O Comercialista - Vol. III - Março 2012

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Volume 3

Março 2012

Revista de Direito Comercial e Econômico dos Estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco

omercialista Entrevista exclusiva com o procurador Rodrigo de Grandis por Ernesto G. E. Neto

2° Congresso Brasileiro de Direito Comercial por Paula A. Forgioni

O Sistema Alemão de Governança Corporativa por Guilherme S. Garcia

Direito Concorrencial: como a Economia pode contribuir para sua aplicação por Vítor A. Possebom

A responsabilidade civil dos auditores independentes no ordenamento jurídico brasileiro por Alexandre Demetrius

Um ano após a primeira condenação brasileira de insider trading no Caso Sadia, o Procurador da República Rodrigo de Grandis dá entrevista exclusiva a O Comercialista e comenta a sua atuação no caso, as perspectivas do direito penal econômico, a proteção do mercado de capitais e a atuação do Ministério Público Federal em grandes operações.


O que será de 2012? Muito aconteceu em 2011. O Brasil vivenciou instabilidades no mercado automotivo devido a ameaças relacionadas ao aumento do IPI para estes produtos, enquanto no caso da geladeira e do fogão o corte do mesmo tributo levou a uma redução de até 20% em seus preços. O crescimento do PIB atingiu a marca de singelos 2,7% em relação a 2010, o que não impediu intensas atividades no mercado e novos recordes no campo da tributação: observou-se uma economia bastante aquecida, o que levou a um aumento de cerca de 11% da arrecadação de impostos. O mundo também não parou. O Japão por um lado sofreu uma das maiores tragédias de sua história, com um terremoto que devastou a região nordeste, e, por outro, em menos de um ano após o evento ocorrido em 11 de março de 2011, concluiu a torre mais alta do mundo, a Tokyo Sky Tree, com 634 metros de altura. Um exemplo de reconstrução. A Grécia decretou que não poderia mais acompanhar a economia mundial e, devido aos efeitos de uma crise que não evidencia indícios de término, depende da injeção de capital e incentivos privados e estrangeiros para se manter respirando em 2012. As mais recentes notícias apontam que o país conseguiu, finalmente, finalizar a reestruturação da dívida privada, estando pronto para receber o novo pacote de ajuda externa. A crise mundial bastante evidenciada na Grécia, também afeta o gigante asiático chinês que, embora mantenha índices astronômicos de crescimento, demonstra uma sensível desaceleração, o que preocupa o mercado de investimentos e repercute negativamente para empresas de commodities. Entre os mais ameaçados estão, coincidentemente ou não, empresas brasileiras, a exemplo da Vale, já que 36% de sua receita veio do mercado externo, segundo o último balanço trimestral de 2011. É inegável: o mundo está conectado. O mercado está conectado. Tudo é extremamente... Dinâmico. Decisões políticas não geram efeitos apenas na seara política, podendo afetar de outros modos a sociedade, alterando sua postura econômica ou sua concepção de sociedade e o mesmo pode ser afirmados destes últimos. De igual modo, tais mudanças não influenciam um único ponto do globo, repercutindo de maneira positiva ou negativa em todas as outras localidades. Difícil imaginar, desta forma, algo ou alguém incólume a essas tão constantes mudanças. O Direito não corre por fora neste sentido. Influencia e é influenciado por tudo e por todos. É, igualmente, dinâmico. Dá-se início a mais um ano de atividades de O Comercialista. Não se pode negligenciar que tudo está conectado. Não se pode fechar os olhos a esse dinamismo. Defendemos a necessidade de entender o Direito Comercial e Econômico sob um prisma não só jurídico, mas plural. Esta concepção está presente na seleção de textos provenientes de outras áreas do conhecimento que não a jurídica. Afinal, não seria conveniente defender que somente as leis fazem com que o mundo seja assim: dinâmico. Saudações Comercialistas, Os editores.

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Editorial

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4 | Perfil

Pedro Alves Lavacchini Ramunno Thyago Pereira Trairi

Entrevista exclusiva com o procurador Rodrigo de Grandis

12 | Doutrina

A responsabilidade civil dos auditores independentes no ordenamento jurídico brasileiro

Articulistas desta edição

17 | Doutrina

O Sistema Alemão de Governança Corporativa

Alexandre Demetrius Pereira Guilherme Schimidt Garcia

21 | Eventos

2° Congresso Brasileiro de Direito Comercial

Paula Andrea Forgioni Vítor Augusto Possebom

24 | Doutrina

Direito Concorrencial: como a Economia pode contribuir para sua aplicação

Repórter desta edição Ernesto Gomes Esteves Neto

Fale Conosco contato@ocomercialista.com.br A Revista de Direito Comercial e Econômico dos Estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – O Comercialista – é uma publicação mensal da Associação Civil sem fins lucrativos O Comercialista Endereço Rua Tenente Rocha, 134, Santana – São Paulo – SP – CEP 02022110 Contatos (11) 73016756 – (11) 81335813 – contato@ocomercialista.com.br – www.ocomercialista.com.br Marketing Thyago Pereira Trairi – thyago.trairi@usp.br e Pedro Ramunno – pedro@ramunno.com.br - Nota aos leitores As opiniões expressas nos artigos são as de seus autores e não necessariamente as de O Comercialista nem das instituições em que atuam Reprodução É proibida a reprodução ou transmissão de textos desta publicação sem autorização prévia.

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Editorial

Editores Executivos

Índice

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Corpo


Rodrigo de Grandis

Rodrigo de Grandis, Procurador da República, professor de pós-graduação da GVlaw, especialista em Direito Penal nas Sociedades Modernas pela Universidade de Salamanca e pós-Graduando em Direito Penal pela FDUSP. Enquanto membro do Ministério Público Federal, Grandis atuou em grandes casos como o “Sadia Insider Trading” e “Operação Satiagraha”. Em entrevista exclusiva, o procurador aborda o papel do Ministério Público no contexto atual, o Direito Penal Econômico, os Crimes Financeiros e os Crimes contra o Mercado de Capitais.

por Ernesto Gomes Esteves Neto

Formação acadêmica: Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestrando em Direito Penal pela Universidade de São Paulo Profissão: Procurador da República e professor de pós-graduação da GVlaw Livro que todo estudante de direito deve ler: “Princípios básicos de Direito Penal” - Francisco Assis de Toledo Conselho pra vida: aproveitar a faculdade

O Comercialista – Qual o papel que o Ministério Público efetivamente exerce atualmente na sociedade, para além de sua função de acusação nos processos de ação penal pública? Março 2012

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Perfil

não só na área criminal, mas também na área de tutela coletiva, com a possibilidade de propositura de ação civil pública e etc. Na área penal eu acredito que a Constituição tenha ressalvado ao MP um papel que não existia de forma muiRodrigo de Grandis – Eu entendo o to clara antes, que é o papel de fiscal da seguinte. O MP, na perspectiva da Cons- sociedade e da ordem jurídica, que é o tituição de 88, passa a ganhar um papel que dispõe o Art. 127, CF. Então, mais

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Rodrigo de Grandis – É difícil responder isso. Falar de si próprio é tão difícil. Elogio em boca própria é vitupério, como se diz por aí. Eu não sei. Tento resolver aqui os meus processos na medida em que eles aparecem. É claro que a gente não consegue trabalhar com todos os processos ao mesmo tempo com a atenção que eles merecem. Acaba que você, por força de circunstâncias, por força da complexidade de alguns casos você se dedica mais a eles. Tento na medida do possível dividir igualmente meu tempo entre todos. Sobre a combatividade, não sei se a ideia

O Comercialista – Antes de ingressar no Ministério Público Federal atuou como advogado? Rodrigo de Grandis – Sim, por 3 anos na área cível, antes de passar no concurso do Ministério Público. O Comercialista – O senhor acredita que o profissional de outras carreiras também tem um papel importante para o desenvolvimento do direito comercial e do mercado como um todo, ou a advocacia continua sendo, nessa seara, a carreira por excelência? Rodrigo de Grandis – Não. Eu acredito, na verdade, que outras carreiras vão acabar precisando desse conhecimento e já estão acolhendo profissionais do direito comercial ou empresarial. O fato é que, enfim, várias carreiras, para além da advocacia, exigem conhecimentos de direito comercial. Essa necessidade já existe aqui no Ministério Público Federal, bem como nas varas especializadas da justiça federal, não só pela natureza e pelas especificidades dos delitos praticados, mas também porque lidamos com imputa-

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O Comercialista – O senhor se considera um procurador da república combativo?

é essa. É difícil até conceituar. O que seria um procurador combativo? Eu simplesmente tento, segundo a minha convicção, estabelecer aquilo que a ordem jurídica outorga. Eu tento dentro do possível cumprir as atribuições constitucionais que são dadas ao ministério público. Nesse sentido, não acredito que seja apenas a acusação que devemos buscar, pois o processo penal é um palco para o exercício da ampla defesa e do contraditório. Sempre busquei um equilíbrio. Em resumo, se me perguntassem se eu preferiria ser um procurador da república combativo ou equilibrado, ficaria com esta última opção.

