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o recorte de estudo
o recorte de estudo
Com o intuito de conhecer melhor fisicamente o território e compreender quais são as oportunidades dentro do contexto urbano particular do município, foi feito um recorte da área a ser estudada neste trabalho, que engloba em seu perímetro o centro urbano de Santa Isabel e as quadras ao redor dos córregos Araraquara, Índaco, Karibê e da Avenida Brasil. Dessa forma, é possível identificar as áreas sensíveis desta região e analisar mais a fundo, suas características, deficiências e forças.
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da ocupação do solo
A mancha urbana central está inserida em maior parte em uma Subárea de Qualificação e Adensamento Urbano, dentro da Macrozona de Ocupação Dirigida. É uma zona de interesse para a consolidação ou implantação de usos urbanos ou rurais. [...] desde que sejam atendidos os requisitos que assegurem a manutenção das condições ambientais necessárias à produção de água, em quantidade e qualidade para abastecimento público. (Lei Complementar 184/2016, p. 252-253, 2016)
Esta zona incentiva o adensamento urbano e exige uma baixa taxa de área permeável, de apenas 10% do terreno. A leitura da ocupação do solo de Santa Isabel pode ser observada na figura 41 com o auxílio da análise descrita abaixo.
É possível perceber que há uma significativa presença de tipologias de uso misto, geralmente serviços e comércios implantados junto com uso residencial. Essa tipologia permite melhor aproveitamento do solo e de seu potencial construtivo, além de deixar a dinâmica do centro mais ativa.
No que diz respeito às suas dinâmicas urbanas, nota-se que essa variedade de uso-misto está implantada ao longo das vias que recebem e distribuem o fluxo advindo de outros municípios. Como por exemplo, a Avenida Coronel Bertoldo, Avenida Prefeito João Pires Filho, Avenida Manoel Ferraz de Campos Sales e Avenida República.
Por conta de possuir uma alta diversidade de usos, a via mais movimentada da cidade é a Avenida República, sendo o principal eixo comercial do município, com uma grande quantidade de uso-misto, comércio, serviço, residência e alguns prédios institucionais, dispostos ao longo da avenida. Outra via com uma dinâmica muito similar é a Avenida Manoel Ferraz de Campos Sales.
Conforme nos afastamos do centro o uso passa a ser predominantemente residencial, com alguns comércios e serviços distribuídos eventualmente entre as residências. Mais distante das áreas centrais, nota-se também a implantação de usos industriais (os quais já estavam presentes antes da Lei de Proteção aos Mananciais).

Figura 41: Uso e Ocupação do Solo no recorte de Santa Isabel Fonte: Elaborado pelo autor com base em imagem aérea do Google Earth
do gabarito de altura dos edifícios
Mesmo que o centro da cidade possua maior potencial construtivo, as edificações implantadas são em geral, térreas ou sobrados. É interessante que sempre que há a verticalização, ela está acompanhada de uso misto. As edificações com 3, 4 ou mais pavimentos, são todas de uso misto, com uso comercial no térreo e habitação multifamiliar nos pavimentos superiores. Muitos sobrados também possuem mais de um uso, comercio no térreo e serviço ou residência no pavimento superior.
Ainda é pouco comum construções que ultrapassem 3 pavimentos. A edificação mais alta possui 5 pavimentos. As poucas edificações com mais de 3 pavimentos estão na área central da cidade, dispostas principalmente ao longo da Avenida República.
Apesar de todo o recorte estar inserido em uma mesma zona, nota-se que as características da paisagem e dinâmicas variam muito. Apesar dos bairros adjacentes possuírem o mesmo potencial construtivo que o centro, é raro ver empreendimento multifamiliares, a maioria são casas térreas ou assobradadas de residências unifamiliares. É comum na cidade ver famílias que compartilham o mesmo terreno com casas térreas independentes, formando mini vilas particulares. Ver figura 42.



