O Comercialista - Vol. V - 3º Trimestre 2012

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Volume 5

3° trimestre 2012

omercialista Revista de Direito Comercial e Econômico

Código

por Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França

Afinal, para que servem os Comitês nas Companhias? por Denis Morelli

Fonte: http://picasaweb.google.com/lh/photo/lYCUvoR3wxkaNS7VDEcvCg

O antiprojeto de Comercial

A distribuição das sobras, oferta pública ou privada? por João Vicente Carvalho

Paula Andréa Forgioni, Professora Titular do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP, em entrevista exclusiva a O Comercialista, A Lei de Responsabilidade Fiscal aborda alguns dos temas mais relevantes e a questão da seguridade social no Brasil sobre sua área de atuação, as recentes repor Samuel Costa Filho formas legislativas que afetaram o sistema da concorrência brasileiro e o projeto do Novo Código Comercial, além de enfrenEntrevista com a Professora Titular do Departamento de Direito Comercial tar questões importantes relacionadas à da USP, Paula Andréa Forgioni vida acadêmica e atuação na advocacia. por Rafael de Oliveira Barizan


Os novos paradigmas comercialistas Qualquer país que caminha em prol do seu desenvolvimento econômico enfrenta severas questões relativas ao recolhimento de investimentos. Seja na própria oferta de um mercado sólido ou na proteção de investidores, muito se tem discutido sobre a melhor forma de constituir regulamentos capazes de organizar as relações mercadológicas. É dentro desse grande tema que são apresentados debates sobre Governança Corporativa, Capitalismo de Estado, incompatibilidades regulatórias entre reformas corporativas e legislativas, entre outros. No limite, encontramos discussões, como as promovidas principalmente pelos expoentes da famosa escola Law and Economics, que indagam sobre a qualificação econométrica de sistemas jurídicos. Trata-se, sem dúvida, de um grande momento para todos os comercialistas: a cada dia que passa, os argumentos vão ganhando mais corpo e as discussões vão evoluindo e se multiplicando. Nas edições anteriores de O Comercialista, tivemos a oportunidade de estreitar o diálogo com alguns desses debates. Com a presente edição, pretendemos apresentar novos panamoras, não só em relação ao conteúdo, mas também com a introdução de novas críticas e, principalmente, novos questionamentos. Talvez o debate mais em voga atualmente na esfera comercialista brasileira, o projeto de Novo Código Comercial, vem sendo assunto de inúmeros seminários e congressos pelo Brasil. Em resposta à urgente necessidade de não apenas abordar, mas, sobretudo, problematizar este debate, o texto de Erasmo Valladão, professor de Direito Comercial da nossa Faculdade, compartilha conosco críticas incisivas e que precisam, sem dúvida, passar pelo crivo de todos os comercialistas. Esse tema, entre muitos aspectos que instigam todo e qualquer comercialista, é abordado em entrevista exclusiva com Paula Andréa Forgioni. Com a maestria que lhe é peculiar, a Professora Titular do Departamento de Direito Comercial da Universidade de São Paulo, discorre sobre a sempre intensa relação entre direito e mercado, os paradigmas dos contratos empresariais frente ao atual cenário jurídico brasileiro. Até mesmo por conta do próprio método indutivo que pauta a evolução do Direito Comercial, acompanhar as novas posturas e iniciativas tomadas por empresários é fundamental. O considerável aumento da presença de Comitês nas companhias brasileiras traz a à tona o artigo de Denis Morelli, mestre em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo, que destrincha com brilhante clareza tal figura. É também destaque desta edição o artigo do economista Samuel Costa Filho, que trata da Lei de Responsabilidade Fiscal e questões relativas à Seguridade Social. Com muito cuidado e precisão histórica, o trabalho aponta críticas que, em sua importância e originalidade, contribuem para um novo pensamento sobre o tema. Exatamente nessa variedade de temas que se encontra, atualmente, o Direito Comercial. Sem dúvida, vivemos em um tempo de grandes mudanças e de quebra de paradigmas. Por mais assustador que tal cenário possa aparentar, a mudança permite participarmos ativamente do desenvolvimento que queremos gerar. Por mais imprevisíveis que são os resultados dos debates que enfrentamos, não é época de temer, mas sim de pensar. Saudações Comercialistas, 3° trimestre 2012

O Comercialista

Editorial

Conselho Editorial

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Fábio Murta Rocha Cavalcante João Pedro de Oliveira de Biazi João Vicente Carvalho

4 | Opinião

O antiprojeto de Código Comercial

9 | Perfil

Pedro Alves Lavacchini Ramunno Rafael de Oliveira Barizan

Entrevista com a professora e advogada Paula Andréa Forgioni

16 | Doutrina

A Lei da Responsabilidade Fiscal e a questão da seguridade social no Brasil

Articulistas desta edição Denis Morelli Erasmo Valladão A. e Novaes França

29 | Doutrina

Afinal, para que servem os Comitês nas Companhias?

João Vicente Carvalho Samuel Costa Filho

34 | Doutrina

A distribuição de sobras, oferta pública ou privada?

Repórter desta edição Rafael de Oliveira Barizan

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A Revista de Direito Comercial e Econômico dos Estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco – O Comercialista – é uma publicação trismestral, independente, com o escopo de fomentar a produção acadêmico-científica nas Áreas de Direito Comercial e Econômico Contato (11) 981335813 – contato@ocomercialista.com.br – www.ocomercialista.com.br Editor Responsável Pedro Ramunno – pedro@ramunno.com.br - Nota aos leitores As opiniões expressas nos artigos são as de seus autores e não necessariamente as de O Comercialista nem das instituições em que atuam Reprodução É proibida a reprodução ou transmissão de textos desta publicação sem autorização prévia.

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O Comercialista

Daniel Berezin Stelzer

Editorial

Conselho Editorial

Índice

3° trimestre 2012

Corpo


O antiprojeto de Código Comercial por Erasmo Valladão França

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Opinião

Eu teria uma dezena de razões para justificar minha oposição a um novo Código Comercial, mas prefiro ir direto ao ponto: independentemente da posição que se adote a respeito, o soi disant projeto que está no Congresso é um desastre. Será uma tragédia (e uma vergonha) para o Brasil a sua aprovação. Vou procurar condensar neste artigo algumas críticas que já fiz em outras ocasiões, acrescentando algumas outras considerações. Para começar, com o objetivo de aproveitar-se rapidamente de um momento político, não foi o antiprojeto precedido de um anteprojeto, que fosse discutido por todas as classes interessadas. Nem no período mais negro da ditadura militar – onde foram aprovados o Código de Processo Civil e a Lei de S/A, ambos precedidos de anteprojetos amplamente debatidos – se viu isso. Ele já surgiu – por obra de uma ação entre amigos – diretamente no Congresso. Fez-se um borrão e jogou-se lá. Um projeto de Código Comercial, não é uma leizinha qualquer! Passo a demonstrar, primeiramente, os graves descasos dessa medíocre obra com conceitos, com a precisão de linguagem, etc. – essenciais em qualquer lei, quanto mais em um código. O art. 114 preceitua: “...não podendo ninguém ser obrigado a se tornar sócio de sociedade contratual contra a vontade...”. Pode-se imaginar, juridicamente, que alguém participe de um contrato contra a sua vontade? O art. 125 dispõe, corretamente, que “a sociedade empresária adquire per-

sonalidade jurídica com o arquivamento de seu ato constitutivo no Registro Público de Empresas”. Mas o art. 126, logo a seguir, dispõe: “Art. 126. Termina a personalidade jurídica da sociedade empresária com a partilha, depois de regularmente dissolvida e liquidada”. Perceberam o grave equívoco conceitual capaz de gerar sérios problemas práticos? Se a sociedade adquire personalidade jurídica com o registro ela só a perde com o cancelamento do registro e não com a partilha (cf. CCiv, arts. 51, § 3º e 1.109). Uma lei não se presta a definições que não tenham alguma função no sistema. Mas o antiprojeto, além de fazê-lo, o faz erroneamente. O art. 157 assim dispõe: “Art. 157. Na sociedade anônima, o poder de controle pode ser: I – totalitário, quando o controlador titula a totalidade ou quase a totalidade das ações com direito a voto; II – majoritário, quando o controlador titula mais da metade das ações com direito a voto; III – minoritário, ou difuso, quando o controlador titula menos da metade das ações com direito a voto; ou IV – gerencial, ou pulverizado, quando o acionista com o maior número de ações com direito a voto titula percentual reduzido do capital votante.” Conforme superiormente demonstrado pelo Prof. Fábio Konder Comparato, na sua obra seminal sobre a matéria1, o controle totalitário não se identifica com o controle quase totalitário. Basta lembrar, a título de elementares exemplos,

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do Código Civil: Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social”. Agora, vejam que pérola. A morte do sócio acarreta, em princípio, a dissolução parcial do vínculo societário. Mas, para o antiprojeto, o que ocorre é o contrário: “Art. 198 (...). Parágrafo único. Com a dissolução parcial, desliga-se da sociedade o sócio falecido, expulso ou retirante”. Perceberam? Enquanto não há a dissolução parcial, o morto fica vagando pela sociedade... Não é esplêndido? Vejam essoutra: “Art. 211. O contrato social estabelecerá o critério de avaliação das quotas para fins de apuração de haveres e definição do valor do reembolso. Parágrafo único. Prevalecerá o critério consciente e livremente contratado pelos sócios, ainda que de sua aplicação resulte ou possa resultar enriquecimento de qualquer das partes, em detrimento da outra”. Consagra-se o enriquecimento sem causa... E ainda mais essa: “Art. 281. É livre a pactuação dos juros moratórios entre os empresários”. Consagra-se a usura... E, para demonstrar o nível de cuidado e seriedade com que foi arremessado o antiprojeto no Congresso, existe o seguinte artigo: “Art. 233. Nas omissões deste Capítulo, aplicam-se, com as adaptações cabíveis, as normas sobre dissolução de sociedade anônima fechada”. Essas normas simplesmente não existem. Passemos, agora, às platitudes. O art. 276 assim dispõe: “Art. 276. Em caso de inadimplemento, o empresário credor pode exigir judicialmente o cumprimento da obrigação”. Eu sempre pensei que qualquer credor pudesse ir a Juízo pedir o adimplemento da obrigação. Não sabia que era uma prerrogativa

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que havendo um único acionista (a hipótese por excelência de controle totalitário), seu poder é incontrastável. Havendo dois, não se pode, por exemplo, transformar a sociedade (se não prevista no estatuto a possibilidade de transformação por maioria, cf. art. 221 LSA), realizar uma cisão desproporcional (art. 229, § 5º LSA), ou mudar a nacionalidade da companhia (art. 72 do D.Lei 2.627/40), sem o consentimento de ambos, ainda que um deles detenha fração absolutamente inexpressiva do capital social. De outra parte, a assimilação que o antiproprojeto faz entre controle gerencial e controle pulverizado, é também inadmissível. Uma coisa é o controle pulverizado, baseado na propriedade das ações e outra, completamente diversa, é o controle gerencial, totalmente desvinculado da titularidade acionária2. Além de não definir o que entende por “percentual reduzido do capital votante”. Ademais, como se disse, o artigo ora comentado não tem função no sistema (no a-sistema) do antiprojeto, não serve para nada. Fosse este minimamente sério, teria procurado resolver problemas prementes na matéria de poder de controle, como a questão da positivação do controle minoritário após a revogação da Resolução 401/76 do Conselho Monetário Nacional. O Prof. Modesto Carvalhosa, por exemplo, sustenta que não há mais controle minoritário3. Repare-se na conceituação de sociedade limitada, constante do art. 170: “Art. 170. Na sociedade limitada, o sócio responde pelas obrigações sociais até o limite do capital social subscrito e não integralizado”. Que clareza, não? Compare-se com a lapidar precisão do Código Civil vigente, em regra cuja interpretação nunca foi objeto de questionamento: “Art. 1.052

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Opinião


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Opinião do credor empresário... E o art. 303, inciso II: “Art. 303. São princípios do direito contratual empresarial: (...) II – plena vinculação dos contratantes ao contrato”. Eu também não sabia que só os contratos empresariais vinculam os contratantes... E o mais absurdo da presença dessas obviedades é que ainda existe o seguinte artigo: “Art. 298. No que não for regulado por este Código, aplica-se aos contratos empresariais o Código Civil”. Que função tem ele se é necessário repetir (de forma medíocre e infantil) o que já está no Código Civil? Passemos à questão da (in)segurança jurídica, que é um dos objetivos declarados do antiprojeto. Anuncia-se como um “código principiológico” – que, no entanto, tem 670 artigos de uma prolixidade irritante (se espremê-lo, não sobram 20). O art. 8º, todavia, diz o seguinte: “Nenhum princípio, expresso ou implícito, pode ser invocado para afastar a aplicação de qualquer disposição deste Código ou da lei”. Não é interessante? Veja-se agora o art. 180: “As quotas são penhoráveis por dívida do sócio, salvo se o contrato social as gravar com a cláusula de impenhorabilidade”. Consagra-se a possibilidade de o indivíduo gravar os seus próprios bens (a única exceção é o bem de família). Compro um automóvel, vou ao DETRAN e coloco lá, no certificado de propriedade: impenhorável. É segurança jurídica! Além do absurdo art. 277, que autoriza o credor a cobrar, cumulativamente, “independentemente da opção... entre exigir o cumprimento da obrigação em juízo ou apenas demandar perdas e danos”...“I – o valor da obrigação acrescido de correção monetária; II – juros; III

