Revista Comercialista - Direito Comercial e Econômico - 10a. Edição

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PERFIL

Abram Szajman,

presidente da FECOMERCIO-SP, apresenta sua visão sobre o cenário empresarial do país

4o trimestre de 2013 - Ano 2 - Volume 10


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Sumário

4. Editorial 5. Perfil Entrevista com Sr. Abram Szajman, presidente da FECOMERCIO-SP

10. Doutrina Artigos acadêmicos sobre o que há de mais atual e relevante

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Nessa edição: • Perfil: Abram Szajman. Visões de um empreendedor. Por Paco Manolo Camargo Alcalde

EDITOR EXECUTIVO

• O subprime e a Teoria da Causa. Por João Gilberto Belvel Fernandes Júnior • Lei Anticorrupção: apontamentos gerais em tons alvissareiros. Por Luciano Inácio de Souza e Guilherme Teno Castilho Missali

Pedro Alves Lavacchini Ramunno

CONSELHO EDITORIAL CONSELHO DISCENTE

• Uma análise Comparativa entre a Notificação Prévia e a Notificação a Posteriori dos atos de concentração Econômica. Por Rodrigo Fialho Borges • “Condo-hotéis” e o conceito de valor mobiliário. Por Gabriel Saad Kik Buschinelli

Gustavo Lacerda Franco Paco Manolo Camargo Alcalde Pedro Alves Lavacchini Ramunno Rodrigo Fialho Borges

CONSELHO DOCENTE Ana de Oliveira Frazão Fábio Ulhoa Coelho Sérgio Campinho Walfrido Jorge Warde Jr.

Foto: Divulgação

ARTICULISTAS DESTA EDIÇÃO Gabriel Saad Kik Buschinelli Guilherme Teno Castilho Missali João Gilberto Belvel Fernandes Júnior Luciano Inácio de Souza Rodrigo Fialho Borges

REPÓRTER DESTA EDIÇÃO Paco Manolo Camargo Alcalde

DIAGRAMAÇÃO Rodrigo Auada

Nessa edição: entrevista com Sr. Abram Szajman para a Revista Comercialista.

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A REVISTA COMERCIALISTA é uma publicação trimestral, independente, com o escopo de fomentar a produção acadêmico-científica nas áreas do Direito Comercial e Econômico. Contato (11) 98133-5813 - contato@ocomercialista.com.br. Editor: Pedro A. L. Ramunno - pedro@ramunno.com.br. Nota aos leitores: As opiniões expressas nos artigos são as de seus autores e não necessariamente as da Revista Comercialista nem das instituições em que atuam. É proibida a reprodução ou transmissão de textos desta publicação sem

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Editorial

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Pelo Direito Comercial e Econômico O Comercialista – Revista de Direito Comercial e Econômico dos Estudantes de Direito do Largo de São Francisco. Certamente, não foi apenas o nome que mudou. O surgimento de um periódico acadêmico, com o objetivo declarado – e pouco modesto – de promover o desenvolvimento acadêmico e científico nas áreas do Direito Comercial e Econômico, remonta mais de três anos do passado. As discussões sobre a criação da então O Comercialista ocorriam de forma bastante inusitada, nas baias de estagiários de um renomado escritório de advocacia, após o horário do expediente. O resultado, embora cumprisse seus objetivos, com excelentes artigos de graduandos e professores de Direito, além de entrevistas bastante profundas e interessantes, era – e não há como colocar isso de outra forma – feio (afinal, como elogiar aquele antigo layout?) e restrito a um grande pequeno público, no melhor sentido da expressão, a comunidade da “Velha e Sempre Nova Academia de Direito”. Felizmente, muita coisa mudou. Melhor ainda, muita coisa não mudou. O nome mudou: Revista Comercialista – Direito Comercial e Econômico. A periodicidade mudou: trimestral. A estrutura mudou: a Comercialista passou a ser uma publica-

ção organizada e gerenciada pelo IBDCE – Instituto Brasileiro de Direito Comercial e Econômico. A equipe e o público mudaram: o Conselho Editorial Docente, de qualidade ímpar, foi criado; o Conselho Editorial Discente passou a ser composto por alunos de diversas faculdades de Direito; e mais importante, os leitores da Comercialista se multiplicaram em inúmeros grandes pequenos públicos, em escala nacional. O objetivo, a motivação e a dedicação jamais se alteraram. Nesse contexto cambiante e não cambiante, a Comercialista chega ao 10º volume, com conteúdo especial. Primeiramente, tivemos a honra de entrevistar com exclusividade Abram Szajman, presidente da FECOMERCIO-SP, que abordou temas de grande relevância econômica e jurídica. O artigo de João Gilberto Belvel Fernandes Júniorrevisita um tema polêmico, que vem protagonizando debates na mídia e na academia há alguns anos: o subprime e a crise financeira de 2007, em uma abordagem inovadora. A crise financeira geradora da crise econômica de 2008 é, no estudo, analisada sob o prisma da teoria da causa. Outro tema bastante sensível e em voga, tanto por sua recente aprovação e início de vigência próximo, como pela enorme repercussão de suas determinações, a Lei no 12.846/2013 (mais conhecida como

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“Lei Anticorrupção”) é abordada no artigo de Luciano Inácio de Souza e Guilherme Teno Castilho Missalli, o qual, além de contextualizar a referida lei, tece diversas considerações sobre os prováveis desafios a serem enfrentados nesse âmbito, compondo um interessante balanço prévio do marcante instrumento normativo. O CADE e o clássico embate entre as vantagens e desvantagens do controle prévio e a posteriori dos atos de concentração são, também, destaques desta edição da Comercialista. Em artigo de autoria de Rodrigo Fialho Borges, o assunto é tratado de forma didática e profunda, ocasionando aos leitores profunda reflexão sobre um tema que, para muitos, já havia sido superado. Para finalizar esta edição, conta-se com artigo de Gabriel Buschinelli, certamente um dos grandes expoentes comercialistas, que, em trabalho bastante claro e instigante, analisa as operações conhecidas como “condo-hotéis”, verdadeira moda ao se tratar dos investimentos imobiliários na atualidade, e a sua necessidade de registro perante a CVM.

Conselho Editorial


Perfil - Sr. Abram Szajman

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Visões de um empreendedor Foto: Divulgação

Por Paco Manolo Camargo Alcalde

Abram Szajman, renomado líder empresarial à frente de uma das mais importantes instituições de fomento ao comércio do Brasil, apresenta sua visão sobre o cenário empresarial do país, bem como importantes atuações da FECOMERCIO-SP.

Abram Szajman é presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FECOMERCIO-SP), entidade que gere o Serviço Social do Comércio (SESC) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) no Estado. www.ocomercialista.com.br | Revista Comercialista


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Perfil Comercialista - Na visão do senhor, qual o papel de entidades como a FECOMERCIO-SP no fomento ao empreendedorismo? A FECOMERCIO-SP possui algum programa de apoio às startups, por exemplo? Abram Szajman - A questão do empreendedorismo sempre foi um objetivo da FECOMERCIO. Nossa posição tem sido a de desobstruir os caminhos para que as empresas, principalmente as de menor porte, possam incorporar sua capacidade criadora para crescerem no mercado. Em razão disso, criamos um Conselho de Economia Criativa que reúne especialistas em inovação e criatividade. Foi criado também o Conselho das Pequenas Empresas que procura disseminar o conhecimento das melhores práticas empresariais para as empresas inseridas nesse segmento. Estamos agora reunindo tudo isso em um novo Conselho de Empreendedorismo para continuar esse nosso escopo. Comercialista - A FECOMERCIO-SP congrega 154 sindicatos patronais que respondem por aproximadamente 11% do PIB paulista (4% do PIB nacional). Ao tratar de sindicatos patronais é difícil fugir do tema dos conflitos trabalhistas e a insuficiência do judiciário brasileiro para tratar, com efetividade, da questão. Nesse sentido, algumas ini-

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ciativas alternativas e privadas surgiram, a exemplo de conciliação, mediação e arbitragem trabalhista. Qual a sua opinião sobre elas? Abram Szajman - Sou amplamente favorável às medidas alternativas para a solução dos conflitos trabalhistas, tendo como agentes principais os Sindicatos dos Empregados e Empregadores, o qual, mesmo sendo de caráter facultativo, com certeza poderá promover grandes benefícios sociais. Como características marcantes dessas medidas alternativas podemos destacar a informalidade de procedimento decorrente de um menor rigor de processamento, a livre manifestação de vontade dos interessados e o fato de as próprias partes decidirem qual será o melhor método utilizado para solucionar cada caso. Se conseguirmos trazer mais efetividade aos acordos trabalhistas firmados por meio da conciliação, mediação e arbitragem, daremos um grande passo não apenas para tornar o Judiciário mais eficiente, como também contribuiremos de forma decisiva para um grande amadurecimento nas relações entre capital e trabalho.

do Trabalho no Brasil? A CLT, em sua visão, deveria ser alterada? Abram Szajman - Eu vejo o Judiciário Trabalhista de mãos amarradas. São milhares de processos que são submetidos à Justiça do Trabalho e ela, muitas vezes, se vê de mãos amarradas para enfrentar determinados tipos de conflitos. Isso porque nossa lei trabalhista não permite uma prestação judicial efetiva. A Justiça do Trabalho vem se modernizando em vários pontos, mas, por outro lado, encontra enormes obstáculos na própria legislação do trabalho. A CLT precisa se modernizar, buscar espaço para conseguir efetivar e solucionar os conflitos trabalhistas de forma mais equilibrada, e não apenas considerar o trabalhador como hipossuficiente, sem enxergar as novas realidades do mundo, as novas formas de trabalho decorrentes de um mundo globalizado, com eficiência, competitividade e educação. Tanto a Justiça do Trabalho deve se preocupar com os impactos econômicos de suas decisões, como também a legislação trabalhista precisa prever regras mais atuais. Desse modo será possível atingir um maior equilíbrio nas relações capital-trabalho para que possamos criar o ambiente favorável para uma sociedade justa e moderna.

Comercialista - O senhor defendeu, em recente artigo publicado na Folha de SP1, que seria benéfico o retorno dos juízes classis- Comercialista - Em tantos anos tas à Justiça do Trabalho. Como de atuação no mercado, o senhor o senhor vê a atuação da Justiça certamente teve que lidar com

1 Cf. <http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/11/1367266-abram-szajman-a-toga-e-o-chao-de-fabrica.shtml>

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advogados em diversas situações. Quais as maiores virtudes que um advogado pode apresentar ao seu cliente empresário? E, em sua experiência, quais os piores defeitos por eles apresentados?

tividade de nossa economia no mundo globalizado. A modernidade empresarial exige que sejam eliminadas as barreiras burocráticas para abertu-

Abram Szajman - Quando precisamos de um especialista, em qualquer área de uma empresa, nosso objetivo é reunir a opinião, a visão criativa e inovadora de um técnico, com a experiência acumulada pelos profissionais da empresa. Trata-se de uma troca vantajosa para ambas as partes. Essa combinação apenas reúne qualidades e é por causa disso que nos valemos desse relacionamento. Não vejo defeitos até em razão de que as decisões sempre serão de quem contrata. Este tipo de observação se aplica a to- ra e fechamento das empresas, das as áreas, seja administrativa, que os títulos de créditos possam circular exclusivamente por jurídica, econômica, etc. meio eletrônico para que seComercialista - O senhor tem ja possível uma maior agilidade acompanhado as discussões so- dos negócios. bre a implementação de um no- Precisamos tornar mais objetivas vo Código Comercial no país? as normas que definem responsaSe sim, qual a sua opinião sobre bilidade e os direitos dos sócios das sociedades limitadas, que são os tio assunto? pos societários mais comuns no Abram Szajman - Sim, tenho Brasil, lembrando que a nova reacompanhado de perto as discus- gulamentação não pode engessar a sões e o andamento da proposta atividade empresarial, cuja liberdade alteração do Código Comer- de sempre deverá ser mantida. cial, pois entendo como indispensável a adoção de um instru- Comercialista - O senhor passou, mento normativo moderno e que nos últimos anos, por um propossa reforçar a atração de inves- cesso de transferência de contimentos e melhorar a competi- trole da Companhia que fundou,

“Entendo como indispensável a adoção de um Código Comercial moderno”

a VR2. Quais os maiores entraves jurídicos encontrados nesse processo? Abram Szajman - Não tive nenhum constrangimento quando tive de utilizar serviços dessa natureza. Pelo contrário, sempre fui muito bem assessorado. Comercialista - A assessoria jurídica tem um papel relevante para a economia do país, representando um dos pilares da atividade empresarial. Essa importância não é acompanhada, contudo, da devida atenção, principalmente por pequenos e médios empreendedores, às diversas consequências e riscos jurídicos que podem decorrer do exercício da empresa, a exemplo da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica. Mesmo diante das diversas iniciativas para informar os empreendedores, o que falta para que as questões jurídicas sejam, de fato, encaradas com a devida seriedade? Abram Szajman - Temos plena consciência dessa questão. É por causa disso que o papel exercido pelas entidades como a FECOMERCIO acaba se tornando relevante, pois é nossa obrigação fazer valer esses procedimentos e princípios, principalmente entre os pequenos que muitas vezes os desconhecem e, em alguns casos, os ignoram.

