Revista Narrativa - Edição 11

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nesta edição Concluimos mais uma edição da Narrativa. É importante destacarmos que se trata de um projeto que exigiu grande investimento dos alunos e que a grande maioria destes ainda está nos primeiros semestres. Por isso, encontraram diversas, e naturais, dificuldades para cumprir suas pautas. Foram meses de tentativas, edição de fotos e textos. Muitos produziram aqui sua primeira reportagem na sua vida e ficaram diante de grandes nomes do jornalismo. E como pode-se observar nas próximas páginas, esses alunos, se deram bem nesta tarefa. Estão todos no caminho certo.

CARLOS A. SANDERBERG MILTON LEITE RICARDO KOSTCHO MAURO BETING MARCELO DUARTE PAULO MARINHO EDUARDO BARÃO MIA BUSCATO

04 08 10 15 18 22 24 27

MILTON JUNG RAQUEL RODRIGUES LU BARBOSA ALBERTO LUCHETTI ANA NERY RACHEL VERANO REGINA ECHEVERRIA ROBERTO GODOY

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Revista Narrativa Professor-Editor: Prof. Ms. José Alves Trigo (MTB 24424-SP) Universidade Presbiteriana Mackenzie Reitor: Prof. Dr. Benedito Guimarães Aguiar Neto Centro de Comunicação e Letras Diretora: Prof. Dr. Alexandre Huady Torres Guimarães Coordenador do Curso de Jornalismo: Prof. Ms. Osvaldo Takaoki Hatori

A revista Narrativa é uma publicação dos alunos do curso de Jornalismo (Centro de Comunicação e Letras) da Universidade Presbiteriana Mackenzie. As matérias não refletem necessariamente a opinião da instituição. Esta publicação não tem fins lucrativos e é distribuída gratuitamente. (11) 2114-8320


Para combater a repressão, virou

Fotos e texto: Isabela Galeote

C

arlos Alberto Sardenberg estava a me esperar ao pé da escada que subi com certa pressa. Carregava uma bolsa estilo carteiro no ombro e um sorriso simpático no rosto dotado de linhas de expressão.

só esses tempos difíceis trazem à tona. No entanto, a confusão em sua vida não durou muito tempo. Por indicação de um amigo, fez um teste no jornal do Estadão. Ocorreu-me perguntar por que um estudante de Leis e Nietzche aceitaria um teste assim, mas deduzi que aquele fora um desses momentos em que realmente não se tem nada a perder. Ele completa meus pensamentos afirmando que este era apenas um emprego temporário, até que conseguisse acertar sua vida.

A partir daí, teve início uma pequena andança à procura de uma sala para que tivéssemos nosso bate papo. A primeira sugerida, um estúdio, foi descartada ao notar-se que ali estava no ar uma das programações da rádio CBN – e esse foi um dos momentos que tirei para dar uma espiada em como as coisas realmente acontecem dentro de uma rádio. A segunda, sala da diretora-executiva da rádio, Mariza Tavares, era tomada pelo barulho incômodo da obra que acontecia do outro lado da rua – a qual, Sardenberg contou, era a reconstrução do primeiro prédio da Globo. Por fim, acomodamo-nos a uma sala de reuniões entre as tantas outras ali.

Mas temporário é o que não foi. Sardenberg ficou. E foi ficando, foi ficando... E gostou. Gostou de escrever, da redação, do dia a dia. Encontrou ali, da forma mais inesperada que a vida podia lhe trazer, o que realmente queria fazer. Com a Anistia, anos mais tarde, foi chamado para terminar o curso de Direito e Filosofia na USP. Mas não voltou. Não voltou porque estava onde queria estar. “Eu diria que devo o jornalismo ao regime militar”, ele afirma, fechando essa dança ritmada de contradições que o período militar lhe trouxe.

Veja bem, se esperas ouvir sobre em que universidade Sardenberg se formou ou como escolheu a carreira de jornalista, não ouvirás. Porque te digo que não escolheu. “Foi escolhido” seria o termo apropriado. Em meados de 1968, lá pelos seus 21 anos, cursava Filosofia e Direito na Universidade de São Paulo e dava aula em um cursinho. Estava ali, com sua vida planejada, os caminhos que cruzava levando-o a uma vida acadêmica.

A partir daí, adquiriu uma bagagem de conhecimento na área que culminou na pessoa que ele é hoje. No âncora da CBN e no comentarista do Jornal da Globo. No Sardenberg que se vê, ouve e lê por aí. E, veja bem, insisto em tratá-lo por “Sardenberg” exatamente por esse extenso conjunto de experiências que levaram a uma personalidade forte demais para ser apenas outro Carlos Alberto. É Sardenberg, e é assim que é.

E então aconteceu.

Carlos Alberto Sanderberg é âncora da rádio CBN e comentarista da TV Globo

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Aquilo que qualquer um que viveu prefere deixar em um canto quietinho na memória. AI-5, endurecimento do regime militar, chame como quiser. Essa mudança política radical afetou a vida dos estudantes – e, na verdade, de qualquer cidadão desse país - de forma arrebatadora, e é de se imaginar que alguém que cursava Filosofia e Direito sofreria as consequências. Impedido de dar aula e sem um diploma em mãos, Sardenberg encontrou-se perdido. Sim, essa sensação de contradição mesmo, que

Em sua carreira no mundo dos impressos, transitou pelo Estadão, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil e Gazeta Mercantil, migrando também para revistas como a Veja e a Istoé. Foi quando começou a fazer comentários de no máximo um minuto na rádio que o antigo diretor da CBN lançou o convite, que ele narra com um confortável ar saudoso:

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papa. E esperamos, esperamos... E então veio um assessor e disse “um minuto só... Sua Santidade foi ao banheiro”. Foi aquela gargalhada geral”.

“Logo que comecei na rádio tive aquela sensação de: “é isso mesmo!”

Ele ajeita os óculos de armação fina no rosto, um pequeno sorriso sempre desenhado em seus lábios enquanto ele mantém o olhar em um ponto fixo, apenas aproveitando o conjunto de memórias que provavelmente inundava sua mente. E então comenta de pessoas que conheceu. Sabe como é, essa vantagenzinha que o jornalismo traz, de poder ver de perto como são as grandes personalidades por trás das câmeras.

“Ele chegou para mim e disse: “Quero que você seja o âncora da CBN Brasil. Calma, calma! Não me diga não. Sei que você não está pensando nisso, que nunca fez isso, que é inédito... Mas antes de dizer não, pense”. E eu respondi na hora “Eu topo, já topei!””.

“Fiquei encantado com o Bill Clinton. Quando ele esteve aqui, nós tivemos uma conversa e ele é encantador. Mil vezes melhor em espaço privado. Fernando Henrique também. É uma pessoa que faz brincadeiras, goza todo mundo. Tem a fama de perder o amigo, mas não perder a piada”.

Esse foi um dos pontos em nossa conversa que pude adivinhar a resposta que ele dera antes mesmo de ele dizer. E não pela obviedade dos fatos, já que eu o estava entrevistando ali, na rádio CBN, mas sim pelo modo como sua vida caminhara até aquele convite do antigo diretor. Sardenberg tinha mesmo caído de paraquedas no mundo jornalístico e tudo que aprendera até então fora ali, na prática. Por que então não tentaria algo novo? E, veja só, algo que abriria ainda mais portas para que ele pudesse transitar o quanto quisesse... Ao conhecer aquela parte de sua história, antes mesmo de ouvir o “eu topo, já topei”, eu sabia que ele aceitaria o convite prontamente.

É também com muito gosto que relata seu dia a dia.Apesar de seu programa na CBN começar apenas ao 12h, é preciso se informar durante a manhã sobre os assuntos do dia. Às 14h, quando seu programa termina, consegue um tempinho para praticar um esporte – tênis, por exemplo – e almoçar. Das 18h30 às 19h30 faz comentários curtos ainda na rádio. Em seguida, vai para a TV Globo, onde por vezes fica até 1h30 da manhã. Esse é, aliás, um dos motivos que fazem Sardenberg ser... Bem, Sardenberg. Com quarenta e três anos de carreira e uma rotina tão corrida, ele afirma não sentir estresse na profissão. À ressalva de momentos em que a frase “5 segundos para entrar no ar!” atinge seus nervos, levando a certa tensão. “A mídia eletrônica é estressante, mas se você não gosta disso, você está no lugar errado”.

Sardenberg coloca esse como um dos melhores momentos de sua carreira. “Logo no dia que comecei na rádio tive aquela sensação de “é isso mesmo!”. Foi algo muito bom”. Seu gosto pela profissão que exerce é percebível em cada um de seus gestos. O modo como sorri ao relembrar histórias, o tom de voz carregado desse prazer espontâneo que aparece quando se fala de algo que se ama...

Em espaços de tempo costurados por entre sua correria diária, Sardenberg encontra tempo para escrever seus livros. Um deles foi escrito durante uma viagem de férias. Acordava cedo pela manhã e das 7h às 11h, dedicava-se a escrever. Depois, saía para passear com sua esposa. O trabalho de escrever um livro parece ainda maior para alguém que não vive só disso. E aqui, ressalta um ponto importante: se os jornalistas escrevessem mais livros,

“Lembro de uma coisa muito gozada. Quando o papa veio ao Brasil, o cardeal reuniu um grupo de jornalistas para ter uma conversa. Chegamos lá, todo mundo se acomodou e ficamos esperando o

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seria mais fácil para a geração seguinte. “Por exemplo, trabalho há 20 anos com economia. Se você não for muito burro, você adquire conhecimento”. E é aí que está: por que não passar isso adiante? Não é só de literatura que se vive, e futuros estudantes de jornalismo teriam muito material por onde se aventurar. Mas Sardenberg já esclarece o maior problema: no Brasil, não tem suporte editorial. Você tem que fazer tudo sozinho. Esse, talvez, seja o maior desestimulante para qualquer um que pense em escrever um livro.

Você se forma na especialidade que quer seguir, para depois fazer um curso de jornalismo com a duração de dois anos. E o que se aprende nesses dois anos é puramente prático. Como escrever notícias, como entrevistar para rádio, TV, impresso, internet, como conduzir reportagens... E então você se forma, e é oficialmente um jornalista econômico. Ou um jornalista de moda. Você tem uma base educacional que lhe permite escrever matérias com o embasamento de quem conhece do que se fala. É isso que falta no Brasil, segundo Sardenberg. O mercado exige pessoas com uma formação muito boa. “Agora, por exemplo, precisa-se de jornalistas formados em Direito, para acompanhar o julgamento do mensalão”. No Brasil, passa-se quatro anos estudando jornalismo para então passar mais um bocado de anos se especializando naquilo que se deseja. E uma coisa não funciona sem a outra, não dá para dançar sozinho, não dá para rimar sem prosa... Você não é um bom jornalista econômico se sabe muito sobre Economia, mas não sabe redigir matérias de qualidade. E não é um bom jornalista econômico se sabe redigir matérias de qualidade, mas não sabe muito sobre Economia. É o casamento perfeito das duas coisas que leva a uma carreira de sucesso. E quanto ao diploma... bem, ainda à exemplo dos Estados Unidos, Sardenberg conta que o que se usa lá é bom senso. Ninguém é obrigado a ter um diploma de jornalismo para exercer a profissão, mas todos os jornalistas de verdadeiro reconhecimento o tem. E, no fim das contas, é mesmo de se esperar que alguém como Sardenberg não acredite realmente na necessidade de um diploma para o exercício da profissão de jornalista. Penso de outra forma, mas isso é só uma daquelas coisas de visões de mundo diferentes. E é a visão de Sardenberg que importa aqui, então aí está.

E é nesse ritmo de levantar questões a se pensar que Sardenberg coloca seus pensamentos sobre as faculdades de jornalismo e essa já conhecida polêmica do diploma de jornalista. Ele afirma que o jornalismo atualmente é muito competitivo – e é mesmo – e que as faculdades formam mais profissionais do que o mercado precisa – e formam mesmo. Então, entenda que o ponto colocado por ele é: teoricamente, é muito fácil abrir uma escola de jornalismo. Teoricamente. “Em tese, não se precisa de equipamentos. Isso está errado. Para abrir uma escola de jornalismo você precisa oferecer uma estação de rádio, uma de televisão, um veículo impresso, sites na internet, precisa de todas essas coisas”. E é por essas linhas tortas que percebemos que tem mesmo muito jornalista saindo da faculdade sem nunca ter publicado uma matéria, sem nunca ter gravado um programa de rádio ou de televisão. “Nosso modelo de formação do jornalista está errado” - e está mesmo, se formos analisar quantas universidades de péssima qualidade tem por aí. Sardenberg então se põe a explicar suas ideias. Se existem jornalistas para cada tipo de assunto (esportes, economia, moda), então estamos aprendendo as coisas do modo contrário, nesse revés do jeito brasileiro de educação, nesse filme que começa pelo fim e termina pelo começo. Assista a vida acadêmica de um jornalista do final para o início e você terá o modelo americano de formar jornalistas.

Paro por aqui, pois acredito que essas linhas – e entrelinhas – foram o suficiente para mostrar o Sardenberg por trás das câmeras, por trás do microfone e das páginas dos livros. Para mostrar também o Sardenberg que ri e brinca, que fala sério e se concentra. Para não me estender mais, paro por aqui. Pois a história do jornalista que deve o início de sua carreira a uma repressão política, já lhe foi contada.

Ele conta que nos Estados Unidos, quem quer ser jornalista econômico estuda Economia e quem quer ser jornalista de moda estuda Moda. É assim.

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Milton Leite é comentarista esportivo e narrador na SporTV

Rafaela Konjunski

versidade de São Paulo (USP), no curso de Comunicações da Escola de Comunicações e Artes (ECA), no ano de 1978. Nessa época o país vivia seus últimos anos da ditadura militar. A ditadura estava enfraquecendo, passando por uma abertura política “lenta, segura e gradual”, como gostavam de definir os militares. O próprio Milton Leite não tinha consciência da dimensão do governo militar até o seu ingresso na USP, onde havia um movimento estudantil muito forte.

“E

scolhi o jornalismo porque meu sonho era ser escritor, ficcionista, mas como conclui que não tinha talento para tanto. Resolvi que o jornalismo era um caminho para eu trabalhar escrevendo, que era o que eu gostava de fazer”. Assim começa a saga do nosso personagem. Apesar de sua paixão por diversos esportes, tais como judô, vôlei, natação e tênis, ainda não tinha qualquer perspectiva sobre qual editoria seguiria. Esse é o corintiano roxo Milton Rodrigues Leite. Nascido na capital paulista no dia 5 de Março de 1959, tem uma carreira renomada no jornalismo esportivo. Ganhou diversos prêmios como narrador.

Seu primeiro emprego surge poucas semanas depois de ingressar na faculdade, como repórter no Jornal Regional, de Jundiaí. Conseguir um emprego tão rapidamente hoje em dia parece um absurdo, mas ele relembra a ocasião, insinuando certa sorte. “Saiu um anúncio no jornal pedindo repórter, eu me apresentei e me contrataram”. Nessa experiência de trabalho, que duraria quatro

O contato com o jornalismo começa na Uni-

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anos, teve a oportunidade de desempenhar diversas funções que estão englobadas no âmbito do jornalismo, da redação à diagramação (que na época dependia muito de um trabalho manual, quase artesanal). No final desse mesmo ano, o AI-5 foi revogado, ato que institucionalizava, dentre outras coisas, a censura. Essa repressão nos veículos jornalísticos gerava problemas, como a desatualização das notícias e a perda de leitores e de publicidade. Portanto essa medida foi benéfica para o jornalismo, pois renovaria sua credibilidade.

te. Mas, embora seja um corintiano fanático, Milton narra os jogos sem qualquer tendência, pelo menos na visão dele. Porém não há como fugir da parcialidade, afinal, toda troca de informações é mediada simultaneamente por diversos fatores, desde o interesse dos pólos até a própria cultura. Sua comicidade característica é bem dosada, afastando-o de uma imagem caricata. Com esses elementos, Milton Leite formou uma carreira consagrada e reconhecida, tanto pelos atuantes no esporte, quanto pelos jornalistas.

Em 1979, Milton começaria sua carreira como radialista na Rádio Difusora Jundiaiense. Essa foi a primeira ocasião em que trabalhou com o segmento esportivo. Ele era o repórter de campo do time de Jundiaí, o Paulista Futebol Clube. Dois anos depois seria contratado como editor de esportes, além de chefe de reportagem, para o Jornal da Cidade. O jornal O Estado de S. Paulo seria o primeiro veículo paulistano a contratar Milton Leite, que trabalharia na editoria de economia, em 1987. Um ano depois ele começa a narrar eventos esportivos e a apresentar um programa matinal na Rádio Cidade. Porém foi na rádio Jovem Pan que ele alcançou a fama.

Milton Leite é cercado por diversos bordões que se tornaram populares, dentre eles “Meu Deus”, “Olha a batida”, “Que fase”, “A emoção acontece na Pan”, “Hoje eu se consagro” e o mais conhecido, “Que Beleza”, sempre com um tom cômico. Na verdade, o repórter de campo da Pan, Wanderley Nogueira, é o autor do bordão mais conhecido, porém o uso de Milton para as jogadas bizarras que aconteciam foi mais popular, a ponto de alguns o apelidarem como “o ‘que beleza”. Pela fama de seus bordões, Milton foi convidado para fazer a dublagem da versão brasileira dos jogos de videogame Fifa de 1999 a 2006. A Rede Globo de Televisão contratou Milton Leite para a sua equipe esportiva em abril de 2005, e permanece nela até hoje. Inicialmente ele ficaria no canal fechado SporTV, mas no ano seguinte já foi encaminhado para narrar os eventos da televisão aberta. Desde então já cobriu sete grandes eventos esportivos, eliminatórias e competições nacionais. Milton Leite narrou a Copa do Mundo da França (1998), as Olímpiadas de Sidney (2000) e as Olimpíadas de Atenas (2004).A partir de 2005, o jornalista cobriu todas as coberturas de Olimpíadas e Copas do Mundo que foram transmitidas. Foi ele quem cobriu o jogo Espanha e Holanda, na final da Copa do Mundo da África.

A carreira de radialista começou por acaso. A Jovem Pan estava em seus primeiros passos do projeto Jovem Pan TV, que estabeleceu um acordo com a Rede Globo para a transmissão do Campeonato Paulista de Futebol. Ele era apresentador dos programas que antecediam as partidas, além dos intervalos. Porém, no jogo entre Palmeiras e Portuguesa do dia 8 de setembro de 1991, o jornalista que estava escalado para narrar o jogo, Flávio Prado, estava sem voz. Como uma medida de emergência, Milton Leite o substituiu. “Se o titular não tivesse ficado sem voz naquele dia, talvez minha carreira tivesse tomado outro rumo”, comenta. A partir daí sua trajetória como radialista começa, com o incentivo do diretor de jornalismo e do presidente da Jovem Pan, respectivamente Fernando Vieira de Mello e Antonio Augusto Amaral de Carvalho.

Aquele sonho que tinha quando jovem de se tornar escritor nunca foi esquecido. Ele escreveu dois livros esportivos em 2010, “As melhores seleções brasileiras de todos os tempos” e “Os 11 maiores centroavantes do futebol brasileiro”. Com a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos que estão por vir, o jornalista está pensando em aumentar o número de suas publicações.