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do que um órgão de acusação, eu acredito que o ministério público é um órgão constitucionalmente vocacionado para a acusação, o que não significa que deve buscar em todos os casos a acusação e, por consequência, a condenação. Ele deve buscar o acervo probatório produzido em determinados processos penais, a partir da ampla defesa e do contraditório, e se se convencer de que alguém praticou um ato ilícito ou criminoso, aí sim ele deve postular a condenação. E com a mesma tranqüilidade, com a mesma serenidade, ele deve, caso conclua o contrário, que a pessoa não praticou crime algum ou não existem provas suficientes que embasem uma condenação, ele deve pedir a absolvição dessa pessoa. Eu costumo dizer que não é porque nós efetivamente temos essa primordial função acusatória que a gente deve buscar sempre a condenação. A idéia constitucional, em especial a partir de 1988, não é essa. O MP é, repito, órgão constitucionalmente vocacionado à acusação, mas não é um órgão pura e simplesmente de acusação.

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ção penal que, na verdade, visa a atribuir responsabilidade a alguém que trabalha dentro de uma sociedade empresária. Então, há necessidade de conhecimento do direito comercial para um melhor desenvolvimento do seu trabalho e isso, obviamente, não fica restrito à advocacia: passa pela magistratura, pelo ministério público, enfim, por todas as áreas. O Comercialista – Em 2001 houve uma alteração legislativa que inseriu na Lei 6385/76 os crimes contra o mercado de capitais. Mais de dez anos após esta mudança, quais os avanços trazidos e quais os entraves ainda a serem superados? Rodrigo de Grandis – Eu acho que na criação dos 3 tipos penais na lei 6385/76 você tem uma aproximação entre os órgãos que estão aí e tem a incumbência de repelir crimes contra o mercado de capitais. Concretamente falando, houve uma aproximação, houve uma sintonia e isso se revelou concretamente nessa ação penal envolvendo Sadia-Perdigão, Ministério Público Federal, CVM e SEC. Esses órgãos de prevenção que têm este trabalho de fiscalização do mercado de capitais trabalharam em conjunto e dialogaram de forma célere e isso proporcionou efetivamente a primeira condenação criminal pelo crime de uso de informações privilegiadas. Então, obviamente, além da criação desses três tipos penais, você tem uma aproximação ou, pelo menos, uma mudança de paradigma por parte do órgão administrativo (CVM) no sentido de reprimir os crimes contra o mercado de capitais, em parceria com o Ministério Público Federal. Março 2012

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O Comercialista – O primeiro caso de uso de informação privilegiada a chegar ao judiciário – conhecido na mídia como “caso Sadia Insider Trading” - foi julgado

em 2011 em primeira instância e os dois ex-executivos da Sadia foram condenados. Um ano após essa decisão, qual importância o senhor atribui a ela? Rodrigo de Grandis – Eu acredito, na verdade, que essa condenação passou uma mensagem importante para o mercado de capitais. Ela teve esse caráter pedagógico. O mercado de capitais não é terra de ninguém. Existe uma fiscalização, a CVM, do ponto de vista administrativo realiza uma fiscalização e a prática do insider é efetivamente crime. E essa condenação deixou muito claro isso. O Brasil, junto com os demais países que reprimem penalmente tal prática (os Estados Unidos, principalmente), passa efetivamente a, dado seu mercado de capitais, reprimir essa conduta. É um avanço porque o mercado de capitais brasileiro hoje evoluiu e com isso efetivamente o direito penal vinculado a esse bem jurídico, o mercado de capitais. Essa mensagem, esse aspecto didático, pedagógico, eu diria, é muito importante para os operadores do mercado. O Comercialista – O senhor atuou em grandes casos e operações enquanto membro do Ministério Público, tais como o Caso Sadia de insider trading e o caso Satiagraha. Em sua opinião, qual a influência que a mídia exerce sobre o desenrolar desses casos e qual a impacto desses casos no mercado e na comunidade econômica em geral? Rodrigo de Grandis – É claro que a gente não pode desprezar o fato de que uma grande ação penal envolvendo um crime contra o sistema financeiro ou um crime contra o mercado de capitais causa um impacto econômico. Só que, no MPF, e na área penal, não se trabalha com essa perspectiva. A gente busca investigar um fato delituoso e caso se convença de que

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Rodrigo de Grandis – Veja, essa é uma grande discussão que existe hoje no direito penal econômico e também, por consequência, no direito administrativo sancionador. Você tem hoje, na verdade, um conjunto de normas em vários ramos do direito que aparentemente tutelariam

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O Comercialista – O senhor acredita que a esfera penal seja adequada para proteger o Mercado de Capitais? Quais os fins da pena neste caso? Reformas nos âmbitos cível e administrativo não seriam mais efetivas?

a mesma forma ou a mesma espécie de bem jurídico. Respondendo à sua primeira pergunta: não há, a meu ver, a possibilidade de se resguardar o bem jurídico protegido, falando num sentindo amplo, o mercado de capitais, a eficiência do mercado ou o preço ótimo, e obviamente que temos nos crimes contra o mercado de capitais bem jurídicos específicos, não há a possibilidade, a meu ver, de se resguardar isso de forma efetiva senão pelo direito penal e essa é a conclusão, acredito, a que chegaram vários países. É claro que persiste a característica do direito penal de ultima ratio, de subsidiariedade. Veja, por exemplo, que no caso mesmo do insider, hoje, ele é reprimido do ponto de vista administrativo e do ponto de vista penal, mas a esfera administrativa é mais ampla. Por exemplo, na esfera administrativa hoje é possível sancionar o chamado “insider de mercado”, isto é, aquele que não compõe formalmente a sociedade ou a companhia; no âmbito penal, por sua vez, o “insider de mercado” está fora, porque as especificações ou as elementares do tipo penal não alcançam essa modalidade de insider. Então, aparentemente me parece, que não há outra possibilidade de resguardar esse bem jurídico senão através do direito penal. Inclusive existem muitos estudos estatísticos, diga-se de passagem, que revelam essa realidade. A partir do momento que se penaliza o insider e os demais crimes contra o mercado de capitais, você tem uma redução da prática de delitos. Esse estudo ainda não foi feito no Brasil, infelizmente, mas foi feito no direito norte americano e a forma de você reprimir isso do ponto de vista penal inibe a atividade do insider e, na verdade, já entra na segunda pergunta, quer dizer, quais os fins da pena neste caso. Parece que o direito penal econômico, e isso é pacífico, tem uma função inibidora. Você previne de forma geral no sentido

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esse fato foi realmente praticado e é possível atribuir responsabilidade de oferecer a denúncia, então nesse primeiro momento a atuação do ministério público é na proteção do bem jurídico tutelado e na aplicação da lei penal. Agora, é difícil você estabelecer um meio termo entre a necessidade de, de alguma forma, prestar constas à sociedade através da imprensa e, de outro lado, manter o sigilo que é necessário para essas persecuções penais. Então, na verdade, nós vivemos, me parece, numa linha que é muito tênue que é a necessidade de você prestar contas à sociedade e também ao mesmo tempo preservar o sigilo dos procedimentos. Existem posturas que, ao mesmo que tempo se dá informação à sociedade, resguarda-se o sigilo do processo. Por exemplo: eu acredito que o MP só deve se manifestar via imprensa sobre aqueles casos nos quais ele efetivamente atuou, sobre o que ele já fez e não, como acontecia no passado, sobre o que o ministério público quer ou irá fazer. Acho que esse tipo de coisa não tem sentido, mas é claro, naqueles casos em que não haja qualquer tipo de sigilo, porque deve-se ter em mente que, em alguns casos, o sigilo envolvendo crimes contra o sistema financeiro visa a garantir uma melhor persecução penal.

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de evitar que o crime seja praticado pelas demais pessoas do mercado. Isso é muito característico no direito penal econômico e, em especial, aqui nos crimes contra o mercado de capitais. Agora, reformas no âmbito cível e administrativo não seriam mais efetivas? Tenho minhas dúvidas, até porque, veja, em relação ao processo administrativo sancionador uma das críticas que se faz é que sobre ele não recairiam, por exemplo, todas as garantias que existem em relação ao processo penal. Do ponto de vista daquele que praticara o ilícito administrativo e também penal, seria mais abrangente, no que tange à ampla defesa e ao contraditório, ser processado na esfera processual penal do que na administrativa. E se você cogitar de eventual bis in idem, que é uma questão ainda em aberto, isto é, não haveria uma violação ao princípio do no bis in idem. Se houver, então deixemos a esfera administrativa em suspenso, e passemos à esfera penal, porque, dado o caráter de extrema ratio, parece que aqui, aquele que cometeu o crime de insider tem um maior número de ferramentas e garantias para se defender da acusação a ele imputada.

