Universidade Presbiteriana Mackenzie
REVISTA EXPERIMENTAL DO CURSO DE JORNALISMO - AGOSTO 2015 - NÚMERO 4 - ANO 2
GRADES A colorida arte das ruas
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Dia a dia da navalha
Loucos por carros
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Índice VIOLÊNCIA Penitenciária
O martírio dos visitantes da Penitenciária Feminina de Santana
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AUTOMÓVEIS e TRÂNSITO Escravos do trânsito
Perfil no Twitter acompanha os problemas no trânsito da capital paulista
Profissão Perigo
A rotina arrisada dos motoboys e motofretistas
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COMPORTAMENTO Tatuagem A arte da tatuagem chega à terceira idade
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Action Figure
Colecionadores de brinquedos pagam até 300 reais em miniaturas
38 HOBBY Carros antigos O hobby dos colecionadores das relíquias de quatro rodas
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PROFISSÃO Barbeiro
Salões retrôs ganham novo visual no centro de São Paulo
33 CIDADE Grafites
Pinturas polêmicas ilustram paisagens de grande tráfego
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Parklets
Espaços para descando nas calçadas vira mania em São paulo
15 TORCIDAS Juventus
Torcedores fanáticos se reúnem na Mooca
Ferroviária De volta a primeira divisão do Campeonato Paulista
Rompendo fronteiras
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Torcedores de times de outros estados se encontram em bares da capital
44 Universidade Presbiteriana Mackenzie Centro de Comunicação e Letras
A Revista VeraCidade é uma publicação experimental dos alunos do quarto semestre do Curso de Jornalismo Reitor: Prof. Dr. Benedito Guimarães Aguiar Neto Decanato Acadêmico: Prof. Dr. Cleverson Pereira de Almeida Decanato de Extensão: Prof. Dr. Sérgio Lex Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação: Profa. Dra. Helena Bonito Couto Pereira Diretor do Centro de Comunicação e Letras: Alexandre Huady Guimarães Coordenadora do Curso de Jornalismo: Denise Paieiro Supervisor de Publicações: José Alves Trigo 4
Há vida atrás das
GRADES
Existe muito5 mais a ser visto do que um sistema prisional
Por Eduardo Nunes e Júlia Falconi
“Ah , toda alma num cárcere anda presa, lherme, o companheiro desta, ia eventualmente visoluçando nas trevas, entre as grades, do calabou- sitá-la, até que um dia ele deixou de ir. “Em Franco ço olhando imensidades: mares, estrelas, tardes, da Rocha, chegávamos às seis da manhã. São três natureza. Tudo se veste de igual grandeza, quan- horas de fila, passando nove portões. É um desgasdo a alma entre grilhões as liberdades sonha e, so- te muito grande. É mais cômodo não ir”, desabafa. nhando, as imortalidades, rasga no etéreo Espaço Alguns familiares vêm de muito longe. A da Pureza”, já profere os versos de Cruz e Souza, madrugada os acompanham a um local tão distante. poeta brasileiro e percursor do Simbolismo no Santana fica na zona norte de São Paulo, a PenitenBrasil. O poema remete a uma realidade presen- ciária Feminina fica no antigo Carandiru, derrubate no dia a dia de pessoas que as vezes nem co- do após sucessivas rebeliões e um massacre. Hoje o nhecemos, mas vivem com o cárcere diariamente. antigo Carandiru é subdividido em Parque da Juven Dia de visita é assim: uma fila de mães, ir- tude, Penitenciária Feminina e museu penitenciário. mãos, filhos e poucos maridos aguardam a revista Este ano o cárcere feminino de Santana completa do lado de cá da Penitenciária Feminina de Santa- 95 anos. A penitenciária conta com um prédio de na. Imersos em barracas com três pavilhões, divididos em cinvendas de alimentos para quem co andares cada, mais de 1.400 “Livre não sou, aguarda ansiosamente a visita. celas no total. Em cada cela, que nem a própria vida, O som do assovio singelo dos duas almas. Duas vidas. Duas Me consente. pássaros não representa o que histórias distintas, entrelaçadas Mas a minha aguerrida está do lado de dentro do cárpor um conjunto de grades. teimosia cere. Uma prisão na ressonância Ainda não é permitida a visita é quebrar dia a dia das almas encarceradas. Nesta íntima, o que pode ainda gerar um grilhão da corrente. “ reportagem traremos aos nosmais abandono dos parceiros. sos leitores quatro personagens Elas não acordam cedo para Conquista Miguel Torga femininos, que foram encarcerapegar o ônibus, não beijam seus das pelas leis que regem o país. filhos ou maridos antes de se Domingo é o dia da visiguir o caminho do trabalho. ta, há toda uma burocracia que envolve os visitantes. Um muro alto, cercado, portões pesados, trancas, Para entrar no pavilhão, uma série de revistas. Os carcereiras, sentenças as separam de um cotidiano adultos precisam despir-se por inteiros, já os bebês de mulheres normais. Por quê? A busca do dinheique acompanham alguns pais e familiares, trajam ro fácil, a perdição de um vício, a inércia de um apenas a fralda. A seguir a revista é no conteúdo que amor bandido. E é cada vez mais crescente, ainda será levado até as detentas: alimentos, bebidas, ci- com memória viva do crime que a levou a separagarros. Tudo esmiuçado ainda pelas carcereiras. Do ção de sua família. Uma pesquisa realizada em 2011 lado de dentro das grades vivem cerca de 2.600 mu- pelo Ministério da Justiça, sobre o crescimento lheres e, no único dia em que chapinhas e secadores de mulheres presas, revela que 6,58% das mulheestão liberados, o pavilhão vira um salão de beleza. res de São Paulo vivem atrás das grades. Cerca de Ainda em uma das filas para identificação, 34% da população carcerária feminina nacional. encontramos Guilherme Dias, 22 anos, estudante Uma nova geração é construída e vive por baide direito e filho de uma das detentas. A mãe de xo da estigma da prisão. Cerca de 80% das presas do Guilherme está presa há 16 meses, veio para Santa- Brasil têm filhos. A realidade dessas novas crianças, na transferida do Centro de Progressão Penitenciá- seja no abrigo em que estiverem, ilustra como os criria, localizado em Franco da Rocha. Ele conta que mes cometidos pelas mães, deixam sequelas em uma nunca deixou de visitar sua mãe, e que até gostava, família inteira. Alguns pais ainda fazem questão de pois vê o progresso que isso traz a sentença da mãe levar os bebês e filhos das detentas em dias de visitas, e também ao benefício espiritual que a mãe tem ao mas seja por preconceito ou comodismo, muitas mães acolher o filho em sua cela. Ao contrário de Gui- acabam perdendo o desenvolvimento das crianças. 6
Fotos : Julia Falconi
Marcelo leva seu filho de apenas dois anos em todas as visitas
A detenta número dois conta com a ternura de seu filho aos domingos. Márcio Roberto Filho, 30, ex-detento, vai às visitas todos os domingos. Na Penitenciária de Santana é sua primeira vez e, sempre que vai ver a esposa, ele vai acompanhado dos dois filhos da mulher, uma menina, que é sua enteada, e o menino de apenas dois anos, filho do casal. Atualmente Marcelo só pode trazer o menino para as visitas. Visto que a garota não é registrada em seu nome, a entrada dela em Santana só será possível com uma autorização judicial. Esta mãe também veio de um lugar comum, estava em Franco da Rocha e foi transferida para Santana, está presa há sete meses. Em 2006 a esposa de Marcelo foi presa por porte ilegal de arma, autuada em flagrante e levada ao presídio de Pindamonhangaba. Ficou dez meses detida e após um indulto de Páscoa, não retornou. Desde então estava foragida. Mas, um dia fazendo compras com o marido, ela foi enquadrada e presa novamente. Marcelo conta que o filho fica mais triste quando não vê a mãe, algo que o pai facilmente nota quando ele acorda para ir à creche. Marcelo, por ter vivido na pele a realidade da esposa, faz com prazer, o necessário para deixá-la mais a vontade no cárcere. 7
Entrada da penitenciária Feminina de Santana
A prisão deixa rastros, muitas vezes impossíveis de apagar. Marcas psicológicas, traumas e abalos familiares. É mais comum mães, pais, irmãos, toda círculo familiar serem mais afetadas do que o próprio detento e, para Marcelo, a dor de sua família foi um incentivo para ele nunca mais cometer os mesmos erros. “Eu fui preso por assalto, formação de quadrilha e fiquei quase três anos na cadeia. Trabalhei na cozinha, o que reduziu minha pena. Meu pai, minha mãe, até minha ex-mulher sempre me apoiaram. Isso me deu muita motivação para sair e para deixar de fazer as coisas erradas. Ver o sofrimento da sua mãe para entrar na cadeia em meio a rebelião com os policiais atirando...” se emociona o ex-presidiário.
O sol da manhã de domingo começa a raiar dentre os galhos das árvores que guardam a entrada da penitenciária. Às 9h da manhã as filas já quase não existem, a maior parte dos visitantes já se encontram na parte de dentro. Algumas pessoas que precisam sair de muito longe, chegam com um pouco de atraso. Marco Júnior, 33, é irmão de uma encarcerada. A irmã foi enquadrada por porte ilegal de arma, foi sentenciada há cinco anos e onze meses de reclusão, conseguiu por meio de apelo reduzir onze meses da sentença. Já cumpre pena há dois anos. Na época que foi detida, tinha um companheiro, que após o cárcere deixou de visitar e se comunicar com a detenta. Veio, assim como as outras, transferida da Penitenciária de Franco da Rocha. Marco conta que para a irmã, o apoio da família é crucial para a reinserção dentro do cárcere. “Muitos não vêm, às vezes pela distância ou por imprevistos. Se é a primeira vez a família ainda vêm. Mas depois acaba reduzindo as visitas, depende de cada família, cada um tem seu pensar”, desabafa. Entre grilhões e cadeados, o vislumbre da liberdade invade as celas. O sol banha as prisioneiras e mostra a elas que todo dia é um novo dia, um recomeço. Algumas detentas seguem o caminho da cozinha, farão o almoço do dia. Outras buscam outra
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Os visitantes se idenficam em uma lista com o nome das detentas
forma de reinserção. As marcas do crime ainda são visíveis, são as memórias mais recentes do mundo externo. O perdão familiar é sua remissão em progresso, dessa vez no mundo de cá, mais um irmão à espera. Seu nome é Renato Gimenez, 34, que lamenta a vida da irmã mais nova, de apenas 25 anos. Sua irmã veio também de Franco da Rocha e está há um ano na Penitenciária. Ela foi presa por tráfico de drogas, formação de quadrilha, e sentenciada a 10 anos e 10 meses emregime fechado. Ele explica que a irmã mesmo, foi presa já sem um companheiro, mas que na maioria dos casos de abandono, ele acredita que acontece porque o homem é mais dominador e as mulheres quem amam mais, por isso são mais assíduas e dependentes. Cada encarcerada tem uma história, algumas se assemelham na sentença. Foram sentenciadas pelos próprios companheiros que, após o enquadramento, acabam fugindo para auto proteção. As mulheres, em grande maioria, são presas como cúmplices e, mesmo atrás das grades continuam acobertando e protegendo seus parceiros. A cada três dias de serviço prestado dentro do sistema prisional, a detenta ganha um dia a menos de reclusão. Renato Gimenez diz que a irmã, que já totaliza dois anos de prisão, não se preocupa muito com a redução da pena. “O que é errado é que elas deveriam ser obrigadas a fazer alguma coisa lá dentro. Quem quer trabalhar, trabalha. Mas ela não se preocupa com isso isso. Cada hora inventa uma desculpa diferente. Elas têm o que fazer. Tem academia, escola, curso. Mas a maioria não quer fazer nada, já que tem uma vida boa. Você prefere isso ou ficar deitado vendo a TV o dia todo? Elas tem TV, rádio, o que mais você quer?”, ri, Renato. A privação é do convívio familiar, da rotineira vida de mulher, da liberdade. Mas a liberdade existe. E quando viajar nas lembranças, imaginação e frestas da vida externa são recursos possíveis, o mundo delas se iluminam de possibilidades, sonhos e planos futuros. A lua aparece e banha com seu esplendor as celas. A esperança de uma vida diferente revive e se aflora em cada sentenciada. E assim se segue mais uma noite, na espera do dia seguinte, que se reflete em uma dinâmica piamente matemática. Um dia a menos de reclusão.
Somos todos EscravosDoTrânsito?
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N
ão. O trânsito de São Paulo não é o pior do mundo. Apesar de os motoristas perderem 48 minutos para cada hora dirigida no horário de pico da cidade, de acordo com estudos da empresa holandesa de tecnologia do transporte, TomTom, o pior trânsito é localizado em Moscou, na Rússia. A maior cidade do país ficou em sétimo lugar, atrás do Rio de Janeiro, outra única representante brasileira da lista, que ocupa o terceiro lugar em uma análise com 169 cidades do mundo. Independentemente de ranking, a maioria dos paulistanos deve concordar que ‘’o trânsito é caótico e estressante’’. As aspas são de André Nascimento, de 35 anos, que, indignado com o congestionamento e motivado a exigir melhorias do governo, criou, em 2014 o #ProjetoEscravoDoTrânsito. Foi no congestionamento que tudo começou. André, parado na ponte João Dias, na Marginal Pinheiros, decidiu compartilhar a sua indignação nas redes sociais. ‘’Estava travado ao extremo pela nonagésima vez naquela semana. Não aguentei e postei que queria ir embora do planeta porque não estava aguentando mais. Após publicar no Instagram, um amigo meu comentou dizendo
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Por: Bruna Barboza e Jordana Bizarro
que eu era um escravo do trânsito. Lá, nasceu a ideia de fazer o projeto’’, conta. André, relações públicas em uma agência de publicidade, não tem como objetivo ganhar dinheiro com o #EscravoDoTrânsito e conduz o projeto sozinho. Sem postar todas as fotos que recebe devido à grande quantidade, a página, que tem mais de 2.000 seguidores, posta, em média 15 no mesmo dia. ‘’Não quero congestionar o Instagram dos seguidores. Por isso, escolho as melhores e concentro as postagens durante a manhã e à tarde. São muitas fotos. Eu compartilho imagens de todos os lugares, inclusive fora do Brasil, como EUA, Argentina e Chile’’, explica. Apesar de utilizar mais a rede social de fotos, as imagens do projeto também vão para o Facebook, onde, além delas, são divulgadas notícias e conteúdos a respeito do trânsito, leis, multas e rodízio. As fotos postadas no Escravo do Trânsito não são motivadoras, segundo André. Ele afirma que o objetivo do projeto é conscientizar o cidadão de que ‘’está tudo errado’’. ‘’Nós perdemos mais tempo no trânsito do que nos próprios compromissos. O álbum de fotos do Escravo é de estresse. É uma página carregada de ódio. Eu tenho ciência disso. Não tem como você estar feliz no trânsito’’, conclui. Atualmente, assim como se compartilha nas redes a situação em que se encontra o motorista, existem aplicativos de GPS para celulares, como o Waze, que, por meio da interação entre seus usuários, realizam trocas de auxílio sobre o melhor trajeto a percorrerem para que alcancem seu destino da forma menos conturbada e mais rápida possível. Isso é feito através de alertas para congestionamento, radares e acidentes, por exemplo. André faz o mesmo nas redes sociais, mas não quer concorrer com essas plataformas ou com informações jornalísticas em tempo real. O criador do projeto quer, simplesmente, ‘’mostrar que há um problema e compartilhar com os seguidores que determinado local está ruim no momento’’. Com o projeto, ele almeja estimular a consciência coletiva.
