The Portuguese Tribune, December 1st 2011

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Ao Sabor do Vento

José Raposo

COLABORAÇÃO

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Jack Cunha

raposo5@comcast.net

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á anos a I.D.E.S.S.T., de Sausalito, da qual na altura eu era Presidente, convidou o Sr. Cônsul de Portugal em San Francisco, Dr. António Alves de Carvalho, para participar da festa de Natal. Ele foi muito simpático, assim como sua esposa e compareceram. Ficou bastante impressionado com o salão, pois o mesmo estava a ser renovado. Durante a noite, em conversa no bar, no intervalo do espetáculo, ele disse que o Governo Português precisava reconhecer o que os Portugueses faziam nesta Califórnia. Aproveitei a oportunidade para dizer-lhe que o nosso Secretário, o Sr. Jack Cunha, era uma das pessoas que mereciam tal reconhecimento. Ainda expliquei ser ele um homem simples e que o que fazia, fazia-o por amor à Comunidade e por devoção ao

num sábado. Na sexta-feira telefonei ao Dr. Antonio Carvalho para que confirmasse sua vinda e se traria a medalha, porque o Sr. Jack Cunha estava muito doente, porém, faria todos os possíveis para estar presente. Ele respondeu-me afirmativamente. À hora combinada, Jack Cunha apareceu no salão. O Sr. Cônsul também e, em particular, disse-me que o Secretário das Comunidades havia proibido de dar as tais medalhas. Todo o pessoal que estava no salão e que havia sido, previamente, informado que o Jack Cunha iria receber uma medalha, sentiu-se decepcionado ao ouvir do Sr.Cônsul a informação de não ter em mãos a medalha, mas que o Governo Português, de uma forma ou de outra, iria reconhecer o trabalho que Jack Cunha havia feito. A medalha não chegou! Os anos se pas-

Espírito Santo. Disse-lhe que era Secretário da Organização há 45 anos e que só havia faltado às reuniões duas vezes: quando o pai e a mãe morreram e que, na minha maneira de ver, só por isso já merecia uma daquelas medalhas dos Conselhos das Comunidades Portuguesas. O Sr. Cônsul, imediatamente, respondeu que na próxima festa traria uma para Jack Cunha. A próxima festa foi a que nós chamamos Queen's dance, em Fevereiro. Teve lugar

saram e eu um dia contei o sucedido a um amigo meu que havia sido um alto membro do Governo Português e que naquela altura era o Presidente das Ordens Honorificas de Portugal, mas que eu não sabia. Em resposta ao que lhe expus, respondeu-me: “José, não te preocupes porque o Sr. Jack Cunha irá receber a sua condecoração”. Infelizmente, semanas depois Jack Cunha ficou gravemente doente e veio a falecer em poucos dias. No dia da sua morte, pela

manhã, recebi um email do meu amigo a dizer que Jack havia sido condecorado com o grau de oficial, “Ordem do Infante D. Henrique”. Durante o velório e missa de corpo presente dei a notícia a todos que ali estavam. Passaram-se mais dois anos e, dessa vez, extraviou-se a condecoração. Ninguém sabia onde tinha ido parar. Depois de haver reclamado ao meu amigo, ele próprio disse que iria indagar do paradeiro da condecoração. Não levou muito tempo e recebi da sua Secretária um email a confirmar que a condecoração estava na Embaixada de Portugal, em Washington DC. O restante da história vocês já sabem. O que não sabem é que Jack Cunha nasceu no Marin County, assim como seus pais. Os avós é que vieram da ilha de São Jorge. Jack, desde tenra idade, trabalhou no rancho de seus pais, na altura em que as vacas eram ainda ordenhadas à mão. Ainda jovem fez-se membro da IDESST. As vacas que eram oferecidas à Organização, eram mortas, suas carnes usadas para sopas e, também, eram levadas, cruas, de porta em porta, aos membros e outras pessoas necessitadas, como se fazia nas ilhas (não sei se fazem assim ainda hoje). Jack Cunha devotou parte da sua vida à Irmandade. Foi Secretário durante 45 anos como já mencionei. Não havia problema que ele não resolvesse. Pagava, da sua algibeira, muitas contas e nunca pedia que fosse reembolsado. Era conhecido por todos os Portugueses na parte norte da Baia de San Francisco. Membro de várias Organizações Americanas e, embora nascido nesta

DR. MANUEL DA ROSA RODRIGUES QUARESMA

- filósofo - poeta - jornalista - artista - professor universitário

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epois de muitas caminhadas juntos pela Europa, aquém cortina de ferro, nos anos 60, como amigos e colegas, quando estudantes na Itália, agora, a 30 de Outubro de 2011, o Manuel partiu só, em viagem sem retorno, ao cabo de longa doença e muito sofrimento. Condição humano de quem nasce e morre sem consulta prévia, em tensão de vida e morte, lado a lado, dia após dia, até o momento final, com muita dificuldades em imaginar o que nos espera e como será para alémtúmulo. Nesses momentos se quem parte é alguém a quem estávamos ligados por laços de sangue ou simplesmente amizade sincera, habituados ao convívio mútuo, embora com hiatos de ausência, por vezes longos, e distâncias intransponíveis, quando a barreira da existência é ultrapassada, então somos confrontados com o mistério da morte de maneira inexplicavelmente cruel. No silêncio da mesma há pontos de referência que se perdem para sempre e na falta desconfortável do que nos unia, cai-nos em cima o pano negro da ausência e do luto. O passado torna-se irremediavelmente distante, o presente repleto de interrogações e o fu-

