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Nos sessenta anos do Palácio da Justiça de Guimarães

César Machado, Advogado

cesarmachadoadvogado@gmail.com

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A persistência dos vimaranenses em comemorar a Batalha de São Mamede, a 24 de Junho, não é dos dias de hoje ou dos anos recentes. A invocação da “primeira tarde portuguesa”, como lhe chamou Alexandre Herculano, e José Mattoso repetiu, vem de há muito. Curiosamente, a primeira vez que foi celebrado o Feriado Municipal sucedeu em 1974, depois de 25 de Abril. Contudo, a deliberação de criar tal feriado foi tomada pelo executivo camarário em Março do mesmo ano, antes da Revolução dos Cravos. Nos anos iniciais, não houve a mobilização que se veria mais tarde. Havia preocupações mais prementes. No primeiro, estavase muito próximo de Abril; no segundo, o Verão ia muito quente. Posteriormente, estabilizou-se e Guimarães vem comemorando e reclamando, e bem, que a data se torne Feriado Nacional. O Dia de Portugal deve ser o dia do seu nascimento, com todo o respeito por Luís de Camões. O costume das inaugurações no dia 24 de Junho é mais antigo que a criação do feriado. E em 1960, neste dia, houve várias e bem importantes. Presidiu o Chefe de Estado, Almirante Américo Tomás, com vários Ministros, cada um para as edificações da sua área. Assim, foi inaugurado o Bairro de Urgeses, com 72 moradias, mandado construir pela Câmara Municipal, a rodovia entre Covas (Polvoreira) e o Castanheiro, o edifício da Caixa Geral de Depósitos, o restauro da Igreja de São Domingos, depois de significativas obras, e o Palácio da Justiça. Houve forte mobilização da cidade. Da edição de 1 de Julho de 1960 do jornal “Comércio de Guimarães”, na sua primeira página consta o seguinte: Junto ao Paço dos Duques, quando o Chefe de Estado ali chegou, cerca das 11 horas, o espectáculo era soberbo. Por toda a parte se viam cerradas fileiras de povo, colégios, muitas senhoras e pessoal de representação, não só de Guimarães, mas de concelhos e distritos vizinhos, que, ansiosos aguardavam a chegada do Sr. Almirante Américo Tomás. Pois bem, entre as inaugurações indicadas encontra-se o Palácio da Justiça, que assim comemora, por estes dias, 60 anos. Merecem invocação alguns factos e diversas curiosidades.

Alguns dos dados estão na página da Internet da Direcção Geral do Património http://www.monumentos. gov.pt/site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=16386. Ali se qualifica o edifício como “Arquitectura Judicial do Século 20”. O projecto é do Arquiteto Luís Benavente (1902/1993). O seu interior apresenta obras do Artista Plástico António Lino, (1914-1986). A Sala dos Passos Perdidos tem duas paredes revestidas com mosaicos representando as Cortes de Guimarães, e a Sala das Audiências, um fresco alusivo à Batalha de São Mamede. No lado exterior da entrada principal, encontram-se duas esculturas de diferentes artistas, apesar da sua aparente identidade comum. Do lado esquerdo a escultura da Justiça, de Joaquim Correia (1920) e, do lado direito, a escultura da Lei, de António Duarte (1912-1986). No Largo fronteiro ao edifício está a estátua da Condessa Mumadona, da autoria de Álvaro de Brée (1903-1962). O Largo sofreu obras profundas na última intervenção, da responsabilidade do Arquiteto Álvaro Siza Vieira (1933), inauguradas a 5 de outubro de 2005, das quais resultou a criação de um parque de estacionamento subterrâneo, por baixo do Largo. O monumento à Condessa Mumadona recuou uns metros, ficando mais próximo do edifício do tribunal, mas virado para o Paço dos Duques de Bragança quando antes se encontrava virado para o Palácio da Justiça. A já referida edição de 1 de julho de 1960 do jornal “Comércio de Guimarães”, na sua página 2, informava que O edifício do Palácio da Justiça tem sido muito visitado, ainda mesmo por pessoas de diferentes distritos, sendo todos unânimes em afirmar que, no seu género, é o primeiro do País, esperando-se que o edifício principie a desempenhar a sua alta função em Outubro próximo. A reportagem sobre a Inauguração iniciase, contudo, logo a partir da sua 1ª página, do modo que se segue: Inauguração do Palácio da Justiça foi acontecimento que jamais esquecerá. O majestoso Largo que o enfrenta, muito antes da chegada do sr. presidente da República, apresentava curiosa cercadura humana, que sob as ardências do sol, aguardavam a hora da inauguração do novo edifício do Palácio da Justiça., que já projectava a sua monumental fachada. O sr. presidente da República, ao entrar no mesmo, fê-lo no meio de constantes manifestações de carinho e apreço, enquanto das varandas do edifício caía constante chuva de papelinhos com as cores da cidade.