CVM quanto o Bacen já analisam ilícitos administrativos com potencial penal, já imaginando que tais fatos podem chegar um dia ao Ministério Público. Isso é importante porque gera uma comunicação ao MP ainda que não se conclua o procedimento administrativo e o Ministério Público Federal passa a atuar junto e a acompanhar os processos administrativos, tornando a instrução criminal muito melhor. Eu acredito, sim, que houve uma evolução; é claro que a atuação não é, digamos, a atuação que eu considero perfeita, mas é uma deficiência muito mais de ausência de recursos humanos do que propriamente de vontade política ou de vontade do órgão. Você tem na CVM, por exemplo, gente muito preparada, mas existem poucas pessoas para o mercado de capitais brasileiro. Se você for à CVM com certeza você vai ouvir este discurso: está faltando gente. Esse não, parece, é um problema exclusivo da CVM e do Banco Central. O Comercialista – Os mesmos acusados no caso Sadia fizeram acordo com a SEC (Securities and Exchange Comission, a CVM dos EUA) e desembolsaram uma grande quantia para não serem processados criminalmente nos Estados Unidos. Aqui no Brasil, a atuação da CVM e a resolução do caso em âmbito administrativo obsta a propositura de uma ação penal?

O Comercialista – Acredita que a atuação da CVM, nas investigações de crimes contra o mercado de capitais, e do BACEN, em crimes praticados contra o sistema financeiro nacional tem sido a esperada?

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Rodrigo de Grandis – De maneira alguma. O Brasil continua, embora, repito, isso passa por uma discussão dogmática importante, mas o Brasil continua partindo do postulado de independência das instâncias. Então, independentemente daquilo que se resolve na esfera administrativa, a esfera penal subsiste de forma absoluta. É claro que do ponto de vista da infração penal, ou do ponto de vista material, você não pode cogitar de bis in idem,

Rodrigo de Grandis – Eu acredito que tanto a CVM quanto o Banco Central melhoraram muito nos últimos anos, em especial a CVM, porque, no passado, tanto ela quanto o Bacen, e a Receita Federal nos crimes tributários, a impressão que eu sempre tive é que esses órgãos tinham uma perspectiva que se restringia à área administrativa. Ninguém se preocupava com o penal. De uns anos pra cá, tanto a

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muitas das vezes, nós não conhecemos aquela operação e sequer temos formação econômica para conhecer uma operação com toda as suas peculiaridades. Então há esse auxílio. Outro aspecto interessante que surgiu a partir desse convênio e ocorreu no caso Sadia-Perdigão foi a possibilidade, prevista na lei 7.492/69, é verdade, mas pouco lembrada, da assistência da acusação. A CVM, no caso Sadia, por força de uma provocação do Ministério Público Federal, ela veio a compor a ação penal na condição de assistente da acusação, então, ao que me parece, isso também decorre dessa sintonia fina que o convênio possibilitou.

O Comercialista – Atualmente existe um convênio entre o MPF e a CVM para o desenvolvimento de atividades de cooperação. Como ele funciona?

O Comercialista – Chama-se de “cifra negra” a diferença entre a quantidade de crimes existentes na prática e a quantidade dos que chegam efetivamente aos Tribunais. No caso do crime de uso de informação privilegiada, qual seria a maneira mais efetiva de fazer com que esses crimes fossem investigados, considerando que o mercado pode estar cheio de “insiders”?

Rodrigo de Grandis – O convênio foi firmado à época do Procurador Geral da República Antônio Fernando e ele, na verdade, estabeleceu como grande avanço a comunicação fluida entre CVM e MPF. Ou seja, nós deixamos de lado a época do formalismo, na qual você se comunicava com o outro órgão apenas e tão-somente por ofícios e aqui você passa, efetivamente, a ter um trabalho mais informal e mais célere que, na verdade, vai repercutir na persecução penal, no que tange à aplicação da lei. A comunicação é feita de maneira direta. Eu ligo para o Procurador Geral da CVM, ele vem aqui etc. Há também um trabalho interessante de funcionários da CVM que vem auxiliar o MPF na compreensão de determinada operação do mercado de capitais, porque,

Rodrigo de Grandis – Essa questão de cifra negra não é uma questão exclusiva de crimes contra o mercado de capitais. É um problema que permeia todo o direito penal econômico. Essa expressão surge, na verdade, no direito penal econômico porque são crimes com várias peculiaridades e que são praticados em situações de escassa visibilidade, ao contrário da dita “criminalidade tradicional”, como os crimes praticados com violência, como o roubo. Nos crimes que permeiam o direito penal econômico há uma grande expertise por parte dos autores desses ilícitos que, através das várias tecnologias existentes praticam tais atos, que são muito difíceis de serem rastreados, por serem, apenas para exemplificar, praticados dentro de bancos e outras institui-

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mas no caso Sadia-Perdigão houve um aspecto interessante, e eu até concordei com o magistrado nesse sentido: na hora de aplicar a pena pecuniária, por ocasião da sentença condenatória, o magistrado considerou os acordos que foram feitos pelos órgãos administrativos. Isto é, o fato dos insiders, dos agentes terem desembolsado recurso e ele, o juiz, diminuiu o valor da pena pecuniária nesse sentido. Eu acho que ele utilizou uma fórmula ou uma adequação de caráter absolutamente razoável. Ele foi proporcional, ao que me parece. Em outras palavras, ele considerou que a pena pecuniária já havia sido, de alguma forma, cobrada no âmbito administrativo e fez aqui uma espécie de “compensação”, que me parece efetivamente adequada. Mas, repita-se, prevalece o princípio da independência das esferas.

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ções financeiras. Para diminuir essa cifra negra, deve-se partir de uma atividade de prevenção e aqui, propriamente, vai-se utilizar de um termo que é muito caro à lavagem de dinheiro, mas que também se aplica aos crimes contra o mercado, que é o compliance. Você tem as corretoras que, na verdade operam de modo a prevenir a prática de insider, no desenvolvimento de atividades de compliance e de deveres de comunicação, a par do full disclosure e das boas práticas de governança. Parece-me que essa é a ideia propriamente de como se prevenir a prática de uso de informações privilegiadas. Se não houver essa, digamos, “antecipação de tutela” por parte do próprio mercado na fase administrativa, pré-crime, fica muito difícil o trabalho da CVM e do Ministério Público. Em resumo, a diminuição da prática de insider pode se dar pela coibição dentro do próprio mercado, por meio de seus vários operadores. Se você, por exemplo, trabalha com uma corretora e ela toma essas medidas inibitórias, o autor de insider vai, ao menos, evitar realizar o crime naquela corretora ou em alguma outra com o mesmo perfil. O Comercialista – Muitas pessoas acreditam no jargão popular de que “somente pobre vai para a cadeia”. No caso dos crimes contra o mercado e contra o sistema financeiro nacional o senhor acredita ser aconselhável, quando possível, uma multa mais severa e a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos para esses casos de “colarinho branco”?

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Rodrigo de Grandis – Não, eu acredito que, ao contrário do que acontece normalmente, o chamado “criminoso de colarinho branco”, conceito este criminológico, de Sutherland, ele é hipersocializado. Enquanto você normalmente fala que a pena

tem um caráter de socialização ou ressocialização, no caso do criminoso de colarinho branco isso é desnecessário, porque ele não precisa ser ressocializado. Parece-me que o caráter preventivo, inibitório e dissuasório da pena, no aspecto penal, é a pena certa e curta. Ou seja, a pena privativa de liberdade que o agente tem a certeza que será aplicada e que deve ser curta no sentido de dois, três, até seis meses ou um ano. Acho que tem pouca valia do ponto de vista de proteção de bem jurídico uma bela sentença de 400 páginas em que o criminoso de colarinho branco foi condenado a 28 anos de pena privativa de liberdade, mas você, como membro do MP sabe que, do ponto de vista da realidade, ele não vai cumprir sequer um mês desta pena porque ou o processo irá prescrever, por conta da prescrição retroativa, ou ele irá evitar, dado esse sistema recursal caótico que o Brasil vivencia, que ocorra o trânsito em julgado, a par da leitura que o Supremo faz atualmente do “estado de inocência”, que a meu ver é uma leitura muito ampla. Então, na verdade, se você me perguntasse qual seria o ideal, eu responderia que o ideal seria que o agente de colarinho branco tivesse a certeza de que a sentença condenatória, confirmada no Tribunal de segunda instância, ela imediatamente passará a ser cumprida. Isso sem falar na pena pecuniária, que também deverá acompanhar a questão. Aliás, sobre a pena pecuniária, eu discordo do que comumente dizem que o “criminoso de colarinho branco sente mais no bolso”, pois, na verdade, o maior medo de todo criminoso é a pena privativa de liberdade e, se ela for certa, já seria o suficiente para os fins de prevenção. O Comercialista – No final das contas, o senhor a credita que o mercado de capitais encontra-se bem protegido e regulado atualmente?

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O Comercialista – Para terminar, qual o maior conselho que o senhor daria para um estudante de direito? Rodrigo de Grandis – Acho que o estudante deve aproveitar a época da Faculdade, porque ele vai sentir falta disso tudo depois. Aproveitar também no sentido de conhecer a maior gama de matérias, de tentar conhecer dentro de uma atividade profissional as várias e várias possibilidades de atuação no direito para que ele possa, no momento oportuno, estabelecer aquilo que ele efetivamente vai ser para o resto da vida. Seja como membro do MP, como magistrado, como advogado, como diplomata, enfim. Acho que é isso... conhecer o maior número possível de atividades, de matérias, não ficar restrito a uma determinada área e ter um conhecimento universal, que me parece ser a grande finalidade da Universidade.

Ernesto Gomes Esteves Neto é estudante do 4° ano da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e estagiário na área de Direito Penal da Procuradoria Regional da República - MPF. E-mail: ernesto.neto@usp.br

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Rodrigo de Grandis – O mercado de capitais é, ao menos no âmbito penal, razoavelmente bem protegido. É o esperado para a nossa realidade. Poderia melhorar? Sim, mas também é muito melhor do que era no passado não muito remoto.

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A responsabilidade civil dos auditores independentes no ordenamento jurídico brasileiro por Alexandre Demetrius Pereira

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Doutrina

Podemos entender auditoria independente de demonstrações contábeis, na forma que conceitua a American Accounting Association, como “Um processo sistemático de obtenção objetiva e avaliação de evidências concernentes a afirmações sobre ações econômicas e eventos, para verificar o grau de correspondência entre essas assertivas e os critérios estabelecidos, bem como os aspectos de comunicação dos resultados aos usuários interessados.”(1) Cuida-se de atividade essencial ao investimento em mercado de capitais, na medida em que, ao fornecer ao investidor e demais usuários da informação contábil opinião isenta de terceiro não alinhado com os interesses da administração da entidade empresarial auditada, auxilia na redução das assimetrias informacionais, na diminuição dos conflitos de agência e, por consequência, no decréscimo dos custos das transações no mercado em geral. O grande problema passa a existir quando a atividade de auditoria independente não venha a cumprir o papel que dela seja esperado, principalmente no tocante a informar o usuário, com segurança, que as demonstrações contábeis analisadas estejam livres de distorções relevantes (2) e que, portanto, possam ser utilizadas para fundamentar a tomada de decisões econômicas. Tem-se, então, a questão de saber “quando” e “como” responsabilizar civilmente os auditores independentes. O tema ainda é pouco discutido em nosso ordenamento jurídico e jurisprudência, embora de muita repercussão no direito comparado. No entanto, tudo in-

dica que, diante do desenvolvimento de nosso mercado de capitais e do aumento dos casos envolvendo erros e fraudes contábeis, o assunto venha cada vez mais a ser enfrentado em nossos tribunais. Discutiremos a seguir apenas dois aspectos que envolvem os pressupostos jurídicos para a efetivação dessa responsabilidade, quais sejam: (1) a natureza da responsabilidade do auditor (objetiva ou subjetiva); (2) o regime adotado, a esse respeito, pela legislação brasileira. Maiores detalhes poderão ser encontrados pelo leitor em nossa obra Auditoria das Demonstrações Contábeis: uma abordagem jurídica e contábil (Ed. Atlas, 2011). Uma das maiores controvérsias envolvendo a responsabilidade civil dos profissionais de auditoria é a exigência ou não do requisito culpa para configuração da responsabilidade. A doutrina majoritária costuma basear a ideia de responsabilidade subjetiva no descumprimento de um dever de cuidado, enquanto a responsabilidade objetiva encontraria fundamento no conceito de criação de risco, mais precisamente na contrapartida econômica suportada pelo beneficiário da situação de perigo, que deveria também carregar os ônus correspondentes ao ganho auferido (ubi emolumentum ibi onus). Qualquer que seja o fundamento adotado para legitimar os sistemas mencionados, é fato que o regime de responsabilidade subjetiva (negligence liability), baseando sua incidência na consideração de culpa ou negligência, tem como elemento fulcral a ineficiência da conduta em

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ções, ao contrário da regra de responsabilidade objetiva incondicional, atribuída unicamente a uma das partes (no caso, o auditor), que não incentivaria a vítima a também atuar com o devido cuidado em evitar o dano. Outro ponto a ser analisado no cotejo dos dois sistemas de responsabilização é a possibilidade de erros nas decisões judiciais. A esse respeito, não há uma preferência clara por um dos sistemas; isso porque cada qual apresenta pontos em que o erro judicial se apresenta mais ou menos provável. A responsabilidade subjetiva pode favorecer a impunidade do auditor, mesmo quando este seja culpado, se a vítima, diante das dificuldades de prova da culpa, não conseguir evidenciar esse requisito em juízo. Por seu turno, a responsabilidade objetiva pode levar à punição do auditor que tenha tomado todos os cuidados devidos e esperados, o que também se afigura como uma situação injusta, em princípio. Finalmente, há de se analisar os custos judiciais que ambos os sistemas acarretam. Nesse aspecto, o sistema de responsabilidade subjetiva, tende a gerar maiores custos probatórios, uma vez que exigirá maior atividade das partes e do juízo na produção da prova da culpa, ao contrário do sistema de responsabilidade objetiva, em que tal produção probatória não será, em regra, necessária. No entanto, o sistema de responsabilidade objetiva, ao tornar mais fácil a responsabilização do auditor, tende a incentivar o ingresso de demandas contra esse profissional perante o Poder Judiciário, estimulando, em alguns casos, a litigância oportunista, o que acarreta, da mesma forma, incremento nos custos judiciais. Dentre as duas alternativas supracitadas, portanto, entendemos que a

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comparação com padrões exigidos, enquanto o regime de responsabilidade objetiva (chamado por alguns de regime de responsabilidade incondicional ou strict liability) preconiza a responsabilidade do causador do dano independentemente de qualquer consideração sobre a natureza ou forma de sua atuação externa. Obviamente, entre os extremos da responsabilidade objetiva e subjetiva existe um grande número de hipóteses intermediárias, várias delas marcadas por inversões do ônus de prova de culpa, ou mesmo pela possibilidade de atenuações ao rigor da responsabilização do causador diante de causas específicas que contribuíram para o evento (causas de exclusão de responsabilidade). Passemos inicialmente à análise das vantagens e desvantagens, sob o ponto de vista da Análise Econômica do Direito (law and economics), dos sistemas de responsabilidade baseados na negligência ou na responsabilização objetiva. Por um primeiro ponto de vista, podemos confirmar que os danos causados pela atividade de auditoria podem ter como causa a conduta ou omissão de mais de uma das partes envolvidas na atividade em análise (auditor, contratante ou usuário). De fato, o prejuízo decorrente da utilização do resultado da auditoria (parecer ou relatório) pode derivar de um defeito inerente à auditoria em si, ou mesmo, e.g., à falta de cuidado do usuário em relação aos limites das conclusões da auditoria (o que configuraria eventual negligência contributiva da vítima ao resultado danoso). Nessa linha, o sistema de responsabilidade subjetiva, em se tratando de infortúnios cuja causa possa residir na conduta de ambas as partes (infortúnios bilaterais), tende a gerar melhores incentivos econômicos para que todos os envolvidos tomem as devidas precau-

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melhor solução é a adoção de sistema intermediário, qual seja, responsabilidade civil subjetiva, com presunção de culpa do auditor, quando se evidenciar a existência de dano derivado da conduta deste. A vantagem da adoção de regra de presunção de culpa parece-nos evidente. Primeiramente, mantém o sistema de incentivo à realização dos esforços de ambas as partes envolvidas: auditor e vítima do dano, na vigência dessa regra, continuam a ter incentivos para não operar de forma negligente. A presunção de culpa, por outro lado, evita um dos maiores problemas do sistema de responsabilidade subjetiva pura, em que o ônus da prova fica a cargo da vítima, qual seja, o de dificultar em demasia a prova, correndo o risco de deixar impune o autor do dano. Como se sabe, a atividade de auditoria envolve ampla gama de trabalhos, de natureza técnica, frequentemente realizados por diversas pessoas de modo difuso e complementar. Isso dificulta em demasia a tarefa da vítima em provar a culpa do auditor, uma vez que, para desincumbir-se de seu ônus, necessitará ter conhecimento minucioso dos trabalhos realizados, além de conhecer os aspectos técnicos envolvidos. Deixando-se a cargo do auditor a prova de que sua conduta foi adequada, este tem todas as condições técnicas de fazê-lo com muito menor esforço, proporcionando situação superior em termos de equilíbrio na distribuição do ônus probatório. A presunção de culpa evita igualmente o problema antes mencionado no sistema de responsabilidade objetiva incondicional, qual seja, o de responsabilizar o suposto autor do dano, mesmo que sua conduta seja eficiente e cautelosa, dentro do devido e esperado. Podendo provar, com efeitos positivos, que sua conduta não foi culpável, o auditor tem

condições de evitar eventual erro judicial ou decisão injusta. Por fim, num sistema com culpa presumida, fica reduzida a litigiosidade judicial, evitando estímulos ao ingresso de processos por causas temerárias, diante da maior dificuldade de se obter a responsabilização do auditor, ao contrário do que ocorre num sistema de responsabilidade objetiva incondicional. O sistema também traz vantagens em relação aos custos de demonstração de culpa (ou de sua ausência). Efetivamente, é de se considerar que a atribuição do ônus da prova ao auditor é menos custosa do que deixar essa tarefa à vítima do dano, já que o auditor dispõe de conhecimento e provas técnicas que podem ser produzidas e/ou apresentadas em juízo com menores custos. Cabe agora verificar qual regime foi adotado na legislação brasileira. Para o caso de responsabilidade contratual do auditor, a regra primordial a incidir sobre a matéria é a existente no art. 389 do Código Civil, segundo a qual não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. No caso de responsabilidade contratual, provado o inadimplemento da obrigação, a doutrina é pacífica em admitir que a culpa do devedor será presumida, bastando ao contratante que sofreu o prejuízo provar o inadimplemento e o dano derivados da conduta do devedor. Em termos de responsabilidade extracontratual, entretanto, podem surgir dúvidas sobre o regime adotado. A regra do art. 26, § 2o, da Lei n. 6.385/76 estabelece que as empresas de auditoria contábil ou auditores contábeis independentes responderão, civilmente, pelos prejuízos que causarem a terceiros

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de responsabilidade do auditor independente. Dessas interpretações citadas, preferimos claramente a terceira. Isso, porque a primeira não pode ser aceita em virtude de que, sendo legislação especial que regula a responsabilidade do auditor, o art. 26, § 2o, da Lei n. 6.385/76 não pode ter sido revogado pelo CDC, ainda que este seja posterior. Prevalece aqui o princípio da especialidade sobre o da anterioridade no conflito de normas. A segunda interpretação também nos parece inviável, dado que aplicaria regra mais severa de responsabilidade justamente aos profissionais de auditoria que teriam menor porte econômico (auditores não registrados na CVM), para fazer frente às vultosas indenizações a que estariam sujeitos, deixando regra mais favorável aos de maior porte econômico (auditores registrados na CVM). Assim, a única interpretação viável nos parece aquela segundo a qual a regra do art. 26, § 2o, da Lei n. 6.385/76 afasta a aplicação do CDC, por se tratar de norma especial que regula a responsabilidade do auditor. É bem verdade que este art. 26, § 2º, não faz menção ao ônus da prova, que, como regra, permaneceria a cargo da vítima. No entanto, entendemos que, possuindo o auditor uma obrigação de resultado (assegurar que as demonstrações não contenham distorções relevantes), à vítima ficará apenas a incumbência de provar que este mesmo resultado não foi atingido, evidenciando unicamente o dano e o nexo de causalidade com a ação ou omissão do auditor, cabendo a este provar que não obteve o resultado por circunstância alheia a sua conduta. O resultado prático é, da mesma forma, a inversão do ônus probatório.

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em virtude de culpa ou dolo, adotando claramente uma regra de responsabilidade civil subjetiva. No entanto, a relação que se estabelece entre terceiro (usuário externo) e auditor tem natureza de consumo, uma vez que o terceiro prejudicado pela atividade do auditor se equipararia ao consumidor, em razão de ser vítima de acidente de consumo. O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, estabelece em seu art. 14 uma regra de responsabilidade objetiva, estatuindo que o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Essa regra poderia ser excepcionada apenas no caso de auditor pessoa física, uma vez que no art. 14, § 4o, do CDC, ressalta-se que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. Esse conflito de normas pode gerar várias interpretações, dentre as quais citamos: (1) a regra do art. 26, § 2o, da Lei n. 6.385/76 está revogada pelas normas do CDC, dado que este é legislação posterior; (2) o sistema de responsabilidade subjetiva aplica-se somente aos auditores que não atuem no mercado financeiro ou de capitais e aos auditores pessoas físicas, uma vez que o art. 26, § 2o, da Lei n. 6.385/76 só incide sobre a atividade dos auditores registrados na CVM que atuem nesses mercados, e o próprio CDC determina a aplicação das regras de responsabilidade subjetiva aos profissionais liberais. Aos demais auditores aplicar-se-ia a regra de responsabilidade objetiva; (3) por se tratar de lei especial, o art. 26, § 2o, da Lei n. 6.385/76 afasta a aplicação dos dispositivos do CDC em relação ao regime

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Concluímos, portanto, que o sistema mais adequado para a responsabilização do auditor, sob o ponto de vista da Análise Econômica do Direito é o de presunção de culpa. Na mesma linha, entendemos que é este o sistema adotado pela legislação brasileira nesta matéria.(3)

Notas (1) AMERICAN ACCOUNTING ASSOCIATION. A statement on basic auditing concepts. Accounting Review, v. 47, 1972.

Alexandre Demetrius Pereira é doutor em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (USP), graduado em Ciências Contábeis pela FEA-USP e especialista em Higiene Ocupacional pela Escola Politécnica da USP (POLI-USP) e em Gestão de Negócios pela Fundação Getúlio Vargas. Profissionalmente atua como promotor de justiça (MPSP) e professor de pós-graduação da POLI-USP.

(2) Lembramos que, ao contrário do que se possa esperar do trabalho de auditoria independente, tal atividade não tem como função firmar declarações de certeza quanto aos lançamentos que fizeram parte das demonstrações contábeis, mas meramente aferir se delas não constam distorções relevantes, ou seja, que poderiam, em tese, influenciar na tomada de decisões do usuário da informação contábil. Veja-se, por exemplo, o item 5 da Resolução CFC n. 1.203/09, que aprova a NBC TA n. 200 (objetivos gerais do auditor independente e a condução da auditoria em conformidade com normas de auditoria), cuja transcrição ora se faz necessária, com grifos nossos: “Como base para a opinião do auditor, as NBC TAs exigem que ele obtenha segurança razoável de que as demonstrações contábeis como um todo estão livres de distorção relevante, independentemente se causadas por fraude ou erro. Asseguração razoável é um nível elevado de segurança. Esse nível é conseguido quando o auditor obtém evidência de auditoria apropriada e suficiente para reduzir a um nível aceitavelmente baixo o risco de auditoria (isto é, o risco de que o auditor expresse uma opinião inadequada quando as demonstrações contábeis contiverem distorção relevante). Contudo, asseguração razoável não é um nível absoluto de segurança porque há limitações inerentes em uma auditoria, as quais resultam do fato de que a maioria das evidências de auditoria em que o auditor baseia suas conclusões e sua opinião, é persuasiva e não conclusiva.” (3) Muito embora não trate do tema relativo ao ônus da prova da culpa, o extinto Primeiro Tribunal de AlMarço 2012

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çada Civil de São Paulo, nos autos da apelação n. 12187416, bem retratou que a responsabilidade do auditor externo, em nossa legislação, é subjetiva, não havendo o que se falar em responsabilidade objetiva na hipótese.

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Um Modelo de Renovação por Guilherme Schimidt Garcia INTRODUÇÃO

BREVE RETROSPECTO

Por 400 anos, o direito societário tentou resolver o problema nuclear da governança corporativa: a separação entre propriedade e administração da companhia. A análise do funcionamento dos órgãos de administração das companhias é um dos campos mais importantes no estudo comparado e interdisciplinar, constando nas agendas internacionais de reformas e modernizações legislativas. Na Europa, a governança corporativa só se tornou uma disciplina autônoma aos fins do último milênio. Entre os países europeus, a Alemanha e o Reino Unido são paradigmas dos sistemas dualista e monista de administração corporativa. O modelo monista, com administradores executivos e não executivos, encontra no Reino Unido sua expressão mais tradicional. De outro lado, a Alemanha emprega o dualismo na administração, composta pela Diretoria e pelo Conselho Supervisor. Essa separação estrutural é obrigatória para todas as sociedades anônimas alemãs. Enquanto a diretoria tem a clara atribuição de gerir os negócios da sociedade, o papel do Conselho Supervisor não é tão fácil de delinear. No presente artigo, vamos tratar separadamente de cada órgão, com maior ênfase ao Conselho. Antes, porém, um breve retrospecto ajudará a entender o surgimento e o funcionamento da governança corporativa alemã.

A Alemanha terminou seu processo de unificação apenas em 1871. Apesar disso, suas companhias foram capazes de, em escassos 40 anos, tomar o lugar do Reino Unido como a maior força industrial da Europa. A Alemanha incorporou um tipo diferente de capitalismo: enfatizou a cooperação no lugar da competição (estimulada no mundo anglo-saxão) e outorgou ao Estado o papel de liderança no desenvolvimento industrial. Por volta de 1900, havia 4 diferenças estruturais notáveis entre o modelo de companhia alemão e o modelo anglo-saxão, a saber: (i) presença e influência dos bancos nas companhias, (ii) permissão de acordos entre as empresas (a legislação antimonopólio não só era inexistente, como os acordos entre as empresas para regular preços e fatias do mercado recebiam acolhida nos tribunais e eram vistos como positivos para o desenvolvimento do país), (iii) dualismo dos órgãos de administração, e (iv) ênfase na responsabilidade social das companhias (no início, a responsabilidade social era voluntária e alguns empresários concediam seguro de vida, seguro saúde e pensão aos empregados; mais tarde, algumas leis sociais foram promulgadas e, em 1891, Bismarck introduziu o sistema de “co-determinação”, garantindo formalmente voz aos empregados na administração das companhias).

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O Sistema Alemão de Governança Corporativa

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DIRETORIA

A Diretoria é responsável pela administração autônoma da companhia, ou seja, possui a responsabilidade executiva direta da corporação, levando em conta os interesses dos acionistas, seus empregados e outros stakeholders. Seus membros devem, portanto, exercer a máxima diligência na administração da companhia e devem guardar sigilo sobre informações confidenciais. Em caso de quebra de dever, serão responsabilizados pelos danos causados à companhia. A Diretoria deve desenvolver a estratégia com que a empresa atuará no mercado e se assegurar de que a estratégia traçada seja cumprida em conformidade com a lei e com o estatuto. É também seu papel controlar o risco das operações e contratar profissionais para cargos vagos de gerência, devendo levar em especial consideração profissionais do sexo feminino. Os membros da Diretoria não podem favorecer outros interesses que não os da companhia em que atuam e devem total transparência, sem atraso na divulgação de informações. Ademais, cada membro só pode exercer cargos em outras empresas mediante autorização do Conselho. CONSELHO SUPERVISOR

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Suas funções legais são, essencialmente, a nomeação, supervisão e afastamento dos membros da Diretoria. Recentemente, funções mais ‘leves’ lhe têm sido atribuídas (inclusive na jurisprudência), tais como intermediação com os ‘stakeholders’ e equilíbrio de interesses dentro da companhia, principalmente em situações delicadas. O Conselho Supervisor controla a gestão da companhia, a observância das

atividades sociais à lei a ao estatuto e monitora, ainda, as estratégias de negócio. Não pode envolver-se diretamente na gestão da companhia, o que não impede a sujeição de algumas transações específicas à sua aprovação. É também responsável por promover as ações judiciais cabíveis contra os membros da diretoria. (Obs.: a abordagem dos tribunais alemães a respeito da responsabilidade da quebra do dever de diligência é a mesma da business judgment rule, isto é, os diretores agiram corretamente se restar comprovada conduta no interesse da companhia e em conformidade com as informações disponíveis ao tempo das ações investigadas). O Conselho tem direitos específicos para inspecionar e examinar os livros sociais, registros e bens da sociedade. A função de supervisão é, por um lado, relacionada ao passado, pois controla a diligência das condutas já praticadas pelos diretores. Por outro lado, preventivamente supervisiona a Diretoria e as operações correntes, mas não as atividades ligadas ao dia-a-dia. O Conselho Supervisor é presidido pelo presidente, que controla suas atividades, preside suas reuniões e lhe representa os interesses frente à Diretoria. A base normativa para a realização das tarefas do Conselho tem sido densificada por reformas recentes na Lei das Sociedades Anônimas, na Lei de Supervisão das Companhias e Transparência, na Lei de Transparência Corporativa e Notificação e na Lei de Integridade Corporativa. Algumas das mais importantes alterações foram: - aprimoramento dos relatórios da Diretoria destinados ao Conselho Supervisor; - comunicação obrigatória de um catálogo de ações que requeiram aprovação do Conselho;

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O número de membros do Conselho varia de acordo com o número de empregados da empresa. Com a exceção de regulações especiais aplicáveis às indústrias do carvão, ferro e aço, os empregados podem eleger um terço ou metade dos membros do Conselho. De acordo com a legislação alemã, as companhias com pelo menos 500 empregados (e menos de 2.000) terão um terço dos membros do Conselho eleito pelos empregados. Quando houver mais de 2 mil empregados, estes elegerão metade dos membros. Em grandes empresas, isso equivale a 10 membros do total de 20. O objetivo da co-determinação é promover confiança, cooperação e harmonia. Do ponto de vista da companhia, a co-determinação permite que descontentamentos ou conflitos sociais sejam desde logo verificados e que greves sejam desestimuladas. Ademais, permite o contato e o balanceamento de interesses entre os representantes dos empregados e dos acionistas. Essa participação dos representantes dos empregados no Conselho já

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REGIME DE CO-DETERMINAÇÃO

levantou mais críticas que elogios, pois esse modelo causa inúmeras implicações para a governança da corporação. Entre os principais pontos tratados, está o fato de que os representantes dos empregados frequentemente não são tratados como colaboradores substanciais no processo deliberativo. Na verdade, a co-determinação não é vista nem como positiva nem como negativa pelos acionistas, o que leva à suspeita de sua irrelevância. Mesmo nas companhias com total paridade na eleição dos membros do Conselho, é o voto de minerva do presidente da empresa que resolve um possível empate, sendo que o presidente, por lei, é sempre escolhido pelos acionistas. Outra questão apontada pelos críticos desse sistema é a suposta não observância do dever de sigilo pelos membros representantes dos empregados. Além disso, também já se levantou a falta de conhecimento de contabilidade e finanças entre esses membros do Conselho, o que diminui significativamente a participação dos empregados nas deliberações da companhia, uma vez que tais conhecimentos são de fundamental importância para a correta compreensão e análise das atividades sociais. Junto com as críticas ao sistema de co-determinação, aponta-se o excessivo número de membros do Conselho Supervisor e a rígida obrigatoriedade de dois órgãos na administração das companhias. Um Conselho um pouco mais enxuto e a possiblidade de optar entre os sistemas monista ou dualista seria um avanço na governança corporativa alemã. Nos últimos anos, houve diversas tentativas legislativas de limitar o tamanho do Conselho e alterar a estrutura da co-determinação, mas todas falharam devido aos grupos de interesse ligados aos empregados que temem perda de influência nos negócios sociais.

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- aprimoramento dos direitos à informação de cada membro do Conselho; - aprimoramento e intensificação da cooperação entre Conselho e auditor fiscal. Além de mudanças legislativas, foi criado em 2002 o Código Alemão de Governança Corporativa, de caráter auto regulatório e com o objetivo de tornar a governança corporativa mais transparente e compreensível. O Conselho é obrigado a declarar anualmente se seguiu ou seguirá as recomendações desse Código, ou então quais seguiu e quais não seguiu, responsabilizando-se por não ter seguido o que declarou seguir.

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Para contornar esse problema, foram feitas recentes alterações na lei e no Código Alemão de Governança Corporativa de recomendações, estabelecendo comitês no conselho. Os comitês, em contraste com grandes Conselhos em co-determinação, podem deliberar mais rapidamente, facilitar o intercâmbio de ideias, atuar com mais agilidade no monitoramento das atividades da diretoria e reunir-se com mais facilidade e com mais frequência. CONCLUSÃO Os padrões alemães de governança corporativa estão mudando. Não apenas esforços legislativos têm sido feitos, mas também auto regulatórios, a fim de aumentar a eficiência da gestão das companhias. As novas regras têm contribuído para a cooperação entre auditoria e Conselho e têm aumentado o fluxo de informação entre os órgãos corporativos. Visando sempre aprimorar a administração, o sistema alemão parece estar conseguindo lidar com suas fraquezas e driblar os obstáculos que se apresentam. A exemplo, destacamos a criação de pequenos comitês com maior habilidade de lidar com questões rápidas sem quebrar a estrutura já consolidada do Conselho Supervisor. Abandonar o sistema da co-determinação não parece ser uma opção, mas diminuir o número total de membros do Conselho e torná-lo mais ágil poderá ser uma das alterações que estão por vir.

Bibliografia Março 2012

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MICKLETHWAIT, John; WOOLDRIGE, Adrian, “The Company: A Short history of a Revolutionary Idea”, Modern Library, 2003

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Guilherme Schimidt Garcia é estudante do 4° ano da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. E-mail:garcia.guilherme@gmail.com

HOPT, Klaus J.; LEYENS, Patrick C., “Board

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por Paula A. Forgioni O que é o Direito Comercial e quais são seus vetores de funcionamento? Qual o seu papel no Brasil de hoje? Apenas nos últimos anos está sendo possível responder a essas questões. O objeto do Direito Comercial não é o mesmo ao longo de sua história --- e isso dificulta a compreensão de sua função na sociedade moderna. Somente a partir da consolidação do direito do consumidor, o “núcleo duro” do Direito Comercial contemporâneo veio à tona, expondo uma série de problemas cuja solução ainda não é dada pela dogmática tradicional. 1. Primeiro, a empresa não é algo estático, mas dinâmico. Não gravita em torno do empresário, mas das relações que mantém com outros agentes econômicos. O objeto do Direito Comercial tem a ver não com a empresa isolada, como se acreditava nos anos 50, mas com a disciplina jurídica do mercado. A releitura dos principais autores do século passado demonstra que a compreensão da empresa aponta-a “para dentro”, sempre em torno daquela pessoa física que organizava os fatores de produção. Contudo, debruçar-se sobre a interação da empresa com outros agentes econômicos, sobre suas relações, sobre os condicionamentos que sofre durante sua ação – i.e., considerá-la no mercado – volta-a “para fora”, em direção à realidade. Repise-se: o exame centrado no empresário “fecha” o espectro de análise, dobrando a empresa sobre si mesma; o deslocamento do estudo para o mercado “abre” o campo de investigação. O direito mercantil rumou “do ato à atividade”. Agora, compreendemos que

essa atividade conforma e é conformada pelo mercado – dele tirando sua unicidade e sentido. No passado, os comercialistas dedicaram-se à edificação da teoria jurídica da empresa; hoje, revela-se o momento de construir a teoria jurídica do mercado. 2. Outro problema é que o Direito Comercial marca-se por forte tradição liberal. Seu cerne seria constituído quase que exclusivamente por regras e princípios bordados pela praxe dos agentes econômicos. A visão tradicional carrega consigo a idéia de que se deve evitar a intervenção sobre o mercado, entregando a disciplina das empresas a elas próprias: maior o espaço deixado à autonomia privada, mais azeitado seria o fluxo de relações econômicas. Porém, no atual momento, é preciso reconhecer a importância das normas exógenas ao mercado para sua existência e disciplina. Há de se superar o viés excessivamente privatista do Direito Comercial, inclusive em seu ensino. Essa perspectiva permite concluir que o Direito Comercial longe está de ser apenas servo do mercado ou da racionalidade econômica. Sua missão não é a de mero abençoador do comportamento dos agentes, como se o mercado independesse de balizamentos. Em uma frase: assim como toda a ordem jurídica, o Direito Comercial, especialmente em sua dimensão exógena, aí está para subjugar os determinismos econômicos e implementar políticas públicas – outras além do mero apoio ao desempenho das atividades econômicas privadas. Repita-se: a função do Direito Co-