2 Cf. <http://ultimosegundo.ig.com.br/os-60-mais-poderosos/abram-szajman/520950d4064f0c2b5c00001f.html>

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Abram Szajman - A evolução tecnológica é realizada nos dias atuais em todas as esferas, seja no setor privado, seja no setor público, inclusive no Poder Judiciário. E a cada dia que passa, essas transformações são ainda mais rápidas e necessitam de respostas mais imediatas. Com relação aos serviços jurídicos, considerando que não há legislação específica para regular a matéria, o Poder Judiciário tem utilizado a legislação aplicável a cada caso (Direito Civil, Penal, Trabalhista, Consumidor etc.) para fundamentar as decisões de questões que envolvem o uso das ferramentas digitais e as implicações que o mau uso podem causar. Assim, acredita-se que os operadores do Direito têm material necessário para orientar corretamente os empresários sobre as novas tecnologias.

le ser que freneticamente busca a concentração de capital, como forma de ampliar seus lucros, contribuindo, ainda que reflexamente, para o aumento da desigualdade social, que talvez seja o maior problema do Brasil. Considerando a situação de enorme falta de recursos e instrução com a qual grande parcela da população ainda sofre, o senhor enxerga alguma possibilidade de es-

postos de trabalho. O empresário é aquele que empreende, e não aquele que acumula capital na forma de conta bancária, como sugeriria a pergunta. O empresário busca freneticamente seu lucro, mas isso não advém da concentração de renda ou da exploração desenfreada dos fatores de produção, isso é apenas um mito, uma figura de retórica. Hoje o investimento é baixo justamen-

“No momento atual o Brasil não tem adotado medidas que facilitem a vida do empreendedor ou ao menos que o desonere” sas pessoas empreenderem ou serem diretamente beneficiadas pela atividade empreendedora daqueles que detêm os recursos?

Abram Szajman - Bom, em primeiro lugar, é o empresário que investe muito e que cresce que gera emprego e distribuição de renda. Essa distribuição é feita tanto através das tributações (que já são exorbitantes no BraComercialista - Muitas vezes o sil), mas também, principalmenempresário é visto como aque- te, pela geração de novos e bons Revista Comercialista | www.ocomercialista.com.br

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Comercialista - No dia 28.11.2013, a FECOMERCIO-SP organizou o evento “Segurança e prevenção para as empresas nas mídias sociais”, clara decorrência da importância crescente de tais métodos na economia brasileira, o que inclusive traz implicações ao setor jurídico. Especialmente do ponto de vista jurídico, os prestadores de serviços de advocacia estão preparados para acompanhar o constante incremento tecnológico das empresas brasileiras?

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te pelos gargalos em educação, em infraestrutura e na formação profissional. O maior interessado em que isso se reverta é o empresário, pois beneficiará a todos, e a ele inclusive. No momento atual, o Brasil não tem adotado medidas que facilitem a vida do empreendedor ou que ao menos o desonere, e isso espanta investimentos. Junto à falta de infraestrutura e formação educacional, o grau de incerteza na economia brasileira, o desalento com o fraco crescimento, a burocracia, a enorme carga tributária e trabalhista formam um ambiente hostil ao investimento.

incerteza jurídica, carga tributária e encargos trabalhistas, etc. Para deixar as coisas mais difíceis, o país perdeu produtividade e competitividade nos últimos anos. Isso se deveu pelo aumento salarial muito acima do aumento da produção, o que levou a um custo médio do produto nacional incompatível com os competidores externos. Salva-se aí (pelo menos por enquanto) o setor agropecuário, onde as vantagens comparativas do país são tão grandes que mesmo com a perda de competitividade ainda permanecemos entre os maiores produtores e exportadores de primários agrícolas, minerais e de pecuária.

Comercialista - Quais são os maiores benefícios e problemas de se investir no Brasil? O que Comercialista - Na opinião do pode ser feito para diminuir es- senhor, qual a importância e o grande diferencial para instises problemas? tuições de fomento econômico Abram Szajman - Os maiores be- e empresarial serem presidinefícios são calcados em um mer- das por grandes empresários, cado interno muito grande, um a exemplo do senhor na FECOdos maiores do mundo. O Bra- MERCIO-SP, do Sr. Paulo Skaf na sil, apesar de uma renda per ca- FIESP e do Sr. Alencar Burti no pita modesta, de cerca de 11 mil SEBRAE-SP? dólares/ano, tem 200 milhões de habitantes e destes um gran- Abram Szajman - A FECOMERde contingente de consumidores CIO é uma entidade de representradicionais e emergentes. Não tação empresarial das atividades foi por acaso que o consumo sus- de comércio, serviços e turismo tentou crescimentos dos PIBs de do Estado de São Paulo. Seu paanos anteriores. pel é interceder pela simplificaOs problemas estão dissemina- ção burocrática e pelas políticas dos. Em primeiro lugar, o modelo econômicas que afetam seus somente pautado no consumo dá representados, as milhares de sinais de exaustão. Além disso, empresas, de pequeno a graninvestir no Brasil é arriscado, pa- de porte, localizadas no espaço ra os padrões europeus, japone- geográfico que representamos. ses ou americanos – burocracia, Embora a entidade seja presidi-

da por mim, todas as decisões que são adotadas emanam da base que a compõe, ou seja, os 154 sindicatos patronais que a formam. Cada sindicato indica 2 delegados para participarem da diretoria e dos diversos órgãos de estudo. Ao todo temos hoje 23 órgãos de estudo que são compostos por esses representantes, por especialistas não sindicalizados. É deste conjunto que derivam todas as decisões. Comercialista - Quais são as grandes metas de sua gestão na FECOMERCIO-SP? Abram Szajman - Além de atuar como guia para o setor e para a sociedade e de se pautar em sua credibilidade para promover o desenvolvimento de seu segmento de atuação, a FECOMERCIO incorporou a bandeira da criatividade. A entidade acredita que o cumprimento de sua missão é mais efetivo com o fomento do espírito criativo que leva à geração de novas ideias e soluções. Faz sentido, já que a inovação é a chave do sucesso para uma sociedade mais justa e para uma economia mais eficiente. Com os sindicatos filiados, a FECORMERCIO busca sempre aprimorar a arte de empreender, tornando acessíveis novas técnicas de gestão e organização empresarial. Por esse motivo, a entidade reforça seu posicionamento a favor de reformas que impulsionem a economia e a sociedade e que signifiquem menor carga tributária, burocracia e aprimoramento das relações do trabalho.

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O subprime e a Teoria da Causa Uma análise da crise econômico-financeira de 2007 Por João Gilberto Belvel Fernandes Júnior*

Introdução: crise de 2007 e o subprime

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e uma das funções do Direito é a de viabilizar um mercado razoavelmente seguro, em que os agentes econômicos possam operar racionalmente, é imprescindível que haja um esforço do jurista no sentido de criar ou utilizar os meios do ordenamento jurídico para prevenir ou remediar os efeitos das crises econômico-financeiras. Contudo, se é correto que os modelos da Economia se desenvolvem no ritmo das operações mercadológicas – cada vez mais velozes e menos apreensíveis, em virtude dos avanços tecnológicos e da globalização econômica –, parece utópica a afirmação de que o Direito deve acompanhá-los em tempo real, sem conhecer das consequências juridicamente relevantes de sua aplicação no mundo dos fenômenos. A Ciência Jurídica, afinal, não compreende uma “futu1 Dados retirados de ALEXANDRE, Fernando et al. Crise financeira internacional. Coimbra, Portugal: Estado da Arte. 2009.p 2 Sobre securitização, ver: CAMINHA, Uinie. Se-

rologia” acerca do mercado e da Economia. Viabilizar um mercado razoavelmente seguro, portanto, é missão que se cumpre impedindo ou regulando as práticas econômicas que se mostraram, empiricamente, perigosas ou prejudiciais para o eficiente funcionamento do mercado. Tendo isto como pressuposto, é preciso que se analise a crise financeira de 2007, que em 2008 gerou a crise econômica conhecida como a crise dos subprimes, a fim de delimitar quais instrumentos jurídicos serão aptos a explicar e apontar os vícios em que incorreram os agentes de mercado. O mais evidente dos fatores geradores desta crise é aquele que a nomeou. Subprime é o nome dado ao segmento de empréstimos (rectius: financiamentos) concedidos a indivíduos que não apresentam as características apontadas pelas agências patrocinadas pelo governo norte-americano como parâmetros de atribuição de crédito, em opo-

sição ao segmento prime, cujos empréstimos (financiamentos) apresentam estas características. O segmento alt-A se apresenta como uma gradação entre o subprime e o prime, neste contexto. O crescimento, no mercado, dos segmentos de maior risco – subprime e alt-A – poderia ter sido visto como um augúrio da crise. De fato, tem-se que, em 2001, apenas 7,2% dos empréstimos realizados nos Estados Unidos eram do tipo subprime, enquanto 2,5% eram do tipo alt-A; já em 2006 – às portas da crise – estes números passaram às marcas de 20,1% e 13,4%1, respectivamente. O afrouxamento dos requisitos mínimos de concessão de crédito, pelas instituições financeiras, principalmente no mercado imobiliário, tem diversas explicações, dentre as quais devem ser ressaltadas a invenção, por Lewis Ranieri, da securitização2 e a crença numa Nova Economia, a partir do fim do período de instabilidade econômi-

curitização. 2ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

4 Argumento comumente apontado pelos economistas que acreditavam nesta tal “Nova Economia” era o da superação, sem grandes dificuldades, da crise das dotcom, que atingiu seu ápice no ano 2000.

3 ALEXANDRE, Fernando et al. Crise financeira internacional. Coimbra, Portugal: Estado da Arte. 2009.p. 64-65.

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ca da década de 1970, a qual seria resiliente a quaisquer fenômenos adversos3-4. Somente o alto risco assumido pelas instituições financeiras ao celebrar os subprimes, contudo, não parece o bastante para explicar a crise. Ora, o que se viu, a partir de 2004 foi o acionar de uma “bomba-relógio” marcada para explodir em 2006. É que a inovação financeira da securitização, ainda, abriu a possibilidade de serem celebrados empréstimos do tipo ARM (adjustable-rate mortgage), cuja taxa de juro é atualizada conforme uma taxa de juro referência somada a uma margem. Nestes empréstimos o período inicial é de taxa fixa – para atrair os emprestadores – e o período final é de taxa indexada5. Em média, dois ou três anos depois de firmado o contrato, os juros começaram a subir, aumentando o valor das prestações dos tomadores que, então, caíram em inadimplência, causando o estopim da crise e a quebra do mercado imobiliário nos Estados Unidos. Dada a importância do subprime no contexto da crise econômica, cumpre ao jurista, no que puder, jogar luzes sobre esta figura, propondo análises que evidenciem as suas deficiências a fim de que se possa coibi-las e, com isto, evitar que gerem con-

sequências prejudiciais à segurança do mercado novamente. Para tanto, propõe-se aqui a análise do subprime de acordo com a noção jurídica da causa.

5 Idem, p. 62-63.

do. 1997. p. 59-72.

6 Sobre as acepções do signo “causa”, ver: AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio jurídico e declaração negocial. 1986, p. 121-129.