– indenização pelas perdas e danos derivados da mora; IV – cláusula penal; e V – honorários de advogado, quando for o caso”, o art. 289 ainda prevê: “O juiz poderá condenar o empresário ao pagamento de razoável indenização punitiva, como desestímulo ao descumprimento do dever de boa fé”. É segurança jurídica! O art. 317 dispõe: “O Ministério Público e os demais legitimados podem pleitear a anulação do negócio jurídico, provando o descumprimento da função social”. Função social é um conceito legal indeterminado, de conteúdo ainda totalmente controverso... É segurança jurídica! Deixei para o fim desse tópico mais esta monstruosidade: “Art. 657. Conclusos os autos para sentença, o juiz poderá nomear um facilitador, quando for complexa a questão discutida, de fato ou de direito, ou no caso de processo volumoso. § 1º Considera-se volumoso o processo se os autos possuírem mais de 500 (quinhentas) folhas com manifestações das partes, incluindo a instrução documental e demais anexos apresentados, perícia e outras provas. (...) § 3º O facilitador entregará ao juiz, no prazo por este assinalado, relatório com a síntese da lide, principais argumentos aduzidos pelas partes, provas produzidas e demais elementos que permitam a completa compreensão da demanda. (...) § 5º O juiz poderá determinar a juntada aos autos do relatório do facilitador, hipótese em que fica dispensado de relatar o processo na sentença”. A expressão facilitador não poderia ser mais expressiva do cuidado com que foi elaborado o antiprojeto. Sabem o que significa em direito? Para não ir muito a fundo, vejam a definição do Aulete digital sobre facilitação: “4. Jur. Ajuda dada por alguém que facilita a prática ou execução

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O antiprojeto elimina, outrossim, o contraditório na exclusão do sócio minoritário (art. 199 c/c 201), instituída pelo Código Civil vigente (art. 1.085, par. ún.). Tudo a bem da tutela da minoria! Repare-se, agora, na (des)preservação da empresa: “Art. 226. São causas da dissolução total da sociedade limitada: I – o vencimento do prazo de duração”. Qual é a solução do Código Civil vigente? “Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: I - o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado”. Para ficar apenas na minha especialidade, o antiprojeto ostenta uma posição totalmente equivocada do direito societário, partindo da sociedade anônima para os demais tipos (da periferia para o núcleo!) e determinando a aplicação das suas regras, bem como das da sociedade limitada, aos “tipos menores” (art. 236) e à sociedade em comum (que o projeto torna a chamar de irregular, cf. art. 133), o que é um verdadeiro disparate. Na sociedade limitada, por exemplo, prevalece o princípio da maioria, porque a responsabilidade do sócio é limitada ao valor das quotas ou ao montante do capital, se este não estiver integralizado. Na sociedade “irregular” – que é comuníssima – todos os sócios respondem solidária e diretamente pelas obrigações sociais (art. 133 do antiprojeto). O princípio da maioria, aqui, deve ser a exceção e não a regra, pois se a deliberação se mostrar desastrada faz-se cortesia com todo o patrimônio (com o “chapéu”...) do sócio que dela dissentiu. Mas o mais incrível é que o antiprojeto pretende, irresponsavelmente, alterar a LSA – um monumento legislativo

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de um ato: crime de facilitação ao contrabando”. Mas o que se vê do teratológico dispositivo em questão é que o juiz fica dispensado do dever de relatar o processo! É absolutamente assombroso. Por que razão o art. 458, I, do CPC, arrola como um dos requisitos essenciais da sentença o relatório? Porque a lei quer que o juiz demonstre que leu o processo. Pergunto a algum dos leitores se gostariam de ter uma causa julgada por um juiz que não tivesse lido os autos! É um despropósito, manifestamente inconstitucional! Passemos agora à (des)proteção à minoria, outro dos objetivos declarados do antiprojeto. Em primeiro lugar, o quórum majoritário para todas as deliberações sociais (art. 113, V) não protege adequadamente a minoria. As alterações estruturais devem ter quórum qualificado, não basta conceder aos dissidentes o direito de recesso. Exatamente por essa razão, a LSA prevê quórum qualificado para tais deliberações (comparem-se: arts. 129 e 136). O antiprojeto elimina, no art. 164, o voto múltiplo obrigatório previsto no art. 141 da LSA, forma de proteção eficaz da minoria, deixando-o à previsão estatutária ou assemblear (ou seja, deixando-o ao arbítrio do acionista controlador). O art. 195 determina: “É nula a cláusula que exclua qualquer dos sócios da participação nos lucros da sociedade”. Não mais aquela que exclua a participação nas perdas. Por exemplo, que exclua da participação nas perdas as quotas do sócio controlador... Na liquidação da sociedade, as perdas são imputadas às quotas dos minoritários (evidentemente, essa cláusula não poderá prevalecer perante os credores, mas internamente sim).

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Opinião


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Opinião brasileiro – determinando, no art. 144, parágrafo único: “no que não for regulado neste Código, sujeita-se a sociedade anônima à lei especial”. É muita pretensão! E enfileira uma série de dispositivos absolutamente inúteis, pois já existentes (e com muito melhor redação) na LSA (cf. arts. 145 a 149, v. g.). Enquanto isso, problemas centrais do direito societário são ignorados. A questão de saber se o conflito de interesses é formal ou substancial (que por três vezes dividiu as opiniões dos diretores da CVM), por exemplo. Ou a do drástico encurtamento do prazo para anulação das deliberações assembleares, que necessitam de estabilidade (apenas para comparar: na Alemanha e em Portugal, esse prazo é de um mês; na Itália, Argentina, Uruguai, é de três meses; enquanto no Brasil é de dois anos, talvez um dos únicos pecados da LSA – art. 286). Os princípios da integridade do capital social e da igualdade de tratamento para os sócios da mesma classe, de sua parte, são olvidados na esdrúxula relação do art. 113, que arrola entre os “princípios do direito comercial societário” a “subsidiariedade da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais”! Para finalizar, o antiprojeto pretende um retorno à Idade Média, caracterizando o empresário como aquele que está inscrito na corporação... (art. 9º). E, ainda por cima, incluindo no conceito de empresário o literato ou artista que se cerque de colaboradores (comparem-se os arts. 3º e 13 com o parágrafo único do art. 966 do Código Civil)! Como eu disse de início, um desastre. O antiprojeto constitui para mim um ultraje. Cada vez que o leio sinto-me, como professor de Direito Comercial e, sobretudo, como cidadão brasileiro, como

se tivesse sido atingido por uma bofetada! Por um projétil!

Notas

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O poder de controle na sociedade anônima, 3ª ed., Foren-

se, 1983, p. 37-39. 2

Comparato, ob. cit., p. 51.

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Cf. Temas de direito societário e empresarial contempo-

râneos, Marcelo Vieira von Adamek (coord.), Malheiros Editores, 2011, p. 516-521.

Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França é professor associado do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo E-mail: dco@usp.com.br

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A professora titular de direito comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e advogada, Paula Andréa Forgioni conversou com O Comercialista sobre os atuais temas de maior interesse no direito comercial: os contratos empresariais, o novo Código Comercial e a nova Lei do Cade. Contou-nos como e por qual razão escolheu a profissão, suas influências e destacou o papel de liderança da São Francisco no cenário jurídico brasileiro. Aconselhou ainda os futuros advogados que atuarão na intrigante e empolgante área do direito comercial.

por Rafael de Oliveira Barizan Formação acadêmica: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Cursos de especialização na Universidade de Bologna e na Universidade de Torino. Profissão: Professora universitária e advogada. Hoje em dia, mais professora. Fonte: http://picasaweb.google.com/lh/photo/lYCUvoR3wxkaNS7VDEcvCg

Livro que todo estudante de direito deve ler: “Negócio Jurídico”, do Professor Junqueira. “Interpretazione della legge e degli atti giuridici”, do Betti e “Teoria generale del diritto”, do Bobbio Conselho para a vida: Seja feliz. Não adianta ter sucesso e ser amargurado e chato Frase marcante: “In the absence of a book of rules, how can we decide whether the fight is fair or foul?” [Fritz Machlup]

O Comercialista – O que a levou a escolher a carreira jurídica? Quando a senhora se interessou pelo direito comercial?

de escrever e pensei em fazer jornalismo ou mesmo psicologia. No fim, aceitei conselhos de pessoas mais experientes que me queriam bem e resolvi fazer direito. Nutria apenas uma certeza [na Paula Andréa Forgioni – Sou a úni- medida em que você pode ter certezas ca advogada da minha família. Gostava aos 17 anos]: só me interessava a São

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Paula Andréa Forgioni

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Francisco. No segundo ano, quanto tive aulas com a Profa. Raquel Stazjn, decidi que seria professora de direito comercial. Sempre fui pragmática e a lógica da matéria me encantava. No quarto ano, trabalhei com dois advogados maravilhosos, daquele que advogam de verdade, como nos velhos tempos: Marcos Chiapparini e José Diogo Bastos Neto. No final do mesmo ano, comecei a estagiar com o Prof. José Alexandre Tavares Guerreiro. Aí não teve jeito: a paixão pelo Direito Comercial --especialmente por sua história e por sua lógica --- pegou-me em cheio. Naquela época, não havia Internet e a biblioteca do Prof. Guerreiro, aliada ao seu entusiasmo pela matéria, arrastaria qualquer um para o direito comercial. O Comercialista – Como a senhora vê a São Francisco no atual cenário jurídico brasileiro?

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Paula Andréa Forgioni – Apesar do que falam, apesar de todas as críticas, apesar de todos os defeitos, apesar de todo o marketing contrário, o papel de liderança da São Francisco é inegável. Não entendo essa cultura de só falar mal da Faculdade e esquecer o que temos de [muito] bom. Há pessoas que sentem prazer quase mórbido nisso. Contudo, se você reparar bem, nenhum professor deixa a Casa, por mais que reclame dela. Críticas construtivas são uma coisa, recalques são outra bem diferente. A liberdade acadêmica de que gozam os Professores do Largo é completa. Como expliquei aos calouros deste ano, isso traz vantagens e desvantagens. A liberdade de cátedra, aqui, é levada muito a sério e, também por isso, a Faculdade mostra-se importante pólo de irradiação

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de novas idéias. Não rezamos conforme a cartilha de ninguém. Somos independentes, inclusive dos interesses econômicos que financiam muitas pesquisas. Nossos alunos não são nossos clientes e a relação que mantemos com eles é bastante especial. Não obedecemos ordens de ninguém; nossas pesquisas e interesses são fruto, apenas, de nossa consciência e capacidade. No que diz respeito à minha área, diria que somos uma das poucas instituições do País em que se trabalha o Direito Comercial de forma a superar o excessivo privatismo que sempre caracterizou a matéria. Não preparamos os alunos para os exames da OAB, mas para perceberem o Direito Comercial como indispensável ao desenvolvimento econômico do Brasil. O Comercialista – Qual o papel da pesquisa no direito? A integração entre a prática e a academia é necessária? Em caso positivo, o ensino jurídico, tal qual podemos observar atualmente, atende a essa necessidade? Paula Andréa Forgioni – A Faculdade propicia ao aluno a oportunidade de estagiar durante o curso. Aqui, aprende-se a pensar. No estágio, a trabalhar. Não acredito que devamos perder nosso tempo em sala de aula para ensinar o aluno a redigir uma petição ou a fazer um Power Point [!]. O que são cinco anos na vida de um profissional, diante de uma carreira que tende a se estender por mais de sessenta anos? Nada! Precisamos aproveitar esse tempo para ensinar o aluno a pensar, a desenvolver sua capacidade de aprender sozinho --- porque é isso que ele fará o resto da vida e é isso que o transformará


O Comercialista – O estágio é necessário e/ou desejável ao longo da faculdade de direito? Qual seria a melhor opção para complementar, do ponto de vista prático, o conhecimento teórico adquirido na faculdade de direito? Paula Andréa Forgioni – O estágio é indispensável, mas a partir do quarto ano. Até lá, o estudante deve cuidar da sua formação acadêmica e estudar línguas estrangeiras. Se possível, fazer intercâmbios no exterior. As oportunidades estão se multiplicando na USP, com muitas bolsas de estudo. Costumo aconselhar meus alunos a cuidar de sua formação, pois nenhum escritório o fará. Escritórios de advocacia estão lá para ganhar dinheiro e, muitas vezes, há conflito entre os interesses das “law firms” e dos estudantes ou jovens profissionais. O estágio só interessa ao nosso aluno se o fizer crescer. Ninguém que debita 250 horas por mês pode estar cuidando seriamente de sua formação. Isso interessa aos escritórios, não aos nossos egressos. Não posso deixar de referir outra “lenda urbana” que assombra os estudantes: “deve-se começar a estagiar logo, caso

contrário, não haverá lugar nos bons escritórios”. Não sei de onde veio essa crença. Há grande demanda da parte dos bons escritórios por estagiários mais velhos e, especialmente, por jovens profissionais que querem seguir a advocacia empresarial. O Comercialista – Existe ou existiu alguém ligado à profissão que a inspirou e que, até hoje, inspira? Paula Andréa Forgioni – Dois queridos professores das Arcadas: José Alexandre Tavares Guerreiro e Eros Roberto Grau. Minha vida não seria a mesma se não tivesse tido a oportunidade de conviver, trabalhar e apreender muito com esses dois grandes advogados e juristas. Além deles, sempre confiei na experiência e bom senso do Prof. Marcelo Huck. Dei-me mal todas as vezes em que não ouvi seus conselhos. O Comercialista – Qual a sua opinião sobre o Novo Código Comercial e sua estrutura de caráter mais principiológico que normativo, conforme defendido pelo Profº Fabio Ulhoa Coelho? Paula Andréa Forgioni – Meu querido amigo Fabio Ulhoa Coelho, professor titular da PUC, tem feito um trabalho impagável para o direito comercial: após décadas, o mundo jurídico voltou a se preocupar com os vetores de funcionamento da ordem jurídica do mercado. Há muito não se falava dos princípios orientadores da matéria. Ao contrário de muitos colegas, acredito que deveríamos ter um novo Código Comercial; muito poderia ser feito, especialmente em relação aos contratos entre empresas e à repressão ao abuso da

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em um profissional de excelência. Tenho muito contato com estudantes e jovens advogados estrangeiros. Nossos [bons] alunos, quando se lançam na carreira profissional, são realmente muito competentes, disputadíssimos no mercado de trabalho. A reclamação geral dos escritórios não diz respeito à formação dos nossos estudantes, muito ao contrário, mas ao nosso “nariz empinado”. Não é fácil convencer um estagiário da São Francisco a tirar cópias ou a fazer trabalhos repetitivos.