Em suas transmissões, além de demonstrar conhecimento sobre o assunto, as narrações são carregadas de emoção, aproximando-o do ouvin-

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O REPÓRTER Católico, são-paulino

Por Diego Moura

e petista

“V

ou descer pra fumar um cigarro. Você vem comigo e a gente já vai conversando. Mudaram o horário do chat. Tava achando que era quatro e meia, mas é só às cinco.” Com seu jeito suave, Ricardo Kotscho começa a ir para o elevador. Entre as baias onde estão repórteres do portal R7, vai cumprimentando e sendo cumprimentado. “Fala, mestre! O senhor tá bom?”. Já quase no elevador, pergunta se não quero um café. Estamos ao lado da mesinha com as tradicionais garrafas prateadas de café e chá. Polidamente, recuso. Digo que já havia tomado ao chegar. Omiti a parte da quase queimadura por conta do microcopo finíssimo. Bip. Terceiro andar. Entramos. A porta fecha. Segundo andar. Entra Fátima Souza, que também está indo fumar um cigarrinho. Fátima é repórter policial há mais de 25 anos e, como descobri mais tarde, foi a primeira a denunciar, via imprensa, a existência do Primeiro Comando da Capital. Isso nos idos de 1996. Foi repórter do Kotscho.

Munido de gravador e bloquinho – em meio aos vapores de 4.700 substâncias tóxicas – vou começar a entrevista. Quando surge o gravador, Fátima, ao lado de Kotscho, dispara: “joga isso no lixo, rapaz. Repórter tem que usar a cabeça, a inteligência e não isso aí”. Nosso perfilado compartilha da mesma opinião: “tem que ter memória, anotar. Você só marca os pontos importantes pra lembrar depois”, ensina. O pobre aparelho da Panasonic parece ter ficado ofendido. Recusa-se a ligar. O visor ri de mim, apontando uma marota bateria vazia que pisca intermitente. Giro a chave do carro velho algumas vezes. Nada de ele pegar.Vou ter de usar a caneta mesmo. Cadê minha caneta? Lá em cima, no terceiro andar, na redação do portal R7.

Ricardo Kotscho na redação do portal R7

“Viu, Fátima. Não esquece de votar em mim.Tô finalista do prêmio Comunique-se. Sou eu e mais dois caras da Globo. Tô concorrendo com o Alexandre Garcia e com a Miriam Leitão.” Fátima olha surpresa. “Ah, então já ganhou.” Com a mesma tranquilidade, Kotscho rebate: “Nada. Você não sabe como eles fazem lá na Globo. Fazem mutirão pra votar.” Cruzamos um estacionamento e chegamos à portaria. “Você tá com crachá?”. Diante da minha negativa, Kotscho chama o segurança. “Viu, ele tá comigo, a gente tá saindo ali pra fumar, mas já volta.” Andar arrastado, com as pernas um pouco arqueadas, o repórter, que fuma há mais de 50 anos, me conduz à calçada onde mais gente aproveita o cigarro. Depois de uma longa tosse, admite: “já parei e voltei várias vezes. Uma merda”.

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“Ah, mas o que é isso! Que semestre que você tá? Sexto? Quase jornalista e sem caneta? Inaceitável!”, brinca. Fátima me empresta uma caneta.“Cuidado com ela, porque é do timão.” De maneira quase improvisada, iniciamos. Já que o tema universidade estava no ar, logo de cara sabemos que Kotscho não concluiu o curso de jornalismo. “Fiz parte da primeira turma da ECA (Escola de Comunicação e Artes, da USP), mas faltava muito e fui jubilado”. E com mais de 50 anos que carreira, não considera o diploma necessário para a atividade jornalística. Mas isso não quer dizer que o setor não deva ter regras, pelo contrário: “Tem de ter o Conselho Nacional de Jornalismo, como o exame da OAB. Só pode atuar como jornalista, independente da formação, quem passar neste teste”. Otimista por natureza, Kotscho crê em dias melhores para o jornalismo brasileiro. “Estou nesta profissão há 50 anos e isso [regulamentação da profissão] é uma coisa que se discute o tempo todo.” O campo do jornalismo não pode ser “terra de ninguém”, ou um local onde prevaleça a “voz do patrão”. A informação é bem comum da sociedade, e merece ser tratada como tal.

Mas, para entender um pouco de Ricardo Kotscho, é preciso, primeiro, compreender seu relacionamento com o Partido dos Trabalhadores e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, no qual ocupou cargo de secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República por dois anos (no primeiro mandato de Lula). Em seu blog, no período dos altos índices de aprovação de Lula, Kotscho publicou texto em que perguntava quem seriam esses 5% de brasileiros que achavam o governo petista “ruim ou péssimo” (“Que Brasil é este dos 5% do contra?”). Foi duramente atacado, num movimento capitaneado por Reinaldo Azevedo, blogueiro da revista Veja: “Parece que Kotscho está propondo que os lulistas críticos, independentes e isentos como ele façam o que setores da Polícia Federal, ao arrepio da lei, já tentaram fazer sem sucesso: FICHAR os 5%”. Kotscho nunca respondeu. Se ignorou o autor que o desancou em seu blog, menos importância deu às centenas de leitores os quais, influenciados pela análise torta do blogueiro de Veja, inundaram o Balaio do Kotscho com milhares de comentários mal-educados. “Não quero citar nomes, mas é a liberdade de expressão de cada um”. Mais uma tragada, agora no segundo cigarro. “Pra mim, o jornalista tem que ser honesto, acima de tudo. Não pode brigar com os fatos. Mas eu tenho lado. Todos têm lado. Essa coisa de objetividade, imparcialidade, não existe.” “Eu me orgulho de nunca ter sido demitido das empresas pelas quais passei. E olha que passei por quase todos os grandes veículos do país – só não na Veja, porque nunca me convidaram pra trabalhar lá e eu também nunca quis. Quando começava a não gostar do jeito que as coisas estavam indo, eu saía. Eu demitia a empresa.” Nesse momento, somos interrompidos pelo relógio. Eram quase 17h, precisamos subir para o chat de Kotscho. O jornalista realiza conversas com internautas do portal R7 duas vezes por mês, sobre os mais variados assuntos. “Depende muito do momento. Ultimamente tem bastante o tema

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de eleições e o mensalão, mas é bem variado. Futebol também”. Além do chat e do blog, também na Rede Record, Ricardo Kotscho é comentarista político no Jornal da Record News, apresentado por Heródoto Barbeiro. Ainda lhe sobra tempo para escrever na revista Brasileiros. Na Record mesmo, só aparece duas vezes por semana. Há alguns anos, seu quartel-general jornalístico é sua casa. Por não estar ali todos os dias, pega emprestada a mesa do repórter de carros. As muitas miniaturas de veículos não enganam. Kotscho se prepara para dar a largada. Sem parecer deslocado na redação, Kotscho é o mais velho do lugar. “Hoje é a moçada na redação; tem que ter gente jovem, porque o portal [R7] é novo. Tá completando três anos, eu acho. Não é, Francine?” Francine Contanti é a jornalista que o auxilia no chat daquele dia. Não aparenta mais do que vinte e poucos anos, quase 30. Senta-se de costas para Kotscho e sua função é filtrar e dar vazão às questões enviadas pelos internautas ao blogueiro. Vai seguindo o ritmo dele: com um leve toque no braço dela, vai dizendo “pode soltar mais”, “manda bala”. E ela manda. Antes de a primeira pergunta chegar a ele, explico mais sobre a proposta do perfil. Kotscho, imediatamente, fala de sua reportagem de acompanhamento do dia de Heródoto Barbeiro. “Você

sabia que ele é monge, né? Monge de verdade... Recentemente, ele teve no Butão. Já pensou? Não poder fumar, beber e nem comer carne? Isso não é pra mim”, diz, entre risos, dando tapinhas nas costas de Francine, pedindo concordância. Francine aproveita e pega um livro que alguém passou mais cedo e deixou para Kotscho autografar: Do Golpe ao Planalto. “Tem esse e o outro... A Prática da Reportagem, que sempre pedem pra eu autografar.” “Capinha azul, né?”, pergunto. “Exato. Caramba, o livro é de 85, mas ainda é lido”. Leitura obrigatória entre nós, estudantes (e deveria ser, também, de alguns profissionais). E, por falar em Planalto, logo brota a campanha política e os submundos dos jogos políticos. “Você vê, tiraram a Ana de Hollanda para colocar a Marta [Suplicy]. Jogada política. Ela apoia o Haddad na campanha e ganha um ministério”. Suspira. Mesmo antes de chegarem as perguntas, Kotscho já prevê:“deve ser sobre o mensalão ou a saída da Ana de Hollanda”. E lá vem a primeira pergunta do chat: “Olá Kotscho. Na sua opinião a Marta será uma boa representante como ministra da Cultura? Achou a substituição justa?”. “Ó lá, não falei?” E começa a responder. O jornalista é bastante meticuloso ao escrever. Digita com rapidez. Responde. Lê de novo, linha por linha. Corrige eventuais erros de digitação. Checa mais uma vez, e só assim responde. Aboliu as maiúsculas para conse-

guir responder mais rápido. Diz que a velocidade da resposta depende do dia e não sabe quantas responde nos chats: “nunca contei”.

não te incomoda?”, pergunto. “O quê? O barulho?”. “Não, não. O jornalismo que o Rezende faz...”.

“Às vezes, tenho vontade de escrever: ‘por favor, só mandem perguntas inteligentes’.” Conta que certa vez, em uma coletiva do Lula em 1985, falou exatamente isso para os repórteres. “Daí, a primeira repórter a perguntar começou ‘segundo o DataFolha...’ E isso lá é pergunta inteligente?”, ri e pede mais perguntas.

“Ah, eu não me importo. Não existem assuntos nobres e outros menos nobres. Se tá na tevê, é porque tem público pra isso. Tem coisa pra todos os públicos. Eu não queria e nem saberia fazer esse tipo de programa, mas respeito. Já fiz muita cobertura de polícia no início da carreira. Antes era assim você começava, em esportes ou em polícia.”

Junto do chat, o telemóvel de Ricardo Kotscho, daqueles antigos de flip, descascado pelo tempo, não para de tocar. É ligação atrás de ligação, até que ele resolve desligar o bicho. “Meu maior medo é tocar, ao vivo, na televisão.” Ele diz que nunca aconteceu. “Só enquanto gravávamos o piloto do Jornal da Record News.” Celular de lado, volta ao chat. A maior parte das perguntas que chegam continua sendo sobre a queda da ministra da cultura e a ascensão de Marta Suplicy. Sobre as eleições em São Paulo, Kotscho antecipa: “Hoje, eles devem soltar mais uma pesquisa: o Russomano deve ficar estável, o Serra cair ligeiramente e o Haddad subir. É difícil prever. Nessa época, de reta final, os números tendem a não sofrer grandes variações. Minha mulher trabalhou muitos anos no Datafolha. Ajudamos a fundá-lo.” Refere-se a Mara Kotscho que, hoje, tem sua própria empresa de pesquisa, a Ética. São casados há 40 anos e têm duas filhas: Mariana, roteirista de cinema, e Carolina, jornalista. Pergunta vem, resposta vai. Passamos das 17h30. Ao longo das baias, televisões ligadas em diversos canais e programas, inclusive na Record. Essa é a hora do sangue. Na fileira atrás de Kotscho, um burburinho e risos. “O Marcelo Rezende tá inspirado hoje!”, grita um repórter. Ele segue imitando a fala de Rezende: “a polícia tá lá... O BOPE tá lá! Falaram ‘vamo convidar o Marcelo pra vir com a gente, porque hoje vai ter sangue! Hoje vai ter tiro pra todo o lado’”. Os colegas não se aguentam de rir. Kotscho segue respondendo e rindo. “Isso

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Mais alguns minutos se passam e a gritaria na tevê continua. Polícia, gritos e Marcelo Rezende espirrando na tela. “O Marcelo não cansa, não?”, pergunta Kotscho aos risos. A redação aos poucos vai se acalmando e parece menos barulhenta do que quando começamos a conversar. O ritmo vai diminuindo lá e cá. Cinco minutos passados das seis horas. Kotscho envia a resposta da última pergunta. “Chega por hoje, né?”. Agradece Francine e levanta da cadeira. Agora, começa sua segunda etapa da jornada: ler notícias e se preparar para o comentário da noite no Jornal da Record News, às 21h30. Mas, antes, uma nova pausa para um cigarrinho. Ou dois. Fazemos o mesmo trajeto da primeira fumada, em direção à rua. Recordo do monge Heródoto e sua religiosidade. Kotscho é bastante religioso. “Estudei em colégio de padre a vida toda, atuei na Comissão de Justiça e Paz e faço parte de um grupo de orações há mais de 30 anos.” Apesar disso, está desencantado com a igreja Católica, especialmente com o papa Bento XVI. “Já fui mais são-paulino, mais católico e mais petista do que sou hoje em dia.” Mesmo decepcionado com o cenário político, Kotscho não sente a menor saudade dos tempos em que eleição era só uma vontade. “Qualquer

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filho do jornalismo com coração palmeirense Murillo Chamusca

eleição é melhor do que nenhuma”, arremata. Para quem viveu no tempo da ditadura, em que não havia espaço para democracia, a eleição, por pior que seja, é uma conquista. Critica a máxima política (ou melhor, de politicagem) de que “em eleição só é feio perder”. “Deixei o governo Lula em 2004 por razões pessoais. Era pra eu ficar só um ano, mas acabei ficando dois.” Além do fato de que não aguentava mais ficar longe da família, Kotscho sentia falta de ser repórter. Segundo ele, estar no governo é ter de apanhar dos dois lados: tanto no interno, quanto da imprensa. Mas, apesar de desgastante, pode aprender muito. “Dá pra fazer muita coisa, mas outras não. Só estando lá dentro você vê as limitações.”

E os rumos do jornalismo? Kotscho acredita que falta fôlego à imprensa. “Dizem que fazer reportagem de fôlego é caro. Não concordo. O que falta não é dinheiro, é empenho do profissional. Ultimamente, a gente vê mais reportagens de fôlego na televisão do que em revistas. Acho que falta tesão.”

E a falta de uma boa pauta não é desculpa. “Ah, mas eu só pego pauta ruim. Oras, então proponha a pauta!” Nesses casos, ele instigava o repórter a propor pautas e bancá-las. Kotscho acredita que a culpa disso é, em parte, das escolas de jornalismo. “Há um desalento por parte dos professores. Eles falam muito mais sobre as dificuldades da profissão do que das possibilidades”. E nem estamos mais na ditadura militar. “Além disso, hoje, não há mais convívio. Antes, os jornalistas saíam da redação e iam para o bar. Isso não ocorre mais. Não se vive mais 24 horas para o jornalismo”. Suspira e olha para algum lugar que só ele pode enxergar. Com seu jeito tranquilo e arrastado, Ricardo Kotscho dá uma última tragada no cigarro. “Agora, preciso ir. Você vai ficar pro jornal? Ainda preciso ler o noticiário e me preparar.” Digo que não posso. Kotscho dá o número de seu celular: “qualquer dúvida ou outra questão, me ligue”. Devolvo a caneta da Fátima e me despeço para voltar a encontrar o Kotscho mais tarde: o católico e são paulino, na bancada da Record News, ao lado do corintiano monge da notícia.

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“E

u sou neto, filho, sobrinho, primo, marido e não espero ser pai de dois filhos jornalistas”. Carregar a credibilidade, a admiração, a competência e o sucesso do pai no sobrenome muitas vezes representa uma pedra no caminho de quem deseja tomar o mesmo rumo profissional. Espera-se do filho o mesmo ou até mais do que o pai fez em sua carreira. Com o filho de Pelé foi assim. Por mais que Edinho fosse goleiro e se destacasse em sua posição, sempre carregou consigo a sombra do sucesso do pai. Poucos são os que, ainda com o sobrenome marcante, conseguem se destacar pelo trabalho e não pelo parentesco. Mauro Beting faz parte desta exceção. Filho de Joelmir, um dos mais renomados jornalistas especializados em economia e política do Brasil (falecido no final do ano passado), Mauro não apenas herdou do pai a paixão pelo jornalismo. O patriarca da família Beting começou sua carreira na área esportiva e sempre se destacou por assumir publicamente sua fervorosa paixão pelo Palmeiras. Este caminho também é seguido pelo filho, jornalista esportivo que atua em todas as mídias possíveis, mas que se destaca como comentarista de futebol no rádio. “Eu sempre quis ser jornalista esportivo. Aprendi a ler com a revista Placar, com a Gazeta Esportiva, estudando livros de esporte”. Mauro conta que apesar dos conselhos contrários de seu pai, o qual dizia que “jornalista trabalhava muito e ganhava pouco”, além de que “não era bem visto pela classe”, nunca teve dúvidas de qual carreira

Mauro Beting é comentarista da Rádio Bandeirantes, da Tv Bandeirantes e escreve para jornais e sites

seguir. Mesmo assim, sua primeira graduação não foi em comunicação, mas em direito, na USP. “Eu recomendo uma segunda profissão além da jornalística, porque melhora bastante sua visão da sociedade. O direito, para mim, foi importantíssimo e valeu muito a pena. Acho um curso fundamental”. Foi em 1988, na Fiam, que Mauro Beting se formou como jornalista. Em pouco mais de dois anos ele já dava aulas no curso que havia se formado, na mesma faculdade. Ele próprio admite que era muito novo para lecionar e que aprendeu muito mais

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Divulgação

E do mundo político caiu na Record. Lá, diz ele, não há influência da Igreja Universal nos trabalhos jornalísticos da emissora. “Nunca tive tanta liberdade para trabalhar. Nunca houve interferências, até porque, no meu caso e no do Heródoto, a autonomia editorial está assegurada em contrato.”

Conta já ter ficado quase um mês perseguindo histórias e não dar em nada. “O jornalista tem que brigar para fazer a reportagem. É a única profissão do mundo em que se tem que brigar para trabalhar”.


do que ensinou. Mauro, inclusive, reconhece que este foi o único momento de sua carreira profissional no qual ele percebeu que o sobrenome renomado de seu pai o auxiliou. “Talvez tivesse sido um erro da Fiam me colocar para ser professor, já que eu era o ‘filho do Joelmir’ e não o profissional da área jornalística que sou hoje. Não tenho como negar isso”. No entanto, Mauro Beting faz questão de ressaltar que a sala de aula agregou muito ao seu futuro profissional. Com muito bom humor, uma das mais marcantes características do trabalho dele, Mauro conta uma história curiosa dos tempos de professor. “Por um lado sacana era maravilhoso, já que era dois ou três anos mais velho que minhas alunas. Tinha aluna que fazia declaração de amor para mim na prova.Tive que inventar outros trabalhos, para colar por cima, para não me comprometer com a coordenadoria”. Já na redação, Mauro acabou trilhando o caminho contrário da maioria de seus colegas de profissão. Seu primeiro emprego foi no próprio Grupo Bandeirantes, em 1987, local onde trabalha até hoje. Porém, atuava na editoria de política. Mais a frente, em 1990, Mauro escrevia sobre música para a Folha da Tarde quando, durante a Copa do Mundo daquele ano, foi transferido para a editoria de esportes. Os responsáveis pelo ingresso de Mauro Beting na área esportiva foram o chefe de redação Chico Lang (atualmente na TV Gazeta), junto com o editor José Roberto Malia (atualmente na ESPN Brasil) e Hélio Armond (atual assessor de imprensa de Paulo Maluf).