8 Da causa no contrato. Recife: Imprensa Universitária, 1966, p. 7-10.

7 Sobre a teoria da causa, ver ainda: COUTO E SILVA, Clóvis do. A Teoria da Causa no Direito Brasileiro. In: FRADERA, Vera Maria Jacob de. O Direito Privado brasileiro na visão de Clóvis do Couto e Silva. Porto Alegre: Livraria do Advoga-

A teoria da causa. Causa suficiente e causa razoável O signo lingüístico “causa” tem significação plúrima. Com isto, quer-se dizer que seu significado varia conforme o campo semântico em que é empregado6. No campo jurídico e, especificamente, em matéria de negócios jurídicos, a “causa”, em muitos ordenamentos estrangeiros – principalmente aqueles influenciados pelo Code Civil francês e o Codice Civile italiano – é alçada a requisito de validade do negócio. Não o faz, expressamente, o Código Civil brasileiro, no art. 104, o que motiva parte da doutrina nacional – chamada anticausalista – a afirmar que nosso ordenamento prescinde da causa para reconhecer a existência e validade de um negócio. Esta afirmação não pode subsistir a uma análise ontológica do ato jurídico7. É que o ato jurídico tem como elemento essencial a manifestação de vontade – a qual, aliás, tampouco consta da enumeração do art. 104 do NCC –, sendo, portanto, o ato, necessariamente, um ato causado, con-

9 Sobre o binômio causa razoável e causa sinalagmática, ver: SILVA, Luis Renato Ferreira da.A noção de sinalagma nas relações contratuais e paracontratuais (uma análise à luz da teoria da causa). Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São

forme a rigorosa argumentação de Torquato Castro8. Para o ato ser cunhado de jurídico, ele deve ser causado pelo agente com a finalidade de gerar efeitos jurídicos, o que significa que estes atos possuem uma causa final, no sentido aristotélico. Além disso, para que incida a norma jurídica sobre determinado fato ou ato, é necessário que este contenha elementos subsumíveis à prótase da norma, o que significa dizer que os fatos enunciativos dos eventos do mundo fenomênico que adentram o mundo jurídico devem possuir uma causa de juridicidade. É neste sentido que o conceito de causa razoável – que, com a causa sinalagmática, forma um binômio9 – se faz útil ao aplicador do direito. É ela a própria causa de juridicidade de um ato humano – causa naturalis ou causa civilis10; a vestimenta que determinado ato realizado no mundo fenomênico deve apresentar para adentrar ao mundo jurídico. Já a causa sinalagmática é a causa de juridicidade específica para que um ato jurídico – categoria mais genérica – seja considerado um negócio jurídico bilateral (ou seja, um contrato); em outras palavras, para que um ato realizado no mundo fenomênico seja considerado um contrato, ele deverá possuir, além

Paulo, 2001; PENTEADO, Luciano de Camargo. Doação com encargo e causa contratual. Campinas: Millenium, 2004, p. 75-79; PENTEADO, Luciano de Camargo. Causa concreta, qualificação contratual, modelo jurídico e regime normativo: notas sobre uma relação de homologia a partir de julgados brasileiros. Revista de Direito Privado, DTR\2004\625, vol. 20, p. 235, 2004. 10 Sobre causa de juridicidade: AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Declaração... p.123.

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de uma causa razoável (que o faça ser reconhecido como um ato jurídico), uma causa sinalagmática (que torna o próprio ato jurídico um negócio jurídico bilateral)11. E esta vestimenta não pode ser outra senão o reconhecimento social de que determinado acordo tem o escopo de vincular as partes. O direito italiano, por exemplo, identificou a causa razoável com a patrimonialidade do objeto do acordo, no art. 1.321 do Codice Civile. Não havendo norma semelhante no direito pátrio, pode-se identificar esta causa pelo critério das circunstancias negociais socialmente reconhecidas12. A depender do tipo de causa razoável, ainda, o negócio será subsumido a determinado tipo contratual. Dado que um acordo seja passível de ser chamado de negócio jurídico, tem-se que este acordo, se considerado como um contrato, deve possuir uma causa sinalagmática – também chamada de causa suficiente. Que não se confunda causa sinalagmática com contrato sinalagmático; a primeira é intrínseca da própria figura genérica do contrato, enquanto a segunda faz referência aos contratos comutativos, uma espécie do gênero contrato em que são criados direitos e obrigações para am-

bos contratantes. A causa sinalagmática é a relação de proporção que deve haver entre as condutas dos contratantes, de modo que se mantenha certo equilíbrio entre elas. Nos contratos unilaterais esta causa persiste, ainda que de mais difícil visualização. Por exemplo, no contrato de mútuo – um contrato unilateral real, que gera obrigações somente para uma parte –, só existe o dever de restituição da coisa, pelo mutuário, se tiver havido a entrega da coisa, anteriormente, pelo mutuante. Segundo Luciano de Camargo Penteado, o processo de consensualização dos contratos reais, que se tornam onerosos, dá ainda mais evidência à sinalagmaticidade destes negócios13.

Quando se fala em subprimes no contexto da crise financeira de 2007 e da subseqüente crise econômica de 2008, se está falando de um contrato de mortgage em que a parte que contrata com a instituição financeira não apresenta as características que as agências patrocinadas pelo governo norte-americano apon-

11 Neste sentido, perde o sentido conceituar o contrato como sendo um “acordo de vontades”, fórmula que é repetida pela manualística brasileira à exaustão e que não é mais do que uma excrescência teórica de. O contrato não surge de um “acordo de vontades”, até porque as vontades não concordam, a rigor: antes, determinam um fim comum a ser atingido, mas continuam sendo as vontades de seus titulares; vontade esta voltada para a satisfação de seus próprios interesses individuais. Deve-se, tendo isto em conta, considerar que o contrato se constitui como uma estrutura negocial “gerada

pela soldagem, no plano da eficácia, dos efeitos típicos de no mínimo duas declarações negociais: a oferta e a aceitação” (TOMASETTI JR., Alcides. Abuso de poder econômico e abuso de poder contratual. Regime jurídico particularizado. Denunciabilidade restrita da relação contratual a tempo indeterminado. Contrato de fornecimento interempresarial. Monopólio estatal de sociedade fornecedora. Aumento arbitrário de lucros. Ilícitos constitucionais e de direito comum. Providências processuais corretivas. Doutrinas Essenciais: Obrigações e Contratos. vol.4. jun.2011. São Paulo: Revista dos Tribunais).

Mortgage, subprime e causa sinalagmática

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tam como parâmetros de atribuição de crédito. Está-se falando de altos riscos e baixas garantias. Em traços largos, o mortgage14 é uma espécie de empréstimo – com relação ao tomador – ou financiamento – com relação à instituição financeira – em que é dado como garantia um bem imobiliário – daí este tipo contratual ser comumente usado como financiamento à moradia. O imóvel, então, constitui o lastro da obrigação, o qual será executado em caso de inadimplemento do tomador do empréstimo. Considerando a causa sinalagmática, tem-se que a garantia do mortgage deveria ser proporcional ao empréstimo tomado, sob pena de se gerar uma obrigação inexeqüível e de se descaracterizar a própria figura contratual – ao que está associada, também, a causa razoável. O que se verificou, contudo, no contexto pré-crise, foi que os mortgage da categoria subprime não observavam esta exigência :a bem da verdade, o subprime criava a situação de se institucionalizar o desequilíbrio entre o crédito contraído e a garantia, já que ela recaía sobre um imóvel cujo valor declarado era superior ao valor real da sua cotação no mer-

12 Sobre as circunstâncias negociais, ver: AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio Jurídico: existência, validade e eficácia. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 118-125. 13 Causa... 14 Sobre mortgage e hipoteca, ver: COUTO E SILVA, Clóvis do. A hipoteca no Direito Comparado. In: FRADERA, Vera Maria Jacob de. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997,p. 137-176.


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cado – situação vedada no Brasil, atualmente, pela Lei 11.922 de 2009, que no seu art. 6º determina que a avaliação do imóvel deve ser feita pelo agente financeiro. Dado que a instituição financeira, mediante securitização, emitia títulos de seu crédito no mercado financeiro – títulos estes cujos níveis de riscos eram artificialmente modificados, através de arranjos de créditos de diferentes características – percebeu-se que o crédito cambiário, dispersado na velocidade das transações econômicas via internet, podia percorrer o globo terrestre sem que tivesse, efetivamente, condições de ser adimplido. O vício causal do subprime, então, transcendeu o contrato celebrado entre as partes e passou a impregnar todo o mercado. Foi o estopim da crise – conforme dito supra – o aumento dos juros, com o início do período de taxa indexada dos empréstimos ARM, em 2006. Sem ter como arcar com o aumento das parcelas do mortgage, os devedores caíram em inadimplência, o que provocou a reação natural de aumento abrupto da oferta dos títulos de dívida imobiliária no mercado, por aqueles que antes os tinham adquirido, configurando uma verdadeira queda-livre no mercado imobiliário norte-americano. Diminuído o valor dos imóveis por este movimento, viram-se ainda mais diminuídas as garantias dos empréstimos. Eclodiu a bolha de capital podre dos subprimes. Suas conseqüências foram sentidas, diretamente, em todos os locais do globo por onde tinham se espalhados os títulos da dívida imobiliária norte-americana; indiretamente, as econo-

mias nacionais de todo o planeta sentiram os efeitos da crise, sendo as mais afetadas as economiasdos países mais desenvolvidos e países em desenvolvimento cujas relações comerciais dependiam em maior parte do comércio com os Estados Unidos.

Conclusões O que se pode concluir desta rápida análise do subprime, figura que protagonizou a crise financeira de 2007 e a conseqüente crise econômica de 2008, à luz da teoria da causa e, mais especificamente, do binômio de conceitos causa razoável e causa sinalagmática é que: I) os contratos de mortgage da categoria subprime apresentam vícios causais genéticos com relação à sua sinalagmaticidade, havendo desproporção entre crédito e garantia; e II) negociados os títulos de dívida imobiliária gerados pelos mortgage da categoria subprime, mediante securitização, no mercado financeiro global, os vícios causais mostraram-se capazes de transcender a relação contratual, afetando mercados de todo o planeta.

trato. Recife: Imprensa Universitária, 1966. FRADERA, Vera Maria Jacob de. O Direito Privado brasileiro na visão de Clóvis do Couto e Silva. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 1997. PENTEADO, Luciano de Camargo. Doação com encargo e causa contratual. Campinas: Millenium, 2004. _______. Causa concreta, qualificação contratual, modelo jurídico e regime normativo: notas sobre uma relação de homologia a partir de julgados brasileiros. Revista de Direito Privado, DTR\2004\625 SILVA, Luis Renato Ferreira da. A noção de sinalagma nas relações contratuais e paracontratuais (uma análise à luz da teoria da causa). Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001 TOMASETTI JR., Alcides. Abuso de poder econômico e abuso de poder contratual. Regime jurídico particularizado. Denunciabilidade restrita da relação contratual a tempo indeterminado. Contrato de fornecimento interempresarial. Monopólio estatal de sociedade fornecedora. Aumento arbitrário de lucros. Ilícitos constitucionais e de direito comum. Providências processuais corretivas. Doutrinas Essenciais: Obrigações e Contratos. vol.4. jun.2011. São Paulo: Revista dos Tribunais.

Referências Bibliográficas ALEXANDRE, Fernando et al. Crise financeira internacional. Coimbra, Portugal: Estado da Arte. 2009. AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio jurídico e declaração negocial. 1986. ______. AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio Jurídico: existência, validade e eficácia. São Paulo: Saraiva, 2010. CAMINHA, Uinie.Securitização. 2ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. CASTRO, Torquato. Da causa no con-

* João Gilberto Belvel Fernandes Júnior Graduando do curso de Direito da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP. Vice-Presidente da Jurisconsultus, Empresa Júnior dos Alunos da FDRP/USP. Bolsista de iniciação científica da Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade de São Paulo com o projeto intitulado: “Os contratos imobiliários e seu equilíbrio no contexto da crise econômica mundial”.

