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Cantar em tempos de pandemia

Janete Costa Ruiz

Jovens Cantores de Guimarães| Sociedade Musical de Guimarães Janeteruiz@gmail.com

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Em fevereiro de 2020, tudo parecia ainda um problema longínquo, sem implicações na vida normal dos professores e alunos do Conservatório de Guimarães. Viajamos para Berlim em visita de estudo, planeávamos os concertos de Páscoa e tudo corria dentro da normalidade. Mas, subitamente, março inicia ameaçadoramente preocupante e os ecos do primeiro caso de Covid 19, (um músico) fizeram soar os sinais de alarme. Em pouco mais de uma semana as atividades musicais coletivas (coros e orquestras), foram interrompidas e todos remetidos a um isolamento forçado. Desde 9 de março, toda a comunidade educativa do Conservatório de Guimarães, professores e alunos, cantores, instrumentistas, todos, sem exceção, mergulha num desafiante processo de reinvenção, criatividade e resiliência. O período de confinamento transformou tudo e todos, tendo um impacto profundo nos processos de ensino, nas manifestações artísticas, nas relações humanas. Em Portugal como em outros países da Europa, a atividade artística durante a quarentena assentou num sem fim de experiências. Desde meados de março, multiplicaram-se os ensaios em plataformas online, os coros virtuais, as reuniões em parques de estacionamento para ensaios recorrendo a walkietalkies, as coreografias realizadas na sala de estar, os concertos à varanda, na sala, no terraço ou no jardim, transmitidos online. O limite foi apenas a imaginação e a criatividade. Mas nem tudo se apresenta com facilidades: não é possível cantar ou tocar em simultâneo em plataformas online, a qualidade do som é modificada pela compressão de frequências agudas e graves, a qualidade do sinal de internet condiciona a continuidade do som e da imagem. Assim, como desenvolver atividades musicais, cantar, tocar, mantendo a coesão e a continuidade dos projetos artísticos em contexto de pandemia? A solução encontrada no Conservatório de Guimarães foi diversificar a abordagem, em linha com práticas aplicadas noutros países: desde Workshops de respiração e técnica vocal online, ensaios em pequeno grupo ou naipes, webinars sobre história da música coral, audições comentadas sobre repertório contemporâneo, criação de coros e orquestras virtuais a exercícios de escrita criativa, foram múltiplas as

práticas, cujo principal objetivo foi a motivação dos jovens músicos e a descoberta de aspetos pouco explorados relacionados com a sua arte. Para os Jovens Cantores de Guimarães, a quarentena foi passada entre ensaios online, um coro virtual, a criação de desafios destinados a manter e reforçar os laços de cumplicidade e união entre os cantores. Manter rotinas, ler novo repertório, celebrar aniversários online, criar um mural de momentos especiais, permitiu dar continuidade ao trabalho iniciado, cimentou a relação humana e desenvolveu a autonomia, enquanto as limitações nos reduziram ao confinamento. Lentamente, a reabertura das atividades sociais e económicas permite um progressivo desconfinamento da atividade musical, ainda longe da normalidade anterior ao início da pandemia. O reinício das atividades corais tem sido muito diverso em toda a Europa, acompanhando as diretrizes das autoridades de saúde de cada país, e com efeitos igualmente diversos. Inicialmente, terão sido os coros profissionais a recomeçar, inicialmente fazendo concertos sem público, transmitidos em streaming. Já em maio na Noruega, Alemanha, Países Baixos, mais recentemente nas Astúrias e Pais Basco espanhol recomeçaram os concertos com público reduzido. Diferentes graus de proteção são usados, quer em ensaios quer em concerto (barreiras acrílicas, máscaras) bem como distanciamento físico entre cantores (de 2 a 4 metros) e entre estes e o maestro (a distância deste pode ir de 3 a 8 metros). Em comum, estes agrupamentos têm a existência de salas de ensaio muito amplas, arejadas e que possibilitam a existência de grande distanciamento físico entre todos, condições não habituais entre coros amadores e que têm limitado o regresso à atividade destes. Segundo os inquéritos realizados pela Europa Cantat (https://europeanchoralassociation.org/covid-19/) e pelo Tenso Network (https://www.tensonetwork.eu/), o regresso pleno a uma atividade coral regular será ainda demorado e lento, condicionado pelas condições de segurança sanitária exigidas em cada país. Não obstante, serão já bastantes os coros que recomeçaram a ensaiar em ginásios, jardins, parques de estacionamento e com formatos alternativos. Entre eles, os Jovens Cantores de Guimarães, o Coro Infantil da Universidade de Lisboa, diversos coros universitários recomeçam lentamente a reconstruir a sua atividade, buscando o som que ficou perdido em março, recuperando repertório, programando, projetando. Recomeçam a viver a magia que surge quando se respira em conjunto e se produz um som saído do espírito e da intenção de cada indivíduo.

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