Já como jornalista esportivo, Mauro Beting buscou se especializar em sua área. Visto que desde tão cedo já se destacava por suas análises e opiniões a respeito do futebol, ele foi atrás de um curso de arbitragem e um curso para ser treinador. “É para você ter outra noção, conhecimento de regra. Você é muito mais respeitado pelos profissionais da área futebolística por ter feito os cursos. O jornalismo é muito de você se colocar no lugar das pessoas. É nessa hora que o jornalista tem de ser responsável e, muitas vezes, isso não acontece”.

agregar qualidade e conteúdo a seus comentários, há quem conteste e até duvide de sua capacidade. “O que me incomoda um pouco, às vezes, é que as pessoas acham que eu estou de laptop, mas a minha memória também é muito boa. Se eu tenho a informação e se eu a uso rapidamente é porque eu sei onde procurar, entende? Não é por acaso, é um trabalho meu”. Mauro diz que as estatísticas têm seu valor, mas que sabe que elas são apenas um algo a mais em seu trabalho. “Gosto de trabalhar com isso, eu acho os números muito importantes, mas eles não definem tudo”.

Hoje, Mauro Beting trabalha como comentarista de futebol na Rádio e na TV Bandeirantes, além de escrever mais de 15 colunas, entre sites, revistas e jornais impressos. “Para mim é tudo igual. Mas rádio dá prazer, escrito dá prestígio e TV dá popularidade. Eu não dou tanta importância à minha popularidade. Prefiro ter prestígio e, se der, ter prazer em realizar o meu trabalho”.

Outro destaque da carreira de Mauro no jornalismo esportivo está no fato de ele admitir abertamente para qual time torce, defendendo a ideia que os jornalistas da área deveriam fazer o mesmo. A exemplo do pai, Mauro Beting é palmeirense fanático: “Sou um palmeirense jornalista, e um palmeirense aposentado, como já fui um palmeirense estudante, um palmeirense vagabundo, não sou aquele porta-voz de torcedor, de diretoria”. Porém, ele afirma que não deixa sua paixão interferir na profissão:. “A gente consegue separar sim. Quem ouve é o torcedor. Então, o cara já é parcial e tem de ser parcial. O torcedor acha que todo jornalista é contra você, contra o seu time”.

Mauro explica qual a diferença de seu trabalho em cada uma das mídias onde atua. “Tento ser o mais coloquial possível falando no rádio e na TV. No texto, eu não sou tão coloquial assim, eu sou um pouco abusado, exagerado. Eu não quero ser popular, se o cara está lendo o que eu escrevo já é um grande esforço, ele tem um algo mais”. Apesar de tudo, o jornalista não esconde sua preferência pelo rádio. “O rádio é legal porque você fala e ouve, você está conversando. Ele está sempre junto, independente do lugar e do que você estiver fazendo”.

Mauro logo ficou responsável por uma coluna que tratava do “Lado B da Copa”. Ele era encarregado de, sozinho, fechar esta coluna diária do jornal. “No primeiro dia da Copa, não havia nada para escrever, tínhamos 14 páginas, o Brasil estava com aquela crise de criação e eu fiz um histórico de camisas 10 desde a Copa de 1930. Os caras gostaram. Acabou a Copa e continuei meu trabalho como colunista, aos 23 anos”. Desta forma, ele fez o caminho inverso. Ainda muito novo na profissão, já era colunista do jornal.

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Pode-se dizer que uma de suas marcas principais é o conhecimento da história e das estatísticas do futebol. Basta acompanhar Mauro em um dos vários jogos onde atua como comentarista para perceber a profundidade de seu trabalho de pesquisa e o repertório futebolístico que o jornalista possui. “Para cada jogo tenho uma preparação diferente, além de confiar muito na minha memória. Fui um dos primeiros caras a usar o Footstats [sistema de estatísticas de futebol], por exemplo”. O jornalista explica que, apesar de se especializar neste trabalho estatístico, justamente para

Mauro explica que, na verdade, por ser palmeirense, é justamente de seus colegas de arquibancada que recebe a maior parte das críticas, assim como seu clube acaba sendo o mais criticado por ele. “Eu critico muito mais o Palmeiras, exijo muito mais do meu time e o palmeirense exige muito mais de mim também. Uma das minhas maiores críticas é a minha mãe, ela detesta que eu critique o Palmeiras, essa minha imparcialidade contra o Palmeiras. Eu sempre tive muito mais problemas com palmeirenses do que com torcedores de outros times”. Porém, ele também dá um exemplo de que ser palmeirense a admitir para qual time torce não necessariamente faz com que torcedores de outros clubes deixem de admirá-lo e respeitá-lo. “Um dos meus maiores orgulhos foi ver mais de dois mil torcedores corinthianos colocarem no seu perfil

[no Facebook] um texto meu que fiz em homenagem ao centenário do Corinthians sendo que, no próprio texto, eu falava que era palmeirense. Você não pode agradar todo mundo, deve, ao menos, ser equilibrado e isso eu tento ser”. A grande dificuldade de Mauro Beting atualmente é a de conciliar o trabalho como jornalista com os projetos em que está envolvido. Muitos deles relacionados ao seu clube de coração, como a produção de filmes, mesmo que ainda inexperiente na área cinematográfica. “O primeiro que sairá será sobre a final de 1993 [fim do jejum de 17 anos sem títulos do Palmeiras] em março de 2013, já no início das comemorações do centenário do Palmeiras que acontece em 2014. Tem mais cinco filmes que eu vou desenvolver em parceria com o Museu do Futebol, que não dá pra falar muito ainda”, disse Beting, para depois complementar sobre a grande dificuldade. “Meu problema é só esquematizar, mesmo quando eu dava aula, era uma bagunça danada. Mas eu faço”. Além do cinema, Mauro continua a se dedicar à literatura. O jornalista já escreveu diversos livros, como o “Bolas e Bocas”, o “Dez Mais do Palmeiras” e o “Melhores Seleções Estrangeiras”. Acabou de lançar uma biografia do goleiro Marcos, um dos maiores ídolos do Palmeiras. “O livro sobre o goleiro Marcos, que é um projeto meu, uma biografia oficial autorizada pelo jogador e pelo Palmeiras.” Isso demonstra que o seu trabalho não fica apenas restrito à área esportiva, como explica Beting, que frequentemente é convidado para escrever orelhas e prefácios de livros. “Eu, juntamente com o Juca Kfouri, sou o cara que mais faz orelhas, prefácios, quartas capas e apresentações de livros, não só de futebol, o que é mais legal”. Este é Mauro Beting, um jornalista de “ventre”, como gosta de dizer, que se adapta aos diversos meios de comunicação e se envolve em muitos projetos em diferentes áreas. Soube marcar o seu nome na profissão por méritos próprios, não ficando apenas na sombra de seu pai. Sem nunca perder o bom humor e sempre demonstrando seu amor pela profissão e pelo Palmeiras, ao não permitir que este interfira naquele.

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Do amante de esporte a mestre dos

tempo brincalhão. - Não sei – Respondeu a criança, com uma carinha confusa - Por que você não pergunta pra sua mãe? – Sugeriu o repórter A criança então olhou para a mulher sentada ao seu lado, que afirmou com a cabeça e um leve sorriso no rosto. Com carinha de sapeca, ele fez que sim com a cabeça e envergonhado a abraçou; depois que a entrevista tinha acabado, correu até Marcelo exclamou: “Papai!” e o abraçou. Antonio é o filho caçula, fruto do segundo casamento de Marcelo Duarte, com a diretora de TV, Maísa, juntos há 12 anos. De seu primeiro casamento, tem mais dois filhos. Marcelo e Maísa se conheceram em 2000. Quatro anos depois quando estavam cobrindo as Olimpíadas de Atenas para a ESPN. Se casaram em uma cerimônia tradicional grega com um padre que também falava português. Isto se tornou um especial do canal chamado “Casamento Grego 2”. Ao todo ele já cobriu cinco Olimpíadas: Seul (1988), Atlanta (1996), ambas pela revista Placar, Atenas (2004), Pequim (2008) e Londres (2012) pela ESPN. “As duas primeiras, eu era o único repórter da Placar fazendo a cobertura, então eu cobri tudo. Já com a TV, sempre fui com essa pegada de contar um pouco dos bastidores, contar um pouco da cidade e da tradição. A Olimpíada me marcou porque eu entrei pra revista Placar para fazer os outros esportes, isso me possibilitou os conhecer e cobrir os jogos Pan-americanos de 87 em Indianópolis. Esta foi a minha primeira cobertura internacional”.

Além de escrever livros sobre curiiosidades, Marcelo tem um programa chamado “Loucos por Futebol”, na ESPN

Luciana Almeida - Estamos abertos a perguntas. - Quanto é 600 menos 200? Disse um pequeno espectador, sentado atrás do entrevistado. - É essa a sua pergunta? perguntou o jornalista surpreso.

- Você não sabe quanto é?, perguntou Marcelo, com um olhar divertido. - Não – respondeu a criança sincera. - Então Marcelo, você sabe a resposta? – Indagou o entrevistador. - 400, acertei? – Respondeu Marcelo, olhando para o pequeno, com um tom sério e ao mesmo

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Porém, não esconde que as Olimpíadas são o seu evento esportivo favorito: “Eu cobri a Olimpíada de Seul e me apaixonei por jogos olímpicos porque é uma sensação maravilhosa. Eu já cobri três copas e copa do mundo é um exemplo que fica tudo muito espalhado, os torcedores de determinados países ficam em uma cidade que é longe uma da outra. Na Olimpíada não, tudo acontece numa cidade só. Então pra onde você olha você vê alguém falando de esporte. Você está no metrô e

em que outro lugar do mundo vai ter um coreano e um das Ilhas Mauricio, no mesmo vagão? Aquilo me encantou. Os melhores atletas do mundo, que você passa um tempão olhando na TV, estão ali. Para mim, este é o maior evento da Terra e eu tenho que estar sempre presente”. A família do jornalista nunca foi de esportistas. Ele se tornou um amante de futebol aos sete anos de idade quando começou a comprar a revista Placar. Foi por causa da publicação que decidiu fazer jornalismo e soube onde gostaria de trabalhar. Então, ele começou a enviar artigos próprios e comentários à revista. Mais tarde, Marcelo foi chamado para passar um mês na publicação como assistente de redação, pois ainda não era formado na área. Quando formado, passou a ser repórter evoluindo de cargo, chegando a ser editor chefe. Em seguida, foi convidado pela revista Playboy para ser redator chefe. “Quando eu dizia que trabalhava na Playboy, todo mundo achava que as mulheres ficavam peladas na redação e era muito engraçado porque a gente alimentava a fantasia das pessoas, o que causava uma curiosidade muito grande, mas era uma redação comum. De vez em quando aparecia uma mulher que tinha posado pra ver as fotos dela, mas geralmente a editora de fotografia tinha um espaço reservado, então nós só viamos quando estava na prova. Nós não ficávamos olhando os originais. Nunca ninguém tirou a roupa lá dentro, mas tinha todo um glamour. Às vezes você olhava: ‘nossa a Sonia Braga está ali’ ou ‘a Bruna Lombardi veio visitar’. Tinha algumas que você olhava pra menina e pensava ‘quem será que é ela?’. Você não dava nada, depois saia um ensaio maravilhoso e você não acreditava que era a mesma porque a menina era superfotogênica e ao vivo não era tão bonita.” Trabalhar na revista, segundo ele, foi uma experiência muito rica e que também lhe proporcionou o seu momento mais constrangedor. “Uma vez inventaram de me mandar pra um daqueles concursos de gata e sempre convidavam alguém da Playboy pra ser jurado. Eu nunca gostei muito desse tipo de evento. Uma vez eu fui e é um absurdo como os empresários ficam oferecendo as meni-

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como o médico deve ter e o advogado também. Agora nunca tive dúvida de como essa profissão é fascinante, de quantas possibilidades eu tive, de conhecer lugares novos e pessoas novas todos os dias. É impressionante e muito legal, a quantidade de gente que eu conheço graças ao Jornalismo e através das informações que eu guardo de entrevistas, perfis e como essas coisas são importantes. Você não sabe hoje, mas elas vão ser importantes lá na frente. Em uma boa entrevista que você fez no passado, a pessoa pode virar uma fonte sua no futuro”.

Marcelo Duarte discorda dos que acham que os jornalistas das novas gerações não são bons nas, para que depois elas conseguissem posar pra revista e isso eu achei um tanto constrangedor pra quem está lá, pra quem oferece e pra moça.” Depois de ficar dois anos na Playboy, Marcelo ficou quatro na Veja São Paulo. Durante esse período, lançou seu primeiro livro, O Guia dos Curiosos. Enquanto ele folheava A Enciclopédia dos Curiosos dos anos 60 na casa de sua tia, teve a ideia de atualizar o almanaque, deixando-o com uma cara de anos 90. Na época, ele trabalhava na Vejinha e utilizava algumas curiosidades em suas reportagens. “Comecei a guardar essas coisas, ai falei ‘ah mais cedo ou mais tarde, eu vou usar’ e tudo o que era curioso, eu guardava, (...) pegava as revistas e os jornais e colocava numa pasta e deixava lá. Nunca com a intenção de não fazer nada a não ser ter para uma emergência.” Com isso em mente, começou a escrever, pesquisar, dividir por capítulos, fez um projeto e entregou para a Companhia das Letras e eles toparam. Assim adquiriu o cunho de “O Curioso”. “É engraçado hoje a visão que as pessoas tem: que eu sou um cara que fala muito e que sou extrovertido. Mas eu sempre fui muito tímido e quando decidi ser jornalista, eu queria ser de jornal ou de revista porque não precisava ficar na frente das câmeras. Depois fui aprendendo na marra, agora eu consigo até me assistir”.

Sobre os jornalistas que estão surgindo no mercado, ele discorda da frase de que “essa geração não é de nada”. Segundo ele, os estudantes que estão começando no mercado e com quem está trabalhando ou já trabalhou, são pessoas com uma ótima formação e que possuem muita cultura geral, principalmente por ter um ensino mais acessível que a geração anterior. Mas que ainda há pessoas não preparadas pra profissão e não podemos generalizar. “Eu me formei há 27 anos e a gente não tinha acesso que tem hoje a internet. Nós conseguimos concluir o inglês, fazer uns cursos mais ou menos. O intercâmbio era coisa de milionário. Você não tinha as facilidades que tem hoje, então é uma geração que é mais bem preparada.” Ele dá um conselho pra quem quer entrar na profissão: “Eu acho que nós temos que ler cada vez mais. Sempre me diziam quando eu era estagiário assim: ‘não adianta só você ler coisa de futebol, porque vai que você está no aeroporto e teve a oportunidade de ver o chefe do Superior Tribunal Federal. Você não vai arriscar fazer uma pergunta pra ele? Você vai perder essa oportunidade?”. “Eu acho que toda profissão tem seus momentos de crise, teve uma época que eu tive um chefe estúpido pra caramba e comecei a questionar se valia a pena, mas eu não tinha um plano B. Em qualquer profissão você tem suas crises: um texto que não foi aprovado pelo chefe, uma matéria que não dá certo. Você tem seus momentos assim

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“Então você tem que estar bem informado. Eu sempre tive essa preocupação de ler um pouco de política, um pouco de economia, tentar saber quem é quem. Às vezes tem que pegar a revista Caras pra saber quem são os novos atores. Já aconteceu de eu estar em um lugar, e todo mundo muvucando um casal e eu: ‘Caramba, quem que é?’, daí eu virei por lado e perguntei quem era, ‘é o

fulano e a fulana do BBB’. Big Brother tudo bem, é difícil decorar, mas é importante você saber quem são essas pessoas. Nós estamos em uma geração que tem muita estrela que é lançada e desaparece logo, então você tem que tentar saber sempre quem são as pessoas, porque você pode perder uma boa pauta se não souber.” Marcelo ainda ressalta que é importante não aceitar qualquer tipo de presente, como por exemplo, uma viagem ou ingresso de show, pois isto também é considerado um tipo de propina. Por ele ter um código de conduta próprio e não aceitar presentes deste tipo, isto fez com que ele se tornasse uma pessoa com credibilidade. “Quem me vê no jornal ou na rádio, principalmente, sente que eu virei um crítico de programas, de lugares de São Paulo e de espetáculos. Como sempre paguei pelas minhas coisas, posso dizer quando a TV é ruim e o público se identifica porque eu sou um jornalista que está do lado deles. Eu não fico fazendo oba-oba porque ganhei um ingresso para ir à estreia. Já ganhei muitos e não fui, quero pagar por isso, e isto me dá uma credibilidade que não tem preço na profissão, que as pessoas respeitam e vejam que é um trabalho sério e é alguém que sabe falar o lado positivo e o lado negativo. Além disso, também sou muito respeitado pelas pessoas que eu critico porque eles tiveram uma visão que não estavam tendo. Então é isso, credibilidade é importante e com ética se conquista ela.” Atualmente, Marcelo trabalha no programa “Loucos por Futebol” do canal ESPN, tem uma coluna chamada “É São Paulo Que Não Acaba Mais” na Rádio BandNews FM e apresenta o programa “Você é Curioso?”, na Rádio Bandeirantes. Além disso, administra sua editora, a Panda Books. Como conciliar tudo? Marcelo conta que o segredo é ser muito organizado. Cada coisa tem que ter um espaço na sua agenda, por exemplo, terça é dia de gravar na rádio e quarta, ir à TV fazer reunião de pauta, além disso, conta com uma equipe na editora. E ressalta que o “bom de estar em diferentes meios te possibilita fazer o crossmedia, algumas coisas são boas pro rádio, outras são pro jornal, uma coisa complementa a outra e isso é importante”.

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Um mercado amplo mas que exige sólida formação mercado mais digital”. Outro mercado que esta em ascensão na opinião dele é o corporativo, no qual atua. “As empresas estão sobre pressão da sociedade, sobre os diversos públicos de relacionamento. E e elas necessitam, cada vez mais, se comunicar de forma mais clara e transparente com seus “stakeholders”, clientes, governos, ONGs e com as comunidades onde elas atuam. E a imprensa é um canal extremamente importante pra isso, então dentro das empresas. As áreas de comunicação estão ficando cada vez mais fortes”.