Figura 42: Gabarito de altura no recorte de Santa Isabel Fonte: Elaborado pelo autor com base em imagem aérea do Google Earth
da mobilidade urbana
A intercomunicação entre os bairros acontece (oficialmente) apenas através do sistema rodoviário. Muitas pessoas ainda são dependentes do automóvel, visto que moram distantes do centro ou trabalham em outras regiões. Ademais, por conta das distancias e morros a serem vencidos para se chegar a outro bairro, o uso do auto prevaleceu. Então as pessoas se adaptaram com o uso do carro, que é reiteradamente incentivado, com amplas áreas nas margens das vias cedidas para estacionamento. É comum presenciar automóveis invadindo a área de circulação do pedestre além de poluir e sufocar visualmente a paisagem do centro. A dominação do carro na paisagem urbana é resultado da adoção de uma ideologia modernista que buscou beneficiar a indústria automobilística e o sistema rodoviário. Segundo Gehl (p. 9, 2013) “[...] nos esforços para lidar com a maré crescente de automóveis, todo espaço disponível da cidade era simplesmente preenchido com veículos em movimento ou estacionados. Cada cidade tinha exatamente tanto tráfego quanto seu espaço permitia.” Isto pode ser observado em diversas cidades, inclusive em Santa Isabel, que ainda incentiva o intenso fluxo e permanência de carro no centro da cidade. Praticamente todas as vias da cidade possuem estacionamentos paralelos. Mesmo nas vias mais movimentadas, isso também acaba gerando empecilhos para que o fluxo mais fluido nessas áreas de tráfego intenso, como é o caso da Avenida República. Outra problemática, é o engarrafamento que acontece na área central nos dias de enchente ou quando há algum tipo de obra em vias paralelas, pois todo o trânsito desagua na Avenida República, e fica exclusivamente dependente dela. Não há ciclovias nem ciclofaixas na cidade, mesmo sendo muito comum a presença de ciclistas. As pessoas que não possuem carro ou que preferem usar a bicicleta como meio de locomoção, seja para trabalho ou exercício físico, se deparam com a ausência de espaços adequados e seguros para tal atividade, precisando se expor entre os carros onde o risco de acidente é bem maior. “Ao se considerar a população de 2014, de acordo com a estimativa do IBGE [...] Santa Isabel tem-se um veículo para cada 3,76 habitantes. Uma taxa alta, sobretudo, quando se considera o fato de uma parcela considerável da população utilizar a bicicleta e transporte coletivo como
principal meio de locomoção.” (Lei Complementar nº 184/2016, p. 193 e 194, 2016). Santa Isabel possui uma característica peculiar que acaba sendo uma barreira para a caminhabilidade: a topografia. As características topográficas do município acabam também inviabilizando a implantação de ciclovias e/ou ciclofaixas. Então, distancias que seriam cicláveis em relação aos metros percorridos acabam sendo inviáveis por conta dos acidentes topográficos em áreas onde a inclinação é mais acentuada. Entretanto, mesmo as áreas mais planas, que são mais confortáveis para o caminhar e pedalar, não são bem estruturadas para receber o pedestre e ciclista. Os passeios existentes apresentam muitos empecilhos para as pessoas que necessitam e/ou optam pelo caminhar. Há vários trechos (principalmente no centro da cidade) onde as dimensões não são adequadas, outros quais são desnivelados, com muitos buracos e irregularidades nas calçadas. Esse cenário desencoraja e por vezes inviabiliza as pessoas a optarem por meios de transporte não motorizados, principalmente àquelas que já convivem com limitações físicas. Essa realidade afasta cada vez mais a população de conhecer e desfrutar de sua própria cidade.
