas as críticas de que tem sido alvo. Hoje a Democracia está longe de ser um regime político perfeito mas apesar de todas as suas incongruências continua a ser um regime funcional tendo em conta o panorama europeu. PA
Chomsky,Noam. “Quem Governa o Mundo?” Editorial Presença-2016 Moreira,Adriano. “Ciência Política”, Almedina-1984 Freitas do Amaral,Diogo. “Uma introdução à política” Bertrand Editora 2014
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“Consumer Democracy” Por Francisco Cabral
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Cronologia
Outubro 2017
10 OUT “ONU garante financiamento total da missões de manutenção de paz” Observador 14 OUT “Danger of war, Germany warns after Trump’s move on Iran nuclear deal” Reuters
11 OUT “ A Rohingya refugee woman rests after crossing the Myanmar-Bangladesh border in Palang Khali, Bangladesh” Fonte: Reuters/ Jorge Silva
19 OUT “Waves of Rohingya refugees are Overwhelming Aid workers and Authorities in Bangladesh” Time 22 OUT “Abe vence eleições e ganha forças para rever a Constituição” Público 24 OUT “Xi Jiping ‘most powerfull Chinese leader since Mao Zedong’” BBC News
24 OUT “Sahar Dofdaa é agora um dos retratos da crise alimentar na Síria” Fonte: Amer Almohibany/ Observador
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27 OUT “Un Parlament semivacío consuma en voto secreto la rebelión contra el Estado” El País
Cronologia
Novembro 2017
7 NOV “Mugabe faces ‘unprecedented’ political threat as sacked deputy gathers support” The Guardian 9NOV “Trump China visit: US leader strikes warmer tone with Xi Jinping” BBC News 22 NOV “Supporters of Emmerson Mnangagwa, the man expected to become Zimbabwe’s new presidente, cheer as they arrive to show their support at Manyame air force base” Fonte: The Guardian
10 NOV “Portugal vai comandar missão da UE na República Centro-Africana” Expresso 13 NOV “Brexit” já tem hora marcada: 23h do dia 29 de Março de 2019” Público 16 NOV “Rohingya Were Raped Systematically by Myanmar’s Military, Report Says” The New York Times
27 NOV “A girl embraces Pope Francis as he arrives at Yangon International Airport, Myanmar.” Fonte: Reuters/ Max Rossi
22 NOV “Emmerson Mnangagwa sworn in as Zimbabwe president” Al Jazeera
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Cronologia
Dezembro 2017
02 DEZ “Honduras decreta el toque de queda a la espera de los resultados definitivos de las elecciones” El País 04 DEZ “Theresa May and Jean-Claude Juncker fail to strike Brexit deal” The Times 06 DEZ “ President Donald Trump sign his proclamation announcing the moving of the US Embassy from Tel Aviv to Jerusalem” Fonte: The Guardian
04 DEZ “‘É uma honra ser o próximo presidente’. Centeno eleito para Eurogrupo” Diário de Notícias 06 DEZ “É tempo de reconhecer oficialmente Jerusalém como capital de Israel’, Donald Trump” Público 10 DEZ “Iraq holds victory parade after defeating Islamic State’” Reuters
12 DEZ “Edelia Carthan stands in silent protest with a confederate flag sticker covering her mouth during the official opening ceremony for the Mississipi Civil Rights Museum in Jackson, Mississipi.” Fonte: Reuters/ Carlo Allegri
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21 DEZ “Catalunha vai continuar dividida ao meio após as eleições de hoje” Expresso
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