Paulo é assessor de imprensa do grupo Itau -Unibanco

Fotos e Texto: Letícia Romano

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omo a maioria dos alunos, ele entrou na faculdade sem saber o que era assessoria de imprensa. Paulo Marinho, se formou em 1986. Para ele, o jornalismo mudou muito. “Acho que hoje é uma carreira muito diversificada, principalmente com a internet”. “Você tem enxugamentos de redações, grandes jornais, grandes revistas. Mas por outro lado acho que é um novo mercado que se abre, esse

Ele trabalha no Itaú e considera seu trabalho “extremamente” interessante. Faz questão de ensinar sobre “os dois lados do balcão”, como ele mesmo chama. De um lado os jornais, revistas, rádio e TV. E do outro, a assessoria de imprensa. “Quando você é repórter, é jornalista de um grande veículo, tem papel de buscar a notícia, buscar a informação para poder dar uma divulgação cada vez mais antecipada, inovadora, o famoso furo e sair na frente. Os jornalistas que vão para as empresas também têm essa semelhança, porque ele têm um papel um pouco duplo, que é de proteção. Precisam proteger a imagem e a reputação dessa companhia, mas ele também vai ter que buscar histórias dentro dessa empresa para que elas possam ser contadas lá na imprensa”, diz Paulo. Paulo considera o jornalismo de redação como essencial para o profissional crescer na carreira. “Acho que todos precisam passar pela grande imprensa, que é uma grande escola. Ser jornalista não é um desafio simples. É preciso ter

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muita informação, estar muito embasado conceitualmente. Mas tem esse outro lado que é o lado do faro, da perspicácia, do enxergar a notícia, onde ela estiver. Muitas vezes você tem a situação, você tem o fato, tem o depoimento, mas a notícia pode não estar ali, pode estar em outro lugar, mais escondida”. Para o próprio jornalista, a experiência como assessor mudou muito sua visão da profissão. “Eu desenvolvi aqui habilidades, capacidades, que eu não desenvolveria na redação. E na empresa mudou muito para mim porque ampliei muito o meu ‘scopal’. Na verdade sou muito mais do que um assessor, porque você acaba virando um executivo de reputação”. Como jornalista, fez reportagens sobre assuntos extremamente interessantes e muitas viagens. “Cobrir a construção de uma hidrelétrica na China, pra mim foi extremamente transformador. Uma hidrelétrica sendo construída por uma empresa brasileira junto com o exército e o governo chinês. Ir lá cobrir esse fato e depois aproveitar pra escrever outras reportagens sobre a economia chinesa, do outro lado do mundo, para mim foi extremamente relevante. Fiz coberturas e escrevia muito sobre o setor de telecomunicações do Brasil quando se iniciava a privatização da telefonia, aquilo pra mim foi extremamente importante, cobrir o leilão Telebrás, talvez a maior privatização até hoje do Brasil”. Como comunicador corporativo: “aqui, no Itaú Unibanco, por exemplo, eu já liderei o processo de comunicação do banco em aquisições, fusões extremamente relevantes, não foi só do Itaú Unibanco, em novembro de 2008, a maior fusão da América Latina no setor financeiro. Também passei por muitas outras. O Banco Itaú comprou o Bank Boston, americano. E liderar o processo de comunicação dessas situações é muito enriquecedor, muito desafiador. É preciso identificar quais são as mensagens, como é que você se certifica que a imprensa e como os stakeholders diversos vão captar e reproduzir essa mensagem. Então é um desafio enorme, é um desafio de gestão também, grande”. Trabalhando numa empresa tão grande assim,

não poderia ser diferente, o estresse uma hora chega. Para lidar com isso, Paulo mostra suas habilidades como um jornalista que poderia ter trabalhado em revistas femininas e dá dicas também. “Olha, tem que fazer muito esporte, terapia, mas não é só por causa da profissão. A terapia é importante para a nossa vida, mas ela ajuda muito com o trabalho. Muita coisa que hoje eu consigo fazer é muito fruto desse processo terapêutico. Agora o esporte é fundamental. Faço corrida e tênis. Acho que é fundamental esse tipo de coisa. Agora, uma coisa que é fundamental também, que ajuda a tirar o estresse é você, pode parecer contraditória, mas é você navegar, surfar, algumas ondas que o mercado de comunicação te permite, congressos, seminários, palestras. Você estará trabalhando e tal, mas ajuda um pouco a desestressar também”. Ainda na área das dicas, o comunicador corporativo diz o que considera que ler bastante, buscar muitas informações, ser curioso (extremamente curioso). Esses pontos são fundamentais para ser jornalista. “Não pode se contentar com um lado só de qualquer coisa. Tem que se aprofundar nos diversos lados que uma informação, que um fato tem, porque um fato nunca tem um lado só, nunca. Não dá pra você dizer que ‘o Itaú Unibanco é isso’, ele é isso por que? Como? O famoso lide né?! O quê? Quando? Como? Por quê? Essas perguntas tem que ser respondidas, o jornalista tem que ter essa curiosidade”. “Eu acho que a profissão do jornalismo tem um risco embutido, como várias profissões tem um risco embutido. Ser médico também tem risco embutido. Agora no jornalismo tem uma responsabilidade muito grande Você vai escrever sobre empresas, você vai escrever, falar ou relatar sobre empresas, sobre pessoas. Está em jogo a reputação da empresa, daquela pessoa do outro lado. Para isso você precisa se informar muito, precisa se aprofundar através da leitura. Para ser um bom jornalista você tem que ter o prazer da busca de diversas fontes de informação. Não dá pra se contentar com um depoimento só, o que mais tem além de um depoimento? Tem que querer buscar esses diversos lados da informação”, conclui.

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Era domingo e tudo parecia muito quieto. Ao entrar na redação da Band News FM, havia apenas quatro ou cinco pessoas fazendo suas tarefas, mas o clima era leve e descontraído. Eduardo Barão vestia uma camiseta com o logo da emissora. Entrando pela porta de vidro, percebi que a redação parecia um aquário, pois era não havia paredes de concreto e tudo era feito de vidro. Em sua sala, uma mesa organizada, porém, com pelo menos cinco jornais espalhados. Barão começou a trabalhar em um jornal de bairro chamado Gazeta do Ipiranga. “Era revisor de texto, então tudo que entrava no jornal eu tinha que ler, anúncios publicitários e manchetes”. Logo depois foi contratado pela rádio Jovem Pan, na qual trabalhou por nove anos. “Sei falar inglês. Então eu era o rádio escuta da CNN. Ficava acompanhando tudo que acontecia e quando tinha alguma tragédia, a gente passava em texto. Depois comecei a entrar no ar”. Barão também passou pela Agência Estado e trabalhou em outros lugares como freelancer. Após nove anos, entrou para a equipe da Band News FM, onde está desde o início da rádio.

Eduardo Barão, na redação da Band News, onde é repórter

Beatriz Ghunter

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omada pelo nervosismo da primeira entrevista “de verdade”, cheguei à recepção e perguntei por Eduardo Barão. Em trinta segundos a recepcionista me entregava um crachá e me dava instruções de como encontrar os estúdios da Band News. Antes que eu encontrasse o caminho, escutei uma voz conhecida. “É por aqui. Você é a Beatriz?”

Peguei meu gravador, meu caderninho e não parava de tentar explicar o porque de estar ali. Barão disse que já tinha sido entrevistado mais de 60 vezes e já teve que ser o entrevistador outras tantas. “Primeira coisa é o seguinte: você não precisa ficar falando que você nunca fez na vida.Vem aqui e faz, depois você escreve o que quiser. A pessoa não vai esperar que você escreva uma tese”.

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“Eu sempre quis trabalhar em rádio”. E é aí que entra sua paixão pelo esporte: “sempre quis trabalhar com rádio esportivo”. Apesar da vontade inicial de trabalhar com esportes, com o tempo, essa ideia começou a enfraquecer. Barão diz que trabalhando nessa área, o jornalista compromete boa parte do seu tempo, principalmente o final de semana, que é quando acontece a maioria dos campeonatos. “Ainda mais quando você é jovem e está começando, fim de semana é algo que você leva em conta. Atualmente, além de ser âncora do noticiário matutino, ao lado de Ricardo Boechat, Tatiana Vasconcellos e Sheilla Magalhães, também comanda as transmissões de futebol e coordena a equipe esportiva. A sala onde estávamos, apesar de ter as paredes transparentes, parecia um mundo à parte. O silêncio era o rei ali e tudo que parecia acontecer era minha conversa com Eduardo Barão. Sobre o que o jornalismo mudou em suas visão

de mundo, Barão diz que mudou, mas não mudou para melhor. “Você tem contato com coisas que não são das mais bacanas, não são coisas que eu mostraria para o meu filho. Contato com tragédia, corrupção, sacanagem, sujeira...” É nesse momento que começo a notar o desapontamento, não com a profissão, mas com as coisas que acontecem no mundo. Diz que como consequência, ele ficou um pouco mais frio em relação a acontecimentos que normalmente causam choque. “Você acaba criando uma casca, uma casca mais dura pra entender certas situações. Acaba criando uma pele mais forte pra aguentar tragédias do cotidiano”. Sua visão com jornalista não é a mesma de quando tinha 16 anos. Agora, com 35, se diz indignado ao ver pessoas que roubam descaradamente, policiais corruptos e assassinatos dos mais torpes motivos possíveis. Durante a entrevista, talvez o fato mais marcante até aquele momento, era a calma de Eduardo Barão. Claro que, com a experiência de anos na profissão, ele está mais que acostumado a atender jornalistas novatos. Porém, isso me chamou a atenção quando quis saber como ele administrava o estresse do dia a dia. “É bem difícil. Eu tenho uma enorme dificuldade, eu já passei por cargos de chefia e tal, mas não sei. Tenho uma grande dificuldade de administrar isso, tenho mesmo. Não administro muito bem”. Na tentativa de deixar a rotina um pouco menos estressante, Barão “tenta” dar dicas de como ter sucesso nessa questão. “O que você tem que fazer é tentar buscar caminhos alternativos, como se desligar o máximo possível quando você está em casa, tentar praticar atividades físicas”. O exemplo de como é difícil lidar com o estresse e com a vida pessoal ao mesmo tempo é o colega de bancada de Barão, Ricardo Boechat. “Boechat, que é bem mais velho que eu e tem muita experiência, diz que um dos grandes problemas da vida dele, foi não ver os filhos crescerem, hoje ele tem duas meninas de um outro casamento. Eu tento ao máximo possível me dedicar aos meus filhos, pra não ter esse tipo de problema”. Para Barão, essa é uma das partes mais difíceis do jornalismo.

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“Hoje, domingo, você está aqui comigo, está um baita sol, calor. Eu saí do restaurante, vim pra cá correndo e meus filhos ficaram lá com a minha esposa”. O compromisso de Eduardo Barão com o jornalista é evidente. “Sair no meio da madrugada porque aconteceu uma tragédia, voltar mais tarde pra casa. É da profissão”. Um assunto que incomoda Eduardo Barão é a ética – e a falta dela – no jornalismo. Segundo ele, o tema é muito abrangente. “O que me irrita é falta de precisão”. É essa falta de comprometimento com a verdade que mais incomoda Barão, que repetiu inúmeras vezes o quanto não gosta desse tipo de prática. “Tento ser muito preciso. Se eu vou dar a informação no ar, eu tenho certeza que aquela informação está correta. Incomoda demais ver pessoas brigando pra dar notícia antes”. Disse também, que quando começou a trabalhar como jornalista, era muito mais difícil esse desentendimento com a verdade acontecer, pois não tinha internet. Cansou de ver “gente sendo morta sendo que está viva”. Como exemplo, contou a história de um incêndio em uma churrasqueira, no alto de um prédio, que confundiram com um “avião que caiu”. Barão enfatiza: “Eu sempre brigo para que a notícia seja dada de forma correta, independente do que for”. Eduardo Barão frisa que ao dar a notícia, é importante que o entrevistador não se sobreponha à figura do entrevistado. “Tem muita gente que se acha mais importante que a notícia. Você não é nada”. O principal é a notícia. “Sem ela você não ganha seu pão do dia a dia”. Além disso, o âncora da Band News comenta um pouco sobre o que considera fundamental na profissão. Para ele, quem quiser seguir caminho no jornalismo tem que estar muito bem preparado, ler bastante e tentar ficar por dentro de tudo que está acontecendo. A paciência também é uma aliada do profissional. “Você precisa ter uma paciência grande pra conseguir ir atrás da informação, pra apurar de forma correta, pra que você tenha uma perseverança de conseguir a informação do jeito que ela tem que ser dada”. Com tantos anos de carreira como jornalista,

Barão brinca comigo e diz que é da “época do Telex”. Quando começou no jornalismo, a internet dava seus primeiros passos, mas não era uma certeza. “Tinha um negócio chamado TELEX, coisa de papo de velho, mas as notícias internacionais chegavam em uma máquina chamada TELEX, eram mandadas pela France Press e por outras agências de notícia”. E toda sua experiência o faz pensar sobre as mudanças do jornalismo de ontem para o de hoje. Para ele, a época não influencia na produção de notícias, e sim a forma de como são dadas essas notícias. “A diferença que eu vejo é mais pela forma, antigamente você não tinha internet. As notícias demoravam pra ser dadas, porque você não tinha como fazer essa informação chegar”. Barão lembra quando o Brasil foi campeão do mundo em 1958, quando a informação demorava para ser levada de lugar em lugar. “Você sabia pelo rádio, mas as fotos demoraram um tempão pra chegar aqui nos jornais, não tinha televisão”. Barão vê o futuro da profissão na credibilidade. Para ele, a notícia sempre tem que ser dada de forma correta e precisa, sem erros. O compromisso com o ouvinte, leitor e telespectador está acima de tudo. “Quanto mais notícia correta você for dar maior é a sua credibilidade com seu consumidor final”. Mas a ideia de futuro não para por aí. Mesmo com a falta de comprometimento com a verdade de alguns jornalistas, ele acha importante a participação do ouvinte – no caso da Band News FM – na apuração da notícia. Com a internet, as mensagens de texto e o telefone, ele diz que a comunicação entre o comunicador e o receptor é instantânea. “Hoje qualquer pessoa que está no metrô, deu um problema no metrô, ele vai e manda um torpedo pra cá e chega direto aqui pra gente”. Ao terminar a conversa, Barão se mostra humilde ao dizer que nunca foi alguém que tivesse muitos ídolos na área da comunicação. Diz preferir manter um certo distanciamento das pessoas que admira. “Eu sei que evidentemente as pessoas não são perfeitas, então deixa ele lá no cantinho, pra não ter nenhum tipo de questão”.

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Em conflito com a por Rebecca Silva Apresentadora do carro-chefe da rádio Estadão, Mia Bruscato é uma humana em construção. Rebecca Silva Como é de praxe, a primeira coisa que fiz naquela segunda-feira ensolarada ao acordar foi acessar o twitter, minha fonte primária de notícias. Diferente dos outros dias, a última mensagem enviada tinha sido de Mia Bruscato, avisando aos seus ouvintes que o Estadão no Ar, programa que apresenta há um ano, já estava sendo transmitido. A diferença não é pelo fato de Mia ter twittado: ela o faz todos os dias. Mas o horário em que eu acordei e o que eu faria naquele dia. 6h45, madrugada para uma estudante do período vespertino. E eu estava prestes a entrevistar a dita cuja. Do caminho de minha casa, no Itaim Bibi, até a sede do Estado de São Paulo, onde se encontra a rádio Estadão, no Mandaqui, ouvi o programa apresentado por ela, no ar desde às 6 da manhã. As pautas do dia eram um acidente envolvendo uma carreta na ponte Eusébio Matoso, a morte de Eric Hobsbawm e a pichação na reinaugurada Praça Roosevelt. Ao chegar no prédio, o nervosismo começou a crescer. Talvez pelo fato de estar pisando pela primeira vez em uma redação de verdade, sonho de qualquer aluno de jornalismo. Ou então porque eu entrevistaria alguém da área, com anos de carreira. Minha entrada no prédio foi liberada rapidamente. Ao chegar ao segundo mezanino, andar em que se encontram os estúdios da rádio, a melodia tão conhecida de Bitter Sweet Symphony ecoava pela recepção, proveniente do primeiro estúdio, onde uma morena comandava a rádio Eldorado. Nada de recepcionista ainda. Alguns jornalistas (poucos) trabalhando na redação. Resolvi aguardar ali mesmo e um vitral na parede chamou minha atenção. A claridade do dia iluminava o brasão do grupo Estado, além de dizeres de Ruy Barbosa e Julio Mesquita Filho sobre jornalismo. Naquele momento, a frustração e o desânimo que foram, ao longo dos dois anos de faculdade, dominando e vencendo a vontade e o ânimo iniciais, desapareceram. O fogo da esperança foi alimentado por palavras. Nada mais jornalístico.

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Arquivo pessoal

Esperei por alguns minutos depois do final do programa até ser levada por Mia até uma pequena sala de reuniões dentro da redação para que pudéssemos conversar. A adrenalina da entrevista não me deixava sentir sono, mesmo tendo acordado tão cedo para os meus padrões. Mas o dia começou ainda mais cedo para ela. Moradora de Jundiaí, a 60 quilômetros da capital, chega no estúdio meia hora antes da transmissão e procura olhar pelo menos a capa do jornal para se situar com as manchetes do dia. Para ela, o jornal acontece de maneira orgânica, apesar de seguirem o espelho com os giros de 15 minutos (diferencial da emissora) e com colunistas de horário programado. O tempo todo algo novo pode surgir, um entrevistado pode render mais do que outro. O veículo tem caráter de imediatismo, ainda mais por se tornar de um programa ao vivo.

Mia passou as últimas férias na Itália, descansando da vida corrida da redação.

Essa chama encantada se manteve fortemente acesa durante todo o tempo em que fiquei dentro do estúdio, acompanhando o trabalho não só de Mia, mas de seu companheiro Haisem Abaki, além daqueles que ficam longe dos microfones, na correria para que o programa vá perfeitamente ao ar. Entre vinhetas, comerciais, ligações e envios de textos, os técnicos faziam brincadeiras sobre as matérias exibidas por Ana Maria Braga em seu programa, ao qual eles assistiam na televisão ligada, sem som, no estúdio. Percebi, na prática, que a divisão do trabalho, a pressa e o tempo cronometrado não são lendas da profissão. Foram praticamente duas horas dentro do estúdio acompanhando como Mia trabalha. O ambiente é informal, descontraído, mas ela aparenta estar em constante concentração. Durante os comerciais ou áudios de repórteres, procura por pautas em seu computador e escreve em um pequeno caderno que está na mesa. Se alonga uma vez, belisca um biscoitinho com o colega e ídolo, Haisem, lá pelas nove e é motivo de piada de Gustavo, jornalista que está comigo no estúdio. “Não pode comer aí dentro”, ele a repreende em tom de brincadeira, enquanto ela balança a cabeça e ri. Só perto do final do programa que se levanta e sai rapidamente, com o barulho do salto alto ecoando pela redação silenciosa. Momentos finais do programa. O último repórter a contribuir para o Estadão no Ar daquele dia, Luiz Carlos Merten, se prolonga muito no discurso sobre o festival de cinema no Rio, preocupando os jornalistas e técnicos. “Vai estourar, tem que voltar pra eles pro fechamento ainda”, diz nervosa uma estagiária que agora ocupa o lugar de Gustavo. Mas as coisas dão certo no último minuto. Chega ao fim mais um programa, depois de quatro horas no ar. Mia se despede dos ouvintes, simpática, como se pudesse ver o rosto de cada um daqueles que a escutam. É hora da entrevista.

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Mia trabalhou como repórters de rua por dez anos, desde que se formou pela PUC-SP em 1997. Então é novidade para ela ficar dentro de um estúdio, em contato direto com a redação. Por ter desempenhado esta função tanto na televisão, como no rádio, traça um paralelo entre os dois veículos. Para ela, o rádio é mais simples. “A primeira vez que fui pra rua, o meu chefe só me entregou um celular e um gravador e eu pensei ‘Meu Deus! Como rádio é mais fácil’”. Em frases assim, percebia a simplicidade de Mia. Uma jovem jornalista, de 36 anos, contando com entusiasmo sobre sua carreira, sem palavras rebuscadas e rodeios desnecessários. Talvez seja um reflexo do estilo do trabalho que realiza: informal, descontraído, baseado em conversas. Esse é o rádio para Mia Bruscato. O meio de comunicação, que acaba de completar 90 anos no país, tem sua extinção anunciada há décadas por muitos, mas continua a se reinventar, atraindo novos públicos. Utilizando a tecnologia como aliada, Mia conversa com seus ouvintes através das redes sociais. Chama-os para as discussões levantadas pelo jornal, estimulando a participação. Quando perguntada sobre a oportunidade de fazer parte dessa história, o sorriso dela demonstra sua humildade e ela confessa que não acredita que seu trabalho seja grande coisa, mas que é uma honra trabalhar com Haisem. Era ele quem ela ouvia, na CBN, quando ia pra faculdade de jornalismo.