Como é público, à época, os jornais confrontavam-se com o apertado crivo da censura. E a arte de a fintar exigia habilidade literária. O recurso a metáforas, os ditos, mas, nas entrelinhas, os significados ao lado do que está escrito, mas que se pretende passem para o leitor, tudo isso teve magníficos exemplos. Este lance apontado na reportagem, dos papeizinhos que constantemente choviam da varanda do edifício, deixa muitas dúvidas. Trará água no bico? O que estarão a fazer os papeizinhos naquele texto? E porque se coloca aqui tal interrogação? Conhecendo-se o percurso político de Manuel Luís T. Júnior, percebe-se bem. Em 1960, aquando da inauguração do Palácio da Justiça, e ainda jovem, integrava uma célula do PCP, em Guimarães, clandestina, evidentemente, como todas. Viria a ser preso em 1961, tal como os seus camaradas próximos. No seu depoimento em Guimarães Daqui Houve Resistência, Recolha e Organização de Textos de César Machado, pág. 341, 342, edição do Cineclube de Guimarães, 2014, pode ler-se: Também nesse ano há um curioso episódio relacionado com a inauguração do Palácio da Justiça. As obras tinham sido feitas pelos próprios presos. Iniciaram-se em 1955 e a primeira coisa que foi erguida foi uma vedação em torno da área de construção, uma vedação feita pelos presos para impedir a sua própria fuga. Finda a obra, passados cinco anos, prepararam uma cerimónia toda engalanada com a presença do Presidente da República, Américo Tomás, do Ministro da Justiça, Antunes Varela, do Presidente da Câmara, Castro Ferreira, e de inúmeras entidades como era e é costume. Escolheram a data de 24 de Junho de 1960, dia de São João e Dia da Cidade de Guimarães, embora fosse comemorado como Feriado Municipal apenas depois do 25 de Abril de 1974. Fomos então incumbidos da seguinte missão: - faríamos subir uns balões com um rastilho e, colado à boca do balão, ia colado um molho enorme de tarjetas feitas em papel muito fininho do tipo papel de mortalha, com dizeres anti fascistas. Aceso o rastilho, soltávamos os balões e quando o rastilho chegasse ao fim, rebentava com o balão, espalhando inúmeras tarjetas que choveriam do céu. Fomos para o Monte do Cavalinho, um lugar alto, para executar a operação. Mas, estava demasiado vento, não dava para soltar os balões. Então, nessa noite, pegamos nas tarjetas e fomos colocá-las em volta do edifício do Palácio da Justiça. Em locais estratégicos. Deu-se o caso que na manhã seguinte fez vento novamente, os papéis subiram pelo ar e muitos entraram pelo edifício do tribunal dentro. Isto na época deu um enorme brado, foi muito falado. (Mais tarde, quando fui preso, a primeira coisa que a PIDE me pôs à frente foi uma dessas tarjetas. Perguntaram-me se conhecia aquilo. Claro que nunca tinha visto tal papel). A que papeizinhos pretendia o jornal aludir?

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