Fotos: Jordana Bizarro
Tentativas e possíveis soluções A prefeitura do município de São Paulo não está isenta de culpa em relação ao trânsito. Porém, possíveis soluções, como a implantação de ciclofaixas e faixas exclusivas para ônibus têm sido colocadas em prática a cada dia. Para André, ‘’São Paulo está no caminho. Quem sabe daqui 20 ou 30 anos melhore. A solução está no transporte público’’. A pesquisa do Datafolha realizada em setembro do último ano mostra que 55% dos moradores da cidade acreditam que as ciclovias trazem mais benefícios do que prejuízos. Além disso, 60% dos paulistanos afirmaram que ‘’a bicicleta é um meio de transporte viável para realizar tarefas diárias’’. Porém, somente 32% da população possuí bicicletas e apenas 10% dessa parcela usa o meio diariamente. O paulistano, aos poucos, precisará enxergar e aceitar novas vias e opções de locomoção.
“
O álbum de fotos do Escravo é de estresse. Não tem como você estar feliz no trânsito Trens e metrô
’’
O metrô é, na teoria, uma das vias mais rápidas de locomoção em grandes cidades. Com uma capacidade alta de atendimento, ele transporta mais de 500 pessoas por vagão. Na capital paulista, ele atende 4 milhões de passageiros por dia, de acordo com o site oficial. O que falta, porém, são mais carros para atender a alta demanda de passageiros e linhas que possibilitem a chegada do usuário a determinados locais, principalmente em horários específicos do dia, conhecidos como horários de pico. 10
André Nascimento, criador do #EscravosDoTrânsito.
Apesar do #ProjetoEscravoDoTrânsito ter sido criado em um congestionamento de carros, André também divulga imagens de seguidores no transporte público. ‘’Alguns usuários do metrô me mandam fotos algumas vezes e a situação é desumana’’, comenta. Obras da linha 4 amarela tiveram contrato assinado em 2006 e, quase dez anos depois, existem locais de construção parados, com funcionários sem serviço. Para André, previdências devem ser tomadas, já que as obras podem servir de melhorias para o cidadão, não só na questão que envolve a locomoção, mas na qualidade de vida.
Rodízio Desde 1997, a cidade de São Paulo funciona com rodízio municipal de veículos de acordo com o número final da placa. O período é dividido em manhã (07h às 10h) e noite (17h às 20h), de acordo com os principais horários de pico. Durante a Copa do Mundo de 2014, onde São Paulo foi uma das cidades sede, foi decretado, pelo prefeito Fernando Haddad, o rodízio estendido em dias de jogos, das 07h às 20h. Para André, a medida não solucionaria o trânsito da cidade. Explica: ‘’O dono do carro do rodízio usa o da esposa ou o do filho para trabalhar. Não muda nada. O impacto esperado pelo rodízio não existe. Precisamos de outras ações, como construções de linhas férreas’’. As postagens do #EscravoDoTrânsito já foram vistas por diretores da CET, o que estimulou André a seguir e aprimorar o projeto a cada dia. ‘’Estou com a ideia de criar um aplicativo para fazer com que o Escravo, além de divulgar, denuncie pessoas que cometam infrações no trânsito. Isso está passando por validações legais para evitar problemas processuais’’, diz.
Existe amor no trânsito paulista
O congestionamento é capaz de irritar e estressar qualquer motorista, mas também é possível realizar boas ações em meio ao caos. Carlos Eduardo Uzueli, 54 anos, motorista de táxi há mais de dez anos salvou uma maritaca que sofreu um acidente. A ave, apelidada de Teodoro devido ao acidente ter acontecido na Rua Teodoro Sampaio, está com ele até hoje. ‘’Eu achei uma maritaca na Rua Fradique Coutinho com a Teodoro Sampaio. De repente o passarinho caiu da árvore e vários carros começaram
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a passar por cima dele. Várias pessoas tentaram resgatá-lo. Eu atravessei o meu veículo na rua, parei o trânsito e peguei ele. Levei para a minha casa, cuidei e ele está até hoje comigo. Valeu a pena parar o trânsito’’, conta. Os chamados, figurativamente, escravos do trânsito precisam de alternativas que supram, com excelência, o uso de carros. Infelizmente, apesar de boa mobilidade, a cidade de São Paulo apresenta defasagens (e falta) de transporte público em alguns locais, como na zona sul, por exemplo, onde o trânsito é o pior registrado diariamente. Deixar o carro na garagem e pedalar, por ora, não é uma tarefa tão simples. Pessoas famosas, como a jornalista Cristiane Dias e o jogador de futebol Luís Fabiano seguem a página do #EscravodoTrânsito, mas o projeto precisa de mais divulgação e adesão das pessoas. André, sem o investimento de terceiros, impulsiona as postagens na página do Facebook. ‘’Preciso da adesão das pessoas. Eu banco tudo, mas todos precisam conhecer o Escravo. Às vezes estou no trânsito e vejo alguém no celular. Eu chamo, peço para seguir a página e vejo retorno. Sou muito cara de pau’’, finaliza. Para acompanhar todas as postagens do projeto basta seguir, no Instagram, a conta @escravodotransito e curtir, no Facebook, a página Escravo do Trânsito. Compartilhe a sua indignação e exija melhorias.
Alerta! Utilizar o celular ao dirigir é infração média. Mesmo no trânsito, com o carro parado, utilize o aparelho com atenção. Não vá contra o sistema, arriscando a sua vida. Poste fotos em segurança.
Profissão
PERIGO
A rotina dos motoboys e motofretistas: uma profissão arriscada e, muitas vezes injusta e degradante para os profissionais
Por Gabriel Pannunzio e Victor Silva
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Gabriel Pannunzio
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iariamente, cerca de 200 mil pessoas ganham a vida circulando de moto pelas ruas e avenidas da capital paulista. O número é maior do que a população de cidades como Ferraz de Vasconcelos e Itapecerica da Serra, em São Paulo. É uma profissão onde o lema “tempo é dinheiro” é colocado em prática. No trânsito de grandes cidades os motoboys são os únicos que conseguem furar congestionamentos através dos corredores entre duas faixas para carros. Por este motivo, muitas empresas contratam estes profissionais para entrega de documentos importantes, mercadorias ou para a realização de serviços bancários. Mas como será a rotina e as dificuldades destes profissionais? Não há dúvidas que a profissão apresenta grandes riscos no dia a dia. Pensando nisso, foi sancionada em 18 de junho de 2014, a lei 12.997, que garante para o profissional um adicional de 30% no seu pagamento. Esse adicional de periculosidade foi acrescentado na Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) e passou a valer a partir do dia 18 de outubro do ano passado. Entretanto, de acordo com alguns dos entrevistados, algumas empresas ainda não pagam tal direito. Há, também, aquelas que pagam menos do que os 30% previstos por lei. Um dos principais motivos para a defasagem é a falta de fiscalização. Além disso, a norma é confusa para alguns dos motoqueiros. Para eles, há uma falta de esclarecimento por parte das empresas. O motoboy Luiz Neto (29), por exemplo, diz não saber se está recebendo o adicional de sua empresa. “Pra falar a verdade, nem sei
Victor Silva
Cláudio Silva é motofretista regularizado e tem como principais clientes bancos e escritórios
se ele tá pagando ou não. Porque como a gente ganha por serviço, a gente ganha aquilo que a gente faz. Então, se tá pagando alguma coisa a mais, não tem como a gente saber”, diz Luiz. As dúvidas ocorrem também porque muitos dos motociclistas trabalham sem carteira assinada e não solicitaram a documentação formal junto à Prefeitura. Apesar da presença significativa na cidade de São Paulo, a parcela de motofretistas (profissionais regularizados) em comparação aos motoboys (profissionais não regularizados) ainda é baixa. De acordo com o Departamento Estadual de Trânsito (Detran), cerca de 92% dos trabalhadores da área estão em situação irregular. Cláudio Silva, 36, trabalha na área há 15 anos. Ele esclarece que o motofretista trabalha de modo semelhante a 13
um taxista. Entre os itens necessários para a regulamentação, estão um alvará de funcionamento, a placa vermelha e a motocicleta na cor branca. Também é preciso se habilitar no Condumoto, curso organizado pelo DTP (Departamento de Transportes Públicos). O curso tem como objetivo capacitar o condutor para a realização de transporte de pequenas cargas. Depois de diversas etapas e muita burocracia para finalizar a regulamentação, Silva lamenta a falta de fiscalização por parte do Detran. “Minha moto está totalmente em conformidade, mas fiz tudo isso pra quê? Estou competindo com o cara que é imprudente”. Tanto os motofretistas quanto os motoboys convivem com a concorrência de condutores de veículos maiores, como os carros e os ônibus. Cláudio Laurindo Alves, 34, trabalha com sua
moto desde 1999 e vive esta disputa diariamente. Questionado sobre o possível motivo para esta divergência, Alves brinca. Para ele, o motorista de ônibus ou carro não gosta do motoqueiro “porque moto em qualquer buraco vai embora e os caras ficam no trânsito”. Em tom mais sério, Alves fala sobre preconceito no trânsito. “O que eu acho errado é a gente encostar do lado do carro da pessoa e ela fechar o vidro pensando que a gente vai roubá-la. Sendo que não vai acontecer isso, porque nem todos os motoqueiros são ladrões”. O motoboy Marcos Roberto Miranda, 41, tem uma visão parecida. “Não só no trânsito, mas nos próprios prédios comerciais que você vai fazer entrega e não pode nem entrar no hall. Você tem que ir pelo subsolo”, lamenta. Por outro lado, o taxista Edson Guerra, 61, acredita que
a culpa por tal reputação é dos próprios motoboys. Guerra afirma que, em relação aos acidentes, por exemplo, são os motociclistas os principais responsáveis. Para o taxista, os motoqueiros acreditam sempre estarem com a razão. “Eles não admitem o erro. Sempre estão certos”, reclama. E, aproveita para sugerir uma mudança com o objetivo de diminuir acidentes envolvendo condutores de motos. Para ele, em dias úteis, as ciclovias deveriam ser destinadas às motos. Nos finais de semanas, a exclusividade seria para veículos não motorizados. Prazos apertados Um dos principais motivos para tantos acidentes envolvendo motoboys são os prazos estabelecidos para que um serviço seja concluído. Na área comercial, os prazos são mais flexíveis. Para quem contrata, o mais importante é que a encomenda seja entregue no horário comercial. Entretanto, a situação muda quando o trabalho é feito para restaurantes de fast-food, onde a entrega rápida é algo crucial. Algumas destas redes passaram a estipular um tempo limite para que o produto seja entregue. Caso contrário, o cliente não pagaria o pedido. Para isso, os restaurantes pensam no tempo que vai demorar para preparar a comida, fazem um estudo do perímetro, e calculam o tempo e a distância até o destino. Ou seja, quanto mais tempo demorar para o alimento ser preparado, menos tempo o motoboy terá para entregar a co14
mida. Aumentando assim, os riscos para o entregador. Entregas por aplicativos Além dos serviços tradicionais para empresas e autônomos, há também o aumento do uso de aplicativos para entrega. Com o avanço da tecnologia, sistemas como MoblyBoy prometem facilitar a vida do usuário. Através do app, é possível chamar um motoboy, de maneira prática e rápida através do smartphone. Porém, essa praticidade pode gerar grandes dores de ca-
beça se não for atento. Qualquer um pode baixar o aplicativo e contratar o serviço. Ao mesmo tempo, qualquer pessoa pode aceitar o serviço. Não existe nenhuma fiscalização a respeito do motoboy que se cadastra no aplicativo. O motofretista Cláudio Silva falou a respeito de sistemas como o MoblyBoy e se disse contrário justamente pela falta de regulamentação. “É só um aplicativo. Um cara teve a visão para lucrar e montou isso. Talvez pensando também no aplicativo do taxista”, finaliza. Tempo corrido, situações imprevisíveis e imprudências no trânsito são adversários da profissão
O NOVO
RETIRO DO POVO São Paulo vem ganhando pontos de descanso que incentivam o convívio público das pessoas, quebrando a tão desgastante rotina da capital Por Matheus Riga e Raphael Taets
Raphael Taets Parklet localizado na Alameda Tiête: opção de lazer para quem mora e visita a região
O intenso fenômeno de urbanização das últimas décadas fez com que as grandes cidades se tornassem cada vez mais hostis aos seus cidadãos. Somem áreas verdes, crescem grandes avenidas e viadutos. Os carros tomaram conta da cidade. Parece que o planejamento urbanístico privilegia apenas estas grandes e pesadas máquinas. Aos poucos, o espaço público, de confraternização e socialização, foi se perdendo, esmagados, para dar espaço aos veículos motorizados. As pessoas, com isso, foram condicionadas a viver, ora presas em suas casas, ora em shopping centers, que tornou-se um dos locais preferidos de confraternização. E para reverter este quadro, algumas iniciativas têm sido tomadas pela prefeitura da cidade de São Paulo, como a criação de ciclofaixas, parques e locais públicos de recreação. Um dos projetos atuais são os parklets, mini-praças instaladas nas ruas, numa espécie de expansão do calçamento. São pequenas áreas com bancos, mesinhas, guarda-sóis e flores, perfeitos para uma pausa na rotina, tomar um sorvete ou con15
Origem dos Parklets Os parklets surgiram na cidade de São Francisco, em 2010, fruto de um programa social, feito em colaboração entre três grandes departamentos da esfera pública municipal: o Departamento de Planejamento; Departamento de Obras Públicas e o Departamento de Transportes Públicos. A meta principal do programa “Pavimentos para Parques”, era equivaler a área de ruas, avenidas e viadutos, com as áreas de espaço público, socialização e entretenimento, que era discrepante até então. Tendo em vista a mesma meta, a ONG Instituto Mobilidade Verde, em 2013, começou a implantar os parklets em São Paulo e outras metrópoles.