“[...] se as pessoas, e não os carros, são convidados para a cidade, o tráfego de pedestres e a vida urbana aumentam na mesma proporção” (GEHL, p 13, 2013)
Ainda hoje, a cidade não desenvolveu nem adotou normativas que reforcem e incentivem projetos pensados na escala humana, e dessa forma, que ajudem a cessar a competição entre automóveis e pedestres pelo espaço público, que acabam perdendo o interesse pela vida urbana. Mas essas diretrizes ainda dependem muito de iniciativas do poder público, que ainda segue adotando medidas convencionais para lidar com os mesmos problemas, uma vez que são mais econômicas, mas não necessariamente mais eficientes a longo prazo.
das áreas livres
Para compreender a morfologia urbana é necessário entender os espaços cheios e vazios dentro da cidade, uma vez que “a forma urbana pode ser explicada através das relações entre espaços abertos e edificados [...]” (COCOZZA et. al, p. 3, 2014). Esse entendimento é feito através da análise dos Sistemas de Espaços Livres Urbanos ou SELs Urbanos. Os Espaços Livres são todas as áreas descobertas, e com base na definição de Queiroga (2011) apud. Magnoli (1982) eles podem ser vegetados ou pavimentados, urbanos ou não, públicos ou privados. Portanto, estes espaços englobam as vias, as praças, os parques, os passeios, os quintais, quadras esportivas, rotatórias, áreas de preservação permanente, entre outros tipos de espaços que se incorporam ao sistema de espaços livres no âmbito público e privado. De acordo com Magnoli (2006) esses espaços são classificados de acordo com o seu uso, que podem oferecer as seguintes funções: propiciar perspectivas e vistas do cenário urbano; espaços para recreação, com distintas atividades específicas; proteção ecológica, como prevenção de inundações, preservação de áreas excepcionais e similares; dispositivo ou influência para a morfologia urbana e reservar presentemente áreas sem utilização para usos mais ativos posteriormente. Logo, compreende-se que as áreas livres são essenciais e desempenham as mais diversas funções no tecido da urbe, com potencial para exercer funções ecológicas, estéticas e socioculturais. Portanto, para realizar a leitura urbana do município de Santa Isabel, utilizou-se do conceito dos SELs. Considerando que a presença ou ausência de leis urbanísticas ajudam a definir a configuração de uma cidade, em Santa Isabel, atualmente (2021) há diversas quadras quase que completamente impermeabilizadas, como observado nas figuras 43. As áreas centrais são as áreas com maior densidade construtiva e consequentemente, com maior impermeabilização do solo. Há poucas áreas livres no centro da cidade, sendo que a maioria não pertence ao poder público. As áreas livres principais que estão dentro da esfera pública, são os passeios, as vias, margens dos corpos d’água, praças e pátios dentro de equipamentos públicos, como se observa na figura 43. Quanto as pertencentes a esfera particular, muitas dessas áreas são destinadas a estacionamento, aos quintais das casas e miolos de quadra, ou estão dentro de terrenos baldios que não apresentam nenhuma função social, e se tornaram apáticas ao entorno.