Quando conta sobre a oportunidade de trabalhar com um ídolo, o entusiasmo é facilmente percebido em sua voz. Mia é daquelas pessoas que fala sorrindo, que transmite felicidade. Já estava na emissora quando ele foi contratado e grande foi a surpresa ao descobrir que apresentaria o jornal com ele. Não mede elogios ao companheiro e acredita ser um aprendizado diário, um privilégio. Porém, antes de chegar ao rádio, trabalhou por muitos anos na televisão. Iniciou a carreira na TV PUC, quando nunca tinha imaginado trabalhar no meio. Seu primeiro emprego foi na RefeTV, como repórter, logo no início da emissora. De lá, tem como recordação os atrasos nos pagamentos e seu nome é facilmente encontrado por declarações que deu em defesa de colegas demitidos da rede por exporem a situação. Passou também pela GNT, pela Rede Mulher e pelo SBT. Nas duas primeiras, teve a oportunidade de realizar matérias mais leves, divertidas, trabalhar de maneira diferente com o texto. Mia é convicta ao dizer que é contra o preconceito e que pode sim ser culta, inteligente e gostar de escrever sobre esmaltes. Esse foi, inclusive, um dos motivos que me fez escolher a jornalista como personagem. A necessidade de retratar o espaço cada vez maior ocupado pelas mulheres, não apenas no jornalismo, mas no mercado de trabalho em geral. Diz se envolver muito nas suas matérias, ficar indignada com acontecimentos fora de seu controle. Como repórter, aprendeu muito da profissão e em sua opinião, todos deveriam executar essa função. Para ela, o aprendizado do jornalismo se encontra num equilíbrio entre a teoria e o trabalho de repórter, porque é através dele que se descobre como uma notícia é feita. A teoria, segundo ela, é necessária para dar embasamento, para que haja bagagem cultural. Logo, é a favor da obrigatoriedade do diploma. Quando questionada, Mia se mostra indignada quanto à subcelebridades atuando como apresentadores e repórteres, em especial na televisão. “Acho um desserviço com a nossa profissão”. A descontraída jornalista sorri mais e sua voz transmite mais alegria ao falar da filha Laura, de quatro anos. Mia passou um ano afastada do traba-

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lho após o nascimento da pequena, se dedicando somente à ela. Hoje, se diz mudada pela maternidade e conta, com carinho, dos programas que faz com a filha e do tempo que passam juntas. A existência da rotina no trabalho, hoje, é fundamental para acompanhar o crescimento da menina. A conversa descontraída foi acontecendo em meio a risadas, observações sobre a profissão, gírias. Não se tratou de uma entrevista em que apenas o entrevistado fala sobre a profissão, sobre seus feitos e conquistas. Era como uma conversa entre amigas, uma troca de experiências, principalmente quando Mia começou a ser questionada sobre sua vida pessoal e não mais profissional. Surpresa com as perguntas (positivamente, espero), diz gostar de coisas simples. Passa o tempo livre assistindo séries de tv com o marido, não tem vergonha em se declarar noveleira, de procurar um refúgio de tanta notícia.

Termino a nossa conversa de 40 minutos pedindo uma foto para ilustrar a matéria. Com vergonha, ela começa a tentar ajeitar o cabelo ali mesmo, justificando que saiu atrasada de casa e nem pôde se arrumar. Ainda ganho um elogio por causa de minha câmera. Nos despedimos e segui para a saída da redação com mais histórias na bagagem e com um novo hábito a ser incorporado após promessa que fiz a mim mesma: ouvir mais programas jornalísticos no rádio. Uma das coisas que mais me preocupavam na execução desta tarefa era como me comportar com um jornalista, já experiente. Entrevistar alguém que não tem anos de profissão é fácil, algo que já realizei diversas vezes. Mas a já disseminada

Curiosidade, com

Além de humana, Mia é humilde. Perguntou-me se eu não preferia fazer o perfil com seu colega, Haisem Abaki, jornalista há mais tempo, com CBN e Rádio Bandeirantes no currículo. Acreditava não ter muito a acrescentar. Deixei aquele prédio com mais certeza de que jornalismo é o que quero pro meu futuro. A entrevista aconteceu logo quando eu lia um livro da professora e jornalista Cremilda Medina para. A autora defende em seus textos que o jornalismo deve ser mais humano, desempenhar sua função social, procurar fontes anônimas, ir além do industrial. E mais, a entrevista deve ser um diálogo, uma troca de experiências entre entrevistador e entrevistado, de forma que aquilo promova um crescimento da parte de ambos.

Arquivo pessoal

Mia é sonhadora. Acha a realidade chata, procura fugir disso, apesar de depender justamente dela para o seu trabalho. Se diz impaciente e que gostaria de ser mais serena. É daquelas pessoas que realmente prestam atenção quando conversam com alguém. Os olhos claros se mantiveram fixos nos meus durante toda a entrevista. Seus sonhos, porém, são simples. Nada de viagens extravagantes ou bens materiais. Ela sonha em alcançar o bem-estar, o equilíbrio na vida.

arrogância dos jornalistas é trabalhada até mesmo dentro da sala de aula. Não poderia ter escolhido profissional melhor para este perfil. Mia é humana. Quando marquei a entrevista, ela estava em férias na Itália. 30 dias de descanso, merecidos. Dias estes que ela passou longe do mundo, longe da internet, procurando se afastar da rotina desgastante da profissão. Sem se importar com o que era notícia. Mas ainda assim, me respondia com a rapidez de quem está atento a tudo.

Mia, que se diz sonhadora, em à frente à Fontana de Trevi, ponto turístico onde são atiradas moedas e feitos pedidos.

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Milton Jung, âncora da CBN, começou como jornalista esportivo.

Por Raisa Scandovieri

"O

lá, Mílton! Tudo bem? Meu nome é Raisa Scandovieri. Sou estudante de jornalismo no Mackenzie e estou participando de uma oficina de construção de perfis de jornalistas. Gostaria de saber se você aceitaria ser meu entrevistado. Acho que você tem boas histórias para contar e queria muito escrever sobre elas e sobre você, se você aceitar. Adoro do seu trabalho na CBN e ouço todos os dias de manhã. Aguardo sua resposta. Obrigada pela atenção. Raisa”.

da possível. “Olá, Raisa, podemos marcar um dia lá na rádio, após o Jornal da CBN”.

Esse foi o e-mail que enviei para a rádio CBN, muito descrente de que meu pedido se concretizasse. Fiquei surpresa quando, no mesmo dia, ele me respondeu, da forma mais casual e descontraí-

Cheguei cedo no dia combinado. A porta de vidro da rádio se abriu e entrei com a cara e a coragem. A primeira coisa que chamou minha atenção foi o ar lá de dentro, fresco e com cheiro de

Depois desse primeiro contato, trocamos mais alguns e-mails, combinando como seria o dia em que eu iria fazer a entrevista pessoalmente. Ele, sempre muito descontraído, até me convidou para chegar mais cedo e assistir ao Jornal da CBN ao vivo do estúdio. “A rádio CBN fica na Rua das Palmeiras, 315 e basta você chegar na portaria, se apresentar e avisar que combinou de me encontrar por lá.”

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“Sou jornalista há 28 anos (...) me formei em 85, mas comecei a trabalhar um ano antes na Rádio Guaíba de Porto Alegre, e desde lá tenho construído minha visão sobre o jornalismo”, comenta, sério. Mílton já trabalhou na Rádio Guaíba, no Jornal Correio do Povo, no SBT, em uma produtora de vídeos. Iniciou a carreira em São Paulo por puro acaso, no final dos anos 90, quando ficou na casa de amigos aqui e uma pessoa da casa vizinha lhe perguntou se gostaria de fazer testes para repórter na Globo. Depois trabalhou na TV Cultura (nos programas 60 Minutos e Jornal da Cultura), Rede TV!, Portal Terra e finalmente a CBN.

limpeza. A recepcionista no balcão me olhou de soslaio e eu fui até ela. “Oi, meu nome é Raisa, eu marquei de encontrar o Mílton Jung hoje”. Imediatamente ela pegou o telefone e me disse um “só um momento, pode aguardar ali”, me apontando o sofá vermelho no canto da sala. Comecei a imaginar mil e uma situações, ali sentada. Será que eu deveria ter pedido para ele avisar que eu viria? Será que vão me mandar voltar outro dia? Será que ele lembra que marcamos a entrevista? Bem no meio do meu crescente desespero, a recepcionista me chama, me dá uma etiqueta com meu nome e me diz que eu posso subir e assistir ao jornal. “Terceiro andar, segunda porta a esquerda”. Quando subi, a primeira coisa que vi através do vidro da porta foi a grande mesa onde o Mílton e o Juliano Dipe já apresentavam o programa, sob o grande e vermelho logo escrito “CBN”. Logo o Mílton já acenou para que eu entrasse. A pequena sala tinha as paredes brancas na parte de cima e, nas de baixo, azuis, com uma faixa de madeira clara que fazia a divisão na horizontal. O ambiente era cheio de sons e movimentos, algumas pessoas entravam e saiam da sala, levando consigo papéis e aparelhos. Comecei a prestar atenção na dinâmica: estalares de dedos, olhares rápidos, conversas curtas e apressadas... tudo isso fazia com que qualquer assunto ainda não resolvi-

do sobre o que seria mostrado no jornal se resolvesse sem problemas. Nos pequenos momentos de intervalo a conversa corria solta e alegre. Em um deles, Mílton veio me cumprimentar e me apresentar para todos que estavam na sala. Havia dois estudantes de outra universidade lá também, estavam ali para entrevistá-lo antes de mim. “Raisa! Você pode brigar com eles pra ver se eles me liberam mais cedo!”, brincou, bem-humorado. Todos foram muito simpáticos, enquanto eu aguardava, me perguntando sobre a faculdade e me mostrando como funcionava a mesa de som - repleta de botões e cercada por telas de computadores. Quando a primeira entrevista acabou, Mílton me convidou para irmos até a sala em que ele apresenta o programa Mundo Corporativo, que vai ao ar nos sábados às 8h. Mal nos sentamos frente a frente na pequena sala, do outro lado do corredor, e ele me surpreende com a pergunta: “Mas... como é esse seu perfil? Qual o assunto?” - Na verdade... o assunto é você. Ele ri como alguém que foi pego desprevenido, e diz que é um assunto bem difícil de se falar sobre (ele mesmo).

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Ele conta sobre seus primeiros anos, ainda em Porto Alegre, dizendo que começou no jornalismo esportivo, pois sempre gostou de esportes, principalmente do Grêmio. “Me lembro de uma situação que teve com um jogador de futebol na época, Renato Gaúcho. Renato se envolveu em uma situação qualquer e nós jornalistas saímos atrás dele, em busca de uma palavra dele, de uma declaração. Ele fugiu da imprensa pra lá e pra cá. Numa situação dessas, eu o encontrei, tentei conversar com ele, mas ele saiu correndo... No dia seguinte eu vejo na contracapa do jornal Zero Hora uma foto assim, de três, quatro colunas, enorme, dele correndo e eu correndo atrás dele com o gravador. Olhei para aquela cena e eu disse assim: eu não nasci pra fazer isso. Meu negócio não é ficar correndo (...). Não era aquele tipo de jornalismo que eu gostaria de fazer. E então eu pedi para sair do esporte e ir para o departamento de jornalismo... como se o esporte não fosse jornalismo”. Algum tempo depois, foi trabalhar no SBT de Porto Alegre. Sobre esse período de sua vida, lembrou, com uma expressão que me pareceu de saudade, de uma frase que um colega dele sempre dizia : “Não existe pauta sem a Rua da Praia” (principal rua de comércio de Porto Alegre). “É lá que as pessoas se misturavam, andavam... E ele dizia o seguinte, ‘se vocês continuarem fazendo jornalismo de gabinete, não vai funcionar’ ou seja, sair da sua casa, ir pra reda-

Milton é daqueles que defendem que os jornalistas devem gostar de ir à rua, conversar com as pessoas

ção, da redação voltar pra casa. Você tem que viver a cidade... vai pra rua, vai pra Rua da Praia! Conversa com as pessoas, é lá que a pauta vai surgir.” Aquilo, segundo ele, era o que se faz hoje no jornalismo, é ouvir o ouvinte. “Abrir o ouvido para o que o ouvinte tem a dizer, é uma maneira de você buscar essa voz da rua (...). Não dá para se fazer jornalismo fechado dentro da redação”. Vendo o gosto que ele tinha em falar dessa ligação com os ouvintes lhe perguntei se ele achava que tinha algum ponto crucial para um bom jornalista, ao que ele me respondeu com um olhar que passava grande convicção. “Curiosidade e desconfiança. Porque com curiosidade a gente vai descobrir coisas; com desconfiança você não vai ser enganado por qualquer coisa.

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Claro que existem várias outras coisas importantes, qualidade da informação”, falava contando nos dedos, “conduta ética etc., etc., etc. Se notícia é sempre a busca por algo novo, só a curiosidade vai fazer com que você encontre essa coisa nova”. “Um erro muito comum, que eu acho que a gente tem que tomar muito cuidado, é que com o decorrer do tempo você vai perdendo a curiosidade sobre as coisas, porque tudo parece o mesmo e ai você passa a deixar de avançar na cobertura dos fatos, inclusive de cobrar mudanças daqueles fatos”. Como todo jornalista, diz que tem o hábito de ler. Decidi descobrir se ele tinha algum livro preferido. “Não tenho um livro preferido, mas eu li muito e gosto de ler Mário Quintana. Por dois motivos. Claro, ele é gaúcho. Sim, mas ele é porto-alegrense, da minha cidade. Mais do que isso, ele era o único poeta que eu tocava, além de ler.” Ele explica que, quando era pequeno, Quintana trabalhava no jornal Correio do Povo. Seu programa de fins de semana era ir até o prédio do jornal, com seu pai, e depois ficar com seu tio, que fazia o fechamento do jornal aos sábados. “Eu descia com ele na redação e normalmente o Mário Quintana, que era um cara muito sozinho, estava lá escrevendo. Ele preferia escrever com a redação completamente vazia. E eu achava aquilo... maravilhoso de se ver; saber que ele era o poeta.” Ele lembrava que o Mário Quintana gostava de ficar sentado perto da Rua da Praia, sozinho e como ele transmitia uma aura de respeito só por ser quem era. Pergunto para ele se tem alguma mania ou hobby para lidar com a incerteza e o caos que o jornalismo traz. “Difícil pensar nisso. Eu tento ficar o máximo possível na minha casa. Não tenho uma mania para ‘fugir do jornalismo’, até porque isso é difícil. Quando você é jornalista, para onde você for, você está buscando referências, histórias, você está vendo as coisas acontecerem no seu entorno. Essas coisas todas são motivo de pauta, então não dá para você fechar os olhos para isso sendo jornalista. Não tem como dissociar a minha vida:

‘sou jornalista enquanto estou no meu horário de trabalho e não o sou no momento de folga’. Isso não existe”. Mas me revelou que se ele tem uma mania, essa mania é pedalar. Não é raro ver em seu Twitter fotos suas andando e bicicleta ou mesmo dos lugares em que costuma andar. Um fato inegável que percebi durante a entrevista é que, em boa parte das coisas de sua carreira, o acaso sempre esteve presente. Seu trabalho no portal Terra, assim como o episódio do teste na TV Globo, como ele mesmo disse simplesmente, “apareceram” para ele. “Eu tinha alguns planos do que fazer, mas na realidade as coisas foram acontecendo. É aquela história, eu queria sair do Rio Grande do Sul, mas eu nunca imaginei que eu fosse trabalhar em São Paulo, surgiu. Eu estava aqui por acaso. Mas enfim, não é que eu planejei ‘vou para São Paulo em busca de emprego’, eu vou procurar um emprego na internet’, não. Eu tinha vontade, achava que era importante para minha carreira fazer aquilo, e aquilo foi se construindo”. Mílton é um cara simples e bem resolvido, não tem ídolos, pois, para ele, “idos são coisas a que você não chega nunca, você não toca e você não questiona. Um ídolo é inquestionável, e eu acho que você deve questioná-las”. Ele pode até não ter ídolos, mas tem pessoas por quem nutre profunda admiração. Seu pai, Mílton Ferreti Jung, célebre jornalista do Rio Grande do Sul, seu exemplo de jornalista; Heródoto Barbero, mas além deles, ele me fala de Nelson Mandela. “O Mandela, por exemplo, lembrei dele agora por causa do livro que li sobre suas cartas... Ele é uma figura impressionante. Como um cara consegue passar pelo o que ele passou e manter a dignidade? Mesmo depois que ele podia ter o poder eterno na mão, pela força que ele tinha, ele abriu mão disso. Ele acreditou que não era esse o papel dele e que estaria repetindo os erros dos demais. Ele é uma figura que eu acho também que vale a pena ser pensado, não como ídolo, mas como um grande ícone”.

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mas também na correria Eliandra Caon

O

dia começa cedo para a jornalista de 32 anos. Era 5h40 da manhã e ela já estava em pé. Vai para a academia. “Esta é definitivamente a melhor parte do meu dia. Horário que reservo para não pensar em nada e reservar energia para o dia de trabalho.” Raquel Rodrigues da Silva é formada em Comunicação Social – Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP e pós-graduada em Comunicação Empresarial/ Relações Públicas pela Fundação Cásper Líbero. Saiu aos 17 anos de uma cidade do interior de São Paulo, Araraquara, para ir cursar Jornalismo em outra, Campinas. Como a maioria dos estudantes de jornalismo, os pais foram contra. “Meu pai me disse para pensar mais um pouco. Mas não teve jeito.Meu destino era ser jornalista”. Formou-se em 2001, e mesmo quando era estudante nunca ficou parada. Sempre trabalhou.

Para estudar jornalismo, Raquel deixou sua cidade aos 17 anos de idade.

Na sua mesa de trabalho estão objetos que descrevem a personalidade inquieta de Raquel: canetas, livros, computador, creme de mão, fotos, papel, garrafa d’água, calendário, celular etc. Não é casada e não tem filhos, mas “hoje já penso em mudar este cenário. Casar e ter filhos estão nos meus planos para os próximos dois anos. Mas quem quer ser jornalista precisa saber que nem sempre isso é fácil. É difícil conciliar família, viagens e horários dos mais diversos”.

Depois da academia, Raquel vai para o trabalho. Ela diz “Bom dia!” a todos que vê pela frente com um sorriso grandioso e uma animação que desperta todos que ainda estão dormindo. Sua relação com os colegas é das mais bonitas. Um ajuda o outro e todos tentam deixar o ambiente harmônico. Atualmente trabalha no Grupo Lwart, uma empresa de lubrificantes, a maior da América Latina, na cidade de Lençóis Paulista. Foi contratada no ano de 2010 como analista de comunicação júnior no RH com Comunicação Interna (Endomarketing), mas um ano depois seu cargo mudou para analista de comunicação sênior.