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dependência econômica. Seria preciso, ainda, desfazer a confusão perpetrada no âmbito das sociedades limitadas pelo Código de 2002. Contudo, os fatos atropelaram as boas intenções. Há problemas sérios na proposta que está no Congresso, que não podem ser supridos por emendas. A aprovação do projeto será prejudicial ao desenvolvimento do direito comercial e ao bom fluxo de relações econômicas. Mas, minha amizade, estima e respeito intelectual pelo Professor Fabio seguem inabaláveis.

Paula Andréa Forgioni – Não se cria mercado [no sentido de fomento de negócios] apenas com regras jurídicas. As condições econômicas são fundamentais. Ao mesmo tempo, a crise de 2008 comprovou o que há muito se sabia: não existe mercado sem direito.

O Comercialista – A evolução dos contratos empresariais é notável em nosso país. A senhora acha que se está dando a devida atenção a esse fenômeno?

Paula Andréa Forgioni – Não tenho dúvidas de que o direito é uma ferramenta capaz de modificar a realidade e de fomentar o desenvolvimento econômico e social do País, ou não seria professora de direito comercial. Hoje, o exemplo mais eloquente talvez seja a disciplina jurídica dos exclusivos [“propriedade intelectual”] como instrumento de fomento da concorrência e da solidificação de um mercado competitivo.

Paula Andréa Forgioni – Não. Nem aqui, nem no estrangeiro. Impressiona a falta de estudos nesse campo. Pretendemos [Prof. Satiro, Prof. Rodrigo Mendes, Prof. Zanetti e Prof. Marino --estes dois últimos do Departamento de Direito Civil] constituir linha de pesquisa e grupo de estudos para debruçarmo-nos, juntos, sobre os contratos empresariais, especialmente os de colaboração e os de rede. O Brasil deixou de ser apenas um “consumidor de teses” estrangeiras. É preciso produzir doutrina de direito que considere a realidade brasileira numa economia globalizada. É o que pretendemos fazer.

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O Comercialista – O mercado acionário brasileiro despertou na última década. Esse é um fenômeno determinado pelo direito ou posteriormente regulado por ele? Nessa perspectiva, como a senhora percebe a relação entre direito e mercado?

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O Comercialista – A senhora vê o direito como uma ferramenta capaz de modificar a realidade, em prol do desenvolvimento social ou seria esta uma visão utópica?

O Comercialista – A influência de outras ciências sobre o direito, como a Economia, é um fato de difícil contestação. Na sua opinião, está influência é desejável? Atualmente há uma assimetria da importância dada a outras ciências em detrimento do direito no papel de reguladores das relações sociais? Paula Andréa Forgioni – Às vezes, parece-me que as pessoas confundem as coisas de propósito. É preciso separar (i) os instrumentos de análise e de compreensão da realidade que nos são trazidos pela economia da (ii) idéia de que as soluções econômicas [ditas mais “eficientes”] são as que levam ao maior nível de bem estar social.


O Comercialista – Em entrevista para a edição de abril de O Comercialista, Olavo Chinaglia, então Presidente Interino do CADE ao tratar da Lei 12.539/2011, afirmou que “A lei representa um avanço em relação ao sistema anterior, pois racionaliza procedimentos, aumenta a estrutura e confere instrumentos para uma atuação mais efetiva dos órgãos de defesa da concorrência, notadamente no que diz respeito à análise prévia dos atos de concentração econômica”? Em sua opinião esta nova estruturação é, de fato, suficiente para regular a concorrência no país e coibir abusos? Paula Andréa Forgioni – Essa lei não alterou quase nada no que tange ao direito material, apenas reestruturou o chamado “Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência” e instituiu o controle prévio dos atos de concentração. Sempre fui contrária ao controle prévio no Brasil, por acreditar que transfere excessivo poder ao Executivo. Agora, Inês é morta. Vamos ver os resultados práticos que serão apresentados à Sociedade. Volto a bater na mesma tecla: no atual momento da economia brasileira, é preciso cuidar das práticas capazes de fos-

silizar nosso mercado. Tenho a esperança de que o CADE volte seus olhos para o abuso de poder econômico e para os acordos verticais que permitem o controle dos canais de escoamento da produção. O Brasil precisa definir sua política de concorrência de acordo com suas necessidades econômicas e históricas. Estou otimista com a nova composição do CADE. O Comercialista – Um ponto bastante em voga atualmente diz respeito à arbitragem no Direito Societário. Tomando como base a atual configuração brasileira, a arbitragem já aparece como forma viável de solução de conflitos societários? Paula Andrea Forgioni – A arbitragem tem funcionado muito bem no Brasil. Contudo, na área do direito societário, ela se mostra mais problemática. As questões são muitas: nos casos de companhias abertas, é possível manter o sigilo da arbitragem? Como tratar os impactos da sentença arbitral perante terceiros, especialmente os outros sócios/acionistas que não figuram como parte na arbitragem? A cláusula arbitral estatutária pode vincular futuros acionistas? Como fica a consideração do interesse público e da supremacia dos interesses empresariais na arbitragem, que tende a considerar apenas os interesses das partes envolvidas? São todas questões ainda em aberto e que geram muita preocupação ao teórico do direito. O Comercialista – Qual a influência dos institutos do Common Law no Direito Empresarial brasileiro? Diante da constante importação de conceitos, deci-

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Nenhum professor sério de direito comercial pode discordar da primeira assertiva. Já a segunda transforma a chamada “eficiência econômica” no norte da sociedade, no escopo máximo do Direito, no resultado necessário da interpretação das regras e dos princípios jurídicos. O problema é que isso tudo traz ilusão de segurança e de previsibilidade. Discuti essa problemática em um artigo denominado “Análise econômica do direito: paranóia ou mistificação?” que me permito referir aqui.

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sões e princípios, ainda é adequado afirmar que o sistema de direito empresarial brasileiro é de Civil Law?

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Perfil Paula Andréa Forgioni – Também nesse aspecto há muitas “lendas urbanas”. Autores mais liberais costumam dizer que o sistema da Common Law seria mais “eficiente”. Isso é mero “achismo”, sem qualquer comprovação fática. Sinto-me autorizada a falar, apenas, da minha área. No campo do direito concorrencial, as leis [i.e., os textos normativos] são bastante semelhantes no mundo todo. As autoridades antitruste preocupam-se com os precedentes, tanto aqui, quanto alhures. Não vejo tantas diferenças entre “Civil Law” e “Common Law”. O mesmo diria em relação aos contratos empresariais. Esquece-se que os norte-americanos possuem o “Uniform Commercial Code” e que os contratos entre empresas são plasmados por princípios semelhantes em vários direitos. Com todo o respeito, sugeriria a muitos autores que, antes de externar ideias açodadas sobre o sistema brasileiro de direito comercial, debruçassem-se sobre a jurisprudência dos nossos Tribunais, especialmente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Teriam muito a apreender. Há leis e há nítida preocupação com os precedentes. É inegável que as decisões, vistas com a distância do tempo, não apenas guardam entre si certo sentido, mas também apontam o caminho da evolução da disciplina jurídica do mercado. No Brasil, a prática mercantil vai muito além do papel que lhe é tradicionalmente reservado pela manualística, invocada, quando muito, como resquício histórico relacionado ao nascimento medieval do direito comercial. Elas ligam-se não ape-

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nas ao poder criador das empresas, que constantemente fazem surgir novas soluções para problemas econômicos, mas também à resposta dada a essa atividade pelos tribunais. O direito comercial não existe sem os julgados e, por sua vez, o resultado dessa corrente de decisões condiciona a atuação dos agentes econômicos, fechando um ciclo que não pode ser ignorado pelo intérprete do direito brasileiro. O texto legal inicialmente interpretado pelos empresários [e por seus assessores], as práticas que estes implementam nos limites deixados à autonomia privada pelo direito objetivo, a reação dos Tribunais a esses comportamentos e a interpretação que os juízes dão aos mesmos textos normativos trazem como resultado a formatação da ordem jurídica do mercado. Assim, os usos e costumes não surgem apenas da atuação livre dos comerciantes, mas de seu comportamento condicionado pelas características do ambiente em que desempenham seus negócios, pelos textos normativos e, em grande medida, pelas decisões dos tribunais. As decisões jurisprudenciais, entre nós, ligam-se à dinâmica do direito comercial moderno mais do que se costuma supor. Em várias matérias, longe de serem julgados desconectados, mostram-se importante força que auxilia a modelagem das regras seguidas e criadas pelos comerciantes. Por isso, ao menos no direito empresarial, não reconheço uma diferença tão marcada entre “Civil Law” e “Common Law”. O Comercialista – O que se exige de um bom advogado e como ele deve se preparar para exercer a profissão? Qual


Paula Andréa Forgioni – Estude. Tenha curiosidade intelectual. Bons amigos. Bons estágios. Estude línguas estrangeiras. Observe profissionais experientes. Saiba criar e cultivar relações profissionais e pessoais. Entenda que, no mundo de hoje, ninguém faz sucesso sozinho e valorize a equipe na qual se insere, seja como membro, seja como líder. Lembre-se que ninguém gosta de aguentar louco. Fuja deles! Ser temperamental não é bacana. Treine sua inteligência emocional. Não tenha medo de assumir responsabilidades. Estude. Não veja todos os colegas como concorrentes, mas como membros da mesma equipe. Não perca tempo com bobagens e com inveja. Sempre haverá pessoas mais inteligentes e menos inteligentes do que você. Controle a ansiedade dos primeiros anos de profissão. Saiba cultivar as amizades da Faculdade para a vida toda. Elas não tem preço e serão valiosíssimas para o seu futuro, em todos os aspectos. Não queira ganhar o primeiro milhão de Euros nos dois primeiros anos de carreira. Estude. Invista em si próprio, sempre. Invista nos outros. Seja esperto, mas não desconfie da própria sombra. Entenda que você não é a reencarnação do Pontes de Miranda, apesar de ter feito São Francisco. Fuja de psicopatas sociais, daqueles que passam por cima de tudo e de todos para alcançar seus objetivos; a ciência demonstra que esses não têm cura. Não se transforme em um psicopata social. Estude. Colabore. Adicione. Acrescente. Estude. Saiba gastar o dinheiro que você ganha. Ajude. Planeje, planeje e planeje, mas aproveite

as boas oportunidades que a vida lhe oferecerá de improviso. Tenha calma. Estude. Seja humilde, mas não seja bobo. Goste de seus amigos. De verdade. Como sempre disse meu Orientador: não parta do pressuposto que todos pensam como você e enxergam o que você vê. Não tenha medo, mas seja cauteloso. Cuide muito bem da vida pessoal, até mesmo para não acabar um velho chato, sozinho e amargurado. Estude. Tenha amigos no trabalho. Viaje. Controle a vaidade. Cuide-se, sempre, em todos os sentidos. Respeite-se. Mantenha as rédeas de sua formação e de sua carreira em suas próprias mãos. Estude. E entenda, de uma vez por todas: o que pode arruinar sua carreira não são azares ou decisões isoladas, mas suas posturas perante a vida.

Rafael de Oliveira Barizan é graduando do segundo ano da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo E-mail: rafael.barizan@usp.br

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tipo de profissional a senhora gosta de ter na sua equipe ou acha importante ter no escritório? Quais conselhos daria a um jovem advogado empresarial?

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A Lei de Responsabilidade Fiscal e a questão da seguridade social no Brasil

por Samuel Costa Filho

1 INTRODUÇÃO

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Ante uma grande recessão nos anos 1930, uma concepção doutrinária da ação intervencionista do Estado capitalista passou a dominar o debate, sinalizando e viabilizando diversas reformas que deram margem e criação ao Welfare State (ao Estado do Bem-Estar Social) nos países desenvolvidos, decorrente da necessidade do momento, aliada à pressão popular. Na América Latina, surgiu o Estado intervencionista e desenvolvimentista - um compromisso com um crescimento econômico fez parte do modelo brasileiro, que teve um produto interno bruto (PIB) que cresceu, entre 1948 a 1980, à taxa anual de 7,5%. No B rasil, quando do processo de redemocratização nos anos 1980, as forças sociais pressionaram pela igualdade de oportunidades e mobilidade social a todos os cidadãos. No processo de elaboração da Constituição, assistiu-se, pela primeira vez, uma intensa mobilização que levou à aprovação da “constituição cidadã”. Logo os liberais brasileiros alegaram que a crise econômica e social por que se passava era fruto de um suposto gigantismo e ineficiência do Estado. Em tais condições, o Brasil, ao aprovar a nova constituição, elevando o gasto público social, ficou impedido de retomar o crescimento econômico. Assim, no início dos anos 1990, os arautos do neolibera-

lismo advogaram medidas via Consenso de Washington e pregaram a defesa intransigente e incondicional da ideologia ultraliberal1. Uma das últimas reformas ultraliberais no País foi a implementação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 4 de maio de 2000, que foi apresentada à sociedade brasileira como um grande avanço em termos de administração pública e divulgada como uma modernização na administração e nos gastos públicos, com ênfase no combate à corrupção e à roubalheira no Estado, zelando pela austeridade e eficiência no setor público. Na nova realidade globalizada, o Estado deveria ser gerido como se fosse uma empresa; e essa ideia de administração foi repetida de modo a se tornar uma verdade irrefutável. Assim, não é surpresa que o PIB do Brasil apresente nos últimos 30 anos uma taxa média de apenas 2,8% de crescimento (PAULANI, 2008). O presente artigo objetiva analisar as consequências da LRF, diante da tentativa de avanço na seguridade social e de criar um Welfare State no Brasil. Para este fim, a seção seguinte trata do desenvolvimento do Welfare State e da construção da seguridade social na Constituição de 1988. Na sequência, aborda o avanço do consenso ultraliberal no Brasil e discorre sobre a LRF e a institucionalização do Estado brasileiro com o lema “direita para o social e esquerda