Figura 43: Cheios e Vazios no recorte de Santa Isabel Fonte: Elaborado pelo autor com base em imagem aérea do Google Earth
Os espaços livres apesar de essenciais, quando descuidados ou sem função ativa, podem assumir um estado de abandono e resultar em espaços ociosos e inseguros que tendem a afastar as pessoas, ou mesmo se tornam áreas de descarte ilegal e inadequado de resíduos, tal como acontece em diversos trechos das margens dos córregos de Santa Isabel, que serão abordados com mais detalhes posteriormente. As primeiras construções na cidade foram realizadas sem obedecer a recuos mínimos, sem prever áreas para arborização nas ruas ou mesmo pontos de respiro entre uma casa e outra, e essa forma de ocupação acabou se enraizando no município, e produziu muitos dos bairros existentes hoje, alguns que já foram objetos de regularização fundiária e outros que ainda seguem irregulares. Ademais, por conta do adensamento populacional e construtivo, os espaços livres de Santa Isabel tiveram sua conexão comprimida pelo espraiamento urbano, o que alterou e interferiu na estrutura natural de seus corpos d’água.
das áreas verdes
“A vegetação apresenta papel fundamental nas metrópoles brasileiras, é elemento essencial para a drenagem urbana, para microclimas mais agradáveis, para a biodiversidade e como fator de embelezamento urbano” (QUEIROGA, p. 28, 2011). No que se refere ao objeto de estudo desta monografia, a cidade de Santa Isabel... “[...] ainda apresenta um percentual relativamente grande de mata, constando cerca de 280,00 km² com cerca de 77,77% do seu território ocupado por vegetação, impondo uma média de 6.404,44 m²/hab./área verde o que é bem acima dos níveis sugeridos pela OMS (12 m² por habitante)”. (Lei Complementar 184/2016, p 58, 2016) As diretrizes da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU) estabelece uma proporção mínima de 15m2 de área verde por habitante. No caso de Santa Isabel, a maior parte do seu território está inserido em áreas de preservação ambiental, contudo, a área urbanizada apresenta baixa densidade arbórea. E as áreas verdes se encontram, em sua maioria descuidadas e não integradas às esferas sociais da cidade. Para entender melhor a relação da densidade populacional e áreas verdes ofertadas nas áreas urbanas, foi analisado o recorte de estudo (figura 44), considerando as áreas verdes que estavam dentro de seu perímetro ou próximas, assim, foram identificados aproximadamente 603.589,83 m2 de áreas verdes em um perímetro onde residem aproximadamente 19.923 pessoas de acordo com os dados de densidade populacional do Plano Diretor Estratégico do Município de Santa Isabel de 2007, resultando em uma média de 30,29 m2 de áreas verdes por habitante, um valor considerado alto. Entretanto, ressalta-se que destas áreas verdes identificadas, poucas são de uso público (praças, margens dos córregos e Parque Municipal), sendo a maioria de uso particular (quintais e miolos de quadra e áreas de proteção ambiental dentro de lotes privados). Então, ao considerar apenas as áreas verdes de acesso público temos 38,981,83 m2, o que equivale a uma média de apenas 1,95 m2 de área verde por pessoa, contrariando inclusive o valor estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que é de 12 m2 de área verde por habitante.