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2° Congresso Brasileiro de Direito Comercial

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mercial ata-se à implementação de políticas públicas; não se esgota na busca do incremento do tráfico, desdobrando-se também na determinação do papel que o mercado desempenhará na alocação dos recursos em sociedade. 3. O terceiro problema liga-se ao ensino do Direito Comercial. Muitas escolas estão preocupadas apenas que seus alunos passem no exame da Ordem dos Advogados do Brasil --- que tradicionalmente se mostra um desastre na parte referente ao Direito Comercial, perguntando coisas de menor importância ou que exigem apenas memorização. Isso nada tem a ver com o Direito Comercial Brasileiro e muito menos com os estudos que desenvolvemos aqui na Faculdade. É preciso preservar a liberdade para estudar o Direito Comercial não como um servo do mercado, mas como fator de transformação e formatação desse próprio mercado. 4. Por conta de tudo isso, a impressão que se tem é que simplesmente se parou de pensar o Direito Comercial como um todo, dando-se muito mais importância a seus institutos isolados. As conseqüências disso foram principalmente duas, ambas nefastas: o total desprestígio do Direito Comercial como matéria e uma confusão infinita sobre seus princípios peculiares --- ou vetores de funcionamento, como prefiro chamá-los. É preciso compreender que o direito mercantil é regido por princípios próprios, desvelando especificidade intrínseca – “lógica autônoma e princípios orgânicos”, na súmula de IRTI. Ou, como prefere OSCAR BARRETO FILHO, “a existência de princípios próprios, impostos pelas exigências econômicas, que lhe atribuem a almejada dignidade científica”. Um direito especial nasce e se mantém em virtude da singularidade de seus princípios jurídicos.

Gravitando cada ramo do direito ao redor de sua lógica própria, a identificação de seus vetores de funcionamento é necessária para a calibração das várias disciplinas jurídicas. Não se trata de lotear o direito à força, dividindo-o em áreas artificialmente estanques, nem de isolar o Direito Comercial da realidade em um estéril positivismo, mas de reconhecer, como apontado por TEIXEIRA DE FREITAS, que “coisas diversas, e distintas, distintamente se devem tratar”. Deveras, “a regulamentação jurídica não pode transcurar a realidade econômica e social e não pode, portanto, sujeitar a idêntica disciplina fenômenos essencialmente diversos” [FERRI]. A relação entre empresas aparta-se daquela estabelecida entre as empresas e os consumidores, ou entre a empresa e os trabalhadores. 5. A idéia de um Congresso Brasileiro de Direito Comercial surge observando o verdadeiro ostracismo ao qual havia sido condenada a matéria. Dizíamos, jocosamente, que “comercialistas são uma raça em extinção” e um Congresso, reunindo Academia e profissionais ligados à prática, em muito contribuiria para a “redescoberta” desse ramo do direito absolutamente indispensável ao progresso econômico. A primeira edição coroou-se de sucesso e muito fez para o reposicionamento do Direito Comercial no cenário jurídico nacional. Por toda a parte, inclusive nos tribunais superiores, pululam seminários cujos temas discutem os princípios do Direito Comercial. Isso seria impensável há apenas alguns anos! O Direito Comercial surge da realidade. É fruto da interação entre regras positivas, práxis e atividade dos tribunais. A vida econômica não para. O Congresso de Direito Comercial é uma grande oportunidade de destrinçar juridicamente esse ambiente institucional, debatendo

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Paula Andrea Forgioni é Professora Titular e Chefe do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. E-mail: dcofd@usp.br

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idéias e aprofundando nossa compreensão do cenário brasileiro e das diretrizes que regem a atividade empresarial, neste momento de acentuado desenvolvimento econômico do nosso País. Se o mundo volta os olhos para o nosso mercado, é preciso que nós mesmos compreendamos e aperfeiçoemos os mecanismos jurídicos que lhe dão sustentação.

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Direito Concorrencial: como a Economia pode contribuir para sua aplicação por Vítor Augusto Possebom

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O tema Direito e Economia tem sido bastante frequente na revista “O Comercialista”, marcando presença no editorial da primeira edição (Ramunno; Trairi, 2011) e em um artigo do segundo número (Nimer, 2011). A importância do tema é clara: apesar de, ao longo da evolução da sociedade, ter prevalecido uma tendência de especialização e separação das ciências, a atual complexidade das relações humanas exige que abordagens diferentes dialoguem entre si e busquem soluções conjuntas para os problemas contemporâneos. Certamente, esse é o caso de Direito e Economia. Ambas as ciências buscam explicar as relações humanas por meio de ferramentas bastante diferentes, porém complementares. Por essa razão, é importante que economistas e juristas troquem conhecimentos com uma frequência maior do que a atual. Essa é uma das propostas da revista “O Comercialista” e é objetivo deste artigo, haja vista que este é um texto escrito por um estudante de Economia para leitores cujo foco é o Direito. Para ilustrar as variadas formas de diálogo entre a aplicação do Direito e as técnicas da Economia, discute-se, neste artigo, a Defesa da Concorrência, especificamente a análise de concentrações horizontais. Para tanto, o texto se divide em três seções. A primeira fornece uma breve explicação sobre como se estrutura, tradicionalmente, a Defesa da Concorrência e quais são seus principais desafios. A segunda mostra ferramentas econômicas que podem ajudar na aplicação do Direito Concorrencial. Por fim, a última seção busca estabelecer um diálogo entre o es-

tudo do Direito e o da Economia. Defesa da Concorrência Concorrência é uma palavra muito apreciada no meio econômico. Caso haja concorrência perfeita (compradores e vendedores são tomadores de preço e há livre entrada e saída), agentes autointeressados alcançarão um equilíbrio eficiente, maximizando o bem-estar social. Quando economistas defendem o livre mercado, eles fazem uso desse modelo. Todavia, modelos são baseados em hipóteses simplificadas e estas podem ser boas em algumas situações e não razoáveis em outras. O pressuposto de concorrência perfeita se encaixa, com frequência, no segundo caso. Essa é a razão de ser da Defesa da Concorrência. Com o intuito de proteger a competição e seus resultados econômicos de maximização do bem-estar social, surge um ramo do Direito cuja importância é crescente. Órgãos como o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (CADE) tornaram-se mais relevantes e suas decisões passaram a ser acompanhadas pela imprensa, principalmente quando estas envolvem concentrações horizontais, popularmente conhecidas como fusões1. Quando duas grandes empresas anunciam uma fusão, como ocorreu no caso Sadia & Perdigão e ocorre no caso Gol & Webjet, o CADE deve analisar os potenciais impactos que essa maior concentração terá sobre a concorrência, sobre o bem-estar do consumidor e sobre os preços do setor afetado. Para tanto, costu-