Logo pela manhã, uma reunião. Ela e mais uma colega, que também é jornalista, juntam-se com os demais e discutem sobre os novos projetos que estão surgindo na empresa; campanhas de natal e eventos externos, por exemplo. Raquel anota tudo, já que também é responsável pelo relatório mensal de atividades. Elabora e coordena textos corporativos e institucionais: materiais impressos, site, documentos oficiais, cases, releases, anúncios. Coordena a revista “Lwart Notícias”, que exige muito mais do seu tempo. Mas não para por ai. Elabora campanhas de

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marketing para unidade de negócios e faz parte, obviamente, da assessoria de imprensa: revisa os textos, levanta as informações e acompanha o processo de construção. Saiu da sala de reunião e foi para a sua. Sentou e pegou um lápis e começou a escrever em tópicos. Perguntei o que escrevi. Ela sorriu e disse que “tenho que dar uma palestra daqui dois dias, estou acrescentando outros assuntos que acho importante falar... E veja só, descobri isso hoje, na reunião!”. Ela me mostrou o papel e foi falando tópico por tópico para mostrar o que diz em sua palestra. Quando chegou nos tópicos que acrescentou – eram apenas mais dois – disse-me: “Como não pensei nisso antes? Jornalista vive aprendendo.” No meio da agitação do seu dia, no momento em que conseguiu sentar, disse-me “Vamos lá!”, com outro sorriso grandioso. Perguntei-lhe: por que jornalismo? Ela fechou o sorriso e logo abriu outro, ainda maior, me fazendo sorrir também após ouvir a sua resposta: “Bom, eu era uma criança que lia muito, minhas redações sempre foram muito criativas, tirava sempre dez ou nove! Muitos parentes me incentivavam a atuar na área e, o meu teste vocacional, me direcionou para a escolha”. Antes mesmo que a próxima pergunta fosse feita, ela já a respondeu, como se soubesse o que eu iria perguntar – jornalista sempre entende outro. Disse-me que se não fosse jornalista, cuidaria de animais “qualquer profissão que atuasse diretamente com eles. Sou produtora rural e ajudo meu pai com as atividades dele. Eu sou apaixonada por animais”. Ama o que faz e não foi preciso muito tempo para perceber. Mas nem sempre foi tão fácil. Conseguiu tudo com muito esforço e dedicação, “ser jornalista não é fácil. Muitas vezes pensei sim em desistir. É muita exigência para pouca remuneração. É preciso amar o que se faz, mas não pode ser a única fonte de renda, como no meu caso, atuo em outro ramo.” O bom é que ela atua em duas áreas que gosta: jornalismo e cuidar de animais, embora a primeira prevaleça sobre a segunda. Mora sozinha no centro de Lençóis Paulista. Visita os pais em Araraquara nos finais de semana. E

ama estar com os amigos. Raquel com certeza é uma mulher em muitas. Precisa ser. Além da graduação e pós-graduação, tem experiência numa TV comunitária de Campinas (TV Fênix); ela trabalhou na Rádio Central AM e Rádio Nova Brasil FM; também trabalhou na redação de jornal impresso e revistas (Jornal de Valinhos e Aeroporto Internacional de Viracopos); e por fim, Contexto Comunicação Corporativa. O dia de trabalho deveria terminar às 17h06 em ponto. Mas lá estava ainda Raquel digitando alguma coisa. Já era 17h30. Ela não parecia incomodada em ter passado do horário do expediente. Parecia que ainda sorria como de manhã...

UMA ESPECIALISTA Ela saiu do interior e conquistou o mercado da assessoria de personalidades

Pegou suas coisas com certa pressa e colocou dentro de uma bolsa. Arrumou os cabelos a camisa e checou mais uma vez o computador. Guardou alguns papeis na gaveta e a ajudei a levar o casaco até o carro. Tocava reggae quando ligou o carro. Imediatamente me disse que era fã de MPB, pop e rock e... Forró! Fez um cotorno e logo estávamos na estrada rumo a Lençóis, já que a empresa fica afastada da cidade. O pôr do sol naquele momento em Lençóis estava lindo – como quase todas as cidades do interior. Senti que ainda faltava alguma pergunta a ser feita. O silêncio no carro e as luzes do sol, levaram-me a achar a pergunta que faltava. “Qual é o seu maior sonho?” perguntei. Sem olhá-la senti que sorria de novo: “Ser feliz, constituir uma família linda e viajar. Tenho muita vontade de conhecer diferentes locais, pessoas e culturas”. Deixou-me às 18h03 com a promessa de um reencontro. O sol já estava baixo e a noite chegava. Raquel sorriu e disse ter gostado da experiência. Olhou o relógio e ligou o carro: era quarta. Nas quartas e quintas ela faz pós-graduação na FGV em Bauru-SP. Raquel não para e nem quer. Raquel é o modelo de mulher jornalista - pelo menos se tornou pra mim.

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Lu já assessorou artistas como Daniel, Ana Maria Braga e até a jornalista Mônica Veloso, que teve um filho com Renan Calheiros

Fernanda Salatini

C

heguei relativamente cedo ao local, subi pelo elevador e sai no nono andar. Caminhei até a porta de vidro fosco que separava o hall de entrada da sala em que ela trabalhava. O local é arrumado e simples, repleto de mesas, cadeiras e computadores. A assistente que me recebeu foi simpática, mas logo correu para começar sua rotina de trabalho. Percebi objetos, como chinelos e uma pequena fonte de água corrente, que pareciam estar lá para aliviar as tensões do dia a dia. A janela que ocupava uma parede inteira de seu escritório tinha uma vista para um emaranhado de prédios e para a vida movimentada de São Paulo. As outras paredes eram repletas com fotos com clientes nas paredes marcam um toque de orgulho por seus feitos.

Lu Barbosa, 59 anos, é assessora de imprensa. Trabalha com as mais variadas personalidades da mídia. Entre seus clientes encontramos Daniel e Ana Maria Braga. Há 39 anos no ramo tornou-se referência no que faz. Porém, seu sonho estava longe da assessoria. Ainda menina em Araçatuba, sua cidade natal, Lu já desejava trabalhar com televisão. “Fui alfabetizada com revistas que o meu tio levava para casa, aos oito anos eu trabalhava na rádio local, cantando e separando LP’s e aos 12 já escrevia para jornais” conta, feliz por relembrar suas conquistas juvenis. Sua maior ambição era mudar para São Paulo e trabalhar na TV Tupi, na época Canal Quatro. A veia da comunicação já pulsava forte em seu corpo. “Eu sabia o endereço de cor, ficava repetindo e mandando em bilhetes para meus colegas de classe. Eu já aplicava a técnica do livro “O segredo” antes dele ser lançado”. A condição imposta por seu pai para que ela viesse a São Paulo era a de que ela cursasse alguma faculdade. Dentre três opções disponíveis em sua cidade ela acabou escolhendo o curso técnico de química industrial e formou-se aos 20 anos. Finalmente ela poderia correr atrás de seu sonho. Em 1972, chegou à cidade grande e se inscreveu para o vestibular de jornalismo. Porém, no dia da prova Lu decidiu ir ao prédio da tão sonhada TV Tupi, desistindo do vestibular. Lá fingiu ser atriz pois queria entrar de qualquer jeito para conhecer o tão sonhado lugar. Conseguiu. E com isso foi en-

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caminhada para Teixeira Velozo, com quem almoçou e abriu o jogo: “Eu contei a verdade, disse que não era atriz, mas que queria trabalhar na televisão”. Teixeira acabou iniciando-a na TV e ajudando com moradia, além de adotá-la como sobrinha. Trabalhando na Tupi ela era uma espécie de faz tudo. Ajudava no que precisava e sempre era bem sucedida. Como sempre se interessou pela área musical decidiu fazer faculdade de música. Cursou um tempo mas abandonou pois não conseguia equilibrar o trabalho com os estudos.Tempos mais tarde ela ganhou uma bolsa para estudar jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, mas assim como a outra ela abandonou. Trabalhar consumia muito de seu tempo. Ela faz parte do grupo de jornalistas sem diploma, ou como ela disse: “formada na escola de jornalismo da prática”. Em 1978, Lu recebeu um convite para fazer a divulgação de um restaurante. O dono pediu que ela levasse artistas na festa de inauguração para que as pessoas quisessem conhecer o lugar. Como já naquela época ela era uma mulher influente a festa foi um sucesso. A partir desse acontecimento seus amigos João Doria e Ferreira Neto convidaram-na para trabalhar na rádio, em um novo departamento: o de divulgação. E foi esse seu primeiro contato com a área de assessoria e eventos. Na rádio Tupi fazia divulgação, mas sempre que surgia alguma pauta para a qual ninguém se candidataria lá estava Lu, aproveitando oportunidades. Uma dessas situações ocorreu em 1978, quando a rádio precisava de alguém para apresentar a equipe que iria cobrir a Copa do Mundo de Futebol na Argentina. Apenas um único jogo ocorreria no Brasil antes da seleção embarcar para Buenos Aires para dar ínicio ao torneio, essa partida aconteceria no Maracanã. Porém, a seleção estava concentrada na Granja Comary, em Teresópolis. O que Lu teria que fazer não era tão simples: conseguir uma entrevista com João Havelange, na época, presidente da Fifa. No mesmo dia em que foi convidada Lu Barbosa seguiu viagem apenas com as roupas do corpo e sem dinheiro. O carro da rádio TUPI a levaria até

Teresópolis e esperaria a entrevista ser concluída para voltar com ela para São Paulo. No entanto nada ocorreu como planejado. Ao chegar na Granja Comary, Lu foi se aproximando lentamente do local da comitiva. Ela conseguiu chegar na primeira fila na hora em que os repórteres poderiam fazer suas perguntas. Havelange a escolheu, respondeu a cinco perguntas, quando normalmente respondia a no máximo três. E ainda entrevistou o ex-treinador Cláudio Coutinho. Ao acabar seu trabalho ela não pôde voltar a São Paulo porque o carro da rádio já havia partido. De muito valeu ter contato com os famosos nessa hora. Ela era amiga do goleiro Emerson Leão, que conseguiu com que ela ficasse no quarto da assessora de imprensa do hotel. Passou o final de semana no Rio de Janeiro e retornou a São Paulo na segunda-feira com glória por ter conseguido tão importantes entrevistas ela tornou-se repórter de campo da Copa Mundial de Futebol de 1978 com apenas 25 anos de idade. Alguns anos depois, em 1985, decidiu abrir uma empresa chamada “Arte/Eventos/Shows” para assessorar artistas. Nesse ponto ela começou a ter alguns problemas, pois os possíveis assessorados não entendiam a proposta do trabalho e não aceitavam. “Eu mandava fax ou até mesmo motoboys entregarem as notícias dos meus assessorados para os grandes veículos. E quando via que não tinha sido publicado ligava para as redações e ficava sabendo que o que eu tinha enviado fora direto para o lixo”, conta Lu com certa indignação. Foi então que um amigo deu uma dica: “Lu Barbosa é um nome melhor do que “Arte/Eventos/Shows”. Ele tem mais peso”. Depois desse conselho e da mudança de nome para “Lu Barbosa Assessoria”, sua empresa, o que ela vendia começou a ganhar mais espaço no mercado. Um dos três melhores momentos de sua carreira foi quando trabalhou para Ana Maria Braga, que estava enfrentando um momento complicado com pouca audiência e muitas críticas. Com as dicas e as mudaças que Lu incorporou no estilo da apresentadora depois de seis meses ela estava na capa da revista Veja. Outro momento marcante da

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vida da assessora foi quando seu empregador era Daniel. Ela entrou na vida dele quando João Paulo, seu irmão e parte da dupla sertaneja, faleceu em uma acidente automobilístico. Nessa situação as pessoas que trabalhavam com Daniel pretendiam escondê-lo para que depois que a poeira baixasse ele fosse lançado de novo com carreira solo. Lu Barbosa disse que aquilo não fazia sentido e se fosse realizado ele nunca mais faria sucesso como antigamente. Então, ele foi lançado em carreira solo mesmo com a recente morte do irmão e fez mais sucesso. O último destaque de sua carreira foi salvar a reputação da jornalista Mônica Veloso, que foi atingida devido ao fato dela estar grávida de do atual presidente do Senado, Renan Calheiros, que estava envolvido em uma CPI, e após ter posado nua para a revista Playboy. Após o trabalho de Lu, a moça foi recuperando sua imagem e saiu na capa da revista “Caras” em um especial de dia das mães, posando com as suas filhas. “Nesse ramo estressante em que trabalho precisamos ser muito flexíveis e preparados para lidar com decepções e emoções. Convivemos com muitas pessoas, com suas personalidades fortes, com seu ego. É preciso ter paciência e calma, para saber explicar e contornar situações. É necessário pensar no artista, porque estamos lidando com uma pessoa”, conta justificando a ausência de problemas éticos e morais em sua carreira. Apesar do estresse e do pouco tempo para aliviá-lo, Lu diz gostar da área e da profissão. “Acho que se eu não trabalhasse com assessoria provavelmente seguiria o ramo de jornalismo econônico. Acho fascinante”. Ela diz que se não fosse assessora e nem trabalhasse com nada relacionado com jornalismo gostaria de ser decoradora, arquiteta ou paisagista. Diz que não tem tempo para aliviar as tensões e que o trabalho traz faz parte de sua rotina, mas ela tenta usar seu tempo livre fazendo hidroginástica, encontrando os amigos e viajando. Quando questionada sobre como equilibra a vida pessoal

com a profissional ela disse que fica fácil conciliar as duas porque a única filha, Pamela, jornalista formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, trabalha com ela. Perguntei se ela tinha um ídolo. Lu não hesitou em responder que este era Silvio Santos, por toda a história de vida do apresentador e sua visão profissional. Ela o conheceu porque seu pai foi sorteado no carnê do baú e desde então o tem como sua inspiração. “Gosto de sentar no domingo na frente da televisão e rir com ele, assim também alivio minhas tensões, acho o programa dele hilário”. “A Lu é acima de tudo uma guerreira, nunca conheci uma mulher tão forte, porém tão ansiosa. Trabalhar em conjunto foi um aprendizado. Ela sabe muito sobre assessoria, jornalismo e produção de eventos e eu pude absorver um pouco disso no período em que trabalhei com ela, de 1998 até 2003, nós éramos uma dupla dinâmica”, conta Sandra Longhi, ex-secretária e gerente. Para essa sorridente e trabalhadora mulher que ao longo de sua carreira excerceu inúmeros cargos e tratou com muitas pessoas as principais dicas que ela dá para quem quer excercer a profissão de jornalista são: ler muito, ser curioso e não se conformar com a primeira informação que recebe, ter vontade de aprender e buscar coisas novas e saber que a internet não é a única fonte de informações que existe. Além da faculdade, a prática é fundamental para quem vai trabalhar nesse ramo. “Eu acho o jornalismo uma área fantástica e flexível, em qualquer lugar cabe um jornalista. E com o desenvolvimento dessa profissão as coisas não passam em branco e uma quantidade maior de crimes não fica impune. O jornalismo é o quarto poder.” Enquanto entrevistava Lu Barbosa fui interrompida diversar vezes para que ela pudesse perguntar algo para alguma secretária ou resolver algum problema ou dúvida que surgiu em meio ao escritório cheio. Pude perceber que ela gosta das coisas do jeito dela e que está sempre disposta a ajudar e a dar informações.

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Um jornalista

Razuk já haviam debatido o tema muitas vezes. Na época Luchetti era diretor na Globo e Razuk estava na Bandeirantes. Apesar, disso parecia impossível. Para se conseguir a concessão, era preciso ter “costas quentes”, ou seja, apoio de algum político.

Acervo pessoal

Ele, que escreveu durante 15 dos 30 anos, que trabalhou na editoria de política do Estadão, sabia disso melhor do que ninguém. Começou em 1972 como repórter policial. Quase todo foca começa assim. Jogado aos lobos. Mas talvez fosse melhor assim. Há quem se lembre de Luchetti, chefe de redação, batendo com uma antena velha de carro nas mesas dos repórteres durante o fechamento do jornal. Quando todos estavam quase dormindo, ele vinha com a varinha. O efeito era imediato. O susto fazia com que todos rissem e retomassem o ritmo. Nunca abandonou O Estado de S. Paulo. O manteve sempre como seu segundo emprego. Nunca ficou com apenas uma opção. Assim, o rádio lhe era próximo. Trabalhou muito tempo na Rádio Jovem Pan. Uma pena que os sócios tivessem se desentendido... A ideia, à época, era criar uma TV UHF (ou uma TV de alta frequência). Quando estavam próximo da concretização do projeto, houve a discussão e cada um foi para o seu lado. Foi em 1990.

Alberto Luchetti é um pioneiro na junção das diferentes mídias

Ana Beatriz Lopes Lancha

E

ra a noite de doze de outubro de 2001. Alberto Luchetti se revirava na cama, tentando encontrar o sono que não viria. Pensou que não devia ter dormido tanto de tarde. Descansara mais do que devia e agora, de noite, não conseguia pregar o olho. E como em tantas outras noites, se pegou pensando nos projetos profissionais. Tentou desviar o foco, mas atire a primeira pedra quem nunca se viu com os olhos arregalados na escuridão do quarto, divagando sobre o que é, o que será e o que poderia ter sido das diversas situações vividas no trabalho. Aquele desentendimento com o cara do marketing. Aquelas palavras mais afiadas que magoaram a estagiária. Aquela

conversa de bar sobre uma nova ideia que acabou não dando em nada. Aquela matéria que precisa ser entregue amanhã. Os roteiros que precisam ser aprovados antes do horário do programa... Deitado em sua cama, de madrugada, Luchetti desistiu de dormir e permitiu que a mente passeasse em meio às lembranças do dia a dia, às preocupações com prazos e problemas ainda não resolvidos, às esperanças bobas... Coisas do jornalismo. Um dia pensou em abrir uma rádio FM, com muito jornalismo. Uma rádio jornalística que, diferente de todas as outras, não estaria na clássica faixa AM. Essa era a ideia. Ele e seu amigo Samir

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Também nesse ano, convidaram-no para dirigir a Rádio Bandeirantes. Ele aceitou e a oportunidade veio novamente: vamos lançar uma TV UHD. Luchetti não deixou que a coisa lhe escapasse novamente pelos dedos. Pouco depois nascia o Canal 21. Em 1997, ele resolveu dar uma reviravolta em sua vida. Ele, que sempre foi do jornalismo impresso e do rádio, mas que sempre mexeu com televisão, decidiu que já era hora de trabalhar em uma. Foi para a TV Globo. Onze anos depois, os repórteres o interrogariam sobre o maior programa que dirigiu, o Domingão do Faustão: “Costumo dizer que ninguém é perfeito na vida e acabei indo dirigir o programa do Fausto Silva”. E foi juntando tudo isso em sua mente que, na-

quela noite de insônia, Alberto Luchetti encontrou a solução para seus problemas. Em vez de lançar uma emissora e rádio, porque não lançar uma emissora de televisão? Sim, um veículo de convergência de mídias, e não somente uma única mídia. Entretanto, não uma emissora convencional. Aproveitando o conhecimento das outras duas TVs, o experiente jornalista toma a decisão. O resto do ano é dedicado a estudos, pesquisas, acordos... Em 2002, não renovou contrato com a Globo e, finalmente, depois de três décadas, pediu demissão do Estadão. Em maio, Luchetti deu o último sopro de vida à sua mais nova criação: a allTV, a primeira TV 24 horas ao vivo da internet. Empreendedor, Luchetti se dá o direito de fazer experimentos. A allTV torna-se seu laboratório e parte de si mesmo. Nada de programas terceirizados nem aluguel de horário. Como definir, então, se um programa estava agradando ou não? A grande sacada foi criar um chat, onde os internautas pudesse se comunicar em tempo real com os apresentadores. Se os internautas participassem o programa era aprovado. Caso contrário, o programa saía da grade. Com seu feeling treinado, e com a ajuda dos internautas, Luchetti montou uma programação que tinha de tudo: desde grandes cargas jornalísticas até música, esporte e outros temas voltados para o entretenimento. Empreendedor, permitiu que até mesmo um programa erótico fosse ao ar. Mas a ideia teve que ser abortada. Luchetti preferiu perder audiência, mas respeitar seus internautas. Mesmo assim, foi um marco divisório na história da allTV e de Luchetti: o rapaz que sonhava criar uma pequena emissora que transmitisse notícias para quem gostasse de jornais e estivesse no trabalho, sem poder ler, só ouvir, mas que também não pudesse acessar o rádio, ganhou muito mais do que esperava. Luchetti é um jornalista que se considera à frente do seu tempo e que não tem medo de arriscar. Um bom exemplo para as novas gerações de focas.

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Ela ganha a vida mostrando o sofrimento do paulistano

Antenado aos sábados. Ana Nery é do tipo que curte um bom cinema, exposição e um bom livro.Tem como hobby a corrida. Não é à toa que curte um som mais tranquilo, suave, como MPB. Confessa ser uma grande fã do cantor Nando Reis. Curiosa e muito estudiosa vive sempre à procura de novidades para passar para colegas e parentes. Essa paulistana, leonina e palmeirense de coração, com 31 anos de idade, mostra que sua escolha pelo jornalismo veio de sua mãe. Ela diz que “minha mãe era uma jornalista nata. Não foi jornalista porque na época não teve condições e ela sempre tinha esse sonho. E isso passou para mim’’. Foi uma criança que cresceu assistindo ao Jornal Nacional e lendo a revista Manchete todos os dias. Teve o total apoio da mãe ao escolher a profissão de jornalismo. “Acho que eu tenho um perfil de jornalista por ser extremamente curiosa, adorar notícia, agitação, ler e escrever’’. Considera esses requisitos como básicos para ser um bom jornalista.Além disso, se considera alegre e criativa.

Ana cobre o trânsito na capital paulista para a Rádio Bandeirantes

Melissa Santos Leite de Castro

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la é daquelas jornalistas que acorda cedo e ganha a vida mostrando o caos do cotidiano paulistano. Formada pela Faculdade Metropolitanas Unidas (FMU) em 2004. Pós-Graduada em Letras e Literatura pela Faculdade

Metodista em 2007, trabalhou na rádio USP e fez muito freela para revistas como a Cláudia, Nova, Saúde Vital, e hoje em dia parou (com os frilas) por ser mãe. Trabalha como repórter da Rádio Bandeirante há sete anos onde apresenta o programa

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Tem bastante interesse em jornalismo político. Conta um fato interessante que aconteceu quando estava cobrindo as eleições de 2011, quando era a repórter e cobria a eleição do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Na ocasião, dizia ela na rádio: “estamos ao vivo aqui pela Rádio Bandeirantes o presidente Lula já chegou ao colégio aqui em São Bernardo do Campo. Ele começa a se aproximar da escola”. Ela descreve como ele e a dona Marisa Letícia estavam vestidos, acompanhados pela senadora Marta Suplicy e pelo candidato Netinho de Paula. O ex-presidente se aproxima dos jornalistas e cumprimenta todos. Dá um beijo na apresentadora da Redetv Sabrina Sato e de repente também beija a repórter da Rádio Bandeirantes. Ana Néry destaca esse como um dos fatos mais curiosos da sua carreira e que para ela é inesquecível. Desvalorizada. Essa é a resposta de Ana Nery quando perguntado qual a sua visão do jornalismo atualmente. “Eu vejo hoje um monte de profissionais muito mal preparados. Por ser repórter eu

tenho mais contato com pessoas de outros meios e vejo jornalistas que não lêem um jornal todos os dias, que não sabem o nome do ministro ou do vereador”. Esse tipo de coisa me incomoda, porque eu sempre fui muito dedicada nos estudos. E financeiramente, existe uma cultura no jornalismo que diz assim: a gente trabalha pra caramba e ganha pouco. E eu não aceito isso. Se você estuda e trabalha muito, você deve ser muito bem remunerado por isso’’. Quando questionada sobre a exigência do diploma de jornalismo, Ana Nery deixou claro que um bom profissional deve cursar uma faculdade. “Na prática isso (a ausência do diploma) nunca serviu. Quando você for procurar um estágio, vão perguntar onde você estuda jornalismo. Então os meios de comunicação que contratam jornalistas, só te contratam se você tiver o diploma”. Ela comenta que a faculdade e o trabalho são coisas completamente diferentes, quando questionada sobre a diferença entra a teoria e a prática jornalística. “O que você aprende na faculdade é um tipo de jornalismo e o que você faz na rua é outro tipo de jornalismo. Aquela história do quem, quando, onde e por quê? Eu acho que é na verdade uma parte da teoria que é básica e fundamental. Nesse ponto a teoria e a prática que a gente aprende é muito importante. A teoria mostra um jornalismo um pouco literário, algo meio ilusório e na prática é muito trabalho. É você checar, ligar, conversar, questionar. É bem cansativo tanto mentalmente quanto fisicamente’’. Sua experiência fez mudar sua credibilidade no jornalismo. Ela diz que não podemos acreditar em tudo que lemos. “Eu que produzo a notícia, percebo que vários repórteres dão a notícia de diferentes maneiras. E muitas vezes eu percebo que aquilo que foi feito naquela pauta não é aquilo que o jornalista escreveu no site ou na televisão”. A interpretação de cada jornalista é muito diferente. Cita um exemplo do cantor Pedro, filho do também cantor Leonardo. “Quando o Pedro se acidentou, nós repórteres fazíamos plantão na porta do hospital Sírio Libanês. Entrevistamos o doutor Kalil, que é um grande nome no hospital. Grava-

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A ética é um requesito fundamental na formação de um cidadão e de um profissional. Perguntei a Ana Nery em que momento ela percebeu o questionamento ético em sua carreira. Disse que essa era uma questão difícil de ser falada. “Eu trabalho num grande meio de comunicação. A Band é muito grande e o que eu percebo é que no jornalismo quando a empresa tem um anunciante importante você deve ter muito cuidado com o que você irá falar em relação a ele. A sua reportagem é vista com quatro olhos, é reavaliada, muito bem analisada, para que possa ser publicada. Então nós somos muito cobrados por isso. E isso de certa forma, fere um pouco a ética.’’ O jornalismo para ela, também funciona como um destruidor de ídolos, “pois quando inseridos nesse ramo, temos outra visão de pessoas que considerávamos modelos”. Ana confirma essa colocação “Você se sente muito próximo de qualquer pessoa que você entrevista, e quando você está com o microfone na mão, a pessoa te respeita. Então você se sente igualitária a ela, porque você tem ali um instrumento de poder. Mas no dia a dia, quando você passa a conhecer melhor as pessoas, entre elas os politicos, “acaba perdendo a idolatria pelas pessoas”. Você percebe que ela é uma pessoa comum, que ela tem defeitos, que ela passa por problemas”. Podemos

dizer que o jornalismo serviu para abrir os olhos de Ana Nery em relação a alguns de seus ídolos. Sabemos que o jornalismo é uma profissão exaustiva, mas todo profissional precisa de seu momento de prazer e descanso, Ana Nery diz que aproveita esses momentos para passar o tempo com seu amado filho. “Trabalho muito. Trabalho durante sete horas por dias. Então nesse período que eu trabalho, faço reportagem e cobertura do trânsito. Monto a matéria e coloco no ar. Depois eu vou pegar meu filho. Gosto de ir ao parque com a minha família, para passear e dar uma relaxada’’. Ana Nery diz que hoje em dia ela sente muito a repercurssão de seu trabalho, como ela prefere chamar de cobrança “Como eu trabalho em rádio, todo mundo me escuta. Esses dias eu conversei com um colega meu, e eu falei: quanto tempo. E ele falou: - quanto tempo nada, eu te ouço todos os dias e inclusive você está todos os dias na avenida Interlagos. Então você consegue perceber o quanto você é cobrada. Por exemplo quando você esta ao vivo, você fica muito vulnerável, gagueja. Isso mostra que você está sendo natural”. Ela volta a afirmar que a repercussão é mais no sentido de cobrança, porque você é cobrada cada vez que você entra no ar. Perguntei a ela se, em sua opinião, o jornalismo teria se afrouxado de uns tempos para cá. Ela volta a mencionar que existem hoje muitos profissionais de má qualidade, e que isso seria um sinal de um afrouxamento. “Quando você não tem muita informação e conhecimento, você não tem como apurar e dar uma reportagem consistente. Eu digo isso de uma forma básica. É o tal do quem, quando, onde e por quê”. Essa falta de interesse por conta de alguns jornalistas, incomoda muito Ana Nery. Pedi alguns conselhos para mim, que sou estudante de jornalismo e para muitos outros que também desejam seguir essa profissão”. Estude muito. A sua vida será um eterno estudo. Quanto mais conhecimento você tiver, melhor jornalista você vai ser. É de um conhecimento de leitura de jornais, filmes, livros. Escreva muito. Você deve estar sempre muito bem informado sobre tudo’’.

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em sete anos Rachel Verano conseguiu o que muitos sonham: conhecer o mundo e ganhar para isso Ana Paula Pappa Marco Pomárico

mos aproximadamente seis minutos de entrevista e ele nos contou sobre os estado de saúde do Pedro. Cheguei na rádio para montar a reportagem e entrar ao vivo. Logo depois eu entrei em um site muito conhecido e tudo o que a repórter tinha colocado na matéria dela era diferente de tudo aquilo que o médico tinha falado. Fiquei chocada. Nós questionamos e ela fazia dos nossos questionamentos suas respostas. O público que leu a reportagem deve ter achado que o que estava escrito era verdade.” Para finalizar suas considerações sobre a credibilidade no jornalismo, Ana Nery deixa claro que o profissional de jornalismo deve ser extremamente fiel aos resultados que você obtem. Esse acontecimento lhe mostrou que a pauta não é exatamente do jeito que vemos.

O dia era de frio extremo, e nem a grande porta que bloqueia a entrada conseguia barrá-lo. Dei meu nome na portaria e me dirigi ao elevador. Fui trocando mensagens de texto pelo celular com ela enquanto subia, e quando cheguei ao 18º andar, minha mente paralisou, mas continuei andando. A redação da Veja era como eu imaginava, um salão enorme com muitos, mas muitos jornalistas encerrando suas matérias. Fomos até a sala de reunião, que para mim estava com um clima agradável, mas Rachel se sentiu como um pinguim, como ela mesma disse, e chamou uma moça para desligar o ar-condicionado. Com certeza ela teve um susto ao chegar à rua e sentir o frio cortante daquele dia. Sentamos à mesa e começamos uma conversa que eu não queria que tivesse terminado.

Rachel é repórter especial da Veja São Paulo

A ruivinha de óculos de grau e jeito de menina é uma profissional experiente. Rachel Verano Nogueira Pomárico, 36, é mineira, nasceu em Belo Horizonte e foi criada em Bom Despacho, cidade do interior de Minas Gerais. Descobriu o jornalismo em um trabalho de escola que envolvia muita pesquisa sobre energias renováveis e foi aí que teve o clique. “Amei fazer aquela pesquisa e resolvi que era isso o que eu queria fazer”, conta. Foi a primeira jornalista da família e não teve muito apoio do pai engenheiro, que por vezes brincava que ela escreveria para o jornal do Coração de Bom Despacho, que servia para que os casais mandassem recados românticos.

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m um mundo tecnológico, nosso primeiro contato se deu por meio do Facebook. Marcamos de nos encontrar na Editora Abril, na redação da Veja São Paulo onde trabalha. Dia 27 de outubro chegou, e logo após a última aula daquele dia, fui para a editora. Já estive algumas vezes lá, mas nunca como jornalista. A emoção e o nervosismo tomaram conta de mim, futura-jornalista que idealiza a Editora Abril como fonte de mil empregos dos sonhos e fantasia em assinar matérias em revistas.

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Já na faculdade era muito empolgada e teve suas expectativas correspondidas pelo curso de jornalismo da PUC-Minas. Começou a estagiar logo no primeiro semestre no departamento de estatística da Fundação João Pinheiro em Belo Horizonte, e depois conseguiu ser transferida para a assessoria de imprensa. Lembrando-se dos tempos de faculdade, Rachel conta, rindo, que ganhou uma máquina de escrever elétrica de seu pai e que tinha uma aula no laboratório de computação que havia sido inaugurado no ano de sua turma, para que pudessem aprender a diagramar uma página de jornal. 1997 foi o último ano de Rachel na PUC-Minas. Ela prestou o Curso Abril de Jornalismo no mesmo ano e foi classificada para trabalhar na sucursal da empresa em Belo Horizonte na Revista Veja. Comenta que havia só um computador para toda a redação e que ele ficava na sala do chefe. Quando tinham que digitar a matéria, os jornalistas se alternavam para ir um de cada vez. A mesma mudança é sentida no âmbito das pesquisas. A Abril já comportava um departamento de documentos que era considerado moderno na época. “Quando tínhamos que pesquisar algum assunto, ligávamos neste departamento e chegavam rolos e mais rolos de fax no final da tarde. Hoje, com uma hora de Google nós conseguimos as informações necessárias”, lembra. Comparando o passado com o presente, ela sente que o jornalismo ficou mais dinâmico com a modernização dos meios. Isto possibilitou maior agilidade e facilidade na hora de o leitor entrar em contato com a notícia, mas agora o jornalista deve ser mais criativo e tem que encontrar um jeito inovador de dar a mesma notícia que os outros estão dando.

com 23 anos foi a mudança para São Paulo. Veio com mais duas amigas que também haviam passado no Curso Abril e alugaram um flat no Morumbi. “Fizemos o percurso do flat para a Abril várias vezes antes do primeiro dia para não ter erro”, disse. Isso aconteceu no ano de 1998, o primeiro ano da Abril no atual prédio na Marginal Pinheiros, onde tudo acontece. Rachel mal imaginava, mas esta foi a primeira grande viagem que interferiria em sua carreira. Logo após veio o convite para atuar na sucursal de Curitiba. Para ela, o maior obstáculo foi lidar com a distância do que era a zona de conforto que conhecia, mas abraçou a causa e seguiu em frente. “Eu estava muito empolgada e feliz de estar onde eu queria estar”, lembra. A revista Placar marcou vários primeiros momentos da vida de Rachel. Foi a primeira revista em que trabalhou em São Paulo. Sua primeira matéria foi a da ‘Deusa’, uma editoria que consistia em eleger uma famosa bonita por edição, entrou em um estádio de futebol pela primeira vez e teve uma matéria sobre investigação de dopping indicada para o prêmio Abril. Tudo isto em um mês. Rachel garante que mesmo não entendendo nada de futebol, como ela mesma declara, gostou muito da experiência. “Jornalismo é isso: tornar-se um especialista no assunto em que está escrevendo no momento”. Sobre ídolos diz que “por diversas vezes, criamos ou acreditamos numa numa imagem que algum famoso faz diante das câmeras. Exercendo o jornalismo, mesmo não tendo trabalhado em redações, já me desiludi com alguns entrevistados”, conta.

Essa transformação se reflete também no modo como a matéria será publicada. Para ela, hoje, o jornalista pensa em todas as plataformas possíveis em que sua matéria poderá ser lida, então acaba conversando mais com o fotógrafo, com o diagramador, para que o resultado seja o melhor possível.

Para buscar a inovação no jornalismo, Rachel se diz muito inquieta, querendo ver as coisas acontecerem. Gosta sempre de pensar em um enfoque novo. “Acredito que por causa do meu histórico de viagens eu tenha essa tendência, porque todo ano sai matéria sobre compras em Buenos Aires e em Nova York. Então temos que dar uma cara nova para não ser a mesma matéria de todos os anos”, esclarece a jornalista.

Sua maior dificuldade após terminar a faculdade

Nunca teve alguém em quem se espelhar pro-

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fissionalmente. Hoje, acredita ter mais disto ao desfrutar do trabalho do jornalista americano Paul Theroux, autor de O Grande Bazar Ferroviário, que compartilha o mesmo histórico de viagens que Rachel. Antes de fazer a volta ao mundo em 1999, Rachel leu este livro, e a maneira como ele relata as histórias e deixa suas impressões a fascinou. ”Se fosse pra eleger uma pessoa hoje, seria ele”, diz. Em uma família em que todos são mais tranquilos, Rachel descobriu o gosto pelas viagens e não parou mais. “Acho que isso veio comigo desde que saí de Belo Horizonte e vim para São Paulo morar sozinha”, declara a jornalista que decidiu fazer uma viagem de volta ao mundo. Conheceu seu marido, Marco Pomárico, 41, quando estava fazendo um trabalho para a revista Viagem e Turismo numa edição especial sobre a Itália. O fotógrafo morava em Barcelona, Espanha, e foi recomendado pelo diretor de arte da revista. “Ficamos 18 dias juntos, nos apaixonamos, voltamos ao Brasil e ficamos aqui por um ano”, conta Rachel. Marco recebeu uma proposta para voltar para Portugal, onde já morava antes e se mudaram para lá em 2005. Nesta época, Rachel tinha quase 10 anos de Abril, mas acreditou no amor, pediu demissão, e levou vários projetos para a Europa. No começo, ela conta que teve uma vida meio cigana. De repente um dos dois indagava - “Ah, vamos morar aqui?”. E o casal ía. Depois de tantas andanças, seu marido a perguntou - “Por que a gente não faz uma viagem de volta ao mundo agora?”. E foi aí que se deu o início de uma rota de fazer inveja a qualquer viajante. Sem juntar dinheiro durante uma vida e sem desespero, o casal começou a decidir de onde partiriam, para onde iriam. Os dois mantiveram alguns trabalhos para que pudessem sustentar o dia a dia em cada lugar sem passar por apertos. “Muitas vezes eu estava em um bangalô de areia na praia com o computador no colo”, conta Rachel, que relembra os momentos com brilho nos olhos. Um dos trabalhos envolvia o blog ligado à

Editora Abril, Viajar Bem e Barato. O blog começou logo que Rachel e Marco saíram do Brasil com destino a Portugal, época que coincidiu com a criação dos blogs no Brasil. Além deste, Rachel também matinha outro blog mais pessoal. Viajar para qualquer país que não fale a nossa língua materna pode ser um problema. A jornalista confessa que tem um espanhol médio e um francês ‘meia boca’, e que este foi um dos motivos para terem voltado para o Brasil, além de estar trabalhando demais e, muitas vezes, não verem a luz do dia em pleno inverno europeu. “Adoraria falar fluentemente a língua, mas a cada vez que a gente contratava um professor particular surgia uma grande viagem. Combinamos que quando estivesse faltando trabalho, iríamos começar a fazer aulas pra ver se atraía mais trabalhos”, conta em meio a risos. O lugar em que tiveram mais problemas com a língua foi a Mongólia. “Na Mongólia foi linguagem dos sinais o tempo inteiro. Moramos com os nômades por um mês e não entendíamos nada. Eles usam o alfabeto cirílico, mas é uma língua deles, impossível de entender”, diz. Outro lugar difícil quanto à linguagem foi a China. Rachel conta que no hotel algum funcionário escrevia o nome do lugar onde queriam ir, e atrás do papel havia uma frase: ‘Por favor, me leve para o lugar tal’, em mandarim. Fazendo um balanço da viagem, Rachel enumera Mianmar, Mongólia e Vietnã como os lugares que mais gostou, que acabaram sendo os mais difíceis também. Na Mongólia, por exemplo, comia-se carne seca sempre, não tinha geladeira, mas estando em um lugar onde não se conhece nada e ninguém, ‘é o que tem pra hoje’, ou pra ontem. A questão do banheiro também foi um problema. “Não tinha banheiro, quando tinha, era um buraco no meio do nada. Depois de uma semana eu vi um chuveiro e pensava como é bom tomar banho”, lembra. Hoje, o país que ocupa o primeiro lugar na lista de próximas viagens da jornalista é o Méxi-

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Da música para as

Marco Pomárico

a saudade dos familiares e amigos que ficaram no Brasil e que o Skype deu conta do recado. Após sua chegada ao Brasil, Rachel voltou para as redações da Abril até receber o telefonema de Mônica Salgado, editora-chefe da revista Glamor. Rachel foi cotada para ser a editora de cultura e lifestyle da revista, que incluía algumas viagens no meio tempo também. Ficou seis meses na Glamour e decidiu deixar a casa por problemas pessoais. Em seguida, reativou seu escritório e ficou trabalhando nele por um mês, até que foi chamada para voltar para a Veja. “Aqui me sinto voltando pra casa. As pessoas me chamaram porque conhecem meu trabalho, a minha volta foi muito bacana”, conta com um sorriso no rosto. Impossível dizer que a jornalista não tenha nascido para fazer o que faz.

