The Portuguese Tribune, August 1st 2011

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COLABORAÇÃO

1 de Agosto de 2011

Apontamento

Serafim Cunha

N

scunha98@aol.com

ão é fácil ou agradável falar-se da crise, mas esta não começou em 2008, agravou-se nesse ano em que o mundo entrou em pânico económico, o que também nos abalou. Porém toda a nossa história é preenchida com crises das mais diversas naturezas, incluindo económicas, apesar disso, a nossa determinação não deixou que cruzássemos os braços e nos deixássemos levar na derrocada. A vontade do povo tem sempre prevalecido, contudo desta vez a situação é mais complexa e o país tem uma composição étnico-social muito diversa. Nas últimas décadas Portugal tornou-se um país multicultural, multilingue e multiétnico sem estruturas económicas ou educacionais preparadas para proporcionar uma inclusão digna aos diferentes grupos étnicos que imigraram legal ou ilegalmente, que vivem, trabalham e se educam no país que lhes deu acolhimento. A complexidade da adaptação a um novo país, ainda que se fale o mesmo idioma traz sempre reajustamentos culturais, sociais e económicos difíceis. Até os que têm uma preparação académica formal sentem dificuldade em ultrapassar a mudança, mesmo que de imediato tenham acesso ao mercado do trabalho. Se tomarmos em consideração que a percentagem mais elevada de migrantes não tem uma educação básica em português que lhe dê entrada no mercado do trabalho, que hoje exige uma aptidão linguística para além do nível básico, pergunta-se então: o que vai acontecer a quem escolher Portugal para viver, estando este numa crise política e económica difícil, devido em parte à grande derrapagem económica mundial? O país não tem escolas ou programas bilingues pedagogicamente desenvolvidos para satisfazer as necessidades educacionais dessas populações, com a agravante das mesmas estarem dispersas por todo o país incluindo as regiões autónomas. Hoje, a maioria das ferramentas de trabalho são digitalizadas, e muitas têm uma complexidade de funções que requerem o domínio da língua portuguesa. Como é do conhecimento público a obrigatoriedade escolar até ao décimo segundo ano em Portugal só passou a ser relevante depois do acordo de Bologna, em que 45 países se juntaram com o objectivo de estabelecerem competências transversais e iguais de acesso ao Sistema Universitário Europeu. Todavia, e segundo a perspetiva internacional o nosso nível de analfabetismo tem sido baixo a moderado, o que sempre afectou e afecta o progresso nacional. Em 2003 o governo sentia-se orgulhoso com o nível da literacia funcional no país que era de 92.5% (sexo masculino 95%, feminino 90%). Nesse ano frequentavam as escolas a todos os níveis 1,930.645 estudantes, sendo o sucesso escolar de 15% ao nível secundário e de 9% ao pós-secundário (universitário). O sucesso escolar na sua totalidade para estes dois grupos correspondia a 24% (Education in Portugal/ Ministry of Education - en.Wikipedia.org), percentagem muito baixa, não se sabendo o que aconteceu com os outros 76% de alunas/alunos que frequentaram o ensino primária e elementar. Quantos se terão perdido nos corredores das escolas, nos pátios ou na rua, especificamente ao nível do nono e décimo grau de escolaridade.

Turbulência Socioeconómica num Portugal Em Crise

Os resultados da aferição feita pela OECD/ PISA (2009-en.Wikipedia.org), em leitura, matemática e ciências, indicaram que os nossos jovens de 15 anos de idade obtiveram uma pontuação de 489 pontos, sendo a média de 493. Pela primeira vez, os resultados são minimamente significantes devido ao número de nações participantes (Alemanha, França, Holanda, Inglaterra, Estados Unidos e Suíça, etc.), contudo,