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2 A CONSTRUÇÃO DO WELFARE STATE E DOS DIREITOS SOCIAIS E A SEGURIDADE SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 NO BRASIL O século XX apresentou a emergência e o desenvolvimento de diferentes padrões de políticas sociais nos países capitalistas avançados - o Welfare State. No plano social, esta experiência de sociedade garantia a manutenção de renda aos indivíduos independentemente de possuírem propriedade ou de estarem ligados ao mercado de trabalho. O objetivo era fornecer segurança em relação aos riscos e às contingências sociais frutos da sociedade capitalista. O Welfare State faz parte de um processo histórico no desenvolvimento do sistema capitalista. Contrapondo-se à via revolucionária, os reformistas conceberam instituições que viabilizaram a atuação do Estado com políticas autônomas de defesa do status quo do sistema capitalista, mas permitindo a melhoria e defesa das diferentes classes sociais e do cidadão em particular. Seu surgimento teve início ao longo do século XIX, através das lutas dos movimentos operários e dos esforços de grupos organizados, bem como de-

vido ao crescimento vertiginoso das cidades (AGUIAR, 1990). No século XX, outros fatores contribuíram para o desenvolvimento do Welfare State, como, por exemplo, a Revolução Russa; a Grande Depressão dos anos 1930; o surgimento do fascismo; o keynesianismo. Neste contexto, além do capitalismo liberal e do comunismo soviético, uma nova realidade se tornou hegemônica, a social-democracia keynesiana. A explicação da origem do Welfare State não é consensual. Segundo Arretche (1995), Silva (1999a, 1999b) e Aguiar (1990), existem diferentes explicações que podem ser divididas em (a) condicionantes de ordem econômica (o Welfare State é um desdobramento necessário das mudanças postas em marcha pela industrialização da sociedade; e é uma resposta às necessidades de acumulação e legitimação do sistema capitalista) e (b) condicionantes de ordem política (o Welfare State é resultado de uma ampliação progressiva de direitos - dos civis aos políticos, dos políticos aos sociais); de um acordo entre o capital e o trabalho organizado dentro do capitalismo; e há diferentes Welfare State, que são resultado da capacidade de mobilização de poder da classe trabalhadora no interior de diferentes matrizes de poder. Ao longo dos anos 1970, uma crise do capitalismo atingiu as finanças do Estado do Bem-Estar Social e levou ao fim do consenso keynesiano, surgindo, com elevado vigor, novas ideias ultraconservadoras, que apregoavam como causa dessa crise do capital os efeitos perversos das políticas sociais e de financiamento do

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para o capital” (NEVES, 2010), com a direita significando transparência e honestidade para com os gastos públicos e a esquerda aplicando uma política de gastos em favor do capital, capital financeiro em particular. Finalizando, o artigo defende o ponto de vista de que o Brasil precisa mudar.

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Doutrina Estado do Bem-Estar Social, dado o quadro de mudanças demográficas, onde o envelhecimento e a mudança no padrão familiar representavam um maior custo para o Estado assistencial (MARQUES, 1997). O domínio das correntes que defendem e divulgam virtudes de uma nova ordem denominada de globalização da economia e as consequentes mudanças no funcionamento do mercado de trabalho debilitaram a legitimação e causaram perda de lealdade da classe trabalhadora ao Estado do Bem-Estar Social. Todavia, este havia se transformado em um elemento essencial para a ordem, as estruturas e as rotinas das democracias industriais avançadas. Combinavam-se mercado e Estado para viabilizar um melhor ritmo da atividade econômica. Mesmo com o avanço das ideias e práticas ultraliberais, da crise dos projetos do socialismo real e das muitas críticas à política e ao padrão intervencionista do Estado, da nova matriz tecnológica de produção flexível, do desenvolvimento da informática, da biotecnologia, da engenharia genética, e com a formulação do Consenso de Washington, da sua aplicação nos países da América Latina, o Welfare State contou com o apoio de grupos organizados e órgãos que impediram a sua extinção (KING, 1988). O processo de globalização da economia mudou a lógica principal de funcionamento do capital, que passou a ser comandada pela abertura comercial e financeira, estimulando um processo de financeirização da economia. Ocorreu o favorecimento de políticas de privatização de empresas sob o controle

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do Estado; estimulando o processo de acumulação de capital na linha da concentração de capital e, principalmente, da centralização de capital; processo que foi sustentado pela ideologia teórica do ultraliberalismo, que pregava a modificação do Estado para o Estado Mínimo, a liberalização no mundo do trabalho, que levou à precarização e declínio do emprego, rebaixamento da renda do trabalho e redução dos direitos sociais. O processo de fragilização das organizações que defendem a classe trabalhadora estimulou a volta do barbarismo na vida social, difundiu a ascensão do egoísmo, do individualismo, do consumismo, do racismo e da xenofobia (BELLUZZO, 2004). Diferentes países da periferia passaram a executar reformas exigidas pelos principais órgãos internacionais - o Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (via Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento - BIRD) e Organização Mundial do Comércio (OMC). As exigências compreendiam, entre outras, ajustes estruturais com políticas de estabilização da inflação, liberalização comercial, abertura ao investimento estrangeiro, procura de melhoria na competitividade via maior inserção no processo de globalização (CHANG, 2009). No lado das políticas sociais, as recomendações foram de políticas focalizadas nas camadas mais pobres, transferência de renda sujeita a diversas condicionalidades e reforma no amplo aspecto que procurou criar uma política de proteção social intervencionista do Estado, com uma intolerância deste frente ao pauperismo existente nessas


O mercado ”pensa”, o mercado ”avalia”, o mercado ”propõe”, o mercado ”desconfia”, o mercado “sugere”, o mercado ”reage” [e] o mercado ”exige”! [Com essa atitude], aos poucos, o que era antes um sujeito, o indivíduo ”mercado” também foi ganhando ares de divindade (KLIASS, 2011, n.p.).

Essa construção simbólica pode também ser sintetizada na tentativa do convencimento político e ideológico dos caminhos escolhidos para a solução da atual crise do capitalismo: “O mercado ‘alertou’, o mercado ‘ponderou’, o mercado ‘pressionou’, o mercado ‘exigiu’ [...] O mercado ‘conseguiu’.” (KLIASS, 2011, n.p.). Todas essas afirmações revelam que os mercados também têm agenda política. A propagação da crise do capital iniciada em 2007/2008 obteve uma pronta intervenção do Estado para evitar a propagação da quebradeira e das falências, evitando uma grave depressão. No primeiro momento, estabilizado o problema e já supondo uma recuperação no crescimento dos países desenvolvidos, passou-se a afirmar que a crise econômica e suas consequências tinham como culpados o Estado do Bem-Estar Social e suas políticas keynesianas populistas. A sociedade brasileira vivia,

durante a década de 1980, um processo virtuoso de redemocratização, com a sociedade e os movimentos sociais apresentando um alto índice de mobilização, lutando pelo desenvolvimento de políticas públicas de corte social no Brasil, em direção à universalização e ampliação de direitos sociais, baseados em princípios sociais democratas (SILVA, 1999b). Neste contexto, a hegemonia do projeto ultraliberal na América Latina ainda não se fazia presente no Brasil. Assim, os constituintes de 1988 conseguiram construir uma ideia de proteção social que estava longe das propostas liberais e do que é divulgado hoje pela imprensa e pelo Governo. Os constituintes pensaram no indivíduo de forma holística: idealizaram um sistema de proteção social para cobrir os principais riscos a que uma pessoa estivesse submetida ao longo de sua vida; e que essa política coordenasse tanto as receitas como as despesas, de maneira que os diferentes ramos da proteção fossem complementares. Essa proteção tem o nome de seguridade social e compreende a previdência e a assistência sociais, a saúde (Sistema Único de Saúde) e o seguro-desemprego (MARQUES, 2003). Entretanto, o avanço e a formação pela grande mídia de um consenso ultraliberal permitiram modificações na Constituição Cidadã e na atuação do Estado desenvolvimentista; este passou a atuar em favor do capital financeiro. A LRF e sua irmã congênita, a Desvinculação de Receita da União (DRU), apresentadas como institucionalização do Estado para melhoria da sua gestão, representam uma atitude de contro-

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sociedades e um forte combate ao sistema de segurança e previdência social de cunho universalista. A ação do Estado deveria voltar à velha política assistencial e à filantropia privada como papel compensatório para a sociedade. Foi e é constante na mídia o discurso de que

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lar o gasto social do Estado no Brasil, contra o sistema de seguridade social e impedindo o investimento do setor público. 3 O AVANÇO DO CONSENSO ULTRALIBERAL NA SOCIEDADE BRASILEIRA E O DOMÍNIO DO PARADIGMA “NOVO LIBERAL”

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Com o presidente Fernando Collor de Mello, teve início um tímido projeto neoliberal no Brasil. Mas foi a partir dos efeitos positivos advindos do processo que debelou a inflação que o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), respaldado pelo sucesso do Plano Real, conseguiu da sociedade e do empresariado o apoio para aprofundar o projeto ultraliberal no Brasil. FHC prometeu acabar com a herança de Getúlio Vargas; e, com o apoio da grande imprensa, deu forma para o grande público a uma agenda ultraliberal no Brasil (FONSECA, 2005). O diagnostico do mainstream economics apontou como causa da crise dos países latino-americanos o populismo econômico, a indisciplina fiscal e o excesso de intervenção do Estado; e como remédio, disciplina fiscal e monetária, privatização, liberalização e desregulamentação da economia. Esse receituário da nova direita ultraliberal recebeu o nome de Consenso de Washington e foi recomendado para os países da periferia do capitalismo que se habilitassem a receber o investimento estrangeiro (NASSIF, 2007). Segundo Petrella (1997), o projeto ultraliberal exigia que todos

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fossem mais eficientes, produtivos, econômicos e gananciosos, no qual os ricos ficam mais ricos e o contingente de pobres aumenta. Nesse projeto, o Estado atua como fonte de valorização do capital, na busca da eficiência e competitividade; presencia-se transformações do capitalismo e acomodação dos interesses do capital em favor do capital financeiro e contra os setores produtivos. No novo discurso dominante, não há mais um domínio reservado ao Estado e um domínio reservado ao mercado; a política deixa de intervir em todas as atividades. A liberalização dos mercados possibilitou a ampliação de novos instrumentos financeiros (derivativos), aumentou a possibilidade de especulações e favoreceu o crescimento da instabilidade e das crises, mostrando a insuficiência e ineficiência do mercado. O perigo da descentralização foi percebido pelo FMI e pelo BIRD, dado que a fragilização institucional teria ido longe demais (AFFONSO, 2003). Os governos sociais democratas e socialistas europeus foram levados a aceitar as mesmas tarefas que foram encomendadas aos governos conservadores neoliberais; promoveram um afastamento da política de uma parte cada vez maior dos seus cidadãos comuns e abdicaram de promover políticas públicas de coesão social mínima, em um processo que impulsionou a degradação da democracia (BORDIEU, 2001). Entretanto, a crise do capitalismo financeiro que se iniciou nos Estados Unidos da América (EUA) pôs em xeque a propalada eficiência dos mercados. A crise global, que pode-


tema. Porém, na democracia, esse mesmo Estado necessita do voto surge o papel de legitimação, que é a necessidade de se obter consenso e apoio das classes sociais e suas frações (OLIVEIRA, 2009). Os governos concederam aos bancos mais do que aos cidadãos de seus próprios países, por intermédio de empréstimos junto aos mesmos bancos falidos, que se transformaram em credores do Estado. Os governos dos países ricos (EUA e União Europeia) consideraram que os bancos privados eram grandes demais para quebrar e decidiram salvá-los (CARNEIRO, 2011). As principais medidas para o salvamento das maiores instituições financeiras provocaram a explosão da dívida pública no mundo rico. Nos EUA, uma auditoria realizada pelo departamento de contabilidade governamental sobre operações realizadas pelo Federal Reserve System (FED) revelou que já ocorreu um repasse de US$ 16 trilhões para salvar os mais importantes bancos do planeta. As autoridades da União Europeia e os ministros de finanças também decidiram pela política de salvar os bancos, mesmo sabendo que tal decisão empurraria a União Europeia para uma crise (CARNEIRO, 2012). Além de injetar recursos públicos nos bancos, os governos permitiram a criação dos Bad Banks, ou seja, de instituições bancárias destinadas a absorver parte dos papéis “podres” à espera de uma destinação. A consequência do salvamento bancário foi que os PIIGS (acrônimo para Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) tiveram que recorrer às

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ria modificar o domínio do ultraliberalismo, foi apresentada ao grande público como crise fiscal, fruto de má administração de recursos públicos pelo Estado. Na Europa, o consenso ultraliberal levou os partidos progressistas a perderem o senso da própria missão e de suas diferenças em relação a seus adversários. O cidadão ficou com a convicção de que os partidos são todos iguais. O resultado foi que a classe média e os setores populares iniciaram uma série de movimentos (como a revolta dos “indignados”, o “Ocupar Wall Street” ou o “Outono Americano”), mostrando que parte relevante da população não aceita esta justificativa. Esses movimentos, segundo Bauman (2010), estavam a afirmar que a solução paliativa do problema real estava longe de resolver a crise. O problema não está sendo enfrentado e não foi somente a política ultraliberal, o salvamento do sistema bancário e o acobertamento das operações financeiras fraudulentas que de fato provocaram a crise; e todos os movimentos tinham um ponto em comum: sentimento crescente de que a classe política não conseguiu resistir às depredações da plutocracia. A realidade mostra que o Estado capitalista tem papel a desempenhar dependendo da determinação histórica. Nos momentos em que o mercado se torna incapaz e ineficiente, o Estado busca regular os conflitos entre classes e suas frações, apresentando relativa autonomia em relação às classes, atuando no “fio da navalha”, no papel de assegurar a valorização do capital, realizar Investimentos de capital fixo e social para elevar a produtividade do sis-