Figura 44: Áreas Verdes no recorte estudado sobreposto as manchas de densidade populacional Fonte: Elaborado pelo autor com base em imagem aérea do Google Earth
Portanto, observa-se que essas áreas verdes, apesar de abundantes, pouco dessa porcentagem se encontra dentro da área urbana e estão fora do alcance da população. No centro da cidade há falta de arborização nas vias e escassez de áreas livres para contemplação, recreação e lazer, como praças ou parques urbanos, como observado nas figuras 45 e 46.

Figura 45: Avenida República, centro de Santa Isabel, 2019 Fonte: Google Earth Pro, editado pelo autor
Figura 46: Avenida Manoel Ferraz de Campos Sales, centro de Santa Isabel, 2019 Fonte: Google Earth Pro, editado pelo autor

O nivel de arborização e areas permeaveis é especialmente baixo na região dos eixos das principais avenidas do centro da cidade (Av. Manoel de Campos Sales e Av. República), por se tratar de uma área mais antiga da cidade, essas vias apresentarem calçadas estreitas que dificultam possíveis alternativas para aumentar o nivel de arborização no local, entretanto, percebe-se que muita área é destinada para estacionamento, e, uma alternativa seria verificar a possibilidade de substituir essas vagas com infraestrutura verde e/ou passeios mais amplos. A ausência de arborização nas vias de Santa Isabel precariza ainda mais a situação atual de pedestres e ciclistas, visto que a falta de arborização prejudica o microclima da região, e isso, somado a falta de áreas de permanência com bancos e praças, culmina em um caminhar
pouco prazeroso. Como consequência da precarização dos espaços destinados aos modais de menor escala (pedestre e ciclista), aumenta-se a adesão ao uso do carro. A carência de arborização dentro de um centro urbano é muito preocupante, visto que árvores e plantas geram oxigênio, e auxiliam no sequestro de carbono da atmosfera (BEYER, 2020) podendo, ainda segundo o autor mitigar as formas de poluição do ar. Um projeto desenvolvido pela equipe de urbanismo Gehl People propôs a remoção de estacionamentos e substituição destes por áreas vegetadas, que atuariam como barreiras naturais de proteção às partículas ultrafinas6 de poluição no nível do chão. Pois, com o distanciamento dos veículos das áreas de passeios, fachadas próximas e áreas de repouso existentes foi possível dispersar a concentração dessas partículas. Segundo GEHL PEOPLE (2019) esse experimento se apoia em estudos que comprovaram uma significativa diminuição de 30% de partículas ultrafinas nas áreas de passeios em comparação ao meio do leito carroçável. Dessa forma, notase uma melhora significativa na qualidade do ar dentro de uma área urbana, e que, portanto, a arborização urbana é essencial para a proteção das pessoas, seja nas ruas ou parques, para a absorção da água da chuva, facilita o escoamento e contribuem com a saúde mental das pessoas.
das áreas livres
Dentro do recorte de estudo, identificam-se o total de 12 espaços livres de práticas sociais (figura 47), dentre os quais 1 é clube de lazer privado, 1 ginásio, 1 Parque Municipal e 7 praças públicas. As praças da cidade desempenham diversas funções, sejam culturais para homenagem de marcos históricos ou alguma personalidade importante que fez parte da história isabelense, como é o caso da Praça Treze de maio (2) e a Praça Poeta Maurício de Souza (3), e as vezes se comportam como lugares de manifestações religiosas, recreações culturais e encontros sociais, como a Praça da Bandeira (1) e a Praça Fernando Lopes (4), sendo estas as praças mais movimentadas da cidade. Todavia, a maioria das praças são áreas remanescentes de vias públicas que foram reconfiguradas e para se tornarem locais de descanso e contemplação, mas, em geral ainda acabam sendo pouco utilizados por não apresentarem acessibilidade ou não oferecerem mobiliários urbanos e infraestrutura que propiciem a elas maior identidade e deem maior conforto aos usuários. A figura 47 também indica que as praças são poucas e não estão
6 Partículas ultrafinas, afetam o sistema nervoso central das crianças. A inalação desse material também pode acelerar o ritmo de declínio cognitivo em adultos e aumentar o risco dessas pessoas desenvolverem Alzheimer (REDAÇÃO GALILEU, 2018)
distribuídas de forma equilibrada ao comparar com as áreas adensadas. Ademais, a maioria dessas praças se encontram subutilizadas e precarizadas, sem efetiva apropriação pública.


Figura 47: Espaços Livres de práticas sociais. Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados da Prefeitura Municipal de Santa Isabel e Google Earth Pro.

da drenagem urbana
Santa Isabel, cuja bacia está localizada em perímetros mistos, ou seja, urbanos e rurais (BARBOSA, 2010) sofre com problemas de inundações, principalmente no centro urbano (figura 48). Por conta da cidade se encontrar em uma planície de vale, em épocas sazonais de chuva intensa as águas convergem todas para o nível mais baixo, onde está localizado o centro, e em decorrência da impermeabilização do solo e dos diversos corpos d’água que cortam a cidade, resulta-se no extravasamento do rio, causando consequentes danos à cidade e aos munícipes. Essas ocorrências também resultam em prejuízos nos cofres públicos, que perdem a possibilidade de direcionar a verba gasta reparando os problemas com outras áreas, como saneamento, educação e saúde. As enchentes, portanto, são produtos do modelo de urbanização que se predominou, decorrente do movimento migratório.


Figura 48: A direita, inundação no cruzamento da Rua Santa Cruz com a Avenida República, em decorrência da chuva do dia 16 de fevereiro de 2020. A esquerda, extravasamento do córrego Índaco. Fonte: Acervo do autor, 2020. Como observado na figura 49, a drenagem urbana deficiente aflige a cidade de Santa Isabel e se intensifica na sua área central, com aproximadamente 315.372,66 m2 de áreas passíveis de inundação. A maior parte dessa área está dentro da Sub-bacia do córrego Índaco, inserido na bacia do Ribