Entrevista com João Almeida Lopes, presidente da APIFARMA.

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junho 2013

Entrevista

João Almeida Lopes, presidente da APIFARMA – Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica

“A expectativa das empresas é poderem continuar a ao que esperam delas os cidadãos e os doentes” Em entrevista ao Jornal Médico, João Almeida Lopes, presidente da APIFARMA, fala sobre a Associação que lidera e, ao mesmo tempo, pronuncia-se sobre a forma como a atual conjuntura económica afeta o setor farmacêutico. Portugal tem, “neste momento, a média de preços de medicamentos mais baixa da Europa, pelo que é atrativo para determinados agentes económicos retirar medicamentos do mercado nacional e ir vendê-los em países onde o seu preço é mais alto”. Jornal Médico ( JM) – O que é e qual é o papel da APIFARMA? João Almeida Lopes ( JAL) – A APIFARMA, enquanto Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica, junta hoje 120 empresas responsáveis pela produção e importação de medicamentos para uso humano e veterinário, incluindo vacinas e dispositivos para diagnóstico in vitro utilizados na realização de exames de análises clínicas. A APIFARMA tem um papel essencial de intervenção tanto entre os seus associados como junto dos restantes parceiros da Saúde, no sentido de ajudar a garantir que as empresas têm condições para continuar a desempenhar a sua missão e assegurar o acesso dos doentes aos medicamentos. JM – O atual contexto económico-financeiro do país tem tido impactos na atividade das empresas farmacêuticas em Portugal? JAL – Estamos a falar de empresas que, como tal, têm enfrentado enormes dificuldades perante as políticas adotadas. Além de não terem ainda sido simplificados processos desnecessariamente burocráticos, as medidas tomadas na Saúde têm pretendido apenas reduzir os custos do Estado e este tipo de visão tem consequências graves para as empresas. Uma delas é o aumento da dívida que os hospitais do Serviço Nacional de Saúde têm para com as empresas farmacêuticas, pelo fornecimento de medicamentos e meios de diagnóstico. O valor voltou a subir e, em abril, era de 1174 milhões de euros. Os prazos de pagamento médio desta dívida também aumentaram e ultrapassam novamente os 500 dias. Isto significa que os hospitais demo-

ram mais de um ano a pagar às empresas os medicamentos e os produtos que já utilizaram para tratar os seus doentes, enquanto as empresas têm de pagar atempadamente os impostos e taxas sobre as vendas feitas. No entanto, as empresas continuam a fornecer diariamente os hospitais e a ter de conseguir gerir a sua atividade com este nível de dívida, o que é extremamente complicado, sobretudo para as empresas mais pequenas, tanto mais que o financiamento à economia real se tem revelado muito difícil. JM – Que opções têm tomado as empresas para conseguirem continuar a fazer essa gestão e que consequências isso tem no acesso dos doentes ao medicamento? JAL – Uma das opções mais visíveis tem sido a redução do nível de emprego. Em dois anos, as empresas farmacêuticas perderam mais de duas mil pessoas, a maioria profissionais muito qualificados. Há também empresas obrigadas a alterar a sua estrutura em Portugal, perdendo-a para Espanha. Tudo isto significa perder um investimento que foi feito, no país e nos profissionais, que, infelizmente, tem também consequências na capacidade de disponibilizar medicamentos aos doentes. Por exemplo, deixarmos de ser capazes de produzir medicamentos em Portugal significa que perdemos também a capacidade de garantir que, em situações excecionais, o país tem condições para assegurar todos os medicamentos necessários à população. JM – A política do Ministério da Saúde tem levado a uma descida acentuada de preços dos medica-

João Almeida Lopes | Portugal tem a média de preços de medicamentos mais baixa da Europa


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r a corresponder mentos nos últimos anos. Essa é uma das medidas que critica? JAL – Como tem referido a APIFARMA, as medidas tomadas têm procurado, essencialmente, uma redução do que gasta o Estado com o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Uma das áreas que tem sido mais visada é precisamente o preço dos medicamentos. Em Portugal, ele é fixado pelo Estado, que é também quem tem a responsabilidade de decidir se comparticipa ou não um dado medicamento. Ao decidir cortar os gastos do Estado, o Ministério da Saúde considerou que os cortes na área do medicamento eram o meio mais rápido de atingir as reduções que pretendia. Até porque outras medidas, como as reorganizações dos serviços de saúde que têm sido noticiadas, demoram mais tempo a produzir resultados em termos de diminuição de custos para o SNS. A perversidade nesta questão é que as reduções de preços, quando são constantes e não estão integradas numa estratégia de sustentabilidade do SNS, acabam por ter consequências graves para os doentes, como é o caso da reexportação de medicamentos para outros países europeus e a sua consequente falta na farmácia. Portugal tem, neste momento, a média de preços de medicamentos mais baixa da Europa, pelo que é atrativo para determinados agentes económicos retirar medicamentos do mercado nacional e ir vendê-los em países onde o seu preço é mais alto. JM – É essa reexportação a responsável pela falta de medicamentos nas farmácias? JAL – É um dos principais motivos. Um estudo que a APIFARMA promoveu o ano passado, executado por uma entidade independente, para averiguar os motivos da crescente falta de medicamentos nas farmácias, concluiu que a exportação paralela é uma das principais causas dessas falhas. É legal alguns agentes económicos, licenciados para tal, reexportarem medicamentos a partir de Portugal, uma vez que estamos integrados na União Europeia e unidos por um princípio de livre circulação de pessoas e bens. Mas essa prática implica que, primeiro, seja garantido o abastecimento do mercado português. Passa a ser ilegal quando o desabastece. E é isso que se tem verificado, devido ao nível de preços que foi atingido em Portugal, muito abaixo da média da União Europeia. JM – E que medidas podem ser tomadas para impedir as falhas de medicamentos nas farmácias?