versar com amigos. Eles também são equipados com tomadas para recarga de celulares e outros aparelhos eletrônicos e sua energia é proveniente de luz solar captada no próprio parklet. Devolvendo o espaço público às pessoas? Para Márcio Harley Kurossu, 38 anos, ex-professor de História e Ciências Sociais do Instituto Federal de São Paulo e atualmente na Faculdade de Educação da USP, a crescente demanda por moradia e serviços tem feito com que espaços públicos verdes da cidade sejam cada vez mais reduzidos, dando lugar a mais prédios, ruas e estacionamentos. A especulação imobiliária e o lucro que se pode obter na comercialização do espaço urbano também influenciam negativamente nesta redução das áreas de parques, bosques e afins. Uma das formas de se impedir que este processo se propague e intensifique ainda mais, para ele, é o investimento em atualização de leis de áreas urbanas. O crescimento da cidade deve ser pensado de forma coletiva, com projetos de lugares que facilitem o encontro e convivência das pessoas, e não de forma a favorecer o comércio e a indústria. Algumas iniciativas, como os parklets, visam justamente esta retomada de parte do espaço coletivo, de recreação, que foi tomado da população pelo agressivo desejo de obtenção de dinheiro das grandes construtoras. Segundo Márcio, “as principais características de um espaço público são a acessibilidade 16
Funcionários descansam no Parklet da Rua Oscar Freire, no horário de almoço
e o cuidado pela comunidade ao redor”. Eles são importantes pois figuram como nova opção de áreas de socialização entre as pessoas. Segundo o professor, é preciso mudar a forma de se pensar a cidade. A importância demasiada dada aos automóveis tem acabado com os espaços coletivos de lazer e isso tem refletido negativamente em nossa sociedade. As pessoas têm perdido a capacidade de de conviver harmoniosamente e se relacionarem entre si. Isso pode,
direta ou indiretamente, acarretar em uma sociedade repleta de violência e intolerância, além de impossibilidade de diálogo e debates de opiniões divergentes. As divergências de pontos de vista A aceitação do público, como é de se esperar, não é unânime. Projetos novos muitas vezes tendem a ser rejeitados durante início de execução e implantação, como visto na opinião de Luísa Capanema, 23 anos, estudante do
A Rua Padre Jõao Manuel, no cruzamento com a Avenida Paulista, também tem seu parklet
curso de Direito da Universidade Anhembi Morumbi, que não é a favor dos parklets. Ela receia que, em determinadas localidades, a instalação destas áreas de lazer pode comprometer o fluxo dos carros e até mesmo prejudicar alguns comércios onde são instalados, uma vez que as vagas de estacionamento não mais existiriam em frente ao estabelecimento. Além disso, segundo Luísa, “a vida das pessoas na cidade é muito agitada e são poucas as pessoas que poderiam usufruir destes pontos de descanso”. Mas existem aqueles que encaram a iniciativa de forma positiva e são a favor da ideia, como a arquiteta Juliana Goto, de 31 anos. Ela, que já utilizou os parklets da rua Oscar Freire e da Alameda Tietê, ambos na região dos Jardins, defende que a cidade carece de pontos de lazer e convívio público e que a criação destes pontos é fundamental para que esta situação mude. Para ela, “o programa deve 17
ser ampliado, pois são lugares aconchegantes onde se pode passar um tempo com os amigos. Uma forma de trazer as pessoas para a rua, passar um tempo ao ar livre, fora de suas casas”. A grama do vizinho é mais verde? Victor Paiva, de 20 anos, é estudante de Engenharia Mecânica da Unicamp e atualmente está na Austrália, num programa de intercâmbio. Ele conta que, do outro lado do mundo, áreas verdes e de convívio público são de grande importância, tanto para o governo quanto para a população. Praças são muito comuns, encontradas praticamente a cada quarteirão e são sempre muito frequentadas por pessoas das mais diferentes idades e estilos. Todas muito bem cuidadas, sem lixo jogado no chão, patrimônios depredados ou sinais de abandono. Os parklets não existem por lá, mas Victor conta que algo semelhante pode ser visto ao passear
pela cidade. São pequenas ruas, fechadas para carros, com bancos de praça instalados para desfrute de quem por ali passar. Ele também conta que a cidade parece pertencer mais às pessoas: “Quase todas as avenidas principais têm ciclovia, e nas que não têm o ciclista é respeitado. Além disso, a preferência do pedestre na faixa realmente funciona. Basta ameaçar atravessar a rua que até caminhões param”. Ele, por fim, se mostra a favor dos parklets, se bem planejados e cuidados. Acredita que possa ser uma solução para que a cidade volte a pertencer às pessoas enquanto funcionem como uma área de descanso para alguém em seu intervalo do trabalho ou lazer para um grupo de amigos. Sua preocupação, no entanto, é que estes pontos fiquem abandonados e entregues à ações de vandalismo ou mesmo situações que coloquem as pessoas em risco, como área visada por assaltantes – algo que, felizmente, não se concretizou até o momento.
Existe
arte de rua em
SP
Por Daniel Zanata e Douglas Oliveira
ApĂłs anos de resistĂŞncia e preconceito, a arte urbana e o grafite tĂŞm ocupado cada vez mais as ruas paulistanas e conquistando admiradores na cidade e pelo mundo
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S
ábado. Dez horas da manhã. Durante o trajeto entre as estações PortuguesaTietê e Santana é possível ver do metrô o que acontece no mundo lá fora. Mercados, bares, carros e pessoas compõem uma imagem que se repete em toda esquina. Lá embaixo, as colunas que sustentam os trilhos também formam, desde 2011, o primeiro Museu Aberto de Arte Urbana da Cidade de São Paulo (MAAU). As 33 pilastras da avenida Cruzeiro do Sul foram transformadas em telas e pintadas por mais de 50 artistas de rua. Dá até vontade de trocar o vagão pela calçada só para conhecer todos os painéis ali expostos. A intervenção, proposta pelos próprios artistas e apoiada pela Secretária Estadual de Cultura de São Paulo, hoje é um cartão postal da região. O visual colorido das colunas contrasta com o cinza no asfalto. A cada farol vermelho os olhares dos motoris-
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tas se voltam para as grandes telas. E não são só eles: quem está na Biblioteca de São Paulo, pedalando na ciclovia ou esperando o ônibus também aproveita para admirar o visual. “Acho muito bonito. Eu sempre passo por aqui e fico vendo. Melhor do que tudo cinza e sem cor.”, exalta Isaura Bueno, dona de casa, de 52 anos. A arte urbana já é um cartão postal paulistano. Em fevereiro desse ano, o prefeito Fernando Haddad foi autorizado pelo Conselho Municipal de Preser-
vação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade (Conpresp) a fazer uma intervenção artística nos muros de arrimo do patrimônio histórico chamado Arcos do Jânio. Rui Amaral, 54, grafiteiro e artista plástico, foi um dos responsáveis pela intervenção e descreve o dia com a alegria de uma criança que acabara de receber um brinquedo novo. “Eu fiquei emocionado. Quando vi aquilo ali rolando, a galera pintando, foi um sonho realizado.”
Os muros de arrimo dos Arcos do Jânio foram pintados por artistas urbanos da cidade
Extraterrestres, super-heróis, robôs e cachorros formam o cenário urbano do Buraco da Paulista
Tudo começa com o grafite A arte de rua está diretamente ligada ao grafite. Isso porque muitos desses artistas urbanos são também grafiteiros e as primeiras experiências artísticas e estéticas foram através do grafite. Rui tem o cuidado de diferenciar esses dois movimentos. Para ele, o grafite só existe na ilegalidade e funciona como uma forma de expressão, liberdade e faz parte da luta por direitos, enquanto
a arte de rua seria uma pintura autorizada. Um dos principais trabalhos de Rui é no Buraco da Paulista, túnel que liga as avenidas Paulista e Doutor Arnaldo. O imenso painel faz carros, ônibus e motos dividirem o espaço com extraterrestres, super-heróis, robôs e cachorros. “É igual música, você não precisa entender, ele mexe com você. Porque arte é assim e o grafite é arte na rua. É bom você estar andando, olhar a parede
e ver um desenho ali. Faz bem para a alma”, enaltece o artista. Nem sempre a arte urbana foi tão bem vista assim. O próprio Rui já foi preso várias vezes por grafitar. Ainda hoje há quem não goste da ideia de ruas coloridas. É o caso do técnico judiciário Roberto Rossi, de 53 anos. “Para mim, as coisas têm de ser como são. Essas pinturas acabam se tornando muita informação. A arte é legal, mas não na rua”.
O mural da avenida 23 de Maio é fruto da colaboração entre os artistas Osgemeos, Nina Pandolfo, Nunca, Finok e Zefix 20
Dos Estados Unidos para o Brasil e do Brasil para o mundo O grafite apareceu para o mundo na década de 1970, nos Estados Unidos e desde então foi usado por jovens para se expressar, intervir e reivindicar as suas cidades. Walter Nomura, 41, mais conhecido como Tinho, é da primeira geração de grafiteiros do Brasil. Ao lado de nomes respeitados mundialmente hoje em dia, ele ajudou a criar a identidade da arte de rua brasileira. Tinho explica que naquela época era muito difícil conseguir publicações sobre grafite. Portanto, ele e outros garotos, entre eles Binho, Speto, Vitché e Osgemeos, começaram a desenvolver uma estética autoral baseada na cultura nacional. “Quem vinha fazer grafite depois de nós procurava a gente em busca de informações. Só que muitas dessas informações fomos nós mesmos que produzimos”, afirma. Essa originalidade fez o grafite brasileiro ser uma arte urbana muito respeitada no exterior. A lista de países que já chamaram brasileiros para colorir suas ruas é grande. Em 2013, Tinho foi convidado para a Feira de Livros de Frankfurt e realizou diversas intervenções artísticas pela cidade. “Se nós formos para os Estados Unidos, veremos um monte de grafites. E até veremos vários estilos. Mas, não dá para comparar a quantidade de estilos diferentes que tem lá com aqui. Nosso grafite é muito mais original e isso influenciou outros países.” 21
Tinho fez parte da primeira geração de grafiteiros do país e ajudou a criar a estética brasileira
Marcados pelo PRECONCEITO
Por Lucas Valim Schiavon Victoria Köhler Ainda muito conservador comparado a outros países, o Brasil tem visto difundir-se em todos os estados a prática de tatuar o corpo. Hoje, são muito mais “rabiscados” os corpos dos jovens nas ruas das grandes cidades, pressionando cada vez mais o mercado de trabalho a adotar uma nova postura para os antes discriminados tatuados. O que antes era argumento dos pais para convencer os filhos a não fazerem a primeira tatuagem, hoje, em São Paulo, parece ceder e se adaptar a essa nova cultura. A primeira tatuagem é, normalmente, motivo de discórdia entre pais e filhos. Com a crescente, mas ainda pequena, aceitação dos tatuados pela sociedade, é fácil perceber como o pensamento dos pais também pode mudar. O pesquisador Filipe Lopes, de 29 anos, não enfrentou problemas para fazer sua primeira tatuagem, quando ainda era menor de idade. “Minha mãe sempre foi muito liberal em relação a tudo, ela até gosta de tatuagem. Ela só não gosta muito do meu alargador (na orelha). Mas meu sogro até hoje faz cara feia quando apareço com alguma tatuagem nova”. Para a securitária Karina Midori, de 25 anos, a família tradicional foi um grande obstáculo 22
Victoria Kohler
A tatuagem ganha cada vez mais espaço na cultura atual
Victoria Kohler
para a primeira tatuagem, que só foi feita após o falecimento dos pais, que não admitiam de forma alguma. “Minha mãe tem origem oriental, e para minha avó a tatuagem é relacionada a máfia japonesa (Yakuzas). Até hoje, quando vou a casa dela, ela me questiona sobre as minhas tatuagens e fica abismada”. Desde 1997, a lei nº 9828, de autoria do deputado Campos Machado proíbe a aplicação de piercings e realização de tatuagens por menores de dezoito anos de idade, mesmo sob consentimento dos pais. A lei divide opiniões porque, para muitos tatuadores, além de diminuir a clientela nos estúdios, provoca a procura por profissionais não qualificados que não seguem a determinação da lei. Para o tatuador Daniel Ferrari, da Scorpions Tattoo, ainda há pontos a serem debatidos so23
bre essa lei. “Nesta idade (16 a 18 anos), nós fazemos muitas coisas por onda dos amigos ou por conta de algum ídolo. A maioria sempre se arrepende anos depois, porque tatuou algo que não condiz com sua personalidade”, destacou. Mas Daniel se solidariza com alguns casos específicos. “Às vezes, tem alguma pessoa que quer homenagear um ente querido e poderia fazer a tatuagem, ainda que num lugar fechado”. O mercado das tatuagens e demais modificações corporais tem se desenvolvido muito ao longo dos anos, abrindo caminhos para outras formas de profissionalização. Um exemplo é a modelo alternativa Loretta Vergen, fã do universo alternativo e de subculturas desde menina. “Minha primeira tatuagem foram morcegos no meu ombro esquerdo, depois completei com uma lua e o cemitério”, enumera. “Atualmente,
nem sei mais quantas tatuagens tenho”. Apesar da abertura, a questão profissional ainda é uma barreira que impede muitos jovens de realizarem tatuagens pelo corpo com medo de não serem aceitos em ambientes de trabalho mais formais, como escritórios ligados a finanças e política. Num país onde ainda há muitos resquícios conservadores, o preconceito está impregnado às pessoas que tem o corpo desenhado. “Você é caracterizado como pior que o outro que não tem tatuagem e às vezes pode ser totalmente o oposto”, criticou Daniel. “É muito complicado ter tatuagens expostas num meio corporativo, quando você lida com certos clientes que são conservadores”. Trabalhando em um ambiente essencialmente formal e corporativo, Karina nunca teve problemas quanto as suas tatuagens. “Mas me policio quan
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de Rick Genest, que tem o corpo coberto por uma tatuagem de esqueleto, e participou em 2011 do videoclipe “Born This Way”, da cantora Lady Gaga. O homem mais tatuado do mundo, segundo o Guinness World Records, é o australiano Lucky Rich, com 100% do corpo coberto. Mas o limite é a última coisa com que o fã de tatuagem se preocupa. Para o tatuador Daniel, não cabe a ninguém julgar porque é uma escolha pessoal e diz que depende da personalidade do cliente: “Já vi gente com
90% do corpo tatuado, com tatuagens na cara e eu não tenho esse bloqueio, porque é a personalidade da pessoa”. Para Filipe, existe a hora de começar, mas não há um limite obrigatório. “No meu caso eu não quero ter limites, quero parar de fazer tattoo quando acabar o espaço ou quando eu morrer”, declara. Já Loretta tem uma visão diferente. “Creio que há um limite do ridículo, não gosto de modificações corporais extremas. Não é o que acho bonito, mas cada um tem seu gosto”, explica. Victoria Kohler
to as vestimentas, porque sei que pode existir o preconceito”. O cenário em São Paulo tem se aberto para os tatuados. Daniel afirma que essa discriminação com pessoas tatuadas tem diminuído na capital paulista e cita os reality shows Miami Ink e Los Angeles Ink, que acontecem dentro de estúdios de tatuagem, como influências positivas para que esse receio contra tatuagem fosse quebrado. “Mas você não se preocupa com o que as pessoas vão achar?” Essa é uma pergunta frequente no mundo da tatuagem. Questionado se as pessoas que têm o desejo de tatuar boa parte do corpo sabem das consequências que terão pela frente, como, por exemplo, dificuldades no aspecto profissional, além do próprio preconceito, Daniel diz que sim e acrescenta: “A pessoa que tem várias tatuagens não quer dar satisfação para ninguém. É meio que por aí que me tornei tatuador. A tatuagem é expor seus gostos, suas ideias e religiões”. Karina começou a admirar a arte de uma forma pouco convencional. “Não tinha interesse até o momento em que comecei a namorar um tatuador. Passei a admirar e entender a arte, porque nada mais é do que pintura em uma tela itinerante. A partir daí, me surgiu a vontade de me tatuar também”. As modificações corporais extremas têm ganhado adeptos em todo o mundo, mas ainda requer muita coragem do tatuado. Entre os casos mais famosos, está o “Zombie Boy”, nome artístico
As tatuagens têm caído no gosto de todas as faixas etárias, sem um público-alvo fixo. “A faixa etária mais comum gira em torno dos 18, 20 anos a 35. Mas eu mesmo já tatuei pessoas de 70, 75, 80 anos, que procuravam fazer sua primeira tatuagem”, conta Daniel. “O tatuador precisa ser responsável e ter bom-senso profissional. O cliente também, que precisa se preocupar com seu futuro, porque senão portas podem ser fechadas”. Muitas tatuagens são usadas como forma de homenagem
ou de guardar na pele algum momento especial. A tatuagem preferida de Filipe foi feita pela esposa, que não é tatuadora profissional. “Um dia eu dei a máquina na mão dela e pedi pra ela tatuar em mim um Minion (personagem do filme “Meu Malvado Favorito”) do mal na minha perna. Ela ficou muito nervosa e fez. Até que ficou legal pra quem nunca tinha tatuado na vida”. Loretta guarda nas costas uma lembrança do ídolo. “Minha tatuagem preferida é o logotipo da banda alemã Blutengel com uma dedicatória feita
a mão pelo Chris Pohl (fundador da banda)”. Em São Paulo, a tradicional Galeria do Rock no centro da cidade abriga dezenas de estúdios de tatuagens e se tornou o principal ponto de encontro dos admiradores dessa arte corporal. A Galeria Ouro Fino, na região da Rua Augusta, também conta com uma série de estúdios, apesar de ter um objetivo mais comercial. Os estúdios mais tradicionais ainda se espalham pela cidade em bairros como Vila Mariana, Vila Madalena e Moema. Victoria Kohler
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Igrejas de SĂŁo Paulo Por Daniel Zanata
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História sobre rodas Por Gabriel Pannunzio e Victor Silva Amor, carinho e lembranças: esses são os sentimentos dos proprietários de carros antigos. Em meio de relíquias de placa preta e o som de motores V-8, eles nos contam um pouco sobre o hobby. 29
Nas redondezas do encontro do Galaxie Clube, na Vila Mariana, não são as Ferraris ou as Mercedes que se destacam. O diferencial fica por conta dos carros antigos. Os donos de Opalas, Dodges e do próprio Galaxie chamam atenção quando vão em direção à Rua Conceição Veloso. Todo terceiro domingo do mês, os colecionadores de carros antigos se reúnem e encontram os amigos apaixonados pelo antigomobilismo. O termo é utilizado para denominar a restauração e conservação de carros antigos. Grupos como o Galaxie Clube estão espalhados por todo o país, alternando apenas os tipos ou modelos de carros. Mesmo com carros atuais mais seguros, modernos e econômicos, são diversos os motivos para que alguém mantenha uma paixão pelos modelos clássicos. Na maioria das vezes, o gosto por carros começa logo na infância. O consultor automotivo Ricardo Barbosa, 35, é sócio do clube e conta que sempre gostou de carros do período entre o final da década de 60 até o início da década de 80. “Eram os carros que eu via quando eu era criança. Por isso eu tenho esse hobby hoje. Eu gosto muito dos carros desse período”, conta. Em alguns casos, a coleção começa logo quando se completa 18 anos e é possível comprar o primeiro carro. Mas, há também situações onde o hobby se inicia décadas mais tarde. O aposentado Oscar Marangon, 68, conta que só comprou seu primeiro 30
Oscar com seu Karmann Ghia. Sua esposa tambem é aficcionada.
item de coleção em 2003, um Galaxie Landau 1983. “Eu sempre gostei de carro antigo e, quando tive a oportunidade e dinheiro pra isso, comprei”, conta. Família em quatro rodas Além de um Galaxie, Oscar também é proprietário de um Volkswagen Karmann Ghia. Perguntado sobre o grande movimento em encontros de antigomobilismo, Oscar acredita em uma mudança no pensamento de algumas pessoas. “Antigamente, o pessoal considerava carro velho. Hoje em dia é carro antigo. É ou-
tra coisa”, conta. Oscar conta, com orgulho, sobre seus dois automóveis que conseguiram a aprovação para circular com a placa preta. O Galaxie recebeu 93 pontos. Já o Karmann Ghia conseguiu 86 pontos. Os itens descontados no último caso foram o estofamento e a falta do dínamo, responsável por transformar a energia mecânica em energia elétrica. Junto a Oscar, estavam a filha, o genro, os netos e a esposa Doracy Marangon, 68. Doracy conta que um dos motivos para Oscar iniciar sua coleção foi a
gosto vindo da família do genro. “O Oscar sempre queria, mas não comprava. Eu acho que a gente acabou sendo picado pelo vírus por causa deles”. Doracy ainda se lembra do dia em que o primeiro carro antigo do marido, um Galaxie, chegou em casa. “Foi uma festa quando o carro chegou. Porque ele [Oscar] foi no interior buscar esse carro. Fez a compra, voltou e depois o carro veio na plataforma”, lembra. No instante em que conversava sobre o gosto por veículos antigos, os netos de Doracy e Oscar se divertiam no Aero-Willys dos pais. Doracy mostrou bastante alegria ao ver a brincadeira das
crianças. “A gente esquece dos filhos, porque já passou tanto tempo. Então, revivemos com os netos”. Para Doracy, o gosto das crianças vem da influência de toda a família. “O pai tem um Aero e tem um Fusca. O tio tem um Puma. O avô do outro lado também tem”, finaliza. Paixão automobilística Enzo Angi, com seus nove anos de idade, ainda não tem muita história para contar. Mas se ele está aqui hoje, é por conta de duas coisas: um Ford Galaxie e um Dodge Dart. Seu pai, o administrador de empresas Carlos Angi, 42, se considera um “apaixonado desde sempre” e conta
O colecionador Carlos Angi e o seu Dodge Dart Coupe 1974. Com os seus carros antigos, Carlos lembra dos automóveis que o pai teve. 31
um pouco dessa história. “Eu gosto de carros antigos muito pela influência dos meus pais. Meu pai teve tanto esse modelo aqui, o Dodge, quanto aquele modelo, o Galaxie. No começo dos anos 80, quando eu tinha meus sete, oito anos de idade, passei a ter consciência das coisas. Eu comecei, realmente, a prestar atenção nesses carros.” Carlos tem os modelos que o pai teve na infância: Galaxie 1967 e um Dodge Dart Coupe 1974. O último foi adquirido em 2002. No mesmo ano, conheceu sua esposa justamente quando conversava sobre automóveis em um chat. Carlos e um amigo utilizavam nomes de carros como apelidos. Num determinado momento, Marilda passa a participar da conversa e conta que seu irmão é restaurador de carros. Do bate-papo virtual, Carlos e Marilda estão casados até hoje e tiveram o Enzo, que segundo o pai também gosta muito de carros. “Minha vida é muito embasada no carro antigo”, finaliza Carlos. Quase um século de histórias Eduardo Lima, 54, dedica suas horas vagas aos seus carros. Um deles é o Ford A 1929. O carinho dos colecionadores pelo modelo é tão grande que muitos conhecem o carro como Fordinho. Com quase um século de vida, um carro como o Ford A traz muita história consigo. Para Eduardo, “cada Fordinho desse tem uma personalidade. Você não encontra dois iguais. Depois, você imagina que estes carros têm
“As pesoas mais jovens cada vez menos acham que carros são interessantes.” Eduardo Lima, 54 longas vidas. Eles vão adquirindo características próprias”. Entretanto, nem sempre modelos parecidos como o Fordinho tiveram tanto apelo. “O pessoal largava porque queria carros modernos. Hoje em dia, você tem uma dificuldade imensa de achar um”, lembra. Fã de carros antigos de todas as décadas, Eduardo explica um dos motivos para ter iniciado sua coleção. “Valia a pena consertar porque você podia ter carros diferentes”. Além de frequentar os encontros do Galaxie Clube, Eduardo também é sócio do Clube do Fordinho, destinado para modelos do fim da década de 20 e início da década de 30. Junto a outros integrantes deste clube, frequenta encontros maiores no interior do Estado. Eduardo conta que os Fordinhos conseguem
fazer longos trajetos sem problemas. “Esses aqui são bons porque você viaja com eles. Você pega um carro desse aqui e viaja 400, 500km. Dá pra fazer uma média de 75 km/h”, explica. Eduardo ainda conta que quando está na estrada, os motoristas de carros convencionais ficam admirados com os carros antigos. Muitos deles, reduzem a velocidade para apreciar o diferencial presente na pista. “Uma vez uma Ferrari fez isso. Parou e ficou tirando foto”. Tal contemplação também está presente nos encontros de
carros antigos. Porém, Eduardo vê com desânimo o gosto das futuras gerações por carros clássicos. “As pesoas mais jovens cada vez menos acham que carros são interessantes. É uma certa mudança cultural. Os carros não são mais objetos que atraem tanto”, finaliza. A conhecida placa preta é desejada por muitos proprietários de carros antigos. Com ela, pode se mostrar a autenticidade e originalidade do carro. Conheça as etapas necessárias para conseguir a placa preta para um carro antigo:
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Após isso, é necessário se filiar à um clube de carros antigos filiado à FBVA (Federação Brasileira de Veículos Antigos). Esta aprovará a emissão do certificado de originalidade junto ao Denatran.
Finalmente, o veículo será avaliado por membros do clube. Para ser aprovado, precisa ter 80% de aprovação (de 100). São avaliados itens como estofamento, pintura, rodas e motor.
Como obter a placa preta
1 Primeiramente, o proprietário precisa ter um veículo com no mínimo trinta anos de idade. 32
BARBA, CABELO E BIGODE A tendência retrô que volta com mais força e masculinidade
O hábito de se barbear em um barbeiro já não faz mais parte do passado. Esse costume que reunia homens e seus charutos para cuidado dos pelos faciais está em alta nos últimos anos. É o que apontam os estabelecimentos, inaugurando espaços especialmente voltados para o público masculino. Por Jordana Bizarro Vinícius Conrad
As barbearias contemporâneas como verdadeiras relíquias Caprichando desde os móveis, decoração, design e ferramentas até os estilos diversos de corte e design, as barbearias atuais apostam na tendência masculina de se olhar com o direito de caprichar mais no visual, prática que era (injustamente) atribuída somente ao sexo feminino. Os estabelecimentos paulistas que mais chamam atenção se inspiram no visual da década de 50, considerada o auge das barbearias.
vel saborear cervejas variadas durante o tratamento O dia a dia da Navalha Juliana Felix, de 28 anos, comanda a cadeira da barbearia do Circus Hair na Rua Pamplona, 1115. O local e ela combinam. Ambos caprichados no estilo dos anos 60 e esbanjando simpatia e profissionalismo, recebem a Veracidade ansiosos. Na conversa, a barbeira sorridente que faz questão de ser chamada por Ju, demonstra paixão e luta em sua trajetória profissional. Sua referência é uma lembrança antiga e familiar. “Desde pe-
A grande diferença entre as barbearias antigas e as atuais é estética – tanto do local, quanto dos tratamentos. Hoje os profissionais fazem questão de se identificarem como barbeiros em vez de cabeleireiros e oferecem, além do usual, serviços sofisticados como cuidados para a pele, massagens e ainda algumas regalias. Acredite, é possí-
quena eu acompanhava meu pai quando ele ia se barbear, e ficava olhando, analisando todo o ambiente, as conversas, a postura do barbeiro, achava tudo aquilo incrível!”, revive Juliana. Ser o melhor no que se faz e fazer com paixão é um dos preceitos que a barbeira segue na vida. Estudou para ser o que é, especializou-se na arte, e hoje se destaca no meio. Juliana acrescenta ainda, que se reciclar é algo necessário na profissão, isto é, estar sempre antenado em tudo que acontece no mundo do cabelo e barba, aprimorar técnicas visando sempre o bem estar do cliente. Esses são critérios mencionados com firmeza pela profissional. Ao ser questionada sobre o público-alvo que atinge, Juliana conta que lida com estilos ecléticos de clientes: existem diversos tipos de homens, desde os mais jovens que curtem tendências e procuram novidades a todo momento, até os senhores de mais idade, que preferem o visual clássico, não abandonando seus hábitos. Independente da idade, estilo ou preferência estética, ela assegura que o cliente se sente em casa. “Ele chega e pode desfrutar de whisky, uma boa massagem, e tudo isso em um espaço feito para o homem”, declara Juliana. A Barbearia Circus Hair, na qual a jovem trabalha, segue a linha clássica dos “anos dourados”, toda em
Espaço do whisky na barbearia Circus
“
NÃO BASTA SER APENAS BARBEIRO. VOCÊ TEM QUE AMAR O QUE FAZ. SEMPRE BUSCO PESQUISAR SOBRE O QUE É TENDÊNCIA, TRAZER SEMPRE O MELHOR PARA MEUS CLIENTES E TRANSFORMAR A EXPERIÊNCIA DE ESTAR SENTADO NA MINHA CADEIRA EM ALGO INCRÍVEL!