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Lei Anticorrupção: apontamentos gerais em tons alvissareiros Por Luciano Inácio de Souza* e Guilherme Teno Castilho Missali**

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m 1º de agosto de 2013, a Presidente Dilma Roussef sancionou a aguardada Lei nº. 12.846 (“Lei Anticorrupção”, designada também por “Lei da Empresa Limpa”), que dispõe sobre a responsabilidade administrativa e civil da pessoa jurídica por atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e representa a observância de um compromisso internacional assumido pelo Brasil no combate à corrupção. Referida lei, publicada no Diário Oficial da União em 2 de agosto de 2013, cuja vigência se inicia em 29 de janeiro de 2014, já implica em uma mudança de cultura por parte do empresariado (mudança essa que já é percebida no contexto pré-lei). Não obstante a existência de aspectos ainda passíveis de regulamentação, a Lei Anticorrupção se fazia premente e vem, com efeito, no melhor interesse de estimular um ambiente transparente e harmônico entre o Estado e o setor privado. Em resumo, o que se espera é que a Lei Anticorrupção fomente um diálogo mais sinérgico entre esses dois setores, focando a análise econômica da corrupção, propiciando um ambiente saudável de interação. Nesse sentido e em razão da proximidade da entrada em vigor da Lei Anticorrupção é que esse

artigo foi almejado. Inicialmente, faz-se necessária uma contextualização panorâmica e não menos didática acerca dos principais pontos introduzidos por essa lei, tecendo considerações objetivas sobre possíveis desafios a serem experimentados na agenda brasileira, seja do ponto de vista governamental, seja da perspectiva do setor privado. Com o panorama introdutório, será possível refletir acerca de potenciais prognósticos no âmbito da comunidade jurídica, a fim de capturar o atual retrato das discussões. Como diagnosticado, estamos diante de um novo ciclo nas relações entre empresas e Administração Pública. A título de referência, a Lei Anticorrupção buscou atender o compromisso assumido pelo Brasil junto à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) no ano de 2000. Naquela época, o País ratificou a convenção sobre o combate à corrupção de funcionários públicos estrangeiros em transações comerciais internacionais. Como se depreenderá, a Lei Anticorrupção foi além dos termos delineados na convenção. Delimitado o escopo deste artigo, um ponto de discussão relevante diz respeito à abrangência legal: a Lei Anticorrupção se aplica a todas as empresas, ou, mais tec-

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nicamente, todas as pessoas jurídicas são atingidas por essa lei, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado (incluindo fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro). Pois bem, de acordo com o artigo 5º da Lei Anticorrupção, que notadamente ampliou os tipos de atos ilícitos, nas esferas civil e administrativa, constituem atos lesivos à administração pública, aqueles que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, podendo ser sumarizados nos seguintes termos gerais: (i) prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público ou terceiros; (ii) de forma comprovada, subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos na lei; (iii) de forma comprovada, utilizar interposta pessoa (física ou jurídica) para ocultar ou dissimular os atos ilícitos ou seus beneficiários; (iv) em sentido amplo, fraudar processos licitatórios e contratos públicos; ou


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(ii) publicação extraordinária (v) dificultar atividades de fiscade extrato da decisão condenatória lização e/ou investigação. em meios de comunicação de granUm aspecto sensível nessa pro- de circulação na área da prática da blemática diz respeito à solidarie- infração e de atuação da pessoa judade das obrigações. Em outras rídica condenada, representando palavras, há solidariedade, isto é, uma punição com viés nitidamensubsistência de responsabilida- te reputacional. Verifica-se que a multa em quesde entre sociedades controladotão nunca será inferior à vantagem ras, controladas, coligadas ou das auferida quando for possível sua consorciadas, no âmbito do respectivo contrato, pela prática dos estimação, e, na hipótese de não atos lesivos à administração públi- ser possível utilizar o critério do ca. Ressalva-se que tal solidarie- valor do faturamento bruto, a muldade está restrita ao pagamento ta poderá variar entre R$ 6.000,00 de multa e reparação integral do (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 dano causado, não sendo possível, (sessenta milhões de reais). Além em razão da solidariedade, a apli- disso, ressalve-se que malgrado as sanções acima, a obrigação de recação de outras penalidades preparar o dano causado permanece vistas na Lei Anticorrupção. Sem prejuízo disso, entretan- e a obrigação é estendida para outo, e conforme será discutido, a tras pessoas jurídicas integrantes estruturação de um programa de do grupo empresarial. Para efeitos de aplicação das recompliance, que abarque todas as empresas do mesmo grupo eco- feridas sanções, a lei estabelece os nômico, e o seu respectivo cum- seguintes fatores de ponderação: primento são medidas louváveis, (i) gravidade da infração; (ii) vaninclusive incentivadas pela lei co- tagem auferida ou pretendida pemo na inteligência dessa nova di- lo infrator; (iii) consumação ou não da infração; (iv) grau de lesão ou nâmica regulatória. perigo de lesão; (v) efeito negativo produzido pela infração; (vi) siEsfera Administrativa tuação econômica do infrator; (vii) cooperação da pessoa jurídica paEm termos de sanção adminis- ra a apuração das infrações; (viii) trativa, o artigo 6º da Lei Anticor- existência de mecanismos e procerupção aduz que, uma vez cons- dimentos internos de integridade, tatada a ocorrência do ato lesivo, auditoria e incentivo à denúncia de as seguintes sanções poderão ser irregularidades e a aplicação efetiaplicadas, de forma fundamenta- va de códigos de ética e de conduta da, isolada ou cumulativamente, no âmbito da pessoa jurídica; e (ix) a depender das peculiaridades do valor dos contratos mantidos pela caso concreto e da gravidade e na- pessoa jurídica com o órgão ou entureza das infrações: tidade pública lesados. (i) multa, que pode variar de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento Programas de Compliance bruto do último exercício anterior Nesse diapasão, inconteste saao da instauração do processo adlientar o papel desempenhado peministrativo; e

los programas de compliance, tal como identificado acima. A estruturação de um programa de “boas práticas” robusto e efetivo tende a ser visto pelas autoridades como uma ferramenta de crucial importância para efeitos de amenizar eventual imposição de sanção. Não por acaso, pois, tem-se vislumbrado crescente atenção por parte das empresas no que tange à elaboração e respectiva implementação de programas de compliance maduros e consistentes, englobando canais de denúncia, auditorias internas e códigos de ética e conduta. Na prática e em geral, as empresas têm-se mostrado sérias e comprometidas com esse propósito, qual seja, estruturar e incrementar os correspondentes mecanismos internos de controle e regulação. Tal esforço se mostra plausível e reflete os primeiros e positivos sinais da Lei Anticorrupção. Integridade e transparência surgem como baluartes para que as empresas reforcem os controles internos de monitoramento. Assinala-se, porém, que os parâmetros valorativos pertinentes à efetividade dos mecanismos e procedimentos de programas de compliance estão pendentes de esclarecimento no âmbito da legislação, cujo regulamento é aguardado dentro de um horizonte próximo.

Acordo de Leniência Em compasso com a Lei nº. 12.529/2011 (“Lei de Defesa da Concorrência”), a Lei Anticorrupção também contempla o acordo de leniência. Esse instrumento pode, ao final, resultar em isenção de determinadas sanções, daí sua no-

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16 Doutrina toriedade. Para tanto, faz-se indispensável que as pessoas jurídicas infratoras, na qualidade de beneficiárias do acordo, colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, de sorte que dessa colaboração resulte (i) a identificação dos demais envolvidos na infração, quando possível; e (ii) a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração, racional parelho ao da Lei de Defesa da Concorrência. Sabidamente, há certos requisitos para a celebração do acordo de leniência, que devem ser preenchidos cumulativamente, consoante o artigo 16 da Lei Anticorrupção: (i) a pessoa jurídica deve ser a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito; (ii) a pessoa jurídica deve cessar completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo; e (iii) a pessoa jurídica deve admitir sua participação no ilícito e cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento. O acordo de leniência costuma ser visto como um instrumento virtuoso, particularmente sob o enfoque da empresa, vez que, por meio dessa medida a mesma estará isenta da publicação extraordinária da decisão condenatória e da proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos, conforme delimitado oportunamente, bem como terá uma redução de até 2/3 (dois terços) quanto ao valor da multa aplicável. Inobstante a ce-

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lebração do acordo de leniência, o mesmo não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado, o que se mostra em consonância com o comando legal. Pontue-se que a Controladoria-Geral da União - CGU é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem como em casos de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira.

Esfera Judicial Independentemente da esfera administrativa, a responsabilidade da pessoa jurídica não afasta a possibilidade de sua responsabilização na seara judicial. Nesses termos, no que concerne à responsabilização judicial, dispõe o artigo 19 que as seguintes sanções, isolada ou cumulativamente, poderão ser aplicadas às pessoas jurídicas infratoras, conforme ação ajuizada pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios e Ministério Público: (i) perdimento dos bens, direitos ou valores; (ii) suspensão ou interdição parcial das atividades; (iii) dissolução compulsória; e (iv) proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo de 1 (um) a 5 (cinco) anos. Nesse caso, o rito a ser seguido será o da ação civil pública. Em relação à dissolução compulsória, a mesma será determinada, nos termos legais, quando

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restar caracterizada: (i) ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou (ii) ter sido constituída para fins de ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados. Em paralelo, sublinhe-se o tópico das informações obtidas no contexto da Lei Anticorrupção. Com o propósito de coletar e dar publicidade às sanções aplicadas em todos os poderes e esferas, bem como aos acordos de leniência firmados sob a égide da Lei Anticorrupção, criou-se, no âmbito do Poder Executivo federal, o Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP. Dentre as informações sobre as sanções aplicadas, que deverão estar constantemente atualizadas, estarão incluídas (i) razão social e número de inscrição da pessoa jurídica ou entidade no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ; (ii) tipo de sanção; e (iii) data de aplicação e data final da vigência do efeito limitador ou impeditivo da sanção, quando aplicável. Frise-se que os registros da base de dados do CNEP serão excluídos após depurado o prazo estabelecido no ato sancionador ou, no caso de acordo de leniência, quando de seu cumprimento integral e eventual reparação do dano causado. Acerca do prazo prescricional para aplicação de eventual sanção, este será de 5 (cinco) anos, contado a partir da data da ciência da infração ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. Igualmente, no quesito da territorialidade legal, não se pode olvidar que a Lei Anticorrupção se aplica também aos atos lesivos


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praticados por pessoa jurídica brasileira contra a administração pública estrangeira, ainda que cometidos no exterior. Um aspecto colateral e não menos importante, que tende a se acentuar nos debates futuros, versa sobre a interação da Lei Anticorrupção com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), notadamente em face de atos que constituam, simultânea e concomitantemente, infração à ordem econômica. A propósito, encoraja-se fortemente o diálogo entre a CGU e o CADE com o fito de se atingir um entendimento uniforme e congruente sobre os atos passíveis de apreciação por esses órgãos. De igual sorte, a Lei Anticorrupção não elidiu a competência e aplicação de penalidades derivadas da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº. 8.429/92), da Lei de Licitações Públicas (Lei nº. 8.666/93), além de as alterações da Lei de Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC- Lei nº. 12.462/11). Finalmente, a título provocativo e sem adentrar no mérito legal, não se pode negligenciar o alcance relativamente restrito da Lei Anticorrupção. A esfera criminal não foi considerada para efeitos da lei em apreço, o que ensejou hesitações e questionamentos em torno de sua efetividade. Ora, a cultura brasileira é estigmatizada sob o signo do “jeitinho” e, como consequência, há uma descrença associada ao cumprimento da lei quando de sua introdução (sem uma medida enérgica, uma dada lei costuma engrenar lentamente no Brasil, prevalecendo um estágio generalizado de letargia). Diversamente é o que se espera da Lei Anticorrupção, vis à vis o rigor normativo.

Conclusão Preliminar Com base no exposto, os seguintes apontamentos gerais são evidenciados: (i) a responsabilização objetiva da pessoa jurídica com a manutenção da responsabilidade em casos abarcando operações societárias; (ii) o enfoque nas esferas civil e administrativa: a esfera criminal não foi almejada nessa lógica; (iii) a abrangência nacional: a Lei Anticorrupção se aplica no âmbito da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, e em todas as esferas de poder: Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. De fato, há pontos suscetíveis de debates, cujo endereçamento é esperado por meio de regulamentação. Sucintamente, (i) os ritos e as condições para celebração de acordo de leniência; (ii) os critérios objetivos para o cálculo da multa, inclusive a sua destinação no contexto da responsabilização judicial;; e (iii) os procedimentos para a estruturação de programas de compliance, são tópicos que carecem de uma explicitação mais efetiva. Outro ponto que ecoa no empresariado diz respeito à pluralidade de órgãos competentes aptos a condenar empresas por violações à Lei Anticorrupção. Isto porque referida lei previu competência à autoridade máxima de cada órgão/entidade dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em que tenha havido o suposto ato lesivo, com a possibilidade de delegação única. De toda forma, ainda que certos tópicos demandem esclarecimentos práticos, evidências das tratativas preliminares dão conta de que a Lei Anticorrupção veio, de fato, como um divisor de águas

na cultura das empresas instaladas no Brasil. Percebe-se um novo espírito, um novo racional por detrás das políticas empresariais estampadas sob o mote da transparência e cooperação. Acredita-se que a Lei Anticorrupção será fio condutor para o estreitamento das políticas empresais, aptas a incrementar a produtividade e reduzir custos de transações, funcionando como incentivo negativo à prática de ilicitudes, alterando efetivamente o modus operandi corporativo. Concluindo, nota-se preocupação latente por parte das empresas no sentido de adequar as políticas e procedimentos internos. Isso traduz determinação e comprometimento à luz do novo comando legal que, sem prejuízo de aprimoramentos, naturalmente necessários em sede de qualquer legislação inaugural, acredita-se, representou um marco alvissareiro, anunciador de bom presságio para a conjuntura nacional.

