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Food and Nutrition in the Prison System

A falta de fornecimento de água é outro sério problema que atinge essa população. No caso de alguns presídios do Rio de Janeiro, a água é disponibilizada apenas uma vez por dia, quando as PPL tomam banho e fazem estoque para sua utilização durante o dia. Porém, este estoque geralmente é insuficiente e acontece de ficarem dias sem abastecimento de água. As celas em geral possuem apenas um banheiro, mesmo que estejam superlotadas. Muitas não possuem vaso sanitário, e as PPL utilizam um buraco no chão, conhecido como “boi”. Por conta da falta de água, a “descarga” consiste em jogar dois pequenos baldes de água (NASCIMENTO; BANDEIRA, 2018).

Detentos com Comorbidades e Gestantes

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A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) sejam responsáveis por 60% das mortes anuais globais e até 75% dos gastos com saúde pública, o que também é projetado para as PPL. Em um estudo espanhol, estima-se que 50% das PPL apresentavam algum tipo de doença crônica, sendo as mais comuns: dislipidemia (34,8%), hipertensão arterial (17,8%) e diabetes mellitus (5,3%) (SERRA, 2022).

A ausência de assistência à saúde é uma das características mais graves que acontece em um sistema carcerário, o ambiente contribui para manifestações de doenças já latentes, ou seja, o agente fica inativo por um tempo e quando encontra condições favoráveis irá se multiplicar, dentre a lista de doenças que são latentes estão a tuberculose, a sífilis, a AIDS e a herpes. Além do que, os apenados não têm liberdade para procurar, por seus próprios meios, um atendimento ou medicação diferente do que é ofertado em um presídio. Já no caso dos presídios femininos, as circunstâncias são ainda mais delicadas, uma vez que nem todos os presídios têm uma política específica para atendimento à grávida. Entre os atos relacionados à saúde da detenta mulher, indicadas no Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP), estão o acompanhamento da gravidez, atendimento de emergência, partos, pré-gestação, controles de câncer cérvico-uterino e de mama, tratamento das doenças DST/Aids e entrega de anticoncepcionais (GALVÃO; DAVIM, 2013).

De acordo com Lisboa et al. (2021) a ausência de um acompanhamento de qualidade pode ocasionar consequências tanto às mães, quanto aos bebês. As mulheres enfrentam problemas emocionais, embora seja comum acontecer em gestantes, as privadas de liberdade passam por alterações negativas, intensas e uma alimentação pobre em nutrientes que é algo essencial durante a gravidez.

A subnutrição que as grávidas enfrentam ocasionam sérios problemas de saúde ao feto como a má formação, resultante do não fechamento do tubo neural do feto, que pode ser evitada com a utilização da vitamina B9/Ácido fólico. Além disso, o uso de cálcio e potássio desde o início da gravidez ajuda no desenvolvimento do feto, principalmente no sistema cardiovascular.

Conhecendo a opinião pública

O questionário foi respondido por 100 pessoas, sendo 57,4% do sexo feminino e 41,6% do sexo masculino, utilizando-se o formulário do Google Forms. Dentre os entrevistados, 65% afirmaram ter entre 15 e 20 anos. A maior parte dos participantes (74,3%) afirmaram que um presidiário deve ter uma alimentação saudável. Quando se perguntou como o entrevistado imaginava ser a alimentação em um presídio algumas das respostas foram: “péssima”, “bem precária”; feita com os recursos disponíveis, sem variedade de cardápio e sem preocupação com a higiene”, “dependendo da situação, como casos de pessoas que tem mais influência antes de ser preso, ou dinheiro, imagino que devem ter uma alimentação mais glamurosa. Agora presos “comum” deve ser algo bem simples ou dependendo do presídio bem ruim”; “melhor que muitas famílias que ganham 1 salário-mínimo por mês”. Quando se perguntou como deveria ser a alimentação dos detentos, algumas das respostas foram: “a mesma que devemos obter enquanto estamos em liberdade, todo ser humano tem direito a uma boa alimentação”; “saudável, limpa e que tenha os nutrientes necessários assim como todos deveriam ter”; “deveria ser balanceada para não causar danos à saúde e não muito favorecida para que os criminosos não almejem ser presos”; “deveria ser uma alimentação balanceada e controlada/auxiliada por nutricionistas”; “deveriam ter apenas o mínimo para sobreviver”.

Em relação a pergunta se os presidiários com comorbidades como diabetes e hipertensão, deveriam ter refeições diferenciadas, algumas respostas foram: “sim, pois apesar de tudo, eles são seres humanos e precisam ser cuidados como, então a alimentação deveria ser adaptada”; “sim, porque todos têm direito ao acesso à alimentação básica para viver minimamente bem... comida (ou a falta dela) não deve ser usada como punição nesses casos”; “se um médico pedir, sim”.

A análise dos dados revelou opiniões bem distintas e que envolvem questões morais e cívicas. As perguntas foram alvo de dúvidas e comentários livres onde mui-

Alimentação e Nutrição no Sistema Carcerário

tos entrevistados disseram nunca terem pensado sobre o assunto em questão.

A manifestação de opinião faz parte do direito de liberdade de expressão que todos os indivíduos possuem. Enquanto profissionais da saúde e da nutrição é um dever compreender a alimentação adequada como um direito humano, garantida pela Constituição. Opiniões e pensamentos próprios devem ser deixados de lado para manter a responsabilidade profissional e ética.

Intervenções sociais oferecidas em presídios

Pensando em medidas de intervenção oferecidas nas unidades prisionais, há os projetos sociais, que são trabalhos realizados com o objetivo de melhorar o desenvolvimento cultural e profissional de um determinado grupo. Essas atividades promovem a conscientização social e a importância do papel de cada indivíduo ali inserido. Diversos projetos já estão ativos e rendendo resultados satisfatórios pelo Brasil. A tecnóloga em alimentos, Luciang Moya, que também ministra cursos de confeitaria foi entrevistada e disponibilizou muitas informações sobre sua participação em um projeto em uma unidade penitenciária de Piracicaba, interior de São Paulo. Luciang Moya foi convidada para ministrar aulas de confeitaria durante 4 meses na penitenciária “ASP” Luiz Ricardo Jock Stoduto. Ela recebeu um material didático para a realização do curso, mas observando a realidade dos alunos detentos, sua escolaridade e o local fornecido concluiu que seria mais adequado fazer algumas adaptações em suas aulas com a finalidade de aumentar o aproveitamento dos cursistas.

A cozinha da penitenciária era munida de utensílios e equipamentos industriais como fogão, fornos industriais, chapas para frituras, fritadeiras, liquidificador e câmaras refrigeradas. Porém, a cozinha não contava com utensílios adequados para a confeitaria, desse modo, ela levou balança, bico de confeitar, tábua de bolo, garfo de banho, bowl, pão duro e forminhas. Essa profissional teve a oportunidade de observar a produção das refeições durante os 4 meses em que ministrou aulas no curso de confeitaria. Ela relatou que havia mais de 50 presos trabalhando na cozinha produzindo cerca de 2760 refeições. “Eles trabalhavam com capricho, caso contrário recebiam bilhetes dos detentos, dentro da marmita, com as reclamações”, disse ela. Os presos que trabalhavam na cozinha realizavam todo o trabalho desde a produção até a distribuição das refeições (feitas em marmitas), além da limpeza de equipamentos, chão e utensílios.

A instrutora não observou a presença do técnico em nutrição ou do nutricionista, mas afirmou que as refeições principais eram compostas por arroz, feijão, proteína (cupim, acém, coxa e sobrecoxa de frango, salsicha, ovo frito), guarnição (legume refogado), salada e suco. Aos sábados era servido macarrão com frango e aos domingos o almoço era com a família, porém, a refeição também era produzida para atender aos que não recebiam a família. O desjejum era composto por pão, manteiga, leite e achocolatado. Quanto ao curso de confeitaria que ministrou aos detentos foi necessário fazer adaptações.

Foi colocada à sua disposição a padaria da detenção, que contava com 2 fornos industriais, masseira, cilindro, armários de descanso e mesas de apoio. A verba do curso não era suficiente, mas em um acordo com o diretor da unidade prisional, ele forneceu material para que o curso pudesse ser ofertado com êxito.

As aulas foram de tortinha de limão, doces de festa, ovos de Páscoa, panetone, sorvete, salgados de padaria, pães entre outras receitas. Ao final do curso um bolo de aniversário com decoração especial de papel de arroz e confeitos foi feito por eles.