”
Juliana em seu ambiente de trabalho Fotos: Jordana Bizarro
estilo retrô. A ideia é que o cliente se sinta no túnel do tempo. O que, sem dúvidas, acontece. “Vir ao Circus e se deparar com um espaço separado, longe da agitação dos secadores e chapinhas, onde eles (homens) podem relaxar é um diferencial, algo que eles procuram”. ÉoqueJulianapalpitaemrelaçãoàpreferênciamasculina de procurar barbearias e não cabeleireiros. aPassando a navalha à frente Juliana além de eximia barbeira, se pré-dispõe em passar à frente os ensinamentos que fazem de sua profissão uma arte, ela ministra aulas de barbearia, e pasme, a grande maioria de seus alunos são mulheres: “Minhas turmas são formadas praticamente por mulheres, é um publico que aumenta a cada dia”. Numero espantoso esse, mas que é confirmação das expectativas do mercado, o número de mulheres entrando no mercado da beleza voltado ao público masculino, aumenta, e aumenta a cada dia.
Chegando com a espuma O ingresso na carreira de barbeiro, hoje em dia, não se difere muito dos demais cursos: as opções são muitas. Vitor Santili, de 21 anos, se deparou com essa realidade ao optar pela profissão. Conversando com seu primo – que já ingressara na área -, criou coragem e, hoje, como barbeiro, revela que “no começo não botava muita fé, porém após muito ter discutido decidi que valeria muito a pena aprender. E estou satisfeito com essa decisão”. Dentre as múltiplas opções de cursos para Barbeiros espalhados pela cidade, a escolha não é tão simples e a concorrência é acirrada. No caso de Vitor não foi tão diferente. Depois de ter escolhido seu local de ensino pela internet, ele pontua: “uma de minhas metas é ser um excelente profissional, chegar ao topo, e, junto com meu primo abrir minha própria barbearia”. Vitor está satisfeito com o que faz, mas confessa, “ainda não sou um apaixonado por cortar, mas esse sentimento vem com o passar dos anos”. A arte de se barbear em um barbeiro na contemporaneidade pode ser considerada um estilo de vida, afinal, estabelece-se uma rotina, atribui-se um status e é sinal, também, de cuidado e bem-estar na vida do homem do século XXI. Há quem não viva sem.
Foto: Jordana Bizarro
Barbearia Circus
“
DOS MENINOS QUE CONHEÇO E FAZEM A BARBA A DIFERENÇA É NÍTIDA, FICAM TODOS MAIS BONITINHOS E ARRUMADINHOS
”
Revivendo lembranças O hábito não só voltou, mas voltou com tudo! Marcelo Pereira, de 43 anos, projetista, já havia abandonado o aquele velho trajeto de domingo que fazia com seu pai, no qual passavam no Seu Carlos, “lembro-me como se fosse hoje de manhã, as cadeiras, a espuma, Seu Carlos nos dando boa tarde”, revive. Marcelo menciona ter se chocado com a existência dessas barbearias retrô, porque “não conseguia acreditar que algo há muito tempo deixado de lado voltou, e com tanta força na vida dos jovens”. Adepto do visual tradicional, cara limpa, Marcelo conta que a tranquilidade do local e a praticidade são os principais pontos para seu retorno à velha cadeira do barbeiro. Sempre que pode, ou quando lhe sobra algum tempo, ele passa na barbearia perto de seu trabalho e se dá o luxo de alguns minutos de mimos. “É sempre bom colocar o papo em dia, na companhia de bons amigos”, conta.
Decoração da Barbearia Circus Foto: Jordana Bizarro
Loucos por
Colecionáveis Daniel Zanata e Douglas Oliveira
D
esde criança, Rafael Reis sempre gostou de bonecos. Seu pai guardou os brinquedos da infância e Rafael cresceu em meio a essa aura nostálgica de sua casa. “Talvez eu seja colecionador desde sempre”, brinca. “Mas eu comecei sério mesmo há 15 anos.” Atualmente, o designer instrucional de 28 anos reúne mais de 300 figuras colecionáveis.
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Bonecos. Figuras de ação. Brinquedos? Os itens tão amados por Rafael e outros colecionadores são chamados de vários nomes e, aos olhares de um leigo, são exatamente iguais. No entanto, os colecionáveis recebem diferentes classificações: estátuas, réplicas, bustos, action figures e toy arts. Cada uma se diferencia, em geral, por seu tamanho, articulações e detalhamentos.
A primeiro action figure mesmo de Rafael foi um Galactus. O foco da coleção esteve definido desde o começo: personagens de linhas específicas da DC Comics e da Marvel. “Eu comecei a ler quadrinhos muito cedo. Então sempre compro personagens que eu gosto. Raramente compro um que eu não conheço.” O colecionador confessa que sua opinião sobre as diferenças entre colecionáveis e brinquedos é polêmica. “Para mim o action figure é um brinquedo, mas tem muita gente que quer criar algum tipo de atmosfera cult em torno deles por ser um hobby adulto. Mas, é um brinquedo. A gente não pode negar que é um brinquedo.” Apesar disso, o designer explica que um colecionável é bem mais sofisticado do que um boneco ou brinquedo comum. Porém, a real definição está no significado aplicado ao objeto. “O que torna ele um colecionável é a maneira como você lida com ele. Uns pegam na mão e consideram um brinquedo, outros pegam e acham que é um pedaço de plástico. O colecionador não, ele tem um caráter sentimental e ideológico por trás daquela figura.” Maior qualidade na produção e status atribuído ao item acabam resultado em um preço mais elevado e diferente do boneco vendido em uma loja de brinquedos comuns. Rafael afirma que, apesar de ser cada vez mais difícil, é possível ainda encontrar itens a preços acessíveis e começar uma coleção sem gastar muito. 39
Dificuldades O preço elevado das peças é uma das grandes dificuldades encontradas por colecionadores brasileiros. Fabrício Luz, jornalista, 26, afirma que o valor influencia muito suas compras e ressalta a importância de saber desde o início o que quer colecionar. “Você precisa ter um foco. Quem não tem acaba comprando tudo que vê pela frente, fica com uma coleção desconfigurada e o bolso não aguenta.” Foi por não achar esse preço justo que o zelador Eduardo Moreira, 29, demorou em começar a comprar suas figuras. Porém, em 2011 a vontade falou mais forte e desde então sua coleção é focada em personagens dos Cavaleiros do Zodíaco. O anime, exibido no Brasil pela extinta Rede Manchete entre 1994 e 1997, é unanimidade entre os colecio-
Fabricio ressalta a importância de ter um foco desde o começo
Além de Cavaleiros, Eduardo também coleciona personagens de jogos 40
nadores. “É um anime que marcou a geração. Você pode perceber que todo mundo já colecionou, mas acabou desistindo por conta do alto preço e a fragilidade das peças”, explica. Apesar de algumas pessoas gostarem, Eduardo admite que a maioria dos amigos e familiares não entendem sua paixão e até questionam. “Eu sofro bullying a todo tempo. No início, minha mulher pegava muito no pé. Ela ia na loja comigo e falava ‘Você vai pagar 300 reais em um boneco’? Todo mundo leva como boneco. Mas não, tem um sentimento. Principalmente de nostalgia.” Para ele, isso ocorre porque as pessoas acham que um adulto deve gostar somente de coisas para adultos, como roupas, carros e tênis. Ele discorda e defende o hobby. “Não tem alegria maior do que eu ver uma figura na loja, poder comprar e ver na minha prateleira.”
Mercado em expansão Localizada próxima da avenida Paulista, a Limited Edition é o paraíso dos adeptos de figuras colecionáveis. Na entrada, uma réplica do carismático robô R2– D2, da franquia Star Wars, recepciona os visitantes. No fundo, um santuário nerd comporto por estátuas de diversos personagens,. Rodolfo Pranaitis, 29, um dos donos do local, conta que a empresa nasceu em 2006, na cidade de Guarulhos, e mudou-se para São Paulo há seis anos. A ideia de vender esses produtos surgiu após o local no qual ele trabalhava fechar. Por ser um colecionador, Rodolfo decidiu, junto com seu sócio, fazer pequenas vendas e percebeu a existência de um mercado a ser explorado. Hoje a loja atende um público variado: homens e mulheres, entre 18 e 40 anos. As figuras mais procuradas são dos Cavaleiros do Zodíaco, Vingadores e Star Wars. “No Brasil esse mercado geek está numa ascensão extrema, muito em virtude dos seriados de TV e os filmes que envolvem ficção científica e super-heróis.” Apesar de enfrentarem dificuldades por conta da variação do dólar e da atual situação financeira do país, Rodolfo ressalta que o impacto tem sido bem menor se comparado a empresas que trabalham com outros tipos de produto. Isso porque, serem itens limitados, os clientes muitas vezes continuam comprando, pois têm medo de ficar sem a figura ou acabar pagando mais caro por ela.
Os membros do Estação Action Figure se reúnem todas as sextas-feiras para conversar e trocar informações sobre o hobby
Hoje, as lojas físicas não são a única saída para os colecionadores. Além da possibilidade de comprar pela internet, é possível importar figuras de outros países por um preço mais acessível. Isso, no entanto, pode proporcionar algumas dores de cabeças com relação à entrega e taxação dos itens. Outra opção são os grupos nas redes sociais voltados para a venda, compra e troca de produtos. É possível ainda encontrar outros para conversar sobre o tema. Manoel Roberto, 34, mais conhecido como Mano Beto, é um dos administradores do grupo Estação Action Figure, que promove encontros todas as sex-
tas-feiras à noite no espaço Geek House. Neles o pessoal costuma levar peças de suas coleções particulares e trocam informações e dicas sobre o hobby. O Estação promove esses encontros há mais de um ano. “Acho interessante porque leva a experiência além da internet”, argumenta. Além dos encontros semanas, há ainda um maior, que é feito uma vez por mês. “No último foram 50 pessoas. Tinha gente de Curitiba e Santos”. Beto conta que sua coleção é bem variada e o interesse pelos itens surgiu, justamente, após entrar nos grupos de colecionadores. Ele destaca que comprar usados também é uma boa op-
ção para quem deseja colecionar sem gastar muito. “Colecionar tem cuidado. Ele guarda na caixa e tem um zelo pela figura.”, conclui.
Muito além das fronteiras Torcedores de times de fora de São Paulo se reúnem em bares pela capital Lucas Valim Schiavon e Victoria Köhler
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Victoria Kohler
Embora distantes de seus estados de origem, os torcedores mais fanáticos destes times de fora de São Paulo sempre arrumam um jeito de acompanhar suas equipes na capital paulista. Na rua Júlio Diniz, 82, no bairro da Vila Olímpia, já anoitecia quando os torcedores do Fluminense transformaram o bar Garota da Vila em um pedacinho do Maracanã, na semifinal do Campeonato Carioca contra o Botafogo. O dono do bar é André Silveira, torcedor fanático do Fluminense. “Sempre tive essa vontade de trazer (a Sampa Flu) pra cá”, declara. Com a necessidade de mudança da região da Avenida Paulista, a torcida precisava de uma nova casa. Depois de uma reunião com os fundadores, hoje André abre o bar aos finais de semana exclusivamente para os torcedores. “A paixão tomou a frente, eu acho muito bacana. Você entra no site do Flu, tem o nosso nome lá. Você acaba fazendo um monte de amigos, a maioria aqui é família, a galera traz os filhos, pai e mãe. A gente conhece todo mundo, é uma grande família”. As camisas e flâmulas penduradas nas paredes do bar são para todos os gostos. Perto do telão onde o jogo foi exibido, duas camisas do Fluminense funcionavam como uma espécie de amuleto, próxima à placa que declara o bar de André como bar oficial do Tricolor Carioca em São Paulo. Salvo a camisa do adversário do dia (Botafogo), os objetos que fazem alusão aos clubes rivais
O bar Garota da Vila é a casa da Sampa Flu desde 2012, depois de saírem da região da Avenida Paulista
ficaram afastados, junto com a flâmula da Portuguesa, time da capital paulista que se envolveu em um imbróglio judicial com o clube em 2013. A jornalista Tatiana Duarte já adotou o bar como lugar preferido desde que veio morar em São Paulo em 2009, vinda de Volta Redonda, interior do Rio de Janeiro. “Acho incrível essa comodidade de você poder assistir ao jogo num lugar bacana, seguro, que te permite comer ou beber alguma coisa sem ter que enfrentar uma fila enorme e preços absurdos”. Ela ainda compara, aos
risos, o bar Garota da Vila com o Estádio da Cidadania, na cidade em que morava. “É pequeno, organizado e a torcida faz um barulho enorme. Eu me sinto acolhida aqui”. O discurso de Tatiana vai ao encontro ao de Sérgio Lima, um dos fundadores. “A gente diz que a Sampa Flu foi criada para os torcedores do Fluminense que foram exilados em São Paulo”. Em Perdizes, cerca de 80 torcedores do clube Atlético Mineiro compareceram ao Bar do Parque, localizado na Rua Dona Germaine Burchard, 283, em São Paulo, para apoiar o Galo na final
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Torcedores do Galo se reúnem no Bar do Parque para comemorar o título mineiro contra a Caldense
Fanático, Fabiano não deixa de acompanhar um jogo sequer do Galo. “Eu venho sempre. Nós gostamos do ambiente, o restaurante é legal, aproveito para almoçar fora aos domingos e assistir ao jogo. Acho fantástico porque a gente fica longe e o lema da torcida é “Torcendo sempre longe de casa”. Eu sou muito fanático e isso aqui para nós é jóia, pro torcedor do Galo é muito bom”, afirmou orgulhoso. Pode-se dizer que o Bar do Parque é a segunda casa do time mineiro. Entre cantos de incentivo, aplausos e momentos de tensão, o local parecia, de fato, um
Lucas Valim
do Campeonato Mineiro contra a Caldense. O bar é conhecido por ser o local de encontro da Galo Sampa, um movimento de torcedores residentes ou não na capital paulista, que se reúnem para acompanhar os jogos do Atlético Mineiro. Há um espaço reservado para estes fanáticos torcedores, que assistem aos jogos por meio de um telão. Bandeiras e um quadro com a foto do elenco de 2010 fazem parte da decoração. Ricardo Leite Souza é um dos torcedores que estava presente no Bar do Parque, ao lado de mais dois amigos, para acompanhar o confronto. Ricardo, que é de Belo Horizonte, veio passar o fim de semana na capital paulista. Seus amigos paulistanos recomendaram o lugar por meio da rede social Twitter e o torcedor exaltou a importância de ter um lugar como o Bar do Parque para torcer. “É fundamental! O atleticano é apaixonado, então todo lugar que tenha concentração de atleticano, como aqui em São Paulo, a gente se reúne. Qualquer lugar que eu vá, a primeira coisa que eu pergunto é: “Onde é que vai passar o jogo do Galo?”, declarou sorridente. Sentado bem próximo ao telão, Fabiano Botelho contou sua relação com a Galo Sampa, que já dura 15 anos: “Conheço o Luciano, que é fundador da Galo Sampa e está sempre aqui. Sou mineiro e conheço ele desde Minas Gerais e nos conhecemos por meio de amigos em comum. Desde então, nós passamos a ver os jogos aqui no Bar do Parque”.