* Luciano Inácio de Souza Master of Laws pela Georgetown University Law Center e advogado associado do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados, nas áreas de Direito Concorrencial e Anticorrupção. ** Guilherme Teno Castilho Missali Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (2011) e advogado associado do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados, nas áreas de Direito Concorrencial e Anticorrupção.

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Uma análise Comparativa entre a Notificação Prévia e a Notificação a Posteriori dos atos de concentração Econômica Por Rodrigo Fialho Borges* Introdução

O

desenvolvimento deste trabalho pretende demonstrar as principais diferenças entre os sistemas de análise prévia e a posteriori dos atos de concentração econômica, ressaltando as qualidades e defeitos de cada um desses modelos de controle de estruturas, com a finalidade de verificar se o novo sistema de análise prévia adotado pelo CADE tem gerado benefícios ao ambiente econômico em geral. De início, no capítulo 2, é feita uma abordagem sobre a necessidade que os agentes do mercado têm de realizarem concentrações de capitais, identificando quais as vantagens e desvantagens desse tipo de operação, a fim de explicitar os motivos pelos quais pode se revelar necessária a notificação dos atos de concentração. No capítulo 3, passa-se à análise do sistema que exige a notificação 1 “Other things being equal, therefore, a firm will tend to be larger: (a) the less the costs of organising and the slower these costs rise with an increase in the transactions organised. (b) the less likely the entrepreneur is to make mistakes and the smaller the increase in mistakes with an increase in the transactions organised. (c) the greater the lowering (or the less the rise) in the supply price of factors of production to firms of larger size.” COASE, Ronald H. The Nature of the Firm. Economi-

O aumento do tamanho das empresas pode ser justificado pelos benefícios criados em decorrência do crescimento do número de transações realizadas pelo empresário. À medida que as empresas conseguem incorporar à sua estrutura atividades que seriam, de outra forma, contratadas no mercado, há uma diminuição dos custos de transação. Nesse sentido, as sociedades mais eficientes seriam aquelas que conseguem desenvol-

ver uma estrutura que permita a redução desses custos. Explica-se, portanto, que a redução dos custos de transação pode determinar, até certo limite, o crescimento da estrutura empresarial.1 Diante disso, ao olhar para o mercado, é possível perceber que as empresas podem crescer e, assim, aumentar o número de transações realizadas, basicamente (i) pelo seu mérito mercantil, seu reconhecimento individual no mercado, o que pode ser demorado, principalmente se o crédito não for amplo; ou (ii) pela absorção das estruturas já consolidadas de umas pelas outras, o que de certa forma atalha o caminho do crescimento.2 A concentração dos agentes econômicos decorre, portanto, dentre outros fatores, da busca pelo aumento do número de transações de maneira mais rápida, ou seja, da ambição pela expansão da empresa, que beneficia o empre-

ca, New Series, n. 4 (16), 1937, pp. 392-397. Em tradução livre: “Desde que outros fatores sejam iguais, portanto, uma empresa tende a ser maior na medida em que (a) forem menores os custos de transação e mais lentamente esses custos cresçam com um aumento do número de transações, (b) menos propenso a cometer erros o empresário for e menor for o aumento do número de erros em virtude do aumento do número de transações, (c) maior for a redução (ou menor o aumento) do preço

de fornecimento dos fatores de produção para empresas de maior dimensão.” 2 De acordo com a Professora Forgioni, “a centralização do capital na mão de poucos agentes econômicos faz com que se possa atingir resultados que, em princípio, não seriam viabilizados (ou seriam muito mais lentos) caso o mesmo capital permanecesse pulverizado.” FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 402.

prévia, sendo apresentada uma reflexão crítica sobre tal modelo com a identificação de eventuais problemas a ele intrínsecos. Por fim, no capítulo 4, apresentam-se as características dos sistemas que adotam a notificação a posteriori dos atos de concentração, ressaltando também as dificuldades encontradas em tal modelo.

A notificação dos atos de concentração

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sário e, até determinado ponto, a sociedade e o mercado em geral. O termo concentração está ligado à ideia de acúmulo de riquezas em poucas mãos, relaciona-se com o aumento de poder econômico de agentes do mercado e identifica, dessa maneira, situações em que há uma aglutinação de poder ou de capacidade de alterar condições do mercado.3 As concentrações são classificadas em três categorias distintas, quais sejam (i) as horizontais, que ocorrem entre concorrentes diretos, agentes que atuam no mesmo mercado relevante; (ii) as verticais, processadas entre empresas que atuam, de maneira concatenada, em diferentes estágios de uma mesma cadeia produtiva, desenvolvendo entre si relações comerciais; e (iii) as conglomeradas, conformando uma categoria residual, na qual se encontram as concentrações entre empresas que atuam em mercados relevantes apartados e não podem ser classificadas como horizontais ou verticais, cada uma das quais apresenta especificidades e benefícios diversos aos agentes do mercado.4 Dentre as razões ou objetivos das concentrações, é possível destacar:

(i) o arrefecimento da concorrência entre os agentes econômicos; (ii) a viabilização de economias de escala5 e o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis; (iii) o controle sobre pessoal especializado, patentes, direitos de propriedade intelectual e outros privilégios; (iv) a preservação da continuação das atividades empresariais; e (v) diversos outros fatores, como economias tributárias, opção de investimento de capital, estratégia empresarial ou diversificação para a diminuição de riscos ligados à atividade.6 O Professor José Marcelo Martins Proença, ao exemplificar as possíveis vantagens obtidas pelas concentrações, traz fatores como a economicidade na produção e distribuição em economia de escala, inovação e racionalização, a capacidade de empreender projetos de pesquisa e desenvolvimento, benefícios financeiros derivados do maior crédito dado às grandes empresas ou a diminuição de risco em razão da redução à sensibilidade das flutuações conjunturais, além da diversificação setorial da atividade econômica. Lembra, por fim, que duas outras vantagens proporcionadas às empresas pelas concentrações são

perigosas e merecem atenção: a superioridade de sua posição no mercado, que poderia ser danosa à livre concorrência, e a acumulação de poder econômico, que pode até ser utilizado como poder político.7 Nesse sentido, é possível afirmar, como fez a Dra. Ana Paula Martinez, que “a princípio, concentrações não levam a preocupações concorrenciais. Pelo contrário, elas geralmente são pró-competitivas, com a geração de economias de escala e/ou de escopo, com a redução dos custos de transação e melhor alocação dos recursos na sociedade.”8 Todavia, como mencionou o Professor Proença, das concentrações podem decorrer efeitos nocivos à livre concorrência9-10 em determinadas situações, exigindo-se, portanto, certo controle para tais operações. Assim, ao mesmo tempo em que cria inúmeros benefícios à atividade empresarial e aos empresários, com ganhos de eficiência e desenvolvimento de novas tecnologias, que podem, consequentemente, ser repassados aos consumidores e empregados, fomentando, portanto, o progresso econômico de maneira geral, a concentração empresarial traz consigo preocupações con-

3 Idem, ibidem, pp. 394-395.

cia. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 10.

lheiros Editores, 2006, item 89, p. 204.

4 V., para detalhamento das categorias de concentrações, SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial: as estruturas. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, pp. 300-324.

8 MARTINEZ, Ana Paula. Controle de Concentrações Econômicas em Países em Desenvolvimento: uma contribuição jurídica à análise de custo-benefício. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 79.

10 O Professor Proença afirma que, na atual ordem econômica brasileira, “a livre concorrência é um princípio ao qual a livre iniciativa deve se submeter” e, nesse sentido, estabelece o seguinte: “Aliando-se a possibilidade de se impor restrições ao exercício da liberdade empresarial e harmonizando-se o princípio da livre concorrência com a busca da existência digna, conforme os ditames da justiça social, é que se pode afirmar que a tutela da livre concorrência pode aparecer como um limite negativo ao fundamento da livre iniciativa.” PROENÇA, José Marcelo Martins, op. cit., pp. 5-6.

5 Economias de escala consistem na redução dos custos médios de produção e são derivadas da expansão da quantidade produzida. Quanto mais se produz, menos se gasta, em média, por unidade. 6 FORGIONI, Paula A., op. cit., pp. 400-401. 7 PROENÇA, José Marcelo Martins. Concentração Empresarial e o Direito da Concorrên-

9 De acordo com o Professor Eros Grau, no ordenamento brasileiro atual, a liberdade de concorrência é, ao lado da liberdade de comércio e indústria, uma das faces do princípio da livre iniciativa. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e crítica). 11ª ed. São Paulo: Ma-

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20 Doutrina correnciais importantes, podendo constituir um fator de instabilidade do sistema.11 Nota-se que os empresários tendem sempre a perseguir o incremento da concentração, objetivando a criação de monopólios, pois eles lhes permitem o domínio do mercado e, por conseguinte, a maior lucratividade. Dessa preocupação com as possíveis consequências nocivas das concentrações e também das cooperações econômicas12, surge o controle de estruturas, que tem em sua base a ideia da possibilidade de se “presumir que uma posição de excessiva concentração de poder tenderá a ser utilizada de forma abusiva.”13 Entende-se, nesse sentido, que

“seria mais fácil evitar que o poder de mercado – entendido como o poder de restringir a produção e/ou os níveis de inovação ou aumentar preços acima de níveis competitivos por um período relevante de tempo – seja criado e/ou fortalecido do que lidar com a situação concretizada, em um estágio posterior. A preocupação básica está em manter uma estrutura de mercado que crie os incentivos adequados para que os agentes continuem competindo de maneira efetiva.” 14 É dessa maneira que, em alguns países, começam a surgir, ou a serem incluídas nas legislações anti11 FORGIONI, Paula A., op. cit., p. 406. 12 “Também os acordos entre empresas podem ser entendidos como práticas concentracionistas, pois, a partir do momento em que dois agentes (concorrentes ou não) se unem, ainda que mantenham sua autonomia, passarão a deter uma vantagem sobre os demais e que, após a operação, transforma-se em

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truste já existentes, normas que estabelecem um controle estrutural das concentrações econômicas. São desenvolvidos meios pelos quais as autoridades competentes poderiam prever a potencialidade danosa de uma operação e, assim, remediar o problema antes mesmo do seu surgimento de fato. Por meio do controle estrutural, são avaliados os riscos concorrenciais resultantes de determinada operação a partir de diferentes critérios adotados. Uma vez reconhecida a potencialidade danosa da operação, a autoridade competente poderá exigir que os agentes tomem determinadas medidas que amenizem o risco à concorrência, como a alienação de partes do estabelecimento ou o encerramento de determinados setores de produção, ou proibi-la integralmente. Quando as autoridades optam pela exigência de determinadas práticas como condição para a realização do negócio, elas o fazem por reconhecer que os benefícios econômicos resultantes da operação não deveriam ser desperdiçados. Assim, para que isso não ocorra, é estabelecida uma situação intermediária em que tais benefícios possam ser aproveitados pelo mercado sem que, ao mesmo tempo, prejuízos concorrenciais sejam muito substanciais. Na hipótese da proibição, no entanto, as autoridades entendem que a lesividade à concorrência seria tão relevante que mesmo a

aprovação parcial da operação seria demasiadamente perigosa. É o Clayton Act norte-americano a primeira norma antitruste que trata especificamente das concentrações econômicas, não obstante a tentativa de se interpretar o genérico texto16 do Sherman Act no sentido de aplicá-lo à disciplina das concentrações. Com o passar do tempo, os sistemas de controle de concentrações evoluem e se adaptam aos diversos contextos econômicos em que são inseridos. Nascem daí variações da regulamentação, como é o caso da diferenciação entre os sistemas de análise prévia e a posteriori dos atos de concentração, que serão respectivamente estudados nos capítulos 3 e 4 a seguir. Além da diferenciação entre análise prévia e a posteriori, extremamente importante para este trabalho será a contraposição entre a obrigatoriedade da notificação dos atos de concentração e a sua facultatividade. Com o desenvolvimento da regulamentação antitruste, alguns países optaram por adotar normas que exigem a comunicação da operação pretendida à autoridade competente para a análise concorrencial. Nesse modelo, se verificada a existência de determinados critérios estabelecidos pelo regramento, a operação deverá ser notificada, sob pena de multas administrativas ou até restritivas de liberdade (caso da Zâmbia).17

maior poder econômico de ambas. Hoje, são cada vez mais comuns contratos que, ao estabelecer esquemas de colaboração/cooperação entre as partes, implicam aglutinação de poder econômico.” Idem, ibidem, p. 395.

