
8 minute read
D. Afonso Henriques: o limiano de Guimarães
from OsmusikéCadernos 1
by osmusike
Franklim Fernandes
entrevistaseouvidos@gmail.com
Advertisement
Segundo as crónicas que chegaram até nós pelo registo da História e pelo consenso geral, o primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques, filho do Conde D. Henrique de Borgonha e de Dona Teresa de Leão, terá nascido no castelo de Guimarães. Aí possui várias referências esculturais que o expõem como um guerreiro de grande envergadura e força física fora do comum, como convém à imagem e reputação dum rei de quem os portugueses se orgulham. Só que os caminhos da História são tão ínvios como a estrada velha do Marão ou como as curvas da subida da Falperra (e descida, pois tudo o que sobe alguma vez há de descer, segundo a lei da gravitação universal de Isaac Newton). Para mim, que não sou achacado a nacionalismos bacocos ou a bairrismos balofos, tanto se me dá que o Conquistador tivesse nascido em Freixo de Espada à Cinta como em Amieiro de Espingarda às Costas. E o assunto poderia morrer aqui, mas, já que se rosna que a História pode ser reinventada e moldada ao sabor da corrente e dos ventos dominantes de cada momento político, aqui vai mais uma acha para a fogueira. Afinal, qualquer de nós pode ser historiador, basta saber contar uma história ou dar alma a uma lenda. O cronista José Mattoso dá Viseu como berço de nascimento do nosso primeiro rei. E José Mattoso não é um qualquer contador de histórias, antes um dos mais reputados historiadores medievalistas da atualidade. Mas outra versão que não pode ser atirada para canto traz o berço de D. Afonso Henriques (e o redondinho e saliente ventre materno) para as cercanias de Ponte de Lima, uma localidade de grande importância já na época medieval e único caminho de passagem (pela ponte romana) do Lima para a Galiza, pela rota de Braga a Astorga. Passo a contar: D. Henrique, o consensual pai do Afonsinho do Condado e, historicamente, o grande responsável pela osga milenar que envenena o relacionamento entre os espanhóis de Guimarães e os marroquinos de Braga ao alcançar para a Colegiada da Senhora da Oliveira privilégios superiores aos da Sé de Braga, era um aventureiro que buscava fortuna e títulos honoríficos que o berço lhe negara na qualidade de filho mais novo do Duque de Borgonha, também ele chamado Henrique, não podendo, por isso, aspirar à herança do ducado, pois que, por aqueles medievais tempos, as sucessões hereditárias regiam-se por outras regras que deixavam
os mais novos na dependência dos irmãos mais velhos, naturais sucessores beneficiários dos territórios e títulos da nobreza, isto é, dos bornais e dos cabedais. Respondendo ao apelo do rei Afonso VI de Leão, em guerra de expulsão contra os mouros, e encontrando aqui a grande oportunidade para alcançar fama e fortuna, reuniu-se a um grupo de cavaleiros “cruzados” que se dirigiram à Península Ibérica e integraram os exércitos do rei, ajudando-o a conquistar o reino da Galiza. E de tal modo se portou o guerreiro nos campos de batalha e tão influente no bom sucesso da empresa que D. Afonso, grato, não hesitou em dar-lhe a mão, e o resto, de sua filha bastarda Dona Teresa de Leão, uma donzelinha de apenas 13 anos de idade, porém bem nutrida de carnes, alta e formosa, de avantajado busto e pose altiva, como convinha a uma princesa. Mas tivesse o histórico episódio ocorrido nos tempos atuais e o conde D. Henrique, que, sem consultar o cartão de cidadão da noiva, logo abocanhou sofregamente aquele saboroso e tenro docinho, não se livraria de um processo por pedofilia e abuso sexual relevante e reiterado sobre uma menor, e o pai de Dona Teresa por cumplicidade e consentimento, embora qualquer deles viesse a beneficiar dos suspensórios que a justiça à portuguesa oferece com as penas a que seriam condenados. Por índole atreito a aventuras, não seria de esperar que D. Henrique se quedasse por Guimarães a colher os doces frutos do seu casamento, tanto mais que a menina e bisonha Teresa, mais nova onze anos, e não obstante os indesmentíveis atributos físicos, não lhe oferecia grandes prazeres sensuais limitando-se a submeter-se à autoridade varonil sempre que o Conde a procurava, enfastiado de outras alcovas. Com o Conde D. Henrique viajara para a península o seu companheiro de armas e aventuras D. Afonso de Ancemondes, senhor da Torre de Refoios (nos dias de hoje também denominada Torre de Malheiras, ou de Malheiros), perto de Ponte de Lima, uma construção castelar edificada antes da fundação de Portugal que pertenceu aos monges do Mosteiro de Refoios. Segundo narra outro caminho da História, este nobre era dotado de grande beleza e robustez física, atributos que deixavam babadas de desejo todas as donzelas que com ele se cruzavam. E teria sido durante uma das constantes e longas viagens de D. Henrique pelos territórios do condado que este ousado Don Juan se terá aproximado da jovem condessa, junto dela se insinuou, e lá diz o ditado: “o fogo perto da estopa, vem o diabo e assopra”. Carente de afetos varonis, a futura rainha submeteu-se às investidas do fogoso gabiru. Pimba! Tiro certeiro: estava gerado o nosso futuro rei. E como a lei do aborto