estádio de futebol. Os torcedores que vieram incentivar seu clube viram, ainda que de muito longe, o triunfo do Galo por 2 a 1 e os jogadores darem volta olímpica no estádio Melão, em Varginha, para celebrar a conquista. A vida dos frequentadores assíduos dos estádios tem se tornado difícil quando o assunto é segurança. São cada vez mais comuns os confrontos entre torcidas organizadas, rivais ou não, resultando até em mortes e feridos graves. O que era para ser uma atividade de lazer e porque não dizer, familiar, se torna um risco. Sendo um torcedor rival e
Victoria Köhler
Dezenas de torcedores do Fluminense acompanharam a partida contra o time do Botafogo no Garota da Vila
em minoria, essa missão torna-se ainda mais difícil e perigosa. A intolerância já chegou também ao futebol. Trazendo uma sensação maior de segurança, estes bares acabam virando a primeira opção para quem tem medo de frequentar as torcidas visitantes dos estádios da capital. A empresária Telma de Oliveira já desistiu de acompanhar o marido aos jogos do Fluminense pela insegurança. “Eu só assisto aos jogos aqui (na Sampa Flu) ou na minha casa. Hoje em dia é difícil você ir ao estádio tranquilo”. Atualmente, cada vez mais clubes estão criando projetos para o torcedor de fora e organizam excursões e caravanas para incentivar a presença destes nos jogos “fora de casa”. Mas ainda há muito a se desenvolver quando o assunto é segurança nos estádios brasileiros. Quando vem para São Paulo, Ricardo Leite prefere acompanhar os jogos do Galo com os amigos a ir para o estádio, pois 47
teme pela segurança para as torcidas visitantes. O último jogo que Ricardo acompanhou nas arquibancadas aconteceu há muito tempo, mais precisamente em 1988. Na partida Atlético e Corinthians, válida pela fase quartas de final da Copa do Brasil do ano passado, Ricardo lamentou a dificuldade que alguns torcedores passaram para assistir o jogo na Arena Corinthians: “Vários amigos meus que moram aqui em São Paulo falaram que muitos torcedores com ingresso acabaram ficando de fora do estádio. É complicado, principalmente no estádio do Corinthians, pois eles não respeitam a torcida visitante”, reclamou, referindo-se a proximidade da torcida organizada do Galo com a do Palmeiras, o que desagrada os torcedores alvinegros. Diferentemente de Ricardo, Fabiano tem o costume de ir aos estádios quando o Atlético joga em São Paulo. “Vou a todos os jogos aqui em São Paulo quan-
do o Atlético joga. Levo meus filhos, que inclusive estão aqui hoje”. Em relação à segurança para a torcida visitante, ele disse que depende muito do jogo. Para exemplificar, citou a rivalidade entre Palmeiras e Corinthians. “Sábado que vem, por exemplo, irei ao Allianz Parque e a torcida do Palmeiras é muito receptiva com a torcida do Galo. Mas, quando vamos ao estádio do Corinthians, é perigoso, mas se eu não estiver uniformizado não há problema”. O bar Garota da Vila não tem a capacidade de 78.838 lugares como suporta o estádio do Maracanã. O Bar do Parque também não sustenta 58.170 apaixonados pelo Atlético Mineiro. Mas o objetivo da Sampa Flu e da Galo Sampa é, justamente, trazer um pouquinho do clima do estádio para quem está longe dele. No fim das contas, o que realmente importa é a paixão que cada um tem pelo seu time, onde quer que esteja, pois torcer, vibrar e se emocionar são realmente as essências que movem o futebol.
Longe de casa Os desafios de quem deixou sua cidade natal para estudar em São Paulo Por Matheus Riga e Raphael Taets A vida universitária costuma ser uma fase difícil na vida de qualquer pessoa. Isso porque, mesmo passados os períodos de pressão para a escolha do curso ideal, melhores universidades nas quais se inscrever e, finalmente, o tão temido vestibular, existe ainda a necessidade de amadurecimento pessoal para poder enfrentar o longo trajeto até a conquista do diploma. Rotinas desgastantes de estudos passam a ser cada vez mais frequentes, uma vez que o nível de exigência das disciplinas é aumentado. Esta, no entanto, é apenas a ponta do iceberg, que pode ser ainda maior do que se imagina quando se trata de um aluno de fora da cidade sede da instituição de ensino. É o caso de Miriele Letícia Silva, natural de 48
São José do Rio Preto e com família estabelecida em Urupês, município vizinho. A estudante, de 21 anos, está matriculada no curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, motivo pelo qual precisou se mudar para São Paulo. À época, se instalou em uma pensão, na qual morou por aproximadamente um ano, antes de se mudar para a república em que mora atualmente. Os motivos da troca de ares foram as regras exageradas e extrema rigidez da dona de seu primeiro lar na capital. “Era bastante complicada a convivência. A dona da pensão não nos deixava usar nem mesmo o fogão!”, explica Miriele, com expressão de perplexidade. “Como é possível viver em um lugar em que você não pode, ao menos, preparar sua própria comida?”, complementa.
Há oito meses em seu novo endereço (o apartamento antigo ficava no mesmo prédio, mas no andar de baixo), no bairro da Santa Cecília, Miriele mora com Larissa Miranda Santos, de 22 anos, estudante de Design de Produto, também na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Além delas, vivem ali mais duas garotas, alunas do curso de Arquitetura. Natural do município de Campo Limpo Paulista, Larissa explica que precisou se mudar para São Paulo em decorrência do horário do seu curso. “Por se tratar de um curso do período noturno da Universidade, não haveria tempo de pegar o trem de volta pra casa. Daí foi preciso encontrar um lugar para poder ficar durante a semana”, explica Larissa, que antes de se instalar na república, havia morado em diversos outros lugares no primeiro semestre de aulas. “Eu ficava uma semana em um lugar, uma semana em outro. Amigos de conhecidos, gente que nunca tinha visto e que, naquele momento, poderia me receber”, conta, com muito bom humor. Inicialmente, Larissa buscava um apartamento para dividir com mais uma amiga (que mora com elas na república), mas os gastos eram muito elevados, o que Inicialmente, Larissa buscava um apartamento para dividir com mais uma amiga (que mora com elas na república), mas os gastos eram muito elevados, o que inviabilizou o projeto. “Quando se trata de uma faculdade no interior, os gastos com moradia são mais baixos, é possível morar 49
sozinho. Mas em São Paulo não, pois o próprio aluguel é muito caro. Soma-se a isso internet, alimentação, a mensalidade e os materiais necessários para a universidade”, explica.
alguém na rua. Às vezes, vou ao mercado para pegar meia dúzia de coisas e e levo o dobro do tempo porque encontrei um conhecido”, explica. “Os vizinhos mesmo cuidam um do outro. Quando carros desconhecidos passam muitas A cidade nova e o período vezes pelo local, os moradores já de adaptação ficam de olho e entram em contato com os demais”, complementa São Paulo é a maior e mais Larissa. populosa cidade da América LatiJá para Miriele, a troca de na, o que pode ser um pouco as- cidades foi, inicialmente, um pesustador para quem vem de fora sadelo. “Eu queria voltar pra casa. estudar. Edifícios enormes, trânsi- Achava que não conseguiria”, to caótico e muito, muito barulho conta Miriele, com um sorriso no mesmo, são apenas um aperitivo rosto. “Eu sentia muita falta da fado que a cidade proporciona à mília, porque embora você esteja rotina dos novos moradores! Mas cercado de pessoas em São Paulo, como se habituar a isso? você não tem relação afetiva ou de Para Larissa, que vem da proximidade com elas. Está por região metropolitana, o impacto conta própria, sozinho”, complenão foi tão grande, embora tenha menta. sido sentido também. “No meu Para elas, a adaptação à cibairro (em Campo Limpo), todos dade trouxe também amadurese conhecem. Dificilmente saio de cimento. Elas contam que tem casa sem parar pra conversar com “senso horrível de direção” e que
“se perdem facilmente. São Paulo, com toda sua extensão, acaba, muitas vezes, obrigando seus moradores a aprenderem, mesmo que na marra, a se localizar e utilizar o transporte público. “Eu já me perdi várias vezes por aqui, mas agora até os nomes das ruas eu estou começando a decorar”, conta Miriele, aos risos. “Eu também me perco sempre! Seja sozinha, seja em grupo. Mas tenho melhorado um pouco”, diz Larissa. Saudades de casa, saudades da família Giovanna Montevequi Trindade, de 18 anos, aluna do curso de Relações Públicas da USP, natural de Santo André, tem famí50
lia estabelecida atualmente em Indaiatuba. Ela mora em uma república situada no bairro do Butantã, com mais três garotas, e conta que “já estava bastante habituada à vida longe da família, pois quando pequena, seus pais a mandavam para acampamentos de férias”. Além disso, sua adaptação à cidade de São Paulo foi relativamente fácil, pois sempre levou uma “vida nômade”. “Nossa família se mudou muito! Já morei em São Bernardo, na praia, no interior, em tudo que é lugar. Agora que meu pai foi transferido para Indaiatuba, minha família está lá atualmente”, conta. Embora acostumada a essa rotina, Giovanna conta que às vezes sente falta da família, “principalmente da comida da mãe”.
A pressão dos pais para voltar cedo para casa, em contrapartida, é uma das coisas das quais não sente tanta falta assim. “Quando estou em São Paulo, tenho a sensação de maior liberdade, uma vez que meus pais não ficam o tempo todo me pedindo pra voltar cedo pra casa”, explica. Já para Larissa e Miriele, estar longe da família é um pouco mais complicado. Elas contam que, “por mais que você tenha suas amigas morando com você, algo ainda te fará falta. O carinho da sua família, a proteção e a comida da mãe são insubstituíveis”, resumem. Ao contrário de Larissa, que volta quase todo fim de semana para casa, Miriele costuma rever os parentes de vinte em vinte dias, o que aumenta ainda mais a saudade.
Já para Larissa e Miriele, estar longe da família é um pouco mais complicado. Elas contam que, “por mais que você tenha suas amigas morando com você, algo ainda te fará falta. O carinho da sua família, a proteção e a comida da mãe são insubstituíveis”, resumem. Ao contrário de Larissa, que volta quase todo fim de semana para casa, Miriele costuma rever os parentes de vinte em vinte dias, o que aumenta ainda mais a saudade.