15 “Ressentia-se, no texto do Sherman Act, da vagueza de suas previsões.” FORGIONI, Paula A., op. cit., p. 73.

13 SALOMÃO FILHO, Calixto, op. cit., p. 17. 14 MARTINEZ, Ana Paula, op. cit., p. 80.

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16 PROENÇA, José Marcelo Martins, op. cit., p. 14. 17 MARTINEZ, Ana Paula, op. cit., p. 83.


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Entende-se que, com a obrigatoriedade da notificação, a autoridade de defesa da concorrência fica menos sobrecarregada, pois não é necessário monitorar toda e qualquer movimentação dos agentes no mercado na tentativa de encontrar e acompanhar operações potencialmente lesivas. Alternativamente, alguns modelos preveem que operações que se enquadrem em determinados critérios prévios considerados indicativos de potencial lesivo deverão ser notificadas. Por outro lado, alguns países optaram por normas que facultam a notificação ao arbítrio das partes. Nesses sistemas, a consequência de não se notificar uma operação potencialmente danosa à concorrência é lidar com o seu questionamento pela autoridade competente após sua implementação.18 É possível, portanto, dividir os sistemas de notificação de atos de concentração em quatro modelos distintos: notificação prévia obrigatória, notificação prévia voluntária, notificação a posteriori obrigatória e notificação a posteriori voluntária.19 Dessa forma, verificado que a inclinação à perseguição por posi-

ções monopolísticas no mercado passa a motivar, ao longo do tempo, o desenvolvimento de um controle de estruturas, o qual pode ter características diversas dependendo do contexto econômico em que se insere, passaremos a analisar, nos capítulos 3 e 4 a seguir, as características gerais, vantagens e desvantagens dos sistemas que exigem a notificação prévia e a posteriori dos atos de concentração econômica.

18 Idem, ibidem, p. 83.

so em: 10.04.2013. Em tradução livre: “Alguns regimes legislativos de concorrência requerem notificação, enquanto outros simplesmente permitem ou incentivam a notificação – essa é a diferença entre notificação obrigatória e facultativa de atos de concentração. Ademais, algumas legislações de concorrência exigem a notificação antes que a concentração tenha efeito e outras permitem a notificação após a sua consumação. Existem quatro tipos de regime de notificação para concentrações: notificação prévia obrigatória, notificação prévia voluntária, notificação a posteriori obrigatória e notificação a posteriori voluntária.”

19 “Some competition law regimes require notification while others simply permit or encourage notification – this is the distinction between mandatory and voluntary merger notification. In addition, some competition law regimes require notification before the merger takes effect, and others permit notification after the merger takes effect. There are four types of merger notification regime: mandatory premerger, voluntary premerger, mandatory postmerger, and voluntary postmerger.” HYLTON, Keith N.; DENG, Fei. Antitrust Around the World: an Empirical Analysis of the Scope of Competition Laws and their Effects, 2006. Disponível no SSRN: http://ssrn.com/abstract=925670. Aces-

A notificação prévia Devido ao reconhecimento de sua maior efetividade, o sistema baseado na análise prévia dos atos de concentração é adotado atualmente na maioria dos países20, inclusive pela nova legislação brasileira21. No modelo de análise prévia, é necessário que os agentes apresentem à autoridade antitruste competente uma notificação pela qual demonstram variadas características da operação pretendida anteriormente à sua consumação, a fim de que sua viabilidade concorrencial seja avaliada e a operação seja, assim, permitida ou não.

20 De acordo com o estudo feito pela Dra. Ana Paula Martinez, em 2008, eram ao menos seten-

Embora as normas que estabelecem o sistema de análise prévia variem de acordo com as condições econômicas e políticas de cada país, elas possuem alguns aspectos em comum, que serão expostos a seguir. Em primeiro lugar, sabe-se que um dos padrões dessas legislações é o fato de que nem todas as operações devem ser notificadas previamente, visto que tal exigência criaria um significativo e desnecessário fardo à comunidade empresária e também à autoridade antitruste, que teria a enorme responsabilidade de analisar todo e qualquer ato de concentração.22 Dessa forma, somente é necessário exigir a notificação para aquelas concentrações que envolvam relevantes riscos à concorrência, sob pena de emperrar a atividade econômica e gerar altos custos para sustentar uma imensa estrutura administrativa que conseguisse ficar atenta a todas as concentrações, independentemente de sua complexidade e dos riscos por elas gerados. Assim, as legislações devem adotar patamares para que a realização da notificação seja necessária, os quais podem ter por base, por

ta e sete países que adotavam o sistema de análise prévia dentre os oitenta e oito identificados. MARTINEZ, Ana Paula, op. cit., p. 83. 21 O 2º do art. 88 da Lei nº 12.529/11 prevê o controle prévio dos atos de concentração no atual sistema brasileiro: “Art. 88 (...) §2º O controle dos atos de concentração de que trata o caput deste artigo será prévio e realizado em, no máximo, 240 (duzentos e quarenta) dias, a contar do protocolo de petição ou de sua emenda.” (destaque nosso). 22 KHEMANI, R. Shyam. A Framework for the Design and Implementation of Competition Law and Policy. World Bank & OECD, 1999, p. 56.

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exemplo, o valor da transação e/ ou a lucratividade anual dos agentes envolvidos. Sobre a existência de requisitos para a notificação, o ICPAC Report concluiu, em 2000, o seguinte:

Ademais, é preciso que as legislações ou regulamentos estabeleçam as informações essenciais que deverão constar na notificação. Aqui, pode-se requerer uma notificação mais ou menos detalhada, dependendo das condições econômicas e políticas de cada país. Além disso,

em algumas legislações a autoridade antitruste pode exigir complementações das informações e prorrogar a análise até que essa exigência seja atendida. Em geral, requer-se que as notificações contenham basicamente as seguintes informações: (i) nomes e endereços dos agentes econômicos; (ii) descrição da operação, contendo os valores envolvidos na negociação e cópias de documentos pertinentes; (iii) prazo para realização; (iv) informações financeiras e contábeis dos agentes, detalhes de suas estruturas societárias e distribuição acionária; (v) descrição dos produtos e serviços fornecidos pelas empresas, com a eventual identificação do mercado relevante; e (vi) razões e benefícios da operação.24 Após a notificação, os agentes devem esperar até que a autoridade antitruste competente avalie os riscos concorrenciais da operação para que possa aprová-la, rejeitá-la, requerer novas informações ou negociar eventuais modificações e exigências para a aprovação parcial. A Dra. Ana Paula Martinez lembra que para não paralisar a economia e gerar relevantes custos às partes, a adoção de um sistema de análise prévia deve contar com a existência de mecanismos que permitam que as autoridades decidam sobre a operação em um prazo relativamente curto, impedindo que os ativos envolvidos fiquem congelados por um tempo injustificável.25

Por fim, caso a notificação seja necessária para determinada operação e não seja realizada pelas partes envolvidas ou as informações complementares não sejam prestadas no prazo determinado, as legislações antitruste geralmente impõem sanções pecuniárias a esses agentes, além da provável rejeição da operação. A possibilidade gerada pelo sistema de análise prévia de permitir uma avaliação das operações potencialmente nocivas à concorrência e aos consumidores, em contraposição a um sistema em que a análise é feita posteriormente, fez com que a maioria dos países optasse por sua adoção, conforme mencionado. Essa opção decorre dos benefícios eventualmente gerados por tal sistema, que incluem, por exemplo, a desnecessidade de se desfazer uma operação já consumada, o interesse gerado nos agentes econômicos em fornecer as informações de maneira mais completa e rápida26, a fim de verem suas operações aprovadas em curtos prazos, e a maior eficiência da análise das autoridades antitruste, que estarão focadas somente naquelas operações relevantes. Em relação a esses benefícios, o ICPAC Report apresentou o seguinte:

23 Tradução livre de: “So that competition authorities need not review each proposed transaction, premerger notification regimes require notification only for proposed transactions that meet certain criteria. Because substantive merger control laws are concerned with structural restraints of competition, merger notification regimes in the first instance generally limit notification requirements to those transactions that result in

the change of control by one or more entities over one or more other independent entities. Most regimes also generally limit their scope by requiring notification only for those transactions deemed large enough to justify the expenditure of agency resources.” International Competition Policy Advisory Committee to the Attorney General and Assistant Attorney General for Antitrust, Final Report, 2000, p. 90. Disponível em: http://

www.justice.gov/atr/icpac/chapter3.pdf. Acesso em: 10.06.2013.

“A fim de que as autoridades não precisem analisar cada operação proposta, o regime de notificação prévia requer notificação apenas para operações propostas que atendam a determinados critérios. Em virtude de relevantes leis de controle de concentrações estarem preocupadas com restrições estruturais da concorrência, os regimes de notificação de operações, em primeiro lugar, geralmente limitam os requisitos de notificação para aquelas operações que resultem em mudança do controle por um ou mais agentes sobre um ou mais outros agentes independentes. A maioria dos regimes, em geral, limita seu alcance requerendo notificação apenas para aquelas operações consideradas grandes o suficiente para justificar o dispêndio de recursos da agência antitruste.” 23

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“A crença na adoção de sistemas de notificação prévia para conseguir aviso prévio de operações propostas é baseada em grande parte no reconhecimen-

24 KHEMANI, R. Shyam, op. cit., pp. 56-57. 25 MARTINEZ, Ana Paula, op. cit., p. 83. 26 “Com a inversão dos incentivos à tomada final de

decisão, visto que as requerentes passam a ser


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to de que autoridades de defesa da concorrência não têm nem o tempo nem os recursos para monitorar todas as operações com o objetivo de identificar aquelas que tenham potencial lesivo. Elas tampouco têm a habilidade de detectar as chamadas ‘fusões à meia noite’, que são implementadas sem conhecimento público. Além disso, não é desejável do ponto de vista prático colocar o ônus da notificação em concorrentes e clientes. Confiar nas sociedades partes da operação para dar aviso prévio espontaneamente pode se mostrar imperfeito, seja porque tais entidades podem não saber de uma operação até seu fechamento, ou porque os custos de transação incorridos por essas entidades para notificar às autoridades antitruste podem superar quaisquer benefícios obtidos em ter a aprovação proposta analisada. Por essas razões, muitas jurisdições enxergam regimes de notificação prévia como a forma mais eficiente de obter um conhecimento prévio, de forma sisas grandes interessadas em uma decisão célere, torna-se mais crível que as respostas e informações sejam fornecidas mais natural e rapidamente pelas empresas. Isso porque, quanto mais rápidas e completas forem as informações prestadas, mais rapidamente a operação de concentração poderá ser consumada.” FURLAN, Fernando de Magalhães. Impactos Gerais do Projeto da Nova Lei de Defesa da Concorrência sobre Atos de Concentração Econômica. In: GILBERTO, André Marques; CAMPILONGO, Celso Fernandes; VILELA, Juliana Giardelli (org.). Concentração de Empresas no Direito Antitruste Brasileiro. São Paulo: Editora Singular, 2011, p. 173. 27 Tradução livre de: “Reliance on premerger notification systems to provide advance notice of proposed transactions is based in large part on the recognition that competition authorities have neither the time nor the resources to mo-