consentido ainda não tinha sido aprovada pelo nosso parlamento, a condessa não teve outro remédio senão deixar aberto e livre o caminho da Natureza. Deus, que criara o mundo, havia de ter mão nele. Ora, ontem como hoje, num matrimónio pai é o que detém a prerrogativa legítima de consorte, o que nem sempre bate certo com as viravoltas da Natureza. Por isso, uma vez mais assumiu a paternidade do feto que, no decurso natural da gestação, ia ganhando contornos no ventre da jovem mãe. Aproximando-se a hora do desenlace, Dona Teresa viu-se de novo privada da companhia do inconstante e peregrino conde que, enfastiado com o inconveniente estado de gravidez de sua mulher, se perdeu em deambulações pelos meandros do condado. Sabendo disso, D. Afonso de Ancemondes convenceu a futura mamã a despegar do castelo de Guimarães e a quedar-se pela Torre de Refoios onde, rodeada pelas aias mais fiéis que a haviam acompanhado na jornada, acabou por parir o bebé Afonso. Passadas algumas semanas e totalmente recuperada do parto à força de caldos de galinha solteira das encostas da Vacariça, Dona Teresa regressou ao seu castelo com o embrulhinho ao colo. D. Afonso Henriques cresceu, forte e formoso, tornando-se um hábil guerreiro, bem adestrado nas artes bélicas e nas estratégias dos torneios pelo aio fiel Egas Moniz. Perante a morte de seu pai, e na menoridade do Afonsinho, o condado portucalense passou para a regência de Dona Teresa que depressa se aliou, de corpo e alma, a um nobre galego, de seu nome Fernão Peres, conde de Trava. Presto o jovem Afonso, através dos seus tutores e leais conselheiros, intuiu o grande perigo que o suspeitoso relacionamento de sua mãe com o Conde de Trava constituía para o futuro do condado. E liberto de qualquer apelo filial perante sua mãe, o intrépido guerreiro encheu-se de brios e entrou em guerra com a condessa pela posse do território. E foi assim que, na célebre e histórica batalha no campo de S. Mamede, nas imediações do castelo de Guimarães, pregando um valente coçório às tropas teresianas, o futuro rei se emancipou definitivamente da influência materna, garantindo a posse do condado que se tornaria no primitivo território geográfico de Portugal. Dona Teresa foi enclausurada no seu bem conhecido castelo da Póvoa de Lanhoso e, deixando de constituir qualquer ameaça, foi autorizada a juntar-se ao Conde de Trava, na Galiza.
Durante a regência, que exerceu governando como uma verdadeira rainha, a condessa Dona Teresa não se esqueceu do acolhimento e hospitalidade limiana, outorgando, em 4 de março de 1125, em reconhecimento, a carta de foral a esta vila.
E digo “condessa”, ignorando a rainha, pois que Dona Teresa, de facto, jamais foi rainha no verdadeiro sentido do termo. Afastada do condado após a derrota dos seus barões na citada batalha de São Mamede ocorrida em dia de São João do ano da graça de 1128, faleceu aos cinquenta anos de idade, a 11 de novembro de 1130. Ora, o reino de Portugal apenas tomou corpo em 1139, terminada que foi a conquista do território a sul do Tejo ocupado pelos mouros. Ademais, o reconhecimento oficial do reino ocorreu apenas em 5 de outubro de 1143, pelo Tratado de Zamora, treze anos após a morte da condessa. Reza a História que o rei D. Pedro I, o Cru ou Cruel, depois de subir ao trono, coroou “post mortem” a sua amada Inês de Castro, assassinada às ordens do rei D. Afonso IV. Para o efeito, ordenou a exumação do cadáver, fê-lo sentar no trono, terá mandado colocar anel na esquelética falange anelar e organizou um beijamão real, obrigando os cortesãos a ajoelhar perante o esqueleto da “rainha” Dona Inês. Pois não consta nos anais da História que o episódio tivesse precedentes, como não haveria de ter exemplos futuros, constituindo-se caso único de coroação após a morte. Assim, a nossa Dona Teresa apenas é reconhecida como rainha por grande cortesia das crónicas tradicionais, neste caso nada rigorosas com a realidade histórica. Temos assim que, em crua e rigorosa verdade, a majestosa estátua da rainha Dona Teresa, pomposamente e em ato de justa gratidão venerada em Ponte de Lima, coroada com a tiara real e ostentando na mão o cetro da realeza na forma de carta de foral, afinal representa tão-só a condessa Teresa de Borgonha, mãe do futuro primeiro rei de Portugal. E terão sido estas as circunstâncias que situam numa outra história um berço natal para o nosso reiconquistador, lançando a confusão e a dúvida nos caminhos da História, Segundo o Conde de Bertiandos (Lendas), Ancemondes, profundamente apaixonado por uma pieira de lobos, desapareceu de cena depois de ter doado todos os seus bens aos frades do convento de Refoios.