você deverá aprender a conviver. Para moradores de república, em especial aqueles que vêm do interior para São Paulo, a experiência inicial é resumida em saudade e desamparo emocional. A distância dificulta visitas aos parentes e faz com que você precise estabelecer relações mais sólidas com aqueles que o cercam. O fortalecimento destes novos laços com as pessoas dentro da nova casa é indispensável. É por isso que, com o passar do tempo, os moradores de repúbliA nova família ca afirmam que os seus companheiros de lar são sua segunda faParte da adaptação à nova mília. Neles podem confiar, pois cidade é o processo, na maioria sabem que terá um ombro amigo das vezes muito difícil, de se re- para as horas difíceis. lacionar e interagir com pessoas A relação entre as pessoas completamente novas, que nun- da república, para Giovanna, ca viu na vida. Maneiras diferen- também é quase que de santes de agir e pensar, hábitos, cos- gue. “Para mim, agora, elas são tumes, enfim, ingredientes que, minhas irmãs. Ah, se alguém juntos, compõem pessoas com- perguntar ‘ela é sua amiga?’, eu pletamente estranhas, com quem vou responder ‘não, ela é minha
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irmã’”, comenta dando pequenas risadas. “A pessoa tá mal, ou tá bem, você lida todos os dias da semana com ela, e isso tem que virar uma família”, finaliza. O zelo pela boa convivência e a amizade entre os moradores, no entanto, não impedem que ocorram alguns eventuais conflitos, como acontece em toda família. “O importante é saber lidar com estas novas pessoas. Engolir alguns sapos de vez em quando e tentar entender o lado dos outros”, explica Larissa. “Todos ficam chateados por alguma coisa de vez em quando e precisamos entender isso para manter um bom ambiente”, conclui. Responsabilidades e divisão de tarefas Além de algumas responsabilidades já citadas, há também o comprometimento com a organização da república de forma geral. Lavar roupa e louça, cozinhar e limpar os cômodos são apenas uma parte das tarefas mais puxadas que compõem a lista de atividades de manutenção da república nesta nova fase da vida, longe dos pais. Ao sair de casa, todo o conforto e mordomia proporcionados por seus pais são deixados para trás. As tarefas, que antes eram realizadas por eles, precisam, na maioria das vezes, ser aprendidas naquele momento, pois ou o estudante se vira ou se vira. E como é de se imaginar, é importantíssimo que estas tarefas sejam assimiladas o mais rápi-
do possível para transformar o ambiente de conviQuanto à divisão das tarefas na república, a vência na república, o melhor possível. estudante de Relações Públicas conta que, devido ao O procedimento adotado para tornar o local o tamanho do apartamento (bem amplo, por se tratar mais aconchegante e harmonioso possível, geralmen- de uma estrutura antiga), a separação de responsabilite, envolve a criação de um cronograma de tarefas, a dades se fez ainda mais necessária. “Como são quatro rotina a ser seguida, delimitando quem faz o quê e meninas num apartamento, a gente divide. Cada uma quando. “A gente já teve uma escala, que era de se- faz uma coisa e não se torna pesado pra ninguém. Fica gunda, quarta e sexta, quando morávamos em três”, bem tranquilo”, avalia. detalha Larissa. “Cada dia uma Porém, existe um momenlimpava a casa. Não era uma limto, em todos os semestres, inde“Quando estou peza profunda, mas varríamos, pendente do curso, que as coisas tirávamos o pó, essas coisas”, em São Paulo, tenho ficam extremamente apertadas e acrescenta. que é um verdadeiro “Deus nos a sensação de maior No entanto, os cronoacuda”: o período de provas e gramas de organização, depois entrega de trabalhos. As tarefas e liberdade, uma de um tempo, ficaram obsoleresponsabilidades, nessa época, fivez que meus pais cam em segundo plano para não tos. “Já deu certo um dia, mas agora, a escala de limpeza não não ficam o tempo atrapalhar o desempenho acadêfunciona mais”, relata Larissa, mico. E a bagunça se instaura. todo me pedindo dando risadas. “Você faz (a limAs garotas da república peza) quando não dá mais para de Santa Cecília contam que a pra voltar cedo pra conviver”, acrescentou Miriele limpeza fica em segundo plano casa” à fala da amiga. nesse período. “Acho que a genPara exemplificar a situate acaba ignorando um pouco o ção, Larissa nos contou sobre apartamento. Quando o semesum episódio com a louça na tre fica muito corrido, a gente república. As garotas, após uma das refeições, lava- deixa virar o que virar, mas a gente se preocupa em ram e deixaram os pratos e talheres no escorredor, estudar”, relata Larissa. “Não dá para nos preocuparesquecendo de guardá-los depois. Ela conta que, mos em fazer as coisas da faculdade e manter tudo horas depois, “achou uma barata no escorredor, arrumado, como na casa dos nossos pais”, acrescenta. ficou com nojo e começou a esterilizar as coisas. Giovanna também concorda quanto à exigênTeve de limpar tudo. E é mais ou menos assim que cia e dificuldade das semanas de avaliações. “Este é o funcionam as coisas agora”, finaliza. período em que mais temos problemas em casa. Estão Já para Giovanna, a relação com as respon- todas estressadas e ninguém tem tempo pra nada”, desabilidades da casa foi, de início, complicada, mas sabafa. Elas, no entanto, encontraram outra solução depois se normalizou. “O mais difícil da adaptação para manter a ordem em sua república nestas datas. foi não ter a comida feita e a roupa lavada”, comen- “A gente contrata alguém para limpar a casa, porque ta. “Eu tive que aprender aos poucos, com o passar essa época é a pior e mais corrida de todas”, compledo tempo”, conclui. menta
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Eles torcem pra caramba,
meu!
Vinicius Hijano mora no ABC, mas marca presença constante na rua Javari
Texto e fotos por Bruna Barboza Bairrista é um adjetivo que certamente descreve moradores da Mooca, bairro da Zona Leste da cidade. Eles não defendem apenas interesses do bairro; Eles fazem parte de uma comunidade. Eles criaram laços familiares. Eles são singulares e conservadores. Eles, em sua maioria, vestem a camisa do Clube Atlético Juventus, time do bairro, criado em 1924. O curioso é que o Moleque Travesso, 53
assim chamado o clube, é capaz de encantar a todos, mooquenses ou não. A Rua Javari reúne torcedores apaixonados dos mais diversos estilos: crianças, jovens, adultos, idosos. O estádio, com capacidade de 4 mil pessoas, recebe desde a melhor idade, com antigas histórias e sotaque italiano, até a juventude sem time definido. Lá, são todos Juventus. ‘’É como a minha casa, é coisa de família. Co-
nhecemos todo mundo. Todos são iguais, todos são vizinhos. Mesmo que não sejam. Ser juventino é surreal’’, conta o empresário e analista de marketing Vinicius Hijano de Souza, 28, torcedor desde os 15 anos. Vinicius nasceu na Mooca, mas hoje é de São Caetano do Sul, município do Estado de São Paulo. A distância não é problema, já que ele vai a pelo menos 15 jogos
do Juventus por ano. Para o empresário, torcer por um clube de futebol é como um relacionamento, já que deve haver fidelidade. ‘’Respeito quem torce por mais de um time, mas não vejo muito sentido. Eu só torço pelo Juventus. Até pode ter simpatia, mas, para mim, torcer é como um relacionamento. Não dá para ter um amor e um passatempo’’, diz. O estádio Conde Rodolfo Crespi, conhecido como Javari, recebe com frequência torcedores dos chamados times grandes da cidade. São-paulinos, palmeirenses e corintianos também vão ao estádio, nas manhãs de domingo, acompanhar jogos do Juventus pela série A3 do Campeonato Paulista. É um programa divertido. A única coisa que não podem fazer é entrar no local com a camisa de seu respectivo time. Na Javari, o único uniforme permitido é o grená e branco, cores do clube. Contudo, para Vinicius, os únicos torcedores fiéis são os juventinos, já que ‘’é muito fácil ser fiel quando tudo está a seu favor. Torcer por times grandes é fácil. Não tem nada de desafiador chegar em casa, sentar no sofá e ver a mídia falando do seu time. Se eles não forem ao jogo não farão falta, pois o time tem torcida. É o futebol hobby. É difícil ser fiel, mas nós somos, talvez, os únicos fiéis de verdade’’, desabafa.
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Paralisou o jogo Em 13 de julho de 2013, Vinicius foi protagonista do ‘’Dia do Canelaço’’. Ao comemorar um gol, no jogo contra o Joseense, o torcedor quebrou a perna (fraturou os ossos da tíbia e fíbula) e paralisou o jogo, fazendo todos esperarem o retorno da ambulância para a partida retornar. Minutos depois, o jogo reiniciou e o Juventus ganhou com o placar de 1 a 0. ‘’Eu esfriei o jogo e não dei chance deles voltarem com tudo. Além disso, eu estava naquele local gritando e importunando para fazer o treinador colocar Romarinho. Depois que eu quebrei a perna, ele se solidarizou e colocou o jogador em minha homenagem. Romarinho foi titular durante o resto do campeonato’’, destacou.
Paixão sem fronteiras A vários quilômetros de distância da Javari, o economista e torcedor Thomas Visani, 30, atualmente morando em Portugal, concorda com Vinicius. ‘’Torcer por um time grande é fácil, afinal entra ano e sai ano e ele está disputando títulos. Quase sempre tem condições de montar um elenco bom. Ser torcedor de time pequeno é diferente. Você não pode ter altas expectativas, senão a frustração te mata. Cada jogo é uma final. Cada gol é uma vitória. É um esquema completamente diferente e fascinante’’’, relata. Thomas é de
São Paulo, mas não nasceu e nem cresceu na Mooca. Quando mais jovem, torcia por outro time até pisar pela primeira vez no estádio do Juventus. Thomas foi pé-frio. Através de um convite de um amigo, foi à Javari assistir ao jogo do Juventus contra o América de Rio Preto e presenciou uma derrota por 1 a 0. ‘’Apesar da derrota, eu fiquei encantado com aquela torcida e ambiente. Era uma coisa que nunca tinha visto antes. O time perdendo e todos cantando incessantemente. Eles apoiavam de maneira incon-
Acesso principal ao estádio localizado na famosa Rua Javari
dicional, mesmo sendo um time claramente limitado’’, diz. Após aquele dia, o economista começou a frequentar a Javari assiduamente. No fim do campeonato, o ex-time de Thomas enfrentou o Juventus e ele não teve dúvidas quanto a quem torcer. ‘’Vi-me torcendo pelo Juventus. Aí eu vi que não tinha mais volta. Eu havia me tornado um juventino’’, compartilha sem revelar o outro time. Vinicius e Thomas destacam a aproximação do torcedor com o clube. ‘’Você faz parte do time. Conhece jogadores, família, a equipe técnica. Você conversa com eles, incentiva e cobra. Faz parte do dia a dia deles. Aquele meio metro que nos separa deles, no campo, nunca foi uma barreira. ’’, conta o último. Esse foi um dos motivos que encantou Thomas, desde a 55
primeira ida à Javari. O torcedor juventino, algumas vezes, frequenta os mesmos lugares que os jogadores. Há amizade. Quando não é em bar e/ou restaurante, também é feito contato via redes sociais. ‘’Após o jogo eu chego em casa e o zagueiro do time abre
um chat comigo para conversar sobre o jogo. Ser juventino é surreal’’, relata Vinicius. A distância entre Thomas e o Brasil é grande, mas isso não dificulta o acompanhamento dos jogos e acontecimentos do clube, já que existem mídias sociais que
Só a cor grená é permitida no estádio Conde Rodolfo Crespi
transmitem os jogos on-line. Além disso, ele procura encaixar todas as viagens ao Brasil com jogos de fim de semana, para matar a saudade. ‘’Se dependêssemos de portais, jornais e grande mídia, realmente estaríamos lascados’’, diz. Sempre que não pode ir ao estádio, ele ouve os jogos pela Web Rádio Mooca, desenvolvida pelo radialista Marcelo Santos, de 43 anos. Criada em 2011, com intenção de transmitir jogos do Juventus com equipe própria, a Web Rádio Mooca é um projeto independente que funciona de maneira simples: equipamento básico, poucos funcionários e internet. “De resto , é a cara, a coraRenato Corona, a voz do Juventus na Web Rádio Mooca
gem e o prazer de levar informação ao torcedor juventino. E é esse o objetivo da rádio: ser o canal de informação do mooquense e do torcedor’’, explica o jornalista e empresário Renato Corona, de 33 anos, narrador da rádio e dono de um portal de notícias do clube. Além de Renato, a equipe conta com outro narrador, quatro comentaristas e dois repórteres, além de torcedores que participam de um programa 100% juventino, que vai ao ar semanalmente. Renato é torcedor do Juventus desde a época que cursava jornalismo em uma universidade localizada na Mooca. Como Thomas, ele combinou com amigos de ir à Javari, todavia teve mais sorte e viu uma vitória. ‘’O Juventus enfrentava o Sãocarlense e o jogo estava difícil. O placar era de 2 a 56
Web Rádio Mooca
2 e o Juventus precisava da vitória. Quase no fim do jogo, o atacante do Juventus foi lançado e receberia a bola em impedimento, mas um torcedor na arquibancada avisou, ele se posicionou melhor, recebeu a bola em condição legal e fez o gol da vitória. Na comemoração, ele veio até a arquibancada agradecer este torcedor. Isso me encantou. Deste dia em diante comecei a acompanhar o time e fui me apaixonando cada vez mais’’, conta. Marcelo não faz mais parte do bando de loucos. Agora, ele é louco por outro time. O radialista, morador da Mooca, foi a primeira vez na Javari em 1985, com apenas 14 anos de idade, mas só retornou ao estádio em 2004, a trabalho. Embora tenha passado alguns (muitos) anos longe, hoje, ele não esconde o carinho que adquiriu
com o time. ‘’Como cronista esportivo, você automaticamente vai se envolvendo com os jogos que transmite, cria carinho pelo local, é bem recebido pelo público e jogadores e vai se interessando cada vez mais pelas coisas do time, a ponto de deixar aquele que torcia em segundo plano. Não me preocupo mais em acompanhar lance a lance o que acontece com o Corinthians. Já o Juventus, se não estou trabalhando no estádio, fico ligado minuto a minuto no portal de notícias’’, expressa. Por morar no bairro e perceber que não havia veículos que levassem as informações do time para o público, Marcelo criou a Web Rádio Mooca, que conta com mais de 2 mil ouvintes por transmissão. Marcelo mudou de time,
Moleque Travesso, o mascote do Juventus
Tem corintiano no ninho
mas a ideia de deixar de torcer para o Corinthians nunca passou pela cabeça de Wagner Hiroi, 34 anos, jornalista e comentarista da Web Rádio Mooca. ‘’Eu nunca cogitei deixar de torcer para o Corinthians e virar juventino. Nada contra o Juventus, é claro. Quando completei um ano de idade, ganhei de presente uma camisa e um calção do Corinthians. Foi assim que me tornei corintiano. Sempre acompanhei o time, fui a estádios e torci. O carinho foi crescendo’’. Vinicius Hijano não entende como é possível torcer para dois times, Wagner sim. ‘’Quando comecei a fazer os jogos, o Juventus se tornou o meu segundo time. É um time no qual tenho carinho, 57
respeito e admiração. Torço para o Juventus em todos os jogos e campeonatos, inclusive nos jogos que não estou trabalhando’’. O jornalista conta que não torce pelo Juventus porque trabalha na rádio, e sim porque criou um carinho com o clube. ‘’ ‘’Eu sou um corintiano que tem o Juventus como segundo time’’, afirma. Os ouvintes da Web Rádio sabem que Wagner não é juventino, mas o respeitam. ‘’Eles me conhecem e sabem que eu sou corintiano. Eu não escondo isso de ninguém, nem tenho receio de assumir isso para a torcida do Juventus. Sempre tive o respeito deles. ‘’, finaliza. Todos eles torcem. Todos
têm carinho. Todos emocionam-se. Como disse Thomas, todos fazem parte de uma família e se veem semanalmente, repetindo a mesma rotina, repetindo a singularidade mooquense. O moleque travesso é único. ’’É difícil falar em alegrias com um time que está na terceira divisão do campeonato estadual’’, como relata Renato, mas a felicidade juventina parece estar em um conjunto de momentos que só o Clube Atlético Juventus oferece. Para acompanhar os jogos pela Web Rádio Mooca, acesse: http://webradiomooca.com.br/ ou curta a página no Facebook Web Rádio Mooca. Outras notícias sobre o clube estão disponíveis no portal de notícias www. juve.com.br, do narrador Renato Corona.