estes estão aquém do que deveriam ser, porque o apoio financeiro da UE a Portugal para a educação não foi devidamente aplicado. Este sucesso como o governo lhe chamou, e usou, repetitivamente nos jornais e televisão não passou de propaganda política partidária. Os trocadilhos feitos com os orçamentos estatais para a educação na ultima década têm levado ao desinteresse e desmotivação dos docentes que pressionados por reformas constantes e planos de avaliação uns atrás dos outros, só acabaram por confundir o que se pretende fazer com a educação em Portugal. Se todos estes planos alvoraçaram e desmotivaram as famílias e a juventude nascida e criada no país, o que terá acontecido com quem veio de outros países, que fala outra língua e tem outra cultura, e pouco português sabe? Embora Portugal seja o segundo país da Europa com melhor nível de integração no sector das migrações, será que alguém apoiou, ou pelo menos tentou compreender a problemática de inserção num sistema, altamente fragilizado, disfuncional e por vezes pouco recetivo a diferenças étnicas. Hoje, somos um país de imigrantes, mas se existe algum estudo na matéria de inserção destes grupos, os resultados nunca foram publicados.

P

ortugal tem sido financiado pela União Europeia em todos os sectores há quase trinta anos. Sabe-se que as verbas chegaram ao país, mas foram mal distribuídas pela maioria dos sectores a que se destinavam, havendo áreas de desenvolvimento que nunca receberam os subsídios aos quais tinham direito. Assim não se deu continuidade ou aperfeiçoou novas técnicas, que levariam o país ao crescimento económico através da produção e exportação. Como é óbvio, hoje ninguém quer assumir a responsabilidade da presente situação económica, ou do que foi feito no passado com os fundos da UE. Todos os partidos políticos empurram o problema nacional

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para o partido mais próximo, como se todos eles não tivessem responsabilidades no caso. Contudo, também é possível que a sobrevivência financeira e económica da UE talvez tenha que passar pela federação dos seus estados membros, o que pode solidificar a união. Nunca se fizeram tantas greves e manifestações anti-governamentais, todas relacionadas com a falta de emprego e condições socioeconómicas como na última década. Foi a “geração à rasca” e a “geração desenrascada” que mais deram que pensar. A primeira reclamava e reclama a falta de trabalho e direitos socioeconómicos necessários para o sustento e educação da família, entre eles milhares de imigrantes, porque as obras de construção estão reduzidas a pouco, e as demais áreas profissionais estão fora do seu alcance. Os filhos ou filhas têm de comer, vestir e ir a escola, desde a primária até a universidade. A segunda geração a “desenrascada” reclama nos jornais e na televisão a falta de emprego nas áreas em que se licenciaram, pelo que vão procurar trabalho no estrangeiro. Esta é a nova vaga de emigrantes, ou seja, gente especializada que vai enriquecer o mercado do trabalho pelo mundo. O país perde uma geração de profissionais que na sua maioria

não mais regressarão a Portugal. Hoje os técnicos existem, mas o tecido industrial e comercial, bem como o espírito empreendedor está morto, porque os milionários portugueses descontentes com a política e economia nacional investiram o seu capital no mercado mundial/global. Não interessa qual seja o partido na governação do país, o Banco Mundial e o FMI, bem como o comité central da UE e todos os outros investidores internacionais, não vão permitir quaisquer derrapagens com o investimento de resgate. A Alemanha e a França não querem perder nem um cêntimo do seu investimento. A troika vem com fórmulas rígidas e determinantes que não darão qualquer flexibilidade de manobra diferente da que foi acordada entre esta e o governo português. O contrato de trinta e poucas páginas da UE liderará o futuro de Portugal nos próximos quatro anos, enquanto que os planos desenhados pelo novo governo social democrático, com centenas de páginas, para pouco vão servir. A sobrevivência do país está na vontade e determinação do povo que o habita (nativos, refugiados, migrantes, imigrantes legais ou ilegais). O não comprar produtos importados, passar férias nas nossas aldeias, vilas e cidades, bem como nas nossas praias continentais, açorianas e madeirenses, pode ajudar a minimizar a crise. Não é o governo que nos vai salvar da crise, mas este tem a obrigação de criar mecanismos específicos de ajuda aos mais necessitados, e facilitar a inserção dos migrantes que escolheram Portugal para viver.


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