Cinema da Cidade 2

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depositar sua fúria reversa, nosso herói torna-se imbatível: não há agressão que não possa suportar. Esta perversão, que a um tempo é imemorial, mas que em larga medida é especificamente moderna – uma vez que a racionalização absoluta e a sujeição incondicional requeridos pela ordem, conduzem à autoagressão sem limites -, só pode ser a perversão à n-ésima potência se for, ao mesmo tempo, motivada por amor. Em nome do amor se espanca como quem agride a si mesmo; pois não se bate em nome da própria fúria, mas como um requerimento do outro, que não se encontra à altura do amor que recebe. Em nome do amor espanca-se não como impulso interno, mas como quem é incitado pela vítima ao espancamento: ela clama pela agressão, como tributo mesmo à sua incapacidade de amar, na intensidade com que seu parceiro violento a ama. Para este títere da paixão, o fervor absoluto de seu amor, a elevação etérea de seu sentimento, entra em contato com a terra, então, não mais com a intensidade da descarga eletrostática, mas como o próprio cataclismo da natureza. Mas o que isso 143


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