JAL – O Ministério da Saúde anunciou recentemente que vai pôr em prática várias medidas que minimizem o impacto negativo da exportação paralela, mas demorou um ano a reconhecer que existia um problema que, entretanto, se agravou. JM – A APIFARMA assinou há um ano um acordo com o Ministério da Saúde que previa que fossem cumpridos determinadas metas nos gastos públicos com medicamentos. As metas para 2012 foram atingidas? JAL – As metas para 2012 foram atingidas. O protocolo entre a APIFARMA e o Governo permitiu ao Estado, com a colaboração das empresas farmacêuticas, uma poupança de cerca de 300 milhões de euros. Um valor semelhante ao que havia sido atingido no ano anterior, com um protocolo semelhante. Em dois anos, e através dos dois protocolos assinados, as empresas farmacêuticas contribuíram já para uma poupança de 600 milhões de euros para o Ministério da Saúde. Uma poupança que não tem paralelo em qualquer outra área da administração pública e que tem colocado as empresas farmacêuticas numa situação incomportável. JM – E para 2013? JAL – As metas para 2013 estão a ser negociadas entre a APIFARMA e o Ministério da Saúde e o objetivo é, naturalmente, conseguir um encontro de posições. Ou seja, colaborar para ajudar o Ministério da Saúde a cumprir os objetivos a que se obrigou internacionalmente, sem pôr em causa a capacidade de as empresas continuarem a disponibilizar aos doentes os medicamentos de que necessitam e sem continuar a prejudicar a entrada de medicamentos inovadores em Portugal. JM – Tem sido prejudicada a entrada de medicamentos inovadores em Portugal? JAL – Em Portugal, o Estado não cumpre os prazos legais para a avaliação dos pedidos de comparticipação. Um estudo pedido pela APIFARMA revela que, entre 2007 e 2011, o tempo mediano, desde o pedido para que o medicamento seja comparticipado até à decisão, é de 292 dias para os medicamentos inovadores dispensados através das farmácias e de 481 dias para os medicamentos inovadores hospitalares. O Ministério da Saúde deveria, por lei, decidir se vai ou não comparticipar um medicamento em 90 dias. Este incumprimento por parte do Estado prejudica empresas e doentes. Os doentes porque demoram mais tempo do que os de outro país europeu a ter acesso aos medicamentos. E não podemos ter os

“A APIFARMA tem um papel essencial de intervenção, tanto entre os seus associados como junto dos restantes parceiros da Saúde, no sentido de ajudar a garantir que as empresas têm condições para continuar a desempenhar a sua missão e garantir o acesso dos doentes aos medicamentos.”

“As reduções de preços dos medicamentos, quando são constantes e não estão integradas numa estratégia de sustentabilidade do SNS, acabam por ter consequências graves para os doentes, como é o caso da sua reexportação para outros países europeus e consequente falta na farmácia.”

doentes em Portugal sem acesso a um medicamento que já está disponível noutro país da União Europeia. Para as empresas, o incumprimento dos prazos legais pelo Estado deixa-as sem capacidade de prever quando pode um dado medicamento começar a ser disponibilizado em Portugal.

JM – Tomou recentemente posse para um novo mandato à frente da Direção da APIFARMA. Quais são as expectativas que as empresas farmacêuticas têm em Portugal? JAL – As empresas farmacêuticas, em Portugal, têm como missão investigar, desenvolver e produzir medicamentos e tecnologias de Saúde que respondam às necessidades da população. E essas necessidades vão mudando ao longo do tempo. Em Portugal, por exemplo, a nossa evolução demográfica faz-nos um país cada vez mais envelhecido, onde as doenças crónicas ganham um peso maior. Sem um tratamento adequado, são

JM – E os acordos com o Ministério da Saúde não têm permitido resolver esse atraso na entrada de medicamentos novos no país? JAL – Infelizmente, ainda não foi possível assegurar que são cumpridos os prazos legais, apesar de essa intenção constar, desde sempre, em todos os protocolos assinados.

Pontos marcantes

+ Positivo: A parceria entre a APIFARMA e o Ministério da Solidariedade e Segurança Social para a criação do Banco de Medicamentos solidário, que permitiu, até agora, a doação de mais de 78 mil medicamentos a cerca de 70 instituições de solidariedade social, que promovem o seu acesso aos portugueses mais carenciados.

Negativo: Está por quantificar, a médio prazo, o impacto da austeridade nos indicadores de saúde e de prevenção da doença em Portugal. extremamente incapacitantes para o doen­ te e, consequentemente, também para o seu núcleo familiar. Numa sociedade em modificação, a expectativa das empresas é, naturalmente, a de poderem continuar a ser capazes de desempenhar a sua missão, correspondendo ao que esperam delas os cidadãos e os doentes.


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