“Avinhado na camisa, que emoção
Salve FERROVIÁRIA do meu Coração” É CAMPEÃO! Ferroviária retorna à elite do futebol paulista após 19 anos de espera Por Eduardo Nunes e Júlia Falconi “A esfera desce do espaço veloz, ele a apara no peito e a pára no ar, depois com o joelho a dispõe a meia altura, onde iluminada a esfera espera o chute que, num relâmpago, a dispara na direção do nosso coração”, em verso e proza, de simetria rítmica, Ferreira Gullar, nascido em 1934, faz o retrato perfeito do que Charles Miller, o pai do futebol no Brasil, em 1904 trouxe ao país: uma paixão. Maior que isso. Uma paixão sem divisão. E dentre tantos, a que atualmente retomou seus trilhos: a Locomotiva Ferroviária de Araraquara voltou. Há 19 anos a Ferroviária vem lutando para alcançar ao lugar que um dia já pertenceu: a primeira divisão do campeonato Paulista. E foi na voz e no choro do narrador da rádio cultura de Araraquara que o time, a torcida, a associação realizou seu maior feito em tantos anos de espera: ganhou o acesso à série A1, em Guaratinguetá. Ainda vívida, a emoção de José Roberto Fernandes, 72 anos, ressoa no coração do torcedor ávido: “Vamos subir, Ferroviária! Vamos voltar, Ferroviária! Chora torcedor, você tem todo direito de chorar depois de quase 20 anos de humilhação e sofrimento. Chore à vontade, torcedor da Ferroviária. Comemore, comemore. Vamos até 49, temos 48 58
jogados, vai ser sacramentada a volta, é o retorno do time da Ferroviária à divisão principal do futebol de São Paulo, de onde jamais deveria ter saído. Segura a bola o time da Ferroviária, são os últimos segundos, vai acabar, acabou! Acabou! Acabou! Acabou o jogo! Acabou a vergonha! Acabou o sofrimento! Acabou a humilhação! Acabou o desespero de quase 20 anos! Acabou o jogo! Agora é só alegria, só alegria. É o coração que pulsa firme, pulsa forte. A Ferroviária está de volta à primeira divisão”. Pio, Dudu, Fogueira, Douglas Onça, Bazzani. Ídolos do time araraquarense. Registros, momentos, marcos históricos do futebol da Ferroviária que traça um esboço quase perfeito do que era o gingado do time de antigamente. A Associação Ferroviária de Esportes (AFE) já deu, e muito, trabalho para o Rei Pelé. Já eliminou os grandes rivais dentro de seus fortes. Já ganhou taças, troféus, glórias resguardadas no século passado. Mas agora está engrenando o trem descarrilado. Envolto por toda a nação afeana. Hoje, vitoriosos da série A2, ano que vem, guerreiros da série A1. Travando batalhas maiores, dentre os fortes, em compasso com o coração aguerrido da torcida que, hoje em descompasso, pulsa em ritmo acelerado.
Às cinco da manhã o tilintar do relógio já desperta uma viagem com um encontro marcado. Mais de 200 quilômetros até chegar na Morada do Sol. Chegando, o primeiro destino é o Centro de Treinamento de um time recém consagrado: Ferroviária. De longe, a emoção, comoção, alegria dos jogadores contagiava todo o Parque Pinheirinhos. Entre brincadeiras no rachão, uma expectativa nova: Paulistão primeira divisão, G4, estar entre os grandes, manter-se na primeira divisão no coração dos torcedores e do campeonato. Uma batalha
travada internamente dentro de uma concentração que começará ano que vem. O primeiro personagem é eleito craque do campeonato paulista série A2, Alan Mineiro, meia e camisa sete do time campeão, coincidência ou não, nasceu em Três Corações, terra de Rei, de lá veio também Pelé. Ele conta de como a torcida o acolheu no time, na nação afeana, e como o abraço dele foi recíproco e importante. Uma parceria que perdura há cerca de um ano e meio. “Em todos os jogos teve torcedores da Ferroviária, mas acho que
independente da quantidade de torcedores, só de eles irem até lá e confiarem em nós, já foi muito gratificante. Fazendo com que a gente busque um resultado ainda maior dentro de campo. Melhorando o desempenho e correndo atrás de resultado. Agora estamos ansiosos, com sede da série A1. Precisamos matar essa vontade que estamos de jogar nessa divisão há 19 anos. Vamos dando um passo de cada vez, claro que pensamos grande, mas estamos indo com calma para conseguir primeiro que o time seja vitorioso na série A”, comemora Alan.
FOTO: JULIA FALCONI
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FOTO: JULIA FALCONI
O narrador chega em todos os jogos com três horas de antecedência para começar a transmissão ao vivo
Espalhado pela cidade, outdoors de apoio, “Essa camisa tem peso”; “Cidade de primeira, povo de primeira, nosso time não poderia ficar atrás”; “Já teve a sensação de chegar num lugar novo e de já ter estado lá antes?”; “Nossa Locomotiva agora chega até as estações: Itaquera, Vila Belmiro, Morumbi e Allianz Parque”; “Só a força de uma cidade inteira unida é capaz de levantar uma Locomotiva”. Uma cidade. Mais de 224 mil pessoas em festa contínua. O último jogo foi na Arena Fonte Luminosa. A Ferroviária não precisava ganhar, já estava classificada há dois jogos para a série A, pois já havia obtido o acesso no dia 18 de abril, após vencer o Guaratinguetá fora de casa por 1 a 0. Era uma comemoração em massa dentro de uma Arena que aos 45 minutos do segundo tempo, obtendo um empate de 0 à 0 com o Guarani, aclamava um time, com o 60
brado entoando por toda a vila envolta do estádio: “É CAMPEÃO”. O coro não se silenciou por toda a noite. Afeanos espalhados, celebrando, brindando a volta a casa. No compasso do grito emocionado da torcida, um narrador encerrava o jogo para todos os ouvintes araraquarenses. Dessa vez resguardando a emoção que entoou em sua voz no dia do acesso. Agora a batalha estava ganha. Declarados vitoriosos pela Federação. O goleiro Rodolfo ergue a Taça de campeão. A torcida vibra, na contemplação da conquista. José Roberto Fernandes está há 40 anos em Araraquara, mas sua ligação com o time vem de antes, desde 1966, quando de Barretos ele ia até Araraquara assistir os jogos da AFE e quando o time ia até Barretos jogar contra o anfitrião da casa. E foi também em 1966 que a Ferroviária
subiu para a série A1, em um jogo contra o XV de Piracicaba. “Eu e a equipe tínhamos um compromisso de jamais abandonarmos a Ferroviária enquanto ela não voltasse para a principal divisão. Era um copromisso pessoal meu, profissional e da equipe por extensão. Participar dos problemas, vestir a camisa 100% com a Ferroviária, cobrir o time fez com que minha ligação se intensificasse. Tanto é que muita gente me questiona sobre qual é meu time além da ferroviária, e eu sempre digo que o meu caso não existe outro time, eu sou só ferroviária”, confessa emocionado o narrador. Depois de 19 anos cobrindo, passando por dificuldades tentando transmitir
os jogos da Ferroviária, as vezes até sentados no meio da torcida, o sentimento de missão cumprida evoca o coração do torcedor José Roberto e de toda a sua equipe. “A gente sempre diz o seguinte no final da jornada pela cultura: missão cumprida, retorno à base. Em Guaratinguetá nó tivemos a oportunidade de falar “AGORA SIM A MISSÃO ESTÁ CUMPRIDA, RETORNO À BASE”. Ela voltou graças a Deus, essa situação maravilhosa. Agora me cobram para que eu permaneça na A1. E eu não posso parar. Eu acredito que enquanto Deus me der força eu vou continuar nessa trilha. Que fique claro que existe um tempo para plantar, irrigar, colher. E eu
já estou com a minha colheita adiantada, pela idade que eu tenho, 72 anos, e conseguir fazer essas coisas: sentir e passar emoção, eu sou muito agradecido”, acreditado no campeonato Paulista de ano que vem, José Roberto se mantém forte e otimista dizendo que a Ferroviária é capaz de superar qualquer dificuldade que venha a aparecer entre os gigantes da série A. A tradição transpassa os limites etários. De geração em geração. Um gene hereditário passado de pai para filho. Uma herança. Ferroviária. Veio desde o avô. Desde os primeiros trabalhadores da Estrada de Ferro de Araraquara, os primeiros sócios da Associação.
Ferroviária: jogadores recebem a Taça de Campeão Série A2 FOTO: JONATAN DUTRA
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Mais personagens que engrenam e compõe essa história se destacam. Torcedores de apenas 14 anos comoveram e foram comovidos. Se tornaram referência, comparecendo e apoiando o time se não em todos, pelo menos em quase 100% dos jogos. Renan Capella, 15 anos, no dia em que a Locomotiva sagrou-se campeã fez uma declaração em rede social: “Não vi Bazzani, não vi Dudu, não vi Fogueira, não vi Pio, não vi Douglas Onça. Não vi tantos craques que já vestiram essa camisa. Não te vi vencendo o Santos de Pelé. Não te vi eliminando o Grêmio em pleno Olímpico. Não te vi sendo TriCampeã do interior. Não te vi jogando o Campeonato Brasileiro, tampouco a série A1 do Estadual. Não vivi os melhores momentos em sua história, mas vivi o suficiente pra te amar. Obrigado por existir, Associação Ferroviária de Esportes. Nós voltamos para o lugar de onde nunca deveríamos ter saído”. O garoto fez também uma promessa para que o time ganhasse a série A2 e juntamente o acesso: de que ele pintaria o cabelo. Missão cumprida, no contraste do que era antes, Renan está com os cachos dourados. Renan Capella, 15, João Segura, 14, Igor Lucas, 14, ainda jovens para conhecerem as glórias do time, mas não jovens para acompanharem o time em todos jogos. João conta que o amor dele à camisa começou pela herança, indo aos jogos com o avô e o pai. Renan e Igor também vão ao estádio desde os quatro anos junto com
os pais. Uma camisa que criou amigos, uniu torcedores. Renan e João ainda quando crianças entraram em campo segurando a mão dos craques do time. João conta que os avós se casaram por causa da Ferroviária: “Eles se conheceram pela Ferroviária, daí eles tiveram meu pai e meus tios, e eles levavam eles pro campo desde bebê e aí meu pai começou a me levar pro campo também”. Os amigos vão em quase todos os jogos, seja dentro ou fora de casa e, em dia de comemoração e com a casa cheia não seria diferente. Arrebatados pelo time, avinhados na camisa, no último jogo do campeonato, foram arrastado para dentro na Arena para comemorar com os jogadores. Os três são tão apaixonados pela Ferroviária que já tiveram até uma torcida organizada, própria para as crianças, chamava-se “AFERA” e contava com 30 membros, instrumentos, faixas e banda. Como ainda são muito jovens para viverem entre os grandes nomes do time, eles destacam Alan Mineiro como um ídolo, porém existe um nome que o supera: Milton Mendes. “Milton Mendes conseguiu unir o time de uma maneira que ninguém tinha conseguido antes, e isso fez a diferença”, lembra Renan. “Pra mim ídolo é o Milton Mendes, ele vem acima de Alan. No começo o time estava como todos os anos, abandonado pela torcida e a gente cornetava o time, porque nos primeiros jogos estava muito fraco. E ai a hora que o time engrenou, a torcida engrenou junto. Os 7 a 1 contra o Monte Azul foi o divisor de águas”, enaltece empolgado João.
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João vai ao estádio com o pai desde criança
FOTO: ARQUIVO PESSOAL
FOTO: JULIA FALCONI
Renan, Igor e João criaram uma torcida organizada
“Futebol se joga no estádio? Futebol se joga na praia, futebol se joga na rua, futebol se joga na alma.” E é na alma do torcedor que também residem os frutos do trabalho de Milton Mendes, o ex-técnico da Ferroviária que deixou o time após sagrar-se como ídolo dos afeanos. O técnico só desembarcou da Locomotiva após garantir o acesso ao time. “A torcida é inteligente. Em Araraquara, além deles adorarem o time e a terra, sabem avaliar o trabalho construído dentro de uma base muito sólida. Isso fez com que o torcedor visse que estávamos nos dedicando muito em cada jogo, cada treino. Cada ação nossa eu dizia para vermos como a última. Essa raça faz parte da história da Ferroviária. Eles foram vendo isso, os resultados foram aparecendo e fomos evoluindo todos juntos, jogadores, comissão
técnica e diretoria, não é um mérito só meu, compartilho disso com todos”, emocionado, Milton Mendes fala sobre sua temporada no time Grená. É a primeira vez dos garotos como torcedores de uma Ferroviária série A, mas em pelo menos dez anos de torcida pela Locomotiva, os jovens afeanos passaram por momentos de tensão, nervosismo, ansiedade e sofrimento. “Em 2014 teve um jogo em Itapira em que havia a esperança de subir. Itapirense era o último colocado e se a Ferroviária ganhasse, ficava a um ponto do quarto colocado e aí no próximo jogo era contra o quarto colocado em confronto direto e se ganhasse iria subir. Então estávamos animados, eu fui para Itapira. Ai o Itapirense tinha um time muito ruim, último colocado, e eles fizeram um gol, e eu
não consegui acreditar que o nosso time ia perder e mais uma vez não conseguíriamos subir”, frisa João. Agora o trem está partindo, seu destino é Barra Funda, Itaquera, Morumbi, Vila Belmiro. Vai retomar os trilhos e buscar São Paulo. Em simetria uma Arena, em um só grito, despia a sombra de muitos anos de conflito. As luzes, os urros, os assovios enchiam uma nova camisa grená de luz, esperança, de amor. E de amor se fez Ferroviária. De amor se uniu Ferroviária. De amor e glória se escreve uma nova história: a da vitória, a da série A. A história da Ferroviária da Morada do Sol. Da Ferroviária que ganhou São Paulo e que com um passo de cada vez, sonha em vestir o Brasil de branco e grená. “Missão cumprida, retorno à base”. Ano que vem temos Ferroviária na primeira divisão.
FOTO: JONATAN DUTRA
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Alan Mineiro é eleito o craque da série A2
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