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políticas do FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia, o que somente fez aprofundar a crise da dívida, levando a graves danos sociais, como, entre outros, a elevação do desemprego e cortes de salários, nas aposentadorias, nos serviços de assistência, saúde e educação; e, por fim, praticaram a velha política de privatização do patrimônio público. 4 O DISCURSO CONSERVADOR E O PROBLEMA DA SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL: a direita para o social e a esquerda para o capital

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O sistema previdenciário é apresentado pelos economistas ultraliberais como o mais sério problema estrutural das contas públicas no Brasil, devido a questões como a estrutura demográfica, as mudanças no mercado de trabalho e os efeitos da Constituição de 1988, que instituiu o sistema de seguridade social e outro sistema destinado aos servidores públicos. A constituição brasileira de 1988, conforme Boschetti (2005, 2006), procurou criar um sistema universal, com uniformidade e equivalência, seletividade e distributividade, diversidade do financiamento e gestão democrática e descentralizada. Ocorre que os princípios constitucionais da seguridade social no Brasil, desde o início, estão sob constante ataque dos conservadores; e os direitos nunca foram uniformizados e universalizados pelo governo brasileiro. A Constituição de 1988 esforçou-se para superar imensos atrasos herdados. Todavia, a nova propos-

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ta de Estado e o novo projeto para o País não vingaram. O Estado permaneceu subalterno às tradicionais classes dominantes. Somente no governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva (Lula), criou-se um mercado interno significativo e promoveu-se o crescimento de uma nova classe de consumidores, embora sua política econômica tenha premiado os mais ricos. O processo desencadeado por Lula abriu uma dinâmica socioeconômica de baixo para cima. Desde então, fala-se e escreve-se muito no Brasil sobre classe média; termo ainda inadequado, se focalizado em um debate amplo e de maior conteúdo. Apresenta-se esta nova realidade de maneira distorcida: para exaltá-la em tom de propaganda ou para atraí-la em perspectiva eleitoral (BERNABUCCI. 2012; POCHMANN, 2012). A desigualdade é apontada como o fracasso da esquerda na América Latina e no Brasil, em particular. Segundo o relatório “Estado de las ciudades de América latina y Caribe 2012”, do Programa de las Naciones Unidas para los Asentamientos Humano (ONU-HABITAT, 2012), o Brasil é o quarto país mais desigual da região mais desigual do mundo. A sociedade brasileira só é menos desigual que dois Estados semifalidos, Guatemala e Honduras, e que a Colômbia, em virtual guerra civil há mais de meio século - muito diferente, portanto, do ufanismo do Governo Lula e de determinados analistas ortodoxos, que afirmam ter havido uma redução na desigualdade brasileira. As evidências são perceptíveis:


5 A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL E A ATUAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO: a direita para o social e a esquerda para o capital São evidentes as históricas deficiências institucionais e organizacionais na gestão das contas públicas no Brasil. A adoção de iniciativas nesse processo institucional ocorreu em um lento avanço na promoção e no aperfeiçoamento dos mecanismos e na melhoria organizacional e no financiamento do Estado brasileiro. Acontece que, historicamente, na grande maioria das vezes, sempre se buscou atender a interesses específicos em detrimento dos interesses gerais da nação. Dessa forma, lentamente, ocorreram avanços institucionais, introduzidos com a criação de órgãos como os tribunais de conta e, em 1964, iniciou-se, no governo militar, uma reforma ampla que criou um ordenamento das finanças

brasileiras com a criação do Ministério da Fazenda, do Banco Central, dentre muitas outras medidas, objetivando promover a estabilização e o desenvolvimento da economia. Mesmo após os diversos avanços e reformas, não existia ainda um adequado gerenciamento das contas públicas. Os principais problemas encontrados estavam relacionados às poucas informações disponíveis, ao nível de detalhamento inadequado das contas, à multiplicidade das peças orçamentárias (União, previdência social e orçamento monetário) e à existência de uma defasagem temporal na prestação de contas (LEITE, 2011). A partir dos anos 1980, ocorreu um avanço nos instrumentos e critérios de racionalidade; e a adoção de novas instituições buscou fornecer transparência e participação no setor público brasileiro na tentativa de superar a situação de desconhecimento e descontrole na gestão das contas públicas no País. Entretanto, as regras de controle de gastos e de endividamento de estados e municípios, assim como meios legais de punição para quem as infringissem, não eram aplicadas (LEITE, 2011). Durante a década de 1990, a situação financeira dos entes federativos nacionais apresentava-se insustentável e, em abril de 1994, foi criado o projeto de lei complementar n. 8, que deu origem à LRF, objetivando comprometimento com a austeridade fiscal, com grande apoio da mídia conservadora que havia forjado um consenso em favor do livre mercado, contra o gasto público, a carga tributária, e em favor do equilíbrio nas contas públicas (FONSECA, 2006).

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os gastos com juros e amortizações da dívida e previdência e assistência sociais foram imensamente maiores que os gastos com educação e cultura e saúde e saneamento (OLIVEIRA, 2009). A política econômica e social representa uma política de dominação burguesa, para dar conta e legitimar a velha dominação das elites conservadoras: “a direita para o social e a esquerda para o capital”; as práticas políticas e culturais, surpreendentemente convergentes de uma direita cheia de sensibilidade social e de uma esquerda comprometida com a ordem do capital (LEHER, 2010) - foi assim que surgiu a LRF.

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Doutrina A LRF é considerada o último e grande instrumento institucional desse processo que proporcionou ao governo brasileiro tomar conhecimento da situação fiscal, garantindo um grau de sofisticação no gerenciamento das contas públicas; desfazia e abria a “caixa preta”, no que diz respeito às contas públicas, ao criar mecanismos de gestão que norteiam as normas e os procedimentos das finanças (planejamento, orçamento, execução e controle interno e externo do gasto social). O grande público foi catequizado via pregação dos economistas do mainstream que apresentaram a LRF como um grande marco institucional na gestão das finanças públicas no Brasil. Porém, a LRF e as principais análises dessa reforma institucional encobriam que o principal objetivo da referida lei era possibilitar e construir um tipo de política macroeconômica que criava e viabilizava um conceito criado e exigido pelo FMI - o superávit primário - para o controle das contas públicas em prol do capital financeiro. Embora essa lei possa ter trazido alguns benefícios à administração e utilização dos recursos públicos, mormente nas esferas subnacionais de governo, na realidade, a LRF colocou acima de quaisquer outros interesses o interesse da classe rentista e dos credores do Estado, priorizando o interesse do capital em geral, contra a sociedade, e da classe capitalista rentista, contra a nação. A suposta austeridade e responsabilidade fiscal do Estado brasileiro União, estados e municípios - exigiu um elevado aperto fiscal e redução de gastos nas áreas de pessoal, social

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e até investimento, mas deixaram livres os gastos financeiros. Conforme exposto por Gonçalves e Quintela (2011), a dívida financeira é priorizada em detrimento das políticas e das ações sociais. A histórica dívida social para com a nação é jogada para debaixo do tapete. A intenção da LRF foi atrelar o superávit primário ao pagamento da dívida pública da União, que têm apresentado um peso médio de 7% no orçamento dos gastos com juros na esfera federal, levando o governo de FHC a elevar a carga tributária de 28% para 36%, mesmo percentual do gasto com juros. É comum, diariamente, a grande mídia divulgar dados de que o problema do déficit público decorre dos elevados gastos na área social, mormente na previdência social. Os economistas que respaldam e defendem essa tese são Fábio Giambiagi (2007, 2010) e Raul Velloso (2009), este, também consultor. Dessa forma, todo o esforço fiscal do Estado brasileiro serve ao rentismo; tem-se um gasto público improdutivo, que não gera emprego e nem contribui para elevar a capacidade produtiva da economia nem elevar a renda dos trabalhadores e dos excluídos, aumentando apenas a escandalosa apropriação da renda nacional pelos mais favorecidos (GONÇALVES, 2008). 6 A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL E A POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL: entre a política pública e o mercado

No momento em que Lula to-


da eficiência e zelo na administração pública. A imprudência e a falácia desses intelectuais procuram encobrir a luta pela apropriação privada dos recursos públicos; suas críticas contra o gasto público resumem-se aos gastos governamentais essenciais para as funções sociais do governo. Assim, a LRF representa apenas a absoluta subordinação do espaço público ao setor privado. Essa interpretação deformada é repetida nos diversos tipos de mídia; e também é corrente até em muitos currículos universitários (graduação e pós-graduação). Trata-se de um movimento coordenado, persistente e volumoso dos conservadores, que atuam em diversas frentes para influir junto à opinião de cidadãos desinformados e até em meio à intelectualidade. O principal método é a repetição. As ideias mais absurdas são repetidas de forma incessante para dominar o coração e a mente do grande público (SICSÚ, 2007). Em meio à crise que se abateu sobre a outrora eficiente economia de mercado, os postulados contra a gastança pública e defesa intransigente da responsabilidade fiscal foram eficazes e imediatamente esquecidos. Os recursos que não deviam e nem podiam ser gastos na área social para atender à saúde e à educação da grande maioria da população jorraram para salvar os ricos e bem de vida, onde foi preciso e quanto fosse necessário (POCHMANN, 2008). O debate sobre alternativas são relegados apenas a aspecto técnico de um modelo que privilegia o grande capital, em especial o financeiro. O tratamento da mídia aos temas considerados relevantes demonstra

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mou posse como presidente do País, deparou-se com esse modelo ultraliberal; e estava diante de um dilema: ruptura ou continuidade? Continuar a política do segundo mandato de FHC, sob os auspícios do FMI e do BIRD, ou romper com essa trajetória e reorientar a política macroeconômica com um novo projeto com objetivos e propósitos alicerçados nas ideias progressistas históricas do Partido dos Trabalhadores (PT)? A alternativa escolhida foi, claramente, a de dar continuidade e aprofundamento ao modelo anteriormente adotado, não somente no campo da política de gerenciamento macroeconômico de curto prazo, mas também na implementação e aprofundamento do desastroso modelo liberal dos anos 1990, haja vista a prioridade dada e a forma como foram implementadas as reformas previdenciária e tributária pelo Congresso. Naquele momento, porém, o PT já sabia que a implantação desse modelo na América Latina provocou uma grave crise na região, decorrente, fundamentalmente, da utilização das políticas neoliberais. A América Latina tornou-se a região mais instável, em termos econômicos, sociais e políticos do mundo. Em diferentes países latino-americanos verificou-se uma crise, ou melhor, a mesma crise sobre formas diferenciadas, sendo que a Argentina, por ter sido o país que mais seguiu à risca o receituário neoliberal, teve a crise mais grave e foi a maior vítima (SADER, 2005). No Brasil, a LRF e a DRU continuam a defender um orçamento equilibrado como princípios fundamentais dos ultraliberais na defesa

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Doutrina existir uma orientação das direções dos órgãos da imprensa sempre dirigida na defesa dos interesses de grandes grupos econômicos e de poder (KLIASS, 2012). A LRF, entretanto, levava o governo do Brasil a ficar comprometido com a política de austeridade fiscal voltada para medidas de curto prazo, com uma política de soluções parciais e provisórias suficientes para honrar os juros da dívida pública. Visando a superávits primários, essa política impede políticas sociais redistributivas e ataca os direitos dos trabalhadores sob o pretexto de saldar deficits da previdência social. Sob uma capa pós-moderna de neutralidade axiológica, os economistas ortodoxos encobrem que desenvolvimento é expressão da liberdade e da igualdade (OLIVEIRA, 2009). A economia não vinha crescendo por melhoria salarial, de emprego e programas de investimento público. A redução salarial entre 1994 a 2004 não criou demanda nem base na renda permanente, investimento. O Brasil, ao aderir incondicionalmente ao processo de globalização financeira, passou a dispor de reduzida capacidade de crescimento, desvinculado da dinâmica da economia mundial; recebeu os benefícios do boom do recente processo de crescimento mundial e sofrerá bastante os impactos da recessão global. O povo é enganado com o crescimento econômico de 2004-2010 e fica deslumbrado com a possibilidade de consumir; os sindicatos sofreram um processo de cooptação dos principais lideres pelo Governo; o movimento dos sem terra foi paralisado e a reforma agrária agoniza;

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e os problemas ficaram esquecidos pela ilusão do consumismo, do aumento do crédito, do emprego e do salário real. Por outro lado, a dívida pública, o gasto para com os bens de vida, continua a crescer. É bom esclarecer que as políticas assistencialistas implementadas no Governo Lula, embora não tenham mudado em nada as estruturas arcaicas da sociedade brasileira, não pode ser desprezada nem abandonada. Como constatou Quadros (2007): “A miséria não está explodindo porque as políticas sociais têm dado conta.” Só que o assistencialismo na área social representa a continuação da política focalizada herdada do governo de FHC e melhorada na administração de Lula. Essa política vem redistribuindo renda intraclasse trabalhadora. Nesse quadro, Pochmann (2008) constatou que a classe média está em vias de extinção: nos últimos anos, desapareceram 10 milhões de brasileiros da classe média, sendo que 3 milhões foram promovidos a ricos e 7 milhões caíram na malha do bolsa-família. Como o Governo Lula continuou implementando a política macroeconômica liberal, Antunes (2007) afirmou que “Nunca antes na história desse país um governo de esquerda fora tão generoso com os lucros dos bancos e dos grandes capitais, tão camaradas com os usineiros e por demais cordial com o agronegócio.” Nesse ciclo econômico, o Brasil regrediu novamente ao papel de fornecedor mundial de matérias-primas, sem qualquer preocupação com uma política industrial e de desenvolvimento econômico,


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1

Notas

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É comum o uso dos termos neoliberal e neoliberalismo,

CARNEIRO, M. L. F. A crise da dívida dos EUA. Disponí-

que, no fundo, são muito mais velhos. Desse modo, o conceito mais adequado é o de ultraliberal, dado o radicalismo dos liberais do século XX. Suas ideias são as de que o Estado é sempre ruim e de que a empresa privada é sempre competente. E, mais importante ainda, o ultraliberalismo não valoriza a democracia política. A democracia liberal significa transparência e honestidade (FONSECA 2006).

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exportando produtos primários que agregam pouco ou nenhum valor, exportando os melhores empregos, perdendo negócios na área dos manufaturados e reforçando a sua dependência histórica.

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Doutrina


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28

Samuel Costa Filho é economista, professor Adjunto do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Piauí (UFPI), mestre em Economia pela Universidade Federal do Ceará (UFC/CAEN) e doutorando em Políticas Públicas no Dinter Universidade Federal do Piauí/Universidade Federal do Maranhão. E-mail: smcst9@superig.com.br


por Denis Morelli

É cada vez mais comum ouvirmos falar na presença de Comitês variados nas companhias brasileiras. Mas será que sabemos, realmente, para que servem esses órgãos? Bem, a resposta não é simples. Antes de tudo, e como já estamos acostumados, especialmente nos estudos de Direito Comercial, é preciso recorrer à história para compreender a adoção de certas práticas. Ao que se sabe, o Comitê de Auditoria – a estrela desse movimento percebido nas companhias – é mesmo o irmão mais velho dos demais Comitês. Ele começou a se fazer presente nas companhias norte-americanas provavelmente no início dos anos 30 e, mais certamente, a partir de 1940, quando a Securities and Exchange Commission (órgão regulador do mercado de capitais dos Estados Unidos) publicou recomendações generalizadas para que Comitês de Auditoria fossem criados. A ideia era que tais Comitês tivessem a função de averiguar as contas que seriam divulgadas aos acionistas pela administração da companhia. Por isso mesmo, e evidentemente, era imprescindível que os membros dos Comitês fossem independentes em relação aos membros da administração. Caso contrário, não se poderia confiar ao órgão o seu objetivo mediato: de evitar a concretização de fraudes e de desvios por parte da administração, em desfavor dos acionistas e da própria companhia.

Aqui, é importante abrir um parêntese para retomar a ideia de que as companhias norte-americanas – ao contrário do que ocorre na maioria das companhias brasileiras, adiante-se – não são controladas por um acionista ou grupo de acionistas bem definidos. Via de regra, nos Estados Unidos, o capital das companhias é composto por acionistas detentores de parcelas menores, ou seja, sem que haja destaque a um acionista ou a um grupo com posição majoritária. Diz-se, assim, que o controle é disperso. Em termos práticos, os acionistas, verdadeiramente anônimos uns aos outros, possuem dificuldade para se reunir e exercer ingerência na administração das “suas” companhias, as quais acabam sendo dominadas pelos próprios administradores. Fecha o parêntese. O Comitê de Auditoria foi, assim, sendo progressivamente recomendado, ou mesmo exigido, nas companhias norte-americanas. Parecia um bom mecanismo para monitorar os administradores e os seus eventuais abusos. E o clamor pelo órgão só aumentava após a ocorrência de fraudes corporativas notórias e de grandes crises. Paralelamente a isso, foi se percebendo a necessidade de monitorar outras formas de abuso dos administradores das companhias de capital disperso, que não necessariamente seriam detectadas nos trabalhos dos Comitês de Auditoria. Isso ocorria,

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Afinal, para que servem os Comitês nas Companhias?1

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Doutrina por exemplo, nos casos em que os administradores estabeleciam para si próprios salários desmedidos, estratosféricos, sem a necessária relação com o resultado dos seus trabalhos e, principalmente, com o desempenho da companhia. Apuravam-se prejuízos, acionistas recebiam menos ou nenhum dividendo, e os salários e os benefícios dos executivos, não obstante, não se alteravam. Ou, pior, aumentavam. Para esse tipo de problema, surgiram os já também famosos Comitês de Remuneração. Tão óbvia quanto a função desses órgãos é a necessidade de que sejam compostos exclusivamente por membros independentes, sem relacionamento com os demais membros da administração. Aliás, é coerente que os debates acerca dos Comitês tenham evoluído juntamente com discussões mais amplas, concernentes à necessidade de membros independentes na composição do board of directors2 das companhias norte-americanas de capital disperso. Em todos os casos, busca-se que as decisões mais importantes na companhia não sejam (tão) influenciadas pelos interesses egoísticos de seus próprios executivos. Foi quando se passou a recomendar que as companhias criassem Comitês de Nomeação, os quais, mais do que serem compostos por membros independentes, deveriam assegurar que houvesse independência na composição dos demais Comitês com funções de monitoramento (como os de Auditoria e de Remuneração), bem como em parcela do próprio board of directors – por conta desse mesmo processo evolutivo, não mais se permite que o board of directors seja composto apenas pelos executivos da

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companhia, tal como ocorria antigamente. Foi assim que esses três Comitês – de Auditoria, de Remuneração e de Nomeação – passaram a ser considerados o tripé necessário para o monitoramento dos administradores nas companhias de capital disperso. Nos Estados Unidos, levantamentos indicam que virtualmente todas as companhias listadas já possuem, no mínimo, esses três Comitês em suas estruturas3. Ao redor do mundo, os números também crescem e, cada vez mais, esse trio ganha lugar de destaque nas variadas Cartilhas de Recomendações de Governança Corporativa4. Mas, como ocorre com várias outras práticas importadas, temos que pensar na real utilidade dos Comitês para as companhias brasileiras. É preciso, antes de tudo, ponderar se os problemas que afetam a administração das nossas companhias assemelham-se àqueles existentes nas companhias norte-americanas, nas quais o conflito de interesses predominante está na relação entre administradores e a base acionária dispersa. Até porque, pelo menos originalmente, foi esse problema que motivou a criação dos Comitês. Nessa linha de raciocínio, ao considerarmos o grupo, hoje em dia não desprezível, de companhias nacionais com controle disperso5, temos que os Comitês, nestes casos, podem servir ao mesmo propósito a que servem nas companhias norte-americanas. Para isso, indispensável que os Comitês tenham a sua independência assegurada – em relação ao restante da administração da companhia – e, também, que divulguem amplamente os seus trabalhos para toda a massa


atos (abusivos ou não). Segundo, em relação aos minoritários, dir-se-á que a lei nacional já cuidou desse problema, com a previsão do Conselho Fiscal, órgão com competência para fiscalizar não só a administração, mas também eventuais abusos do controlador. Dentro desse quadro, forçoso assumir que, tal como ocorreu no caso norte-americano, a implementação de órgãos para se contrapor ao núcleo de controle nas companhias é algo que nunca partirá desse próprio núcleo. Tampouco será medida que advirá do grupo mais fraco, dominado (justamente porque lhe falta poder para tanto). Dessa forma, tanto lá, quanto aqui, espera-se que medidas dessa natureza só sejam implementadas mediante uma força externa7, como, por exemplo, por exigência de órgãos reguladores e entidades de autorregulação. Nesse aspecto, é possível verificar uma série de medidas que procuram incentivar a adoção de Comitês nas companhias nacionais. Por parte do xerife do mercado (a Comissão de Valores Mobiliários), isso se verifica, por exemplo, nas “Recomendações da CVM sobre Governança Corporativa”, bem como na recente Instrução CVM nº 509/11, que oferece um “prêmio” para as companhias que criarem um “Comitê de Auditoria Estatutário” – existindo este órgão, o prazo para rodízio dos auditores externos aumenta de cinco para dez anos. Há, também, a Resolução CMN nº 3.198/04, que obriga (e não só recomenda) que algumas instituições financeiras mantenham o Comitê de Auditoria em suas estruturas. Em todos esses casos, porém, as normas sobre os Comitês não são

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acionária. Somente assim agirão em defesa dos acionistas, em relação a eventuais abusos. Porém, como já se adiantou, o controle disperso é exceção no Brasil, sendo que as companhias, em sua maioria, possuem controle concentrado, bem definido. Por essa mesma razão, os administradores das companhias nacionais não têm, normalmente, a mesma liberdade ou poder que detêm os administradores das companhias de capital disperso. Aqui, o controlador consegue exercer influência na condução dos negócios da companhia e, assim, tem mais ferramentas para evitar que ocorram desvios por parte da administração. Em especial, o controlador tem poderes para, direta ou indiretamente, eleger a maior parte dos membros Conselho de Administração. Por isso, se os administradores não fizerem jus à expectativa do controlador, é de se esperar que percam seus empregos rapidamente – ou, ao menos, muito mais rapidamente do que ocorreria em uma companhia de capital disperso6. Dada essa característica da maioria das companhias brasileiras, alguém dirá que os Comitês devem focar o monitoramento de eventuais abusos dos acionistas controladores em relação aos minoritários – este sim seria o conflito de interesses com o qual deveríamos nos preocupar, correto? Em tese, sim, ao menos para que pudéssemos fazer um paralelo com os objetivos originais dos Comitês. Em termos práticos, contudo, a questão não é tão simples. Primeiro, porque não seria lógico esperar esforços do acionista controlador para instalar, dentro da “sua” companhia, um órgão para controlar os seus próprios

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Doutrina exatamente voltadas ao combate do problema do conflito de interesses. Notadamente, não se exige que os membros dos Comitês sejam independentes do controlador (e, em alguns casos, nem mesmo da administração da companhia). E, via de regra, não se costuma exigir que os trabalhos dos Comitês sejam amplamente divulgados para a base acionária da companhia. O que ocorre, na maioria dos casos nacionais, é que os Comitês são designados para a função de assessoramento do Conselho de Administração. São órgãos meramente opinativos, técnicos, que não costumam assumir a função de mitigar os conflitos de interesses predominantes nas companhias8. Quanto a esse ponto, observa-se que a função de assessoramento é a que mais combina com a previsão legal que abarca os Comitês na Lei das S.A., qual seja, aquela contida no artigo 160, que estende as normas relativas aos deveres e responsabilidade dos administradores das companhias aos “membros de quaisquer órgãos, criados pelo estatuto, com funções técnicas ou destinados a aconselhar os administradores”. Além disso, tem-se o disposto no artigo 139 da Lei das S.A., segundo o qual “as atribuições e poderes conferidos por lei aos órgãos de administração não podem ser outorgados a outro órgão, criado por lei ou pelo estatuto.” Assim, se a lei já prevê a função de fiscalização/monitoramento para alguns órgãos, alguns dirão que não será possível aos Comitês fazer o mesmo. A leitura do texto legal, destarte, permite uma série de indagações: Qual é a utilidade de se importar o modelo

32

internacional de Comitês – concebidos para o monitoramento dos administradores – se retiramos deles a sua função precípua e restringimos suas atividades ao assessoramento técnico e consultivo? Não podem, de fato, os Comitês desempenhar funções de monitoramento também nas companhias Brasileiras? Ou será que esse trabalho de monitoramento de eventuais abusos praticados por administradores e por controladores deve ficar restrito ao Conselho Fiscal? E, em caso positivo, como ficam as companhias nacionais com capital disperso? Devem elas fazer uma espécie de adaptação inversa, e criar Conselhos Fiscais para trabalhar como se fossem os Comitês norte-americanos? Essas questões não merecem respostas simples. O que se pode afirmar, por ora, é que os Comitês, no Brasil podem não estar exercendo funções de monitoramento e de combate aos conflitos de interesses, já que, em muitos casos, ficam restritos a funções de assessoramento técnico e consultivo. E isso é o suficiente para que se relativize a importância na adoção generalizada desses órgãos nas companhias.

Notas 1

Esse artigo resume algumas das pesquisas e opiniões con-

tidas na dissertação de mestrado do autor, intitulada “Os Órgãos Técnicos e Consultivos da Sociedade Anônima”, defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, neste ano de 2012. 2

O Board of directors é o órgão máximo da administração

das companhias norte-americanas. Ao menos para os fins deste artigo, ele pode ser comparado ao Conselho de Administração das companhias brasileiras. 3

Conforme levantamento da consultoria Spencer Stuart,

constatou-se que a partir de 2001, nos Estados Unidos,


maioria das companhias brasileiras, é certo que tal órgão

and Poors 500 (ou S&P 500) já contavam com Comitês

é alvo de severas críticas (assim como próprio Parecer de

de Auditoria e de Remuneração. E, a partir de 2006, 99%

Orientação CVM nº 35, como um todo). E essas críticas já

dessas companhias também já contavam com Comitês de

foram objeto, entre outros estudos, de ótimo artigo de au-

Nomeação ou de Governança. Disponível em http://con-

toria de João Vicente Carvalho, publicado aqui mesmo, no

tent.spencerstuart.com/sswebsite/pdf/lib/SSBI_2011_fi-

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nal.pdf. 4

Na Europa, a presença destes Comitês é reforçada, em

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GILSON, Ronald J. KRAAKMAN, Reinier H. “Reinventing

pela antiga Bovespa e hoje mantidos pela BM&FBovespa.

the Outside Director: An Agenda for Institutional Inves-

6

Esclareça-se que não se está, aqui, ignorando o risco de

tors” in Stanford Law Review, vol. 43, nº 4, 1991.

uma administração ludibriar o controlador. Há casos em

GORGA, Érica. “Changing the Paradigm of Stock Owner-

que isso, de fato, ocorre. Só se está dizendo que o proble-

ship from Concentrated Towards Dispersed Ownership?

ma, no Brasil, ganha outra dimensão. Aqui, o grande tipo

Evidence from Brazil and Consequences for Emerging

de conflito societário ainda é aquele entre o acionista con-

Countries” in Forthcoming Northwestern Journal of In-

trolador e os minoritários. E isso não é de hoje. Basta uma

ternational Law & Business, 2009.

breve leitura da Exposição de Motivos da Lei das S.A. para

MORELLI. Denis. “Os Órgãos Técnicos e Consultivos da

se confirmar essa ideia.

Sociedade Anônima”. Dissertação – Faculdade de Direito

7

A primeira grande força que exigiu das companhias nacio-

da Universidade de São Paulo, 2012.

nais adotassem Comitês não surgiu no país. Isso ocorreu

MUNHOZ, Eduardo Secchi. “Desafios do Direito Socie-

com as companhias nacionais emissoras de ADRs (Ameri-

tário Brasileiro na Disciplina da Companhia Aberta: Ava-

can Depositary Receipt), que, por exigência da lei norte-

liação dos sistemas de controle diluído e concentrado” in

-americana Sarbanes-Oxley Act, tiveram que implantar

Direito Societário, Desafios Atuais. São Paulo: Quartier

Comitês de Auditoria ou, então, adaptar seus Conselhos

Latin, 2009.

Fiscais para exercerem as funções daquele órgão. 8

Talvez a grande exceção a essa afirmação – de que os Co-

mitês no Brasil não costumam exercer funções de fiscalização/monitoramento – seja o chamado “Comitê Especial Independente”, recomendado pela CVM no seu Parecer de Orientação nº 35. Em breve resumo, neste Parecer de Orientação, a CVM sugere a criação de um “Comitê Especial Independente” para atuar em operações entre partes relacionadas, ou seja, em operações que, potencialmente,

Denis Morelli é mestre em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e advogado do escritório Ulhôa Canto, Rezende e Guerra Advogados. E-mail: denismorelli@gmail.com

o acionista controlador pode se beneficiar desproporcionalmente, em relação aos acionistas minoritários (prejudicando-os, consequentemente). Em que pese a adequação do “Comitê Especial Independente” ao problema de conflito de interesses intrínseco à

33

O Comercialista

100% das companhias que compõem o índice Standards

3° trimestre 2012

Doutrina


A distribuição de sobras, oferta pública ou privada?

por João Vicente Carvalho

O presente artigo vale-se do regime jurídico aplicável às sobras, nos casos de um aumento de capital realizado mediante subscrição privada, para discutir, nos planos teórico e prático, a difícil questão acerca da qualificação de determinada oferta de valores mobiliários como pública ou privada. Mais especificamente, o presente artigo procura se posicionar quanto à necessidade ou não de que a venda das sobras em bolsa, conforme determina a lei acionária, dê-se por meio de uma oferta pública, como atualmente quer a Comissão de Valores Mobiliários, ou se existe, para a administração das companhias, uma discricionariedade que as permite colocar essas ações no mercado mediante uma oferta privada. O tema se justifica, a meu ver, seja por suas significativas repercussões práticas – refiro-me à obrigatoriedade, nas hipóteses de ofertas públicas, do registro da própria oferta, do emissor dos valores mobiliários e do intermediário da operação –, seja pela reflexão teórica que promove, abrangendo um conceito que, à semelhança do conceito de valor mobiliário, delimita em alguma medida a esfera de competência da CVM. O texto está estruturado da seguinte forma: após estes parágrafos introdutórios, apresenta-se brevemente a disciplina jurídica das sobras; logo em seguida, inicia-se o estudo dos conceitos de oferta pú

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O Comercialista

Doutrina

34

blica e privada, dando-se ênfase às normas que tratam do tema e, na sequência, ao entendimento atual do regulador; por fim, procura-se oferecer uma conclusão que, para além de resolver os casos concretos de distribuição de sobras, contribua de alguma maneira para as discussões sobre os conceitos de oferta pública e privada. Pode-se definir as sobras de um aumento de capital mediante subscrição privada, pelo menos para os fins deste artigo, como a diferença entre a quantidade de ações emitidas e a quantidade de ações efetivamente subscritas. E, a despeito da existência de procedimentos tendentes à eliminação (ou à redução do número) das sobras1, o fato é que, nos aumentos de capital mediante subscrição privada, eventuais sobras deverão ser vendidas em bolsa2. O racional subjacente a este expediente é o de que se deve buscar atingir integralmente, inclusive mediante esforços públicos, o valor aprovado pelo órgão competente. Afinal, se se deliberou aumentar capital em um dado valor, é de se pressupor, pelo menos em linha de princípio, que esta aprovação foi tomada após um juízo da oportunidade e da conveniência da captação daquele volume específico. Feitas essas observações, pode-se voltar à pergunta central deste artigo, qual seja, a venda das sobras em bolsa representa uma oferta pú-


“Art. 19. (...) § 3º - Caracterizam a emissão pública: I - a utilização de listas ou boletins de venda ou subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios destinados ao público; II - a procura de subscritores ou adquirentes para os títulos por meio de empregados, agentes ou corretores; III - a negociação feita em loja, escritório ou estabelecimento aberto ao público, ou com a utilização dos serviços públicos de comunicação.”

Como se vê, a lei não define propriamente o que é uma oferta pública, limitando-se a enumerar alguns atos que implicariam a caracterização de tal modalidade de oferta. De toda forma, a partir da análise desses atos, parece possível inferir que uma oferta é pública ou privada conforme exista apelo ao público. Vale dizer, é a forma pela qual a oferta chega ao seu destinatário que a define como pública ou privada. Entretanto, e embora a lei silencie a respeito, é preciso apontar que aquela primeira constatação, no sentido de que não há um conceito legal (expresso) de oferta pública, levou a doutrina a afirmar que também os critérios aptos a qualificar uma oferta como pública seriam exemplificativos. Assim, conside-

rando-se que a principal consequência da natureza pública de uma oferta é a sua submissão ao sistema de registros da Lei n.º 6.385/1976, e que este sistema tem a função instrumental de assegurar ao mercado o acesso às informações necessárias a uma tomada de decisão, impor-se-ia, para a qualificação da oferta, a verificação de determinadas características pessoais dos destinatários da oferta. Os aspectos subjetivos elencados pela doutrina, escorada também na evolução jurisprudencial norte-americana, são os seguintes: (i) grau de sofisticação dos investidores, e (ii) acesso por outros meios às informações sobre a oferta e sobre o emissor que usualmente são disponibilizadas por meio do sistema de registros. Quanto ao primeiro ponto, trata-se de verificar se a oferta é colocada exclusivamente junto a investidores que ostentam “conhecimentos e experiência em questões financeiras e empresariais e se são capazes de avaliar os riscos e o mérito do investimento ”. Se assim o for, entende-se que a oferta terá natureza privada, pois os seus destinatários prescindiriam da proteção estatal conferida pelo sistema de registros. De forma semelhante, e agora no que diz respeito ao segundo ponto, alega-se que “se os investidores já estão de posse de informações que lhes permitem uma tomada de decisão consciente, não há porque se obrigar a companhia emissora a proceder ao registro perante a autoridade governamental, com custos desnecessários”4. Mais do que indicar novos elementos a serem considerados, a

35

O Comercialista

blica ou uma oferta privada? Deve-se destacar, de início, que a complexidade do problema está, também, relacionada à forma como o legislador e o regulador trataram desses conceitos. A definição de oferta privada, por exemplo, só pode ser feita por exclusão, isto é, pela prévia definição da oferta pública, cuja norma de regência é o art. 19, § 3º da Lei n.º 6.385/1976:

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Doutrina


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O Comercialista

Doutrina doutrina também declara a superioridade destes sobre aqueles que têm base legal, afirmando que, nas hipóteses de conflito, deve-se privilegiar os referidos elementos subjetivos5. O regime legal, contudo, não parece acolher tal interpretação. E isto definitivamente não significa um desprezo pelas características pessoais dos destinatários da oferta; ao revés, entende-se que estes elementos não fazem parte do suporte fático qualificador da oferta pública, mas, antes, são dados a serem ponderados pelo órgão regulador na formação de seu juízo a respeito da dispensa da obrigatoriedade do registro ou da admissão de um procedimento diferenciado6. A defesa feita até aqui se fundamentou na enunciação dos atos típicos de oferta pública contida no § 3º do art. 19 da Lei n.º 6.385/1976 e, principalmente, no racional que deles de extrai. Porém, deve-se ter em conta que a parte inicial do § 5º deste mesmo dispositivo7, ao delegar competência à CVM para definir outros suportes fáticos que caracterizem uma oferta pública, exige que se considere, também, as outras normas da autarquia que versam sobre o tema. Ao se analisar aquela que constitui, hoje, o centro da disciplina regulatória das ofertas públicas – a Instrução CVM n.º 400/2003 –, observa-se desde logo, no caput e no § 1ºart. 38, inserido no capítulo “Exigência de registro de ofertas públicas de distribuição”, que o critério legal dos “esforços públicos” foi replicado e aperfeiçoado, de modo que o uso de meios de comunicação só caracterizará a natureza pública da oferta

36

quando forem dirigidos ao “público em geral”. Prosseguindo na leitura da norma, no entanto, e agora já no capítulo “Dispensa do registro ou de requisitos”, percebe-se que as características pessoais dos destinatários aventadas pela doutrina aparecem listadas no inciso I do § 4º do art. 4º, onde se encontram outros elementos aptos a “dispensar o registro ou alguns dos requisitos, inclusive publicações, prazos e procedimentos previstos nesta Instrução”. A qualificação da oferta como pública, portanto, também no sistema da Instrução CVM n.º 400/2003, independe da sofisticação dos investidores e de seu poder de barganha. De lá para cá, a autarquia pronunciou-se sobre a matéria por meio dos Pareceres de Orientação CVM n.º 32 e n.º 33, de 30.9.2005, e editou a Instrução CVM n.º 476/2009, sempre se mantendo fiel ao entendimento de que é a utilização de meios de comunicação voltados ao público em geral que determina a natureza da oferta de distribuição9. Não obstante, é digno de nota o esclarecimento feito pelo Parecer CVM n.º 32 no sentido de que medidas preventivas, voltadas a não permitir o acesso do “público em geral” à oferta, podem evitar a caracterização de uma oferta como pública mesmo quando são empregados meios de comunicação públicos, como a Internet10. Analisadas as regras relativas à matéria, pode-se passar ao entendimento atual da autarquia quanto à natureza da venda em bolsa das sobras de determinado aumento de capital realizado mediante subscrição particular. Para tanto, faz-se


a 5% da emissão e inferior a 33,33% das ações em circulação. E, frise-se, como este dispositivo se encontra no capítulo denominado “Dispensa do registro ou de requisitos”, a sua incidência em um caso concreto pressupõe a obrigatoriedade do registro13, não sendo, consequentemente, apta a operar, por si mesma, a qualificação da oferta como pública. Deve-se levantar objeção, ainda, ao fato de que a referida decisão do Colegiado erige como critério para a caracterização de uma distribuição como pública ou privada apenas o volume (relativo) da oferta, desconsiderando o critério expressamente contido no art. 3 da Instrução CVM n.º 400/2003 e no art. 19, §3º da Lei 6.385/1976. Conforme se demonstrou ao longo do presente artigo, a CVM nunca se afastou, em seus normativos, do critério implícito nas referidas regras, que é o da utilização de meios de comunicação com a capacidade de se atingir o público em geral. Resta verificar, para que se possa responder a pergunta contida no título deste artigo, se o procedimento para a venda de sobras em bolsa previsto pelo art. 8º, §1º, I, “d”, da Instrução CVM n.º 168/1991 pode ser enquadrado como um ato de distribuição pública. Cumpre lembrar que esta instrução, que “Dispõe sobre operações sujeitas a procedimentos especiais nas Bolsas de Valores”, tem respaldo legal dos artigos 8º, inciso I e 18, inciso II, alínea “a” da Lei n.º 6.385/1976, sendo aplicável a diversas operações cursadas em bolsa que reclamam, por sua atipicidade, a observância de alguns cuidados especiais.

37

O Comercialista

referência ao julgamento do Processo Administrativo CVM n.º RJ 2012/4172, de 10.7.2012, seja por ser o mais recente entre os precedentes, seja porque parece ser o mais taxativo. Nesta ocasião, o Colegiado da CVM sistematizou o regime legal da distribuição de sobras de ações de tal forma que se acabou reconhecendo a existência de “um regime de gradação, dentro do qual se assume que quanto maior o volume da oferta, mais requisitos deverão ser observados pela companhia emissora para a distribuição das sobras”11. Em sintonia com tudo o que já se defendeu neste artigo, há ao menos três observações a serem feitas. Inicialmente, destaco que esta abordagem parece pressupor que a colocação das sobras dar-se-á, sempre, por meio de uma distribuição pública, indiscutivelmente sujeita a registro, cabendo apenas, em situações excepcionais, a dispensa do registro pela CVM. Esse enfoque, todavia, é no mínimo discutível, pois o art. 171, §7º da Lei 6.404/1976 exige apenas que eventuais sobras de um aumento de capital sejam vendidas na bolsa. Nada mais que isso. O segundo problema que enxergo é que não há, na Instrução CVM n.º 400/2003, nenhum dispositivo capaz de dar suporte à interpretação feita pelo Colegiado. Muito pelo contrário: a questão do registro da venda de sobras de aumentos de capital, quando abordada na Instrução CVM n.º 400/2003, remete simplesmente à possibilidade (o verbo utilizado na instrução é “admitir”12) de se utilizar um procedimento simplificado para o registro de distribuições de sobras em volume superior

3° trimestre 2012

Doutrina


3° trimestre 2012

O Comercialista

Doutrina As características do leilão em bolsa já foram examinadas pela área técnica da CVM à luz dos “esforços públicos” ao menos duas vezes. No Processo Administrativo CVM n.º 2007/14893, julgado em 29.1.2008, o Colegiado acompanhou o entendimento da Superintendência de Registros no sentido de que: “pode-se constatar que o procedimento a ser utilizado para a colocação das sobras do aumento de capital da Companhia será o de um leilão padrão, tal como previsto no art. 8º, §1º, I, “d”, da Instrução CVM n.º 168/91, sem esforço de venda adicional algum, nos termos do disposto no art. 3º, da Instrução CVM 400”14. Um pouco depois, no âmbito do Processo Administrativo CVM n.º RJ 2009/12551, julgado em 22.12.2009, a área técnica voltou a reconhecer a inexistência de apelo ao público em geral nos procedimentos de leilão em bolsa. Ainda assim, a ata da decisão informa que “o Colegiado ressaltou que, de acordo com os precedentes e à luz da regulamentação em vigor, o presente leilão de sobras de ações caracteriza oferta pública de distribuição de valores mobiliários”. Não obstante a falta de clareza das manifestações da autarquia, parece possível sustentar a tese de que a venda em bolsa por meio dos referidos leilões, como regra geral, configura uma oferta privada, não sujeita a registro prévio na CVM. A exceção estaria nos casos em que, ao lado daquele procedimento, se realizasse esforços de colocação adicionais aos usualmente presentes na intermediação de negócios em bolsa. Diante de tudo o que se expôs, a conclusão do presente artigo é a de

38

que cabe à administração da companhia, frente à exigência legal de venda em bolsa das sobras de seu aumento de capital, optar entre as duas modalidades distintas de oferta, de acordo com as vantagens e desvantagens de cada uma delas. De um lado, quando a administração entender conveniente e oportuna a realização de um esforço de venda amplo e prolongado, com o propósito de se alcançar a participação de um número substancial de investidores, a melhor saída sem dúvida será a realização de uma oferta pública, talvez até valendo-se de um procedimento simplificado. Por outro lado, nas hipóteses em que os custos associados a uma oferta pública forem considerados desproporcionais às suas vantagens, a companhia deverá proceder à venda em bolsa por meio de oferta privada, seguindo as regras enunciadas pela Instrução CVM n.º 168/1991. Por fim, quanto à problemática da conceituação das ofertas privadas, entende-se que a natureza pública de determinada oferta depende exclusivamente da forma de sua veiculação e do fato de se procurar ou não atingir o público em geral. Além de se assegurar maior aderência ao texto legal, a interpretação pautada no critério dos “meios de colocação” milita a favor da segurança jurídica por oferecer maior previsibilidade aos agentes do mercado. A pergunta que fica é: poderia (ou deveria) a CVM, por meio de Instrução, criar novos parâmetros, totalmente dissociados aos da lei, para definir o que é uma oferta pública e o que é uma oferta privada?


Notas 1

Refiro-me, exemplificativamente, ao rateio previsto no

art. 171, §7º, “b” da lei acionária e à possibilidade de o aumento de capital ser feito com um limite mínimo. Neste particular, a administração das companhias usualmente utiliza, como parâmetro para o aumento de capital mínimo, o valor correspondente ao aporte que será feito pelo acionista controlador, de sorte que a participação dos acio-

4

EIZIRIK, Nelson, et al. Op cit., p. 154.

5

Cf., exemplificativamente, a opinião de Nelson Eizirik:

“Pode ocorrer, na prática, uma situação de conflitos de critérios. Por exemplo, uma emissão que seria considerada pública pelo critério “meios de colocação”, pode ser considerada privada pelo critério “qualificação dos ofertados”. Dado o caráter instrumental das normas relativas ao registro de emissão pública, entendemos que o critério prevalecente é que diz respeito à qualificação dos

nistas minoritários na operação, sempre incerta, se torna

destinatários da oferta” (Aspectos Modernos do Direito

irrelevante para os fins de existência ou não de sobras. E,

Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 20).

embora a questão fuja ao escopo deste trabalho, vale ad-

6

A distinção que se pretende fazer é muito semelhante às

vertir que os aumentos de capital feitos com um intervalo

considerações feitas pelo diretor Otavio Yazbek em proces-

não estão livres de questionamentos, especialmente se o

so administrativo que cuidava da exigibilidade das ofertas

piso do aumento for significativamente inferior ao teto.

públicas de aquisição tidas pela lei societária como obri-

Vale lembrar, aqui, de uma exceção a esta regra. O Co-

gatórias. O que se assentou no âmbito do Processo Admi-

legiado da CVM, em decisão tomada no âmbito do Pro-

nistrativo CVM n.º SP 2009/4470, julgado em 17.11.2009,

cesso Administrativo CVM n.º RJ 2012/4172 (julgado em

embora possa parecer óbvio, é que só é possível dispensar

10.7.2012), entendeu que o procedimento de venda em bol-

algo que seja, antes da análise de sua dispensa, obrigató-

sa poderia não ser realizado nos casos em que o expediente

rio. E, mais importante, a análise a ser feita nos dois mo-

“é incapaz de atingir seu fim, que é o de distribuição das

mentos – obrigatoriedade e dispensa - é distinta. A obri-

“sobras de valores mobiliários não subscritos”. Afinal, se

gatoriedade, tanto das OPAs como do registro das ofertas

é impossível atingir aqueles fins, os procedimentos para

públicas de distribuição, dependeria exclusivamente da

a venda em bolsa tornam-se um custo descabido para a

presença dos requisitos legais. No presente caso, a exigi-

companhia, não havendo porque exigir a sua realização

bilidade do registro dependeria da existência de esforços

senão por apego à forma”. Vale ressaltar que, no mais das

públicos de colocação, a demonstrarem ser a oferta desti-

vezes, o insucesso deste expediente estará relacionado ao

nada ao público em geral. A possibilidade de dispensa do

fato de o preço de emissão ser significativamente superior

registro ou da adoção de procedimento mais simples, por

ao valor de mercado das ações, afastando o interesse dos

outro lado, aproximar-se-ia dos critérios subjetivos aludi-

investidores em geral. De toda forma, poderá haver casos

dos pela doutrina.

2

em que tal análise não será tão simples, exigindo da administração da companhia, antes de tomar a decisão de dispensar ou não a venda em bolsa, uma ponderação acerca dos mais diversos aspectos. Pode-se mencionar, nesse sentido e a título de exemplo, a distribuição pública de sobras

7

Art. 19 (...) § 5º - Compete à Comissão expedir normas

para a execução do disposto neste artigo, podendo: I - definir outras situações que configurem emissão pública, para fins de registro, assim como os casos em que este poderá ser dispensado, tendo em vista o interesse do pú-

de ações da Lupatech S.A., que ocorre concomitantemen-

blico investidor. É oportuno salientar que a parte final do

te à redação deste artigo. Embora o preço de emissão das

preceito em questão, ao que parece, confirma a tese que

ações seja superior à cotação de mercado, seria equivoca-

ora se defende ao situar a sofisticação e o poder de barga-

do considerar de antemão que a oferta está fadada ao fra-

nha do investidor meramente entre os critérios hábeis a

casso, pois, devido ao tamanho das sobras, pode-se dizer

justificar a dispensa do registro.

que o controle da companhia está em jogo, justificando-se plenamente o pagamento de algum sobrepreço. 3

EIZIRIK, Nelson, et al. Mercado de Capitais - Regime Ju-

rídico. 3ª ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Renovar,

8

Art. 3º São atos de distribuição pública a venda, pro-

messa de venda, oferta à venda ou subscrição, assim como a aceitação de pedido de venda ou subscrição de valores mobiliários, de que conste qualquer um dos se-

39

O Comercialista

2011. pp. 152-153.

3° trimestre 2012

Doutrina


guintes elementos: I - a utilização de listas ou boletins de

seu entendimento, “dado o disposto no art. 19, § 3º, da Lei

venda ou subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios,

6.385, de 1976, resta evidente a vontade do legislador no

destinados ao público, por qualquer meio ou forma; II - a

sentido de caracterizar uma oferta de distribuição de va-

procura, no todo ou em parte, de subscritores ou adqui-

lores mobiliários como pública ou não pela forma de pro-

rentes indeterminados para os valores mobiliários, mes-

cura dos investidores, e não pelo número de investidores

mo que realizada através de comunicações padronizadas

procurados ou que venham a subscrever ou adquiri-la”.

endereçadas a destinatários individualmente identifica-

10

dos, por meio de empregados, representantes, agentes ou

Queiroz: “sempre que houver contato com um grupo de-

quaisquer pessoas naturais ou jurídicas, integrantes ou

terminado de pessoas, sem acesso aos investidores em ge-

não do sistema de distribuição de valores mobiliários, ou,

ral e com os cuidados necessários para que a informação

ainda, se em desconformidade com o previsto nesta Ins-

não seja disseminada a terceiros fora desse grupo, estará

trução, a consulta sobre a viabilidade da oferta ou a co-

caracterizada uma oferta privada sobre a qual não há

leta de intenções de investimento junto a subscritores ou

aplicação da regulamentação do mercado de capitais”.

adquirentes indeterminados; III - a negociação feita em

Cf. QUEIROZ, José Eduardo Carneiro de, “Valor mobi-

loja, escritório ou estabelecimento aberto ao público des-

liário, oferta priva e oferta pública: conceitos para o de-

tinada, no todo ou em parte, a subscritores ou adquiren-

senvolvimento do mercado de capitais”, Revista de Direito

tes indeterminados; ou IV - a utilização de publicidade,

Bancário e do Mercado de Capitais. São Paulo, Revista dos

oral ou escrita, cartas, anúncios, avisos, especialmente

Tribunais, n.º 41, jun/set. 2008:

através de meios de comunicação de massa ou eletrônicos

11

(páginas ou documentos na rede mundial ou outras redes

mento do Colegiado: “(i) para ofertas de sobras cujos vo-

abertas de computadores e correio eletrônico), entenden-

lumes sejam inferiores a 5% da emissão, aplicam-se os

do-se como tal qualquer forma de comunicação dirigida

procedimentos especiais previstos na Instrução CVM nº

ao público em geral com o fim de promover, diretamente

168, de 1991, sem a necessidade de registro na CVM; (ii)

ou através de terceiros que atuem por conta do ofertan-

para ofertas de sobras cujos volumes sejam superiores a

te ou da emissora, a subscrição ou alienação de valores

5% da emissão e inferiores a 1/3 das ações em circulação,

mobiliários. §1º Para efeito desta Instrução, considera-se

aplica-se a Instrução CVM nº 400, de 2003, com possibi-

como público em geral uma classe, categoria ou grupo de

lidade de adoção do procedimento de análise simplificada

pessoas, ainda que individualizadas nesta qualidade, res-

previsto no art. 6º, §1º, da referida instrução, aplicando-

salvados aqueles que tenham prévia relação comercial,

-se subsidiariamente, quando cabíveis, os procedimentos

creditícia, societária ou trabalhista, estreita e habitual,

especiais previstos na Instrução CVM nº 168, de 1991; e

com a emissora.

(iii) para ofertas de sobras cujos volumes sejam superio-

Vale destacar a opinião de José Eduardo Carneiro de

O seguinte trecho do voto condutor sintetiza o entendi-

No que toca à Instrução CVM n.º 476/2009, consideran-

res a 1/3 das ações em circulação, aplica-se a Instrução

do que aparentemente estarão sempre presentes aquelas

CVM nº 400, de 2003, devendo-se observar o rito ordiná-

características pessoais delineadoras de ofertas privadas,

rio de registro de ofertas públicas estabelecido pela refe-

poder-se-ia indagar por que motivo as ofertas que seguem

rida Instrução”. A bem da verdade, esta sistematização foi

tal modelo são consideradas públicas? A resposta está, no-

originalmente formulada por ocasião do Processo Admi-

vamente, no critério dos “meios de colocação”. Com efeito,

nistrativo CVM n.º RJ 2010/16753, julgado em 29.11.2011,

o parágrafo único do art. 2º da instrução proíbe a utiliza-

que versava sobre a distribuição de sobras de uma emissão

ção de apenas alguns atos de ofertas públicas, admitindo,

de debêntures obrigatoriamente conversíveis em ações.

a contrario sensu, a prática de outros, aptos transformar a

12

natureza da oferta. Veja-se, para que não restem dúvidas,

to previsto no presente artigo para a distribuição primá-

o relatório da audiência pública referente à instrução em

ria de ações, quando se tratar de colocação de sobras, em

comento, onde, ao ser confrontada por questões acerca da

volume superior a 5% (cinco por cento) da emissão e infe-

distinção entre ofertas públicas e privadas, a Superinten-

rior a 1/3 (um terço) das ações em circulação no merca-

dência de Desenvolvimento de Mercado asseverou que, no

do, considerando as novas ações ofertadas para o cálculo

9

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O Comercialista

Doutrina

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Art. 6º (...) §1º Admite-se a utilização do procedimen-


já estejam admitidos à negociação em mercado organizado. (os destaque gráficos são meus) Vale referir, uma vez mais, às considerações feitas pelo 13

voto do diretor Otavio Yazbek no âmbito do Processo Administrativo CVM n.º SP 2009/4470. 14

Vale destacar do memorando da SRE o seguinte trecho:

“entendemos que a utilização do procedimento de análise simplificada, previsto no art. 6º, §1º, da Instrução CVM 400, para a colocação de sobras em volume superior a 5% da emissão e inferior a 1/3 das ações em circulação no mercado, pressupõe que tal colocação terá características de uma oferta pública. (...) Desta maneira, nosso entendimento é de que, ao contrário do que alega a Requerente, o aspecto relevante a ser determinado para caracterizar a presente colocação de sobras como sendo ou não uma oferta pública, bem como para se justificar a eventual concessão de dispensa de registro, nos termos do disposto no art. 4º, da Instrução CVM 400, é a análise procedimentos a serem utilizados no leilão a ser realizado em bolsa de valores, tendo em vista o disposto no art. 3º, da Instrução CVM 400”. A despeito da clara indicação de que o leilão previsto na Instrução CVM n.º 168/1991 não caracterizaria uma distribuição pública, e que, portanto, o mais adequado, de um ponto de vista técnico, seria reconhecer a inexigibilidade do registro, a SRE concluiu “que pode-se (sic) conceder, no presente caso, a solicitada dispensa de registro de oferta pública para o leilão das sobras de ações ordinárias e preferenciais do aumento de capital da Companhia, aprovado em 14/5/2007”. Trata-se, inequivocamente, de um caso em que ocorre aquela confusão conceitual sublinhada e elucidada pelo diretor Otavio Yazbek no âmbito de processo administrativo ao qual se aludiu duas vezes anteriormente.

João Vicente Carvalho é graduando do quarto ano da Faculdade de Direito da USP e estagiário do Colegiado da Comissão de Valores Mobiliários E-mail: jvlc@uol.com.br

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O Comercialista

das ações em circulação, desde que os valores mobiliários

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Doutrina


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