temática, de operações com po- econômica em virtude da demora da análise da operação; à dificuldade de tencial lesivo.” 27 se manterem as condições de conDessa forma, como consequên- corrência entre os agentes durancia de seus benefícios, o sistema de te e após o período de análise, visnotificação prévia dos atos de con- to que as empresas passam a deter centração econômica tem sido o profundas informações comerciais mais recomendado pelos organis- umas das outras após toda a negomos internacionais e por estudiosos ciação; à possibilidade de alteração do direito concorrencial.28 dos valores envolvidos como deImportante sempre ter em men- corrência do decurso do prazo de te, no entanto, que o regime a ser análise; à dificuldade de se estabeadotado por cada país deve levar em lecerem cláusulas em contratos de conta as suas características econô- compra e venda de ações ou quomicas, políticas e sociais. No exem- tas que possam resguardar as parplo brasileiro, houve críticos à mu- tes após a possível rejeição da opedança da legislação que acreditavam ração; e à insegurança jurídica que na maior eficiência do sistema ante- pode decorrer da ineficiência da aurior em virtude de remédios que fo- toridade antitruste em cumprir praram desenvolvidos ao longo do tem- zos ou ter suas decisões revistas pepo, como as medidas preventivas e lo Poder Judiciário. os Acordos de Preservação de ReRessalte-se, no entanto, que todas essas preocupações surversibilidade da Operação.29 Além disso, embora seja de fato gidas com a adoção de um sisteo mais recomendado e proporcione ma de análise prévia dependem diversos benefícios em relação ao do regramento adotado por casistema de notificação a posteriori, da país. É possível criar mecaniso regime de notificação prévia tam- mos no sistema que permitam evibém tem seus problemas, que, em tar ou diminuir essas eventuais geral, estão relacionados à possibili- dificuldades, de forma a garantir dade de engessamento da atividade um controle de estruturas próxinitor all business transactions in an attempt to identify those that pose a threat to competition. Nor do they have the ability to detect those “midnight mergers” that are consummated without public notice. Moreover, it is not practical to place the burden of notification on concerned competitors and consumers. Reliance on these entities to provide advance notice may prove imperfect either because these entities may not know about transactions before their consummation or because the transaction costs incurred by these entities in notifying the competition authorities may outweigh any benefits obtained by having the proposed transactions reviewed. For these reasons, many jurisdictions view premerger notification regimes as the most efficient way of systematically obtaining advance notice of potentially anticompetitive transactions.” International Competition Policy Advisory Committee to the Attorney General and Assistant Attorney General for Anti-

trust, Final Report, 2000, p. 89. Disponível em: http://www.justice.gov/atr/icpac/chapter3. pdf. Acesso em: 10.06.2013. 28 São os casos do Brasil e do Chile, por exemplo, de acordo com os as revisões realizadas pela OCDE e pelo BID, respectivamente: OECD & Inter-American Development Bank. Competition Law and Policy in Brazil: A Peer Review. Paris: OECD Publishing, 2005, p. 107; e OECD & Inter-American Development Bank. Competition Law and Policy in Chile: A Peer Review. Paris: OECD Publishing, 2004, p. 63. 29 V. PROENÇA, José Marcelo Martins et al. A Reforma da Lei da Concorrência – Lei nº 8.884/94. In: 1º Congresso Brasileiro de Direito Comercial. São Paulo, 2011, p. 8.

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As consequências econômicas e mo de um ideal que contribua para a maior eficiência do regime sociais de se reverter uma operação de defesa da concorrência como já consumada podem ser tão significativas que a opção pela manutenum todo. ção do negócio pode parecer menos prejudicial se contraposta às inefiA notificação a posteriori ciências concorrenciais que ele geDuramente criticado e pouco rou. Os agentes econômicos, nesse adotado mundialmente, o sistema tipo de sistema, são impelidos a lidar que permite que a notificação dos com a insegurança de ver sua opeatos de concentração possa ser fei- ração desfeita. Além deles, os forta depois de consumada a operação necedores, consumidores e empreera aquele parcialmente presente na gados das empresas envolvidas no negócio ficam flutuando na depenrevogada Lei nº 8.884/94. Há dois grandes problemas re- dência da possibilidade do desfazilacionados a um sistema de notifi- mento. No mesmo sentido, concluiu cação obrigatória e a posteriori: (i) a o ICPAC Report de 2000: extrema dificuldade de reversibili“Nesse sentido, as autoridadade das operações já consumadas des de concorrência evitam as no caso da rejeição da operação peamplamente conhecidas dificulla autoridade antitruste; e (ii) a prodades que acompanham as tencrastinação da prestação de infortativas de restabelecer a concormações às autoridades antitruste rência ‘desmexendo os ovos’ após pelos agentes econômicos, justaas operações alegadamente anmente com o intuito de tornar, ao ticompetitivas terem sido conlongo do tempo, a operação cada cluídas. A experiência das agênvez mais irreversível.30 cias antitruste norte-americanas No sistema de análise a posterioantes de 1976 ilustra que impor ri, dois agentes econômicos podem uma liberação estrutural depois consumar uma operação – include a operação ter sido consumasive com transferência ou fechada é, muitas vezes, difícil, se não mento de prédios e reorganização impossível. A tentativa de evitar de pessoal e aparelhagem –, a qual danos concorrenciais baseansó posteriormente será submetida do-se em casos de condutas anà análise da autoridade antitruste titruste após uma concentração competente, que poderá rejeitá-la. anticompetitiva ter sido implePercebemos que a insegurança jurímentada, de acordo com as autodica, aqui, é exacerbada, o que pode ridades antitruste norte-amerigerar custos sociais imensos no cacanas, é um fraco substituto para so da reversibilidade. 30 Idem, ibidem, p. 7. 31 Tradução livre de: “In this way, competition authorities avoid the widely acknowledged difficulties that accompany attempts to restore competition by ‘unscrambling the eggs’ after allegedly anticompetitive transactions have been completed. The experience of the U.S. antitrust enforcement agencies before 1976 illustrates that

imposing structural relief after a transaction has been consummated is often difficult, if not impossible. Attempting to prevent anticompetitive harm by relying on antitrust conduct cases after an anticompetitive merger has been implemented, according to the U.S. antitrust enforcement agencies, is a poor substitute for preserving competitive structure in the market in the first place. Even if post consummation remedies were effec-

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a preservação da estrutura competitiva no mercado em primeiro lugar. Mesmo se remédios usados após a consumação fossem eficazes, os consumidores sofreriam os efeitos danosos da perda de concorrência durante o período transitório anterior à imposição desses remédios.” 31 Como consequência de sua insegurança, as partes envolvidas tendem a contribuir para a procrastinação da análise concorrencial por meio do retardamento da prestação de informações e do desleixo no preenchimento das notificações, a fim de que, caso sejam verificadas graves lesões à concorrência, a sua operação não possa mais ser revertida em função da demora. O raciocínio é simples: quanto menos informações sobre a operação a autoridade antitruste tiver, mais tempo será necessário para que ela obtenha essas informações faltantes e, portanto, descubra o caráter anticompetitivo da transação, de forma que no momento em que concluir pela danosidade concorrencial do negócio, os custos sociais de seu desfazimento serão tão relevantes que será menos prejudicial a sua manutenção. É justamente o que a Dra. Ana Paula Martinez afirma:

“um sistema obrigatório e a posteriori oferece dificuldades bem peculiares: as partes não têm qualquer incentivo em prestive, consumers would suffer the harmful effects of the loss of competition during the interim period before remedies were imposed.” International Competition Policy Advisory Committee to the Attorney General and Assistant Attorney General for Antitrust, Final Report, 2000, p. 89. Disponível em: http://www.justice.gov/atr/icpac/ chapter3.pdf. Acesso em: 10.06.2013.


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tar informações e, quanto mais tardar a análise, mais difícil (ou mesmo impossível) de se implementar eventual decisão estrutural restritiva.” 32 Todavia, conforme mencionado, é possível que sejam criados remédios33 próprios aos sistemas de análise a posteriori, os quais suavizam as dificuldades da adoção de tais sistemas expostas acima, conforme ocorreu com regime brasileiro durante a vigência da Lei nº 8.884/94, mas é possível perceber que esses mecanismos simplesmente permitem que o sistema de análise a posteriori assemelhe-se, em determinadas situações, ao regime de análise prévia, pois possibilitam de antemão a consumação de determinadas partes da operação que se relevarem benéficas.

Conclusão Por meio do presente estudo, é possível perceber que, de fato, o sistema de análise prévia dos atos de concentração econômica tem sido o mais adotado e recomendado mundialmente em virtude de seus benefícios em comparação ao regime de análise a porteriori. Dessa maneira, a Lei nº 12.529/11 revelou-se um grande avanço do Direito Concorrencial brasileiro. Todavia, conforme foi demonstrado, o sistema de análise prévia também tem seus problemas, os quais podem aparecer ou não dependendo da qualidade da legislação adotada. Na nova legislação bra32 MARTINEZ, Ana Paula. Histórico e Desafios do Controle de Concentrações Econômicas no Brasil. In: MARTINEZ, Ana Paula (org.). Temas Atuais de Direito da Concorrência. São Paulo: Editora Singular e Levy & Salomão Advogados,

sileira, é possível identificar alguns desses problemas, principalmente aqueles relacionados à extensão do prazo de análise pela autoridade antitruste, como a possibilidade de alteração dos valores envolvidos no negócio e a dificuldade da manutenção das condições de concorrência entre as partes durante a análise e após uma eventual rejeição. Assim, espera-se que o presente trabalho tenha contribuído para clarificar a diferença entre os dois sistemas e ressaltar que, embora o sistema prévio seja reconhecidamente mais interessante, ele pode apresentar algumas peculiaridades problemáticas para as quais o CADE deve estar atento. Referências Bibliográficas COASE, Ronald H. The Nature of the Firm. Economica, New Series, n. 4 (16), 1937. FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. FURLAN, Fernando de Magalhães. Impactos Gerais do Projeto da Nova Lei de Defesa da Concorrência sobre Atos de Concentração Econômica. In: GILBERTO, André Marques; CAMPILONGO, Celso Fernandes; VILELA, Juliana Giardelli (org.). Concentração de Empresas no Direito Antitruste Brasileiro. São Paulo: Editora Singular, 2011. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e crítica). 11ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. HYLTON, Keith N.; DENG, Fei. Antitrust Around the World: an Empirical Analysis of the Scope of Competition Laws and their Effects, 2006. Disponível no SSRN: http:// ssrn.com/abstract=925670. Acesso em: 10.09.2013. International Competition Policy Ad2012, p. 57. 33 Usa-se, aqui, o termo “remédio” com a intenção de explicitar o fato de que os instrumentos assim denominados são apenas uma forma de suavizar

visory Committee to the Attorney General and Assistant Attorney General for Antitrust, Final Report, 2000, p. 90. Disponível em: http://www.justice.gov/atr/icpac/ chapter3.pdf. Acesso em: 10.06.2013. KHEMANI, R. Shyam. A Framework for the Design and Implementation of Competition Law and Policy. World Bank & OECD, 1999. MARTINEZ, Ana Paula. Controle de Concentrações Econômicas em Países em Desenvolvimento: uma contribuição jurídica à análise de custo-benefício. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. _______, Ana Paula. Histórico e Desafios do Controle de Concentrações Econômicas no Brasil. In: MARTINEZ, Ana Paula (org.). Temas Atuais de Direito da Concorrência. São Paulo: Editora Singular e Levy & Salomão Advogados, 2012. OECD & Inter-American Development Bank. Competition Law and Policy in Brazil: A Peer Review. Paris: OECD Publishing, 2005. OECD & Inter-American Development Bank. Competition Law and Policy in Chile: A Peer Review. Paris: OECD Publishing, 2004. PROENÇA, José Marcelo Martins. Concentração Empresarial e o Direito da Concorrência. São Paulo: Saraiva, 2001. PROENÇA, José Marcelo Martins et al. A Reforma da Lei da Concorrência – Lei nº 8.884/94. In: 1º Congresso Brasileiro de Direito Comercial. São Paulo, 2011. SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial: as estruturas. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. * Rodrigo Fialho Borges Advogado. Sócio de Ramunno, Alcalde & Fialho Borges Advogados. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FADUSP). Membro do Conselho Editorial da Revista Comercialista. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Comercial e Econômico (IBDCE). problemas que são inatos ao sistema de análise a posteriori, sem, no entanto, solucioná-los.