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Ferramentas econômicas úteis na análise de concentrações horizontais O primeiro problema, a definição do mercado relevante, é usualmente resolvido de forma subjetiva. Pode-se perguntar aos produtores se existe alguma forma de substituição pelo lado da oferta entre o bem A e o bem B; ou indagar os consumidores sobre a possiblidade de eles pararem de consumir o bem X para consumirem o bem Y; ou ir ao supermercado e ver se a disposição dos produtos na gôndola sugere que os consumidores podem substituir o bem W pelo bem Z; ou, como ilustra Forgioni (2008), pode-se ir a restaurantes, tirar fotos das mesas e argumentar que o mercado relevante da fusão entre duas marcas de refrigerante é o mercado de bebidas alcóolicas e não-alcóolicas, pois é possível encontrar, na mesma mesa, pessoas consumindo vinho e refrigerantes. (Esse argumento foi le-

vantado em uma análise de concentração horizontal na Itália.) Para tentar trazer objetividade, a Economia oferece a estimativa empírica da demanda. Por meio da estatística, é possível estimar a elasticidade cruzada da demanda, cujo valor é a resposta para a seguinte pergunta: “Se o preço do produto A aumenta 1%, qual será o impacto sobre a quantidade consumida do produto B?”. Se a elasticidade cruzada da demanda for elevada, há grande substituição, aos olhos do consumidor, entre os produtos A e B e estes devem integrar o mesmo mercado relevante. Se for baixa, o consumidor não substitui esses dois produtos e eles devem ser considerados como pertencentes a mercados diferentes. Essa técnica já foi empregada pelo CADE na análise da compra da Matte Leão pela Coca-Cola, detentora da marca Nestea (AC nº 08012-001383/2007-91). Na discussão do mercado relevante, os advogados tentaram argumentar que o mercado relevante de chá mate é diferente do mercado de chá preto e, depois, que o mercado relevante de chá mate é todo o mercado de bebidas alcóolicas e não-alcóolicas. Porém, provavelmente, o verdadeiro mercado relevante deveria se situar entre esses dois extremos sugeridos pelos advogados. Para lidar com essa questão, o relator Azevedo utilizou estimativas da elasticidade cruzada entre as marcas de chá Lipton, Nestea e Matte Leão e a totalidade dos guaranás não-gaseificados. Por meio dessa estimativa, construiu-se uma argumentação mais elaborada sobre o mercado relevante e concluiu-se que existe alguma substituição entre chás e guaranás não-gaseificados, devendo estes dois bens serem considerados no mesmo mercado. O segundo problema, a hipótese de que os produtos do mercado são ho-

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ma-se definir o mercado relevante e analisar o índice de Herfindahl-Hirschman , que é a soma dos quadrados da parcela de mercado de cada uma das empresas. Essa abordagem tradicional apresenta três problemas: (i) a definição do mercado relevante pode ser tênue, como argumenta Forgioni (2008), (ii) o índice Herfindahl-Hirschman2 supõe que o mercado relevante seja composto de um bem homogêneo, isto é, um bem cujas diferenças qualitativas não são importantes para os consumidores e (iii) a análise não considera o comportamento das firmas no mercado, ou seja, se elas se posicionam de forma agressiva, cortando custos e reduzindo preços. A Economia oferece possíveis soluções para esses três problemas e essas serão o tópico da próxima seção.

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mogêneos, pode ser resolvido por meio de uma técnica proposta em Hausman e Leonard (1997). De acordo com estes autores, é possível, fazendo uso das elasticidades própria e cruzada da demanda e da participação de mercado de cada empresa3, estimar o impacto que a fusão terá sobre o mark-up (preço menos custo de produção sobre preço) de cada produto. A vantagem dessa técnica é que ela considera a opinião do consumidor sobre o quão substituíveis, semelhantes ou heterogêneos são os produtos, uma vez que apresenta a elasticidade cruzada em sua formulação. Esta abordagem também já foi usada com sucesso pelo CADE ao analisar o caso Sadia & Perdigão (AC nº 08012.004423/2009-18). A complexidade desta fusão, envolvendo múltiplos mercados e produtos (embutidos, margarinas, pizzas prontas etc.), fez necessário um estudo mais aprofundado sobre o impacto da fusão sobre os preços dos produtos não apenas das marcas Sadia e Perdigão, mas também das outras marcas pertencentes ao portfólio dessas empresas e das marcas rivais. A técnica proposta por Hausman e Leonard (1997) é ideal para se alcançar esse objetivo. Por fim, o terceiro problema, a desconsideração do comportamento da empresa no mercado, também pode ser avaliado por técnicas econômicas. Para saber se uma empresa é maverick, isto é, se ela tem como objetivo cortar custos e reduzir preços para tomar mercado, pode-se tanto analisar suas propagandas ou mensurar o efeito que sua entrada no mercado teve sobre os preços. No primeiro caso, a análise será necessariamente subjetiva, pois, se a empresa for maverick, suas propagandas destacarão seus baixos preços e, se não for, destacarão a qualidade superior de seus produtos, por exemplo. Todavia, interpretar uma propaganda pode ser

complicado. Por sua vez, ao estimar o impacto sobre os preços da entrada de uma empresa ou da adoção de uma nova estratégia por parte da companhia, é possível estimar quantitativamente o comportamento da firma e dizer se ela adota uma postura agressiva no mercado ou não. As implicações desse tipo de estudo para a defesa da concorrência são claras. A compra de uma empresa maverick por uma empresa líder trará danos muito maiores à concorrência e ao consumidor do que as análises convencionais sugerem, pois a redução da competitividade no mercado será expressiva. Um exemplo da aplicação desta abordagem à aplicação do Direito Concorrencial é o caso Gol & Webjet. A Webjet é uma empresa que se autodeclara low cost, low fare. A Gol, por outro lado, é uma das duas maiores empresas da aviação civil brasileira e pode ter visto, na compra da Webjet, uma forma de reduzir a competitividade e, assim, aumentar seus lucros via aumento de preços, prejudicando o consumidor. Dessa forma, se a Webjet for uma empresa maverick, sua compra pela Gol trará, potencialmente, severos danos ao consumidor. Uma tentativa de se avaliar o comportamento da Webjet pode ser encontrada em Alves, Fagundes, Klein, Paiva e Possebom (2011), que estimaram que a entrada da Webjet no mercado de aviação civil brasileiro reduziu o preço médio das tarifas em 4%. Por essa razão, a Webjet pode ser considerada uma empresa maverick e sua compra pode resultar em severos danos à concorrência e significativos aumentos de preço. Após considerar três possíveis soluções econômicas a problemas enfrentados na aplicação do Direito Concorrencial, é necessário discutir como estas podem ser mais facilmente empregadas por meio de um melhor diálogo entre economistas e juristas.

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Certamente, a análise tradicional de concentrações horizontais é adequada a muitos casos relevantes para a aplicação do Direito Concorrencial e possui a vantagem de ser simples, compreensível e pouco custosa. Todavia, ela ignora alguns aspectos relevantes de mercados mais complexos. Por essa razão, existem técnicas econômicas mais abrangentes que podem auxiliar o aplicador do Direito a tomar uma decisão mais detalhada e cujo custo é compensado pelos benefícios ao consumidor existentes nos casos mais relevantes de concentração horizontal. Ainda assim, a adoção dessas técnicas é lenta. A lentidão no uso do ferramental econômico pelas autoridades de Defesa da Concorrência se deve a erros no comportamento tanto de economistas quanto de juristas. De um lado, estes parecem recear a matemática por trás dos modelos econômicos e os interesses que esta pode ocultar e, por outro lado, aqueles parecem não aceitar traduzir para o Português o que a linguagem matemática diz. É necessário entender que a matemática é uma forma de comunicação como outra qualquer e sua capacidade de ocultar interesses é equivalente a qualquer argumento construído por um operador do Direito, sendo necessária apenas a compreensão dos princípios básicos e do contexto do problema para perceber o que pode ser verdadeiro ou falacioso. Ademais, também é essencial que os economistas saibam se expressar sem o uso de jargões e deem transparência às suas opiniões e pareceres, sendo claros em suas hipóteses. A construção de um melhor diálogo entre economistas e juristas é fundamental para que os atuais problemas

Notas Apesar de os termos “concentração horizontal” e “fusão” não serem juridicamente intercambiáveis, o autor optou por considera-los sinônimos no decorrer do texto para tornar a leitura mais fluída. 2 Apesar de existirem outras formas de se analisar os mercados relevantes, o índice Herfindahl-Hirschman é a abordagem mais comum e, por essa razão, será a perspectiva analisada neste artigo. 3 Elasticidade própria é o valor que responde à seguinte pergunta: “Se o preço do produto A aumenta 1%, qual será o impacto sobre a quantidade consumida do produto A?”. 1

Bibliografia ALVES, N.; FAGUNDES, M.; KLEIN, F.; PAIVA, V.; POSSEBOM, V. (2011) Análise da fusão entre Gol Linhas Aéreas S.A. e Webjet Linhas Aéreas S.A. Working Paper. CADE. (2007) AC nº 08012-001383/2007-91. CADE. (2009) AC nº 08012.004423/2009-18. FORGIONI, P. (2008) Os fundamentos do antitruste. São Paulo: Revista dos Tribunais. HAUSMAN, J.; LEONARD, G. (1997) “Economic Analysis of Differentiated Products Mergers Using Real World Data”. George Mason Law Review, 5 (3), 321-346.

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Construção do diálogo

da sociedade sejam resolvidos da forma mais adequada possível. Contribuir para a aproximação entre essas duas ciências é o objetivo que este artigo espera ter atingido por meio da descrição de como técnicas econômicas podem fundamentar decisões jurídicas ligadas à Defesa da Concorrência.

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NIMER, F. (2011) Direito e Economia: porque estudar Direito e Economia. O Comercialista, 1 (2), 16-19. RAMUNNO, P.; TRAIRI, T. (2011) Editorial. O Comercialista, 1 (1), 1.

Vítor Augusto Possebom é estudante de Economia da Escola de Economia de São Paulo - Fundação Getúlio Vargas e intercambista na Northwestern University. E-mail: possebom.vitor@gmail.com

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