Em uma ruazinha de Lourmarin, França aproveitando as regalias de ser casada com um fotógrafo

Seu currículo conta com intensos dez anos de casa na Editora Abril, seis meses na Revista Glamour, da Editora Globo Condé Nast e um mês trabalhando em seu escritório próprio.

co. “Morro de vontade de ir pro México. Não fui por falta de oportunidade. Comecei a viajar muito pela Europa e ele ficou longe”, diz Muito se fala sobre as amizades feitas em viagens. Depois de sete anos vividos no exterior, Rachel cultiva os laços formados do outro lado do Oceano. Uma história curiosa vivida por ela em um ônibus no sul da Índia foi quando uma menina de 18 anos sentou ao lado dela e dizia coisas como: “Eu estou tão feliz de ter te conhecido, de estar ao seu lado. Agora podemos ser amigas”. A menina chegou a convidá-los para o casamento da irmã. Rachel conta que os indianos recebem e querem muito bem os turistas, e quando chegaram em Udaipur, Índia, recepcionados por um belo pôr do sol, ela e o marido perceberam como a vida é maravilhosa, e que somos nós quem inventamos demandas demais. Para a mineira, ser paga para viajar ainda é a melhor coisa do mundo, mas chegou um momento em que ela não aguentava mais. “Cansa ser estrangeira e ter que carregar a casa nas costas. É muito cansativo estar cada dia em um lugar”, relata. Rachel diz que é muito bem resolvida com

Além de sete anos morando no exterior e mandando material para que nós pudéssemos sonhar com a viagem perfeita, a cidade maravilhosa ou uma história de amor que transpõe o Oceano. Hoje, Rachel se diz muito realizada e feliz no que faz, mas ainda acha positivo estabelecer metas e objetivos para crescer ainda mais na carreira. Esta entrevista foi quase uma viagem. Rachel é tão fascinada pelo assunto que consegue transmitir este sentimento a qualquer um que converse cinco minutos ou quase uma hora com ela. Foi a partir de sua trajetória, de suas escolhas na hora certa e de sua determinação, que ela foi escolhida para fazer parte de equipes com que muitos sonham. Sua simpatia e preocupação em se fazer clara também foi algo notável. Rachel se faz entender pelas palavras doces e alegres a partir das quais relata suas experiências de vida. Posso fazer minhas, as palavras da menina indiana que sentou ao lado dela no ônibus. “Estou tão feliz por ter te conhecido, Rachel”.

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Regina Echeverria trabalhou em grandes jornais e vem se dedicando a escrever biografias. A última foi do expresidente José Sarney.

m meio ao caos de um entardecer na terra da garoa, deparo com uma porta entreaberta para um universo de histórias sem fim. Respiro fundo e mergulho nesse mar de peculiaridades e tesouros apreciando a brisa que fitava meus olhos curiosos.

E

bra. Sento em uma pequena poltrona cercada pelo desalinhamento sufocante dos livros e fitas nas prateleiras que se amontanham com o passar do tempo. Envolvida na fumaça entorpecente do primeiro cigarro acendido relaxo e permaneço anestesiada. Com calma sua voz rouca se desperta revelando toda sua força e essência.

Diante de mim encontro um sorriso receptivo e bordado com as mais antigas linhas. Sou convidada a participar daquele momento intimista como se fizesse parte da desconcertante cena teatral. Percebo que seus relógios já não funcionam, como se o tempo estivesse congelado há anos em seus quadros e pinturas gastas. Parece que nada está mais vivo a não ser o pequeno ser felpudo saltitante que esbarro cada vez que caminho, aqueles olhos amendoados já faziam parte de minha som-

Regina Echeverria nasceu em São Paulo, na fronteira entre a Liberdade e o Bexiga, em dia histórico: 6 de agosto, quando, a 20 mil quilômetros dali, seis anos antes, explodiu a primeira bomba atômica em Hiroshima. Filha da geração da primeira guerra dos tempos modernos jamais imaginaria que fosse ser uma jornalista de grande sucesso e muito menos uma biógrafa reconhecida. Os traços herdados de seu pai são notáveis pelo tom da voz e da gargalhada espalhafatosa, já seu sangue italiano

Fernanda Dourado

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toma conta de sua gesticulação impulsiva. Inquieta conta sua infância de forma superficial e aparentemente pouco saudosa. Balança-se de um lado para o outro em sua cadeira diante do computador, onde a mesa está coberta de livros e de uma coleção inusitada, os lápis cor grafite. Ao relembrar sua época de estudante em colégios de freiras, transmite um orgulho em volta de todo o aprendizado que lhe foi passado, como se a fomentação de seu caráter dependesse diretamente daquele período. Cantou num conjunto de rock’ n’ roll no tempo da Jovem Guarda e por mais que tivesse ideias tidas rebeldes para seu tempo, sempre foi a menina dos olhos de seus pais. Diferente de seus familiares que nunca tiveram contato com os bastidores da comunicação decidiu graças aos seus encantamentos e interesses literários entrar na FAAP e desbravar os meios de comunicação. Talvez perdida entre teorias e beneficiada pelo próprio regime ditatorial viu a grande oportunidade de ser jornalista quando foi convidada a preencher a única vaga que havia de repórter na seção de Esportes do Estadão. Suas mãos inquietas e seu lábio murcho de tanto fumar pedia mais um trago e logo, mais um cigarro iria morrer em minutos para saciar sua ansiedade e desejo. Relembra entre uma fumaça e outra seus primeiros passos no jornalismo esportivo. Não tinha ideia quantos jogadores ficavam de um lado da quadra de basquete ou quanto valia uma cesta, mas isso não a impediu de crescer em uma redação dominada pelo sexo masculino. Começou a trilhar seu caminho profissional quando fez sua primeira viagem internacional para Montevidéu cobrindo uma partida de tênis. Sua respiração fica ofegante como se não coubesse mais dentro de seu corpo robusto tanto orgulho pelas oportunidades adquiridas conquistas através de seu oficio. Seu empenho a levou a novos patamares, não apenas geográficos, mas também para outras redações. Ao relembrar o passado percebe que jamais teria condições de conhecer quase o mundo todo como conhece.

Em 1973 já fazia parte do Jornal da Tarde na mesma função, o esporte tinha virado sua grande paixão e sua porta de entrada para um mundo inesperado e surpreendente. Nesse mesmo mundo incontrolável Regina cometeu sua primeira gafe e aprendeu a nunca mais misturar a vida profissional com a pessoal. Sua paixão pela liberdade ultrapassou os céus e lhe permitiu uma queda livre de mil metros de altura; e foi essa mesma queda que lhe tirou a matéria de capa. Novata na profissão deixou que a briga com um namorado a fizesse ir embora e não relatasse a morte de um paraquedista. Rindo, conta que foi um dos momentos mais desconcertantes dentro do Estadão, pois não tinha cara para explicar a perda dessa inevitável manchete. Não aprendeu apenas com seus erros práticos, mas também com a convivência com os jornalistas experientes. No JT teve mais uma oportunidade de mostra a que veio e mudou para o setor de variedades. Lá pôde trabalha com algo que admirava incondicionalmente, a cultura brasileira. Seu ápice no meio musical e quem sabe na sua vida foi à cobertura em 75 do show Falso Brilhante, o de sua queridíssima Elis Regina. Ao falar de Elis seus olhos brilhavam e as palavras descreviam uma obra de arte inédita a tantos, porém exposta cotidianamente a seus olhos e seus ouvidos. Assim se passaram 10 anos de cumplicidade e da construção de sua 1ª biografia. Nesse tempo, uma Regina reinventava a música popular brasileira, enquanto a outra Regina se consolidava como a mais atirada, aplicada e generosa jornalista da MPB, que acompanhou, nas páginas da Veja entre 1976 e 1981, na Isto É de 81 a 83 e nas imagens da Abril Vídeo, na TV Gazeta de São Paulo. Entretanto, O furacão Elis só foi publicado quatro anos após a morte da cantora. Echeverria dividiu-se nas mais diversas facetas do jornalismo, arriscando seu tempo livre entre seu trabalho na TV, seu jornalismo esportivo na Revista Placar e a construção de sua obra. Em 85 quando seu livro era publicado e ela ganhava notoriedade, trabalhava como repórter da Folha de S.Paulo. Como o mundo dá voltas e é totalmente im-

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previsível, em 1986 acabou voltando para o Estado de S.Paulo devido a problemas econômicos que atormentavam o país, mas continuou de olho na música popular e nos movimentos culturais, como o lançamento do Caderno 2, cujo o nº 1 trazia Caetano e Chico na capa. Em 1989 seguiu sua obstinada paixão pela reportagem e voltou ao Caderno 2. Voou também, pelas asas da revista Ícaro para São Francisco, Sevilha, Curaçao, Montevidéu e quase todo o Brasil. Nos anos 90, já casada há quase 10 anos com seu segundo marido-jornalista, o destino colocou em seu caminho Cazuza e a AIDS. Ambos devido a sua complexidade a fizeram viver novamente. A doença que até hoje gera inúmeros preconceitos bateu a sua porta em 92, quando seu marido foi contaminado durante seus atos infiéis e inconsequentes. A morte lenta definhava o corpo do jornalista e sua mobilidade de trabalhar, morrendo em 93 na própria cama que dividiu com Regina anos a fio. Esse capítulo a faz conhecer Lucinha Araujo, onde com a parceria Regina escreveu Só as mães são felizes, livro que serviu como base para o filme O tempo não para. Após dois anos, em 1999 lançou o livro Preciso Dizer que te amo. Com tom sério e amargo, a jornalista demonstra guardar mágoas pela falta de consideração da mãe de Cazuza sobre os créditos atribuídos no filme e prefere encerrar o assunto. Já em 2002, aceitou o desafio de escrever a biografia do fotógrafo e etnólogo Pierre Verger, juntamente com a pesquisadora e amiga. Diferente do que acreditava, não teve envolvimento com seu novo protagonista baiano. Em sua concepção não vê outra forma de escrever sobre alguém sem conhecer a pessoa a fundo, sem vasculhar e se intrometer na vida alheia. Em 2006 com a colaboração de parentes de Gonzaguinha lançou Gonzaguinha e Gonzagão, uma história brasileira. Que se tornou um grande sucesso em 2012 e homenageou o centenário de Gonzaga.

A jornalista 24 horas ficou fora alguns anos das grandes redações e começou a viver integralmente de seus projetos biográficos. Sua última obra concretizada foi à polêmica biografia do ex-presidente José Sarney publicada em 2010. Nunca se preocupou com a opinião alheia e não foi diferente neste trabalho, escreveu apenas o que presenciou em dois anos de pesquisas. Jamais viu o jornalismo como uma ferramenta neutra e isenta de opinião, muito pelo contrário, critica essa teoria e o imediatismo das notícias. Acredita que hoje em dia o jornalismo perdeu seu romantismo e seu idealismo. Olhando a janela grande de seu pequeno escritório observa o vai e vem dos jovens que caminham na calçada da universidade e reflete sobre o papel do jornalismo e sua real importância. De forma bastante consistente acredita que a internet fez com que o jornalista perdesse seu faro investigativo, não checando mais as fontes e muito menos a memória cultural histórica. Acende mais um cigarro e o cheiro forte está impregnado não apenas no ar, mas em sua voz e principalmente, em seus dedos com artrose. Vira-se para o computador a busca de notícias em sites que apenas valorizam o lide e não seu conteúdo, tentando me provar que o jornalismo literário é a única e real forma de conhecer os fatos de forma mais completa e atrair leitores. Quando questionada sobre as faculdades de comunicação percebo um olhar indignado, pois queria fazer parte desse universo gerador de falhos jornalistas, mostrando-os que os ensinamentos vão além da teoria, devem contar com a prática e experiência. Hoje em dia a desbravadora do mundo tem apenas um sonho que não se concretizou, a vontade de fazer parte novamente de uma grande redação. Seu único trabalho similar a esse universo são suas participações na revista Contigo. Sua exclusão do ambiente de jornalismo impresso é fortemente embasada na sua idade. Contudo, se senti jovem espiritualmente e com garra para atribuir sua melhor qualidade profissionalmente, a experiência.

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O Menino que não colecionava soldadinhos de chumbo

Roberto Godoy é jornalista do Estadão e o maior especialista no segmento bélico-militar do país.

Sabrina Fantoni

F

ui encaminhada a uma sala vazia por um dos funcionários do jornal O Estado de S. Paulo. Havia, além de mim, um sofá de couro, uma mesa de reunião envolta por cadeiras e a vista para mais uma noite de verão chuvosa na zona norte da capital paulista. Enquanto eu aguardava Roberto Godoy, o jornalista mais influente do segmento bélico-militar do país, eu tentava não pensar que havia algum tempo que não exercia minha função de jornalista e nas possíveis gafes que eu poderia cometer diante de um renomado profissional com mais de 40 anos de carreira. Nascido e criado em Campinas, uma das mais populosas cidades do interior de São Paulo, Godoy nasceu numa família de leitores. “Li Dom Quixote aos 12 anos, naquela época discutia-se tudo, lia-se muito, tudo” relembra o jornalista. O caçula Roberto e seus dois irmãos se reuniam para ler junto de seus pais os jornais de maior circulação da cidade, dentre eles o Correio Popular, lugar o qual abriu as portas para o jovem de então 15 anos de idade. “Eu

queria participar daquilo de alguma maneira, mas não seria tão simples.” O correio popular fora o laboratório que fez Godoy se embrenhar cada vez mais por esse caminho sem volta. No entanto decidiu ingressar na faculdade de sociologia pela Universidade de São Paulo, a qual acabou por não concluir. “Eu não pretendia fazer o curso de jornalismo, uma vez que a obrigatoriedade para se trabalhar num jornal era a de possuir um diploma a fim de obter o registro. As escolas de jornalismo daquela época eram iniciantes, os cursos eram fracos e eu já tinha o registro de jornalista, assim como muita gente, então decidi estudar Sociologia.” Embora tenha exercido outras atividades em redações, como as de chefia, gosta mesmo é de ser repórter. Godoy cita o manual de redação do jornal norte-americano Washington Post que promove a seguinte ideia: “Seja um repórter.” Na outra página diz:“Se você não pode atender ao primeiro requisito, não passe para o terceiro.” Roberto afirma que ainda

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hoje está disponível para cobrir qualquer pauta que seja inclusive buraco de rua.“Eu acho que jornalistas em geral ou é repórter ou não é jornalista.” Foi no ano de 1979 que lhe foi incumbida a tarefa que viria a ser um divisor de águas em sua carreira: A de ser repórter especial para cobrir a área militar-bélica do jornal. Sua primeira pauta foi sobre a indústria de armamento pesado no Brasil. Apesar do sucesso de sua reportagem, Roberto sabia que ainda havia muito que aprender sobre esse novo segmento que até então não havia feito parte de sua vida. “Nunca colecionei soldadinho de chumbo ou aviãozinho de guerra. Eu me interessava por história de um modo geral, portanto não seria o mesmo entusiasmo de um corintiano ao cobrir a seção do Corinthians no jornal, por exemplo. Mas sim uma questão de disciplina e completo envolvimento.” Dessa forma, não haveria outra maneira de se tornar um especialista na área sem ser por meio de muita leitura e estudo de geopolítica, estratégia, história, tecnologia especializada e, imprescindivelmente, ter acesso a fontes confiáveis. A partir daí Godoy cobriu alguns conflitos ao redor do mundo como as FARC’s na Colômbia, guerra no Iraque e em El Salvador como enviado especial. Roberto conta que não é necessário ir a países em guerra para presenciar cenas de horror. “É como sobrevoar a Amazônia: é a coisa mais linda lá de cima, mas ninguém imagina o que acontece lá embaixo.” Se refere o jornalista a situação do controle das fronteiras pelas forças armadas brasileiras. “Envolve muita violência, problema com tráfico de droga e armas. É uma situação limite, muito próxima de se iniciar um grande conflito”. Godoy se considera “um socialista convicto” assim como a maioria de sua geração, embora afirme que já tenha revisto muito seus conceitos. Ele acredita que hoje o brasileiro é muito mais leniente em relação à corrupção “A presidente Dilma é completamente refém do PMDB. Numa situação dessas, em outros tempos, a população estaria muito mais

engajada. A última vez que os brasileiros realmente saíram às ruas foi para o impeachment do Collor em 92”. Roberto cita o exemplo da tragédia ocorrida em Santa Maria e da mobilização da população ao se solidarizar com a dor de amigos e familiares, no entanto a maior preocupação era a de se apontar um culpado. Isso mostra que embora todos os brasileiros realmente tenham sentido juntos essa dor, muitos de nós ainda consente de alguma forma com o famoso “jeitinho brasileiro” de se lidar com determinadas coisas a fim de sempre tirar algum benefício disso. Para Roberto, tal jeitinho brasileiro existe e sempre irá existir, porém não podemos deixar de ver seu lado positivo. Ele relata o caso das tropas brasileiras no Haiti que vem conquistando e mudando a vida de uma população sem esperança e maltratada por instabilidade política, guerras civis e por um furacão que arrasou a capital do país em 2010. “Se um soldado brasileiro vir algum garoto chutando uma lata pra lá e pra cá, ele vai ser o primeiro a se juntar a ele.” O exercito brasileiro já criou escola de samba, grupos de capoeira e também promove cursos de economia doméstica para a integração do povo haitiano, tudo por iniciativa própria. O jeitinho brasileiro cativou a população e o trabalho de nossas tropas tem diminuído a criminalidade consideravelmente desde 2004, segundo o tenente-coronel Sérgio Lamellas em entrevista para o site Repórter do Futuro. Avô de João e pai de três filhos, Roberto conta que é do tipo caseiro com alguns hábitos “de urso polar” nos fins de semana e que,“por incrível que pareça” -ele ri- “já [foi] casado três vezes”. Apreciador do Jazz e Blues e cinéfilo, o jornalista é multitask nas horas de descanso “eu ouço música, vejo tv e escrevo tudo ao mesmo tempo.” Ganhador de um prêmio Esso em 71 e em 97, querido e reconhecido pelo grupo O Estado, profissional competente de maior experiência em sua área na imprensa brasileira, Roberto afirma que “o grau de exigência do jornalismo é tão grande que se não for vivido com paixão não há como se fazer jornalismo.” Entendo que o fazer jornalismo é inseparável do eu-jornalista, o qual é inseparável de todos os outros “eus” que há em nós. Godoy conseguiu explicar esse raciocínio de um jeito muito simples: “Fazer jornalismo cansa, mas ainda é melhor que trabalhar”.

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