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“Condo-hotéis” e o conceito de valor mobiliário Por Gabriel Saad Kik Buschinelli*

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m movimento crescente no âmbito empresarial tem sido tendência à especialização dos agentes. Seguindo o lema de que, muitas vezes, “menos é mais”, as grandes empresas vêm reduzindo o leque de atividades desenvolvidas como meio para o aumento da rentabilidade. A indústria hoteleira é um exemplo. Para a operação de hotéis, é essencial a obtenção de prédios adequados em regiões que apresentem demanda. Essa circunstância levava as operadoras de hotel a se ocupar com questões imobiliárias que iam desde a localização de terreno e sua aquisição, passando pela construção do imóvel até sua operação. Essa forma de atuação, contudo, passou a ser progressivamente abandonada ante a constatação de que o melhor para as operadoras seria imiscuir-se o menos possível no mercado imobiliário, que apresenta riscos próprios e exige uma expertise também peculiar. Operadoras de hotéis passaram, então, a fazer o que melhor sabem: operar hotéis, valendo-se de imóveis que são de propriedade alheia. Formou-se, com isso, uma importante demanda por imóveis que vem sendo suprida de formas diversas. Algumas não despertam grande preocupação. Nas hipóteses em que

a indústria hoteleira aluga um imóvel e o ocupa, há locação empresarial, disciplinada pela Lei 8.245/1991. Entretanto, recentemente, anúncios dos chamados “investimentos hoteleiros” ou “condo-hotéis” passaram a preencher as páginas de anúncios nos jornais e essas estruturas jurídicas requerem maiores cuidados. No modelo dos condo-hotéis, ou “Hotéis para investidores pulverizados” segundo a denominação do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo – SECOVI,1 é ofertada ao público a possibilidade de adquirir uma unidade imobiliária de prédio projetado para a operação de hotel. Conjuntamente com a aquisição do imóvel, que é, mais precisamente, um dos quartos do futuro hotel, o investidor celebra contrato de gestão de sociedade em conta de participação com a operadora. Por meio do contrato, o investidor cede à operadora o direito de uso do imóvel contra uma remuneração que será calculada como percentual do lucro gerado por todo o empreendimento, aí incluído o lucro gerado com a operação dos demais imóveis do prédio.2 Esses contratos, geralmente, são pactuados por prazos longos, de 10 ou 20 anos, prevendo multas elevadas em caso de rescisão antecipada. Nota distinti-

va desse tipo de contratação é que, nela, a integralidade das unidades é administrada pelo operador. Diversamente do que ocorre nos flats, em que é facultativa a participação no chamado “pool” (conjunto de unidades locadas e administradas de forma centralizada), no condo-hotel a participação é de todos, ao menos no momento do lançamento. Com esse modelo, os lançamentos de condo-hotéis explodiram. No último ano, estima-se que cerca de 70% dos novos lançamentos têm adotado a modalidade de condo-hotel.3 Há razões para tanto. O modelo do condo-hotel oferece dois atrativos caros ao investidor. De um lado, a aquisição de direito real sobre a unidade imobiliária, que geralmente tem matrícula própria, fato que proporciona (ou, ao menos, inspira) maior segurança. De outro lado, abre-se ao adquirente a possibilidade de ver seu imóvel administrado por grandes sociedades que operam sob conhecidas bandeiras. É uma perspectiva de rentabilidade com certa previsibilidade sem a contrapartida do dispêndio de tempo que marca os investimentos imobiliários convencionais. Geralmente, a decoração dos imóveis é realizada com recursos advindos da própria operação, e todas as responsabilidades trabalhistas, fiscais, etc. são assumidas pela operadora

1 cf. SECOVI, Manual de Melhores Práticas para Hotéis de Investidores Imobiliários Pulverizados, disponível em <http://www.secovi.com.br/files/Downloads/

manual-hotelariapdf.pdf>, acesso em 17.12.2013.

3 cf. Marina Gazzoni, “Empresas tentam evitar uma nova ‘bolha’ de flats”, in O Estado de São Paulo, ed. 27.01.2012.

2 Id., p. 31.

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do hotel, que se ocupa, ademais, da publicidade e prestação do serviço ao hóspede. O grande problema dessa estrutura negocial é que ela importa riscos bastante diversos daqueles a que um investidor está sujeito quando adquire um imóvel e passa a alugá-lo diretamente. No caso dos condo-hotéis, a remuneração depende, integralmente, da atividade desenvolvida por um terceiro. Ocorre que, para a contratação dos condo-hotéis, os investidores geralmente não contam com informações sobre a operadora ou sobre o específico ramo de atividade e, principalmente, não são providos com um estudo de viabilidade com análise dos fatores de risco envolvidos para o hotel que será operado em seu imóvel. Isso se dá porque o mercado vem considerando que a negociação de imóvel, conjuntamente com a celebração de contrato de administração da unidade, consubstanciaria apenas uma operação imobiliária, não uma oferta pública de valores mobiliários. Dessa forma, não seria necessário seguir os requisitos de informação ao investidor impostos pela regulação do mercado de valores mobiliários. O SECOVI publicou, em 2011, um “Manual de Melhores Práticas para Hotéis de Investidores Imobiliários Pulverizados”, em que buscou estabelecer parâmetros para a atuação das construtoras e in-

corporadoras que atuam no segmento. Referido manual conta com um capítulo específico dedicado a orientar a “estruturação legal do empreendimento”4 e, nele, não há nenhuma menção à eventual necessidade de registro da oferta de unidades imobiliárias junto à CVM. Em uma apresentação atualmente disponível no website do Secovi, realizada pelo coordenador responsável pela redação do Manual,5 consta a seguinte afirmação: “os condo-hotéis são equivalentes ao lançamento de empresas no mercado acionário (I.P.O.s – Initial Public Offering), mas sem a regulamentação e o controle da C.V.M. (Comissão de Valores Mobiliários)”. Essa constatação é complementada pela afirmação de que “[n]os Estados Unidos a viabilização dos condo-hotéis passa, necessariamente, por um registro na SEC (Securities and Exchange Commision — o equivalente americano da nossa CVM). O condo-hotel nos Estados Unidos é de fato e de direito um produto de investimento, e a responsabilidade de quem o estrutura só termina com a entrega do produto de investimento completo, atingindo as expectativas que foram vendidas para os compradores.”6 Efetivamente, a descrição, apesar de realizada em 2011, ainda corresponde à realidade. No site da CVM não se encontra, entre as ofertas públicas registradas, nenhuma relativa a condo-hotéis. Esse disseminado entendimento de que os

condo-hotéis não representariam uma modalidade de valor mobiliário sujeita à disciplina da CVM, contudo, é equivocado. Todas as ofertas públicas de valores mobiliários devem ser fiscalizadas pela CVM (Lei 6.385/76, art. 1º, I). O conceito de valor mobiliário é dado pelo artigo 2º da Lei 6.385/76 e era composto, originalmente, por um rol exemplificativo de títulos que poderiam ser considerados valores mobiliários, entre os quais se incluíam, e ainda se incluem, as ações, debêntures, etc. Com a Lei 10.303/2001, acresceu-se à lista a previsão de que são valores mobiliários “quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.” (art. 2º, inciso IX). Com essa alteração, a definição de valor mobiliário passou a se assemelhar ao conceito norte-americano de security.7 Interpretando o novo dispositivo da lei, a CVM já firmou entendimento no sentido de que um valor mobiliário estará caracterizado quando reunidos os seguintes requisitos: (i) deve haver investimento; (ii) formalizado por título ou contrato; (iii) coletivo; (iv) que dê direito a alguma forma de remuneração; (iv) que derive dos esforços do empreendedor ou

4 SECOVI, Manual de Melhores Práticas para Hotéis de Investidores Imobiliários Pulverizados, cit., p. 29.

ticas para Hotéis de Investidores Pulverizados (H.I.P.s)”, slides de apresentação utilizados na Convenção Secovi de 20.09.2011, disponível em http://www.secovi.com.br/files/Downloads/ diogo-canteraspdf.pdf, acesso em 17.12.2013.

fundamentalmente similar ao conceito norte-americano de security. cf. Luiz Gastão Paes de Barros Leães, “O Conceito de Security”, in Direito Comercial, São Paulo: José Bushatsky, 1976, pp. 237-266, pp. 265-266; e Ary Oswaldo Mattos Filho, “O Conceito de Valor Mobiliário”, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 59, jul./set. 1985, pp. 30-55.

5 cf. Marina Gazzoni, “Empresas tentam evitar uma nova ‘bolha’ de flats”, cit. 6 cf. Diogo Canteras, “Manual de Melhores Prá-

7 Antes disso, já havia quem defendesse uma interpretação do conceito de valor mobiliário de forma

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de terceiros, que não o investidor; e (v) que tenha sido objeto de oferta pública.8 À vista dessa definição, seria possível contestar a caracterização dos condo-hotéis como valores mobiliários na medida em que o poupador, nessa modalidade de investimento, efetivamente adquire direito real sobre um bem que será apenas gerido por terceiro. Seria possível argumentar, nessa linha, que não estaria presente o requisito do “investimento”, mas mera prestação de serviços. Essa não seria, porém, uma interpretação adequada do conceito de valor mobiliário. Para sua compreensão, é relevante a análise do direito norte-americano, no qual o legislador pátrio claramente se inspirou. O conceito de security foi interpretado no famoso julgado norte-americano SEC v. W. J. Howey Company.9 Nele, analisou-se uma operação estruturada de forma bastante semelhante à dos condo-hotéis. A companhia Howey ofertava ao público a possibilidade de adquirir glebas de terra facultando ao comprador a celebração de contrato com sua subsidiária, por meio da qual a companhia subsidiária assumiria, por 10 anos, o compromisso de plantar frutas cítricas, comercializar os produtos e remunerar o dono da terra com parcela do resultado. A Supreme Court norte-americana adotou o entendimento de

que essa oferta poderia ser entendida como uma oferta de security e afastou o argumento da empresa no sentido de que apenas estariam sendo negociadas unidades imobiliárias. No entender da Corte, a definição de “investimento” não é alterada pela circunstância de haver ou não a aquisição de propriedade com valor intrínseco pelo investidor. Por conta disso, hoje se admite que a venda de unidades imobiliárias conjuntamente com contrato de administração constitui espécie de oferta de security.10 No direito brasileiro, outra interpretação não se justificaria. A doutrina reconhece que empreendimentos de flats ou investimentos conjuntos em unidades hoteleiras devem ser caracterizados como contratos de investimento coletivo, em que o adquirente da unidade imobiliária investe o direito de uso de seu imóvel no empreendimento conjunto.11 Como decorrência disso, impõe-se aos ofertantes o dever de obter registro de emissor de valores mobiliários e registrar a oferta dos condo-hotéis junto à CVM, observando o regramento previsto na Instrução CVM 296/1998. Será necessário, dessa forma, prover os investidores com prospecto que informe, por exemplo, o histórico da companhia e de suas atividades econômicas; apresente estudo de viabilidade econômica, cronograma

8 CVM, Proc. RJ n. 2007/11.593, rel. Dir. Marcos Barbosa Pinto, j. 15.01.2008. 9 328 U.S. 293 (1946)

tions which emphasize the economic benefits to the purchaser to be derived from the managerial efforts of the promoter, or a third party designated or arranged for by the promoter in renting the units.”

10 cf. Hocking v. Dubois, 839 F.2d 560 (1988), em que se afirma que “condominiums, coupled with a rental arrangement, will be deemed to be securities if they are offered and sold through advertising, sales literature, promotional schemes or oral representa-

11 Nesse sentido, cf. Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, “A CVM e os Contratos de Investimento Coletivo (“Boi Gordo” e Outros)”, in Revista de Direito Mercantil, Econômico e Financeiro, n. 108, out./ dez. 1997, pp. 91-100, p. 100; Luís Felipe Spinelli,

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de evolução física, fluxo de caixa e fatores de risco; bem como reproduza as demonstrações financeiras do emissor nos três exercícios antecedentes à oferta (cf. Instrução CVM 296/1998, art. 11, IV, V e VI). Os lançamentos realizados nos últimos anos que não obtiveram o devido registro são irregulares, e seus responsáveis estão sujeitos a sanções de ordem administrativa. A CVM, recentemente, alertou o mercado a respeito do assunto e advertiu que os contratos que “conferem aos investidores o direito de participação nos resultados - positivos ou negativos - do empreendimento imobiliário, resultados esses oriundos de atividades como hotelaria, locações comerciais ou residenciais, dentre outras, [configuram] o que a Lei nº 6.385/76 chama de contratos de investimento coletivo”.12 Para além da sanção, contudo, é urgente que a CVM intensifique a fiscalização, para que as ofertas irregulares em andamento sejam suspensas. Caso isso não ocorra, é provável que cada vez mais projetos sem lastro econômico passem a ser ofertados ao público, impondo prejuízos ao investidor. * Gabriel Saad Kik Buschinelli Advogado. Bacharel em Direito e Mestre em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FADUSP). João Pedro Scalzilli, Luiz Eduardo Malta Corradini e Rodrigo Tellechea, “Contrato de Investimento Coletivo como Modalidade de Sociedade em Conta de Participação”, in Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, vol. 61, jul./set. 2013, pp. 243-296. 12 CVM, “CVM alerta para ofertas irregulares de investimento em empreendimentos imobiliários”, publicado no site da CVM em 12.12.2013.


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