Mesmo diante de todas as dificuldades, o curso ofertado apresentou grande aproveitamento entre os participantes e foi muito elogiado pelos diretores do presídio, evidenciando assim, o sucesso que pode ser a implementação desses projetos, respeitando as devidas adaptações necessárias para essa população.

........ Considerações Finais ..............

Esse estudo permitiu uma melhor compreensão sobre o funcionamento do sistema de alimentação carcerário brasileiro e de suas defasagens. Observou-se que embora o Brasil possua normas que determinem alimentação saudável, com garantia de nutrição adequada para a população prisional, há negligência do poder público no cumprimento desses direitos. Além disso, é uma temática pouco valorizada pela sociedade civil.

As entrevistas realizadas forneceram informações que concordam com a literatura no que diz respeito a falta de diversificação de alimentos na composição dos cardápios oferecidos às pessoas privadas de liberdade.

Há ainda a falta de condições favoráveis para detentas que se encontram gestantes e os detentos com comorbidades

Food and Nutrition in the Prison System saúde pública

não transmissíveis como diabetes e hipertensão, podendo ter outros agravantes como doenças emocionais. Sugere-se que os profissionais da saúde e da nutrição continuem promovendo discussões quanto a contínua melhora do acesso à qualidade de vida e da alimentação para todos como um direito humano essencial.

Agradecimentos

À Luciang Moya e a todos que participaram das entrevistas

Sobre os autores

Ana Beatriz José Secco; Bruna Aversa Fedozzi; Esther Suellen de Melo Silva; Gabriela Gonçalves da Silva Alves - Discentes do Ensino Médio com Habilitação Profissional de Técnico em Nutrição e Dietética da Etec Cel. Fernando Febeliano da Costa, em Piracicaba - SP.

Profa. Dra. Neila Camargo de Moura - Nutricionista graduada pela Universidade Metodista de Piracicaba. Mestrado e Doutorado em Ciências pela Universidade de São Paulo. Docente do curso Técnico em Nutrição e Dietética da Etec Cel. Fernando Febeliano da Costa, em Piracicaba - SP.

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PALAVRAS-CHAVE: Dieta. Prisioneiros. Ciências da Nutrição. Direitos Humanos. Segurança Alimentar.

KEYWORDS: Diet. Prisoners. Nutritional Sciences. Human Rights. Food Security. ........................................................

RECEBIDO: 26/1/23 - APROVADO: 24/2/23 ........................................................

Refer Ncias

BRASIL. Portaria interministerial nº 1, de 2 de janeiro de 2014. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/ bvs/saudelegis/gm/2014/pri0001_02_01_2014.html. Acesso em: 29 ago. 2022.

FEITOSA, A.C.B.L et al. Sistema carcerário feminino no Brasil e segurança alimentar e nutricional, uma revisão sistemática. Brazilian Journal of Development., Curitiba, v.7, n.3, p. 31369-31385, 2021.

GALVÃO, M.C.B.; DAVIM, R. M. B. Ausência de assistência às gestantes em situação de cárcere penitenciário. Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe, Espanha e Portugal, Paraná, v.18; n. 3 pp.452-459, 2013.

LISBOA, A. C. L. et al. Gravidez em cárcere: As consequências da ausência de pré-natal na saúde da mulher em situação de privação de liberdade. Research, Society and Development, v. 10, n. 9, 2021.

MASSAROLLO, M. D. et al. Interfaces da alimentação no sistema prisional: o caso de um centro de detenção e ressocialização do Paraná. Revista Faz Ciência, v. 14, n. 20, p. 125-151, 2013.

NASCIMENTO, L.G; BANDEIRA, M.M. B. Saúde Penitenciária, Promoção de Saúde e Redução de Danos do Encarceramento: Desafios para a Prática do Psicólogo no Sistema Prisional. Psicologia: Ciência e Profissão. Rio de Janeiro, v. 38, n. 2, 102-116, 2018.

SERRA, R. M. et al. Prevalência de doenças crônicas não transmissíveis no sistema prisional: um desafio para a saúde pública. Ciência e Saúde Coletiva. 2022. Disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/prevalencia-de-doencas-cronicas-nao-transmissiveis-no-sistema-prisional-um-desafio-para-a-saude-publica/18408?id=18408. Acesso em: 08 nov.2022

SOUSA, L.M. P. et al. Regime da escassez: a alimentação no sistema penitenciário feminino. Ciência & Saúde Coletiva. v. 5, n. 25, p. 1667-1676, 2020.

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