turo apreensivamente desconhecido. O Manuel Quaresma, sem exibicionismos, era uma referência em Washington D.C., na Universidade Católica e na Voz

da América. Um dia, há muitos anos, em grande parte na aventura do desconhecido, partimos dos Açores via Lisboa e Nápoles rumo a Roma, Itália. Deixamos o Tejo no transatlântico Saturno, que, depois de uma paragem breve em Gibraltar, chegou à Itália, em acalmia outonal, depois de cruzar o Mediter-

râneo. A finalidade era a Pontifícia Universidade Gregoriana. Ele inscreveu-se na Faculdade de Filosofia e depois Direito e eu em História e a seguir Teologia. Nos verões que se seguiram, com longos meses de férias, percorremos praticamente toda a Europa que nesse tempo salazarista era permitido visitar por quem tinha cidadania portuguesa, chegando mesmo a encontrarmonos no País de Gales, Reino Unido, uma das melhores experiências deste período estudantil. Assistimos à abertura solene e realização do Concilio Vaticano II, o maior acontecimento do século XX do mundo cristão, inspiração do carismático Papa João XXIII. Lá estávamos perdidos no meio da multidão que enchia por completo a Praça de São Pedro, quando o concílio abriu as portas. O Manuel foi tradutor oficial do concilio e assistente conciliar do seu conterrâneo picoense, o cardeal Costa Nunes. Depois de completarmos os estudos na Universidade Gregoriana,

terra, falava a nossa língua muito bem. A maneira como mantinha os livros da organização, numa altura que ainda não havia computadores, era impecável. As suas contas nunca falhavam. A lista das pessoas a quem ele distribuía bolos de massa sovada, todos os anos, morassem eles em Sausalito, Bolinas ou outros lugares mais remotos do Marin County, não tinha endereços. Jack sabia como chegar a casa de todos. Não necessitava de GPS. Há coisas que Jack fez para o bem das Organizações e dos indivíduos, assim como muitos Portugueses fizeram, que ficaram registadas, simplesmente, na memória das gentes. Jack fazia o que fazia sem esperar recompensa ou reconhecimento algum. Eu pedi uma simples medalha que foi prometida e não foi dada. Por intermédio do meu amigo, o Presidente da República Portuguesa achou por bem condecorá-lo a titulo póstumo, com o grau de Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, cuja conderação foi recebida por sua sobrinha Carolyn. Há tantos como o Jack por aí que nunca serão reconhecidos, nem estão à espera disso! Desde as pessoas que fazem a limpeza nos nossos salões, a secretários, presidentes e outros mais: de oficiais a professores e doutores, quer tenham vindo de lá ou nascidos aqui, estamos todos dentro do mesmo barco e o que fazemos, fazemos para manter a nossa tradição, a nossa cultura e a nossa língua. Tenho a certeza que as mesmas serão mantidas enquanto na nossa comunidade houver pessoas como foi Jack Cunha.

Apontamentos da Diáspora

Caetano Valadão Serpa v.serpa@verizon.net eu regressei aos Açores, ele optou pelos Estados Unidos, onde fixou residência permanente. Até falecer, foi professor na prestigiosa Universidade Católica do Washington D.C., onde lecionou as cadeiras de Filosofia Clássica, Filosofia Moderna e Filosofia Contemporânea, Ética e Valores Humanos. Paralelamente, foi diretor da Voz da América para os países africanos de língua portuguesa, os quais passou a visitar com frequência. Era um filosofo genuíno que nunca se cansava de salientar, com mestria, aspetos da filosofia clássica e moderna ou contemporânea. Sempre muito bem informado e enquadrado na problemática de uma visão atual. Realmente um intelectual de calibre que pela sua maneira de ser e carácter pessoal se manteve bastante isolado. Dotado de uma memória prodigiosa, recitava de cor grande parte dos Lusíadas e outros poemas de poetas da sua preferência. Mesmo antes de entrar na universidade tinha os seus filósofos e poetas preferidos que declamava com gosto, sendo estes os seus momentos mais extrovertidos que até lhe mereceram o cognome de “Descartes”. Foi sempre um aluno distinto, em todo o seu longo percurso académico, desde

a escola primária à universidade. Era igualmente um artista, deixando na sua residência pessoal, em Washington D.C., numerosas obras dignas de museu, sobretudo peças de mobília, artística e originalmente elaboradas. Montou uma oficina mecânica, na própria residência, onde passava os seus tempos livres. Inclusivamente, construiu uma “mini habitação”, eletrificada para a sua gata, companheira apreciada na sua solidão, antes de casar. Dispunha de “quarto de banho” com dispositivo automático de higiene e de alimentação que permitia ao Manuel ausentar-se por várias semanas e meses, permitindo à bichana considerável conforto. Ao entrar na casota o dispositivo elétrico era ativado automaticamente e ao sair desativado. Invenção esta que poderia ter sido comercializada com patente registada. Um amigo e uma personalidade única, que não deixa indiferente quem o conheceu bem. Adeus companheiro de muitas andanças conjuntas desta vida que para ti terminaram, espero encontrar-te Além. Para a tua esposa o abraço da amizade e os mais sinceros sentimentos de pesar, meus e da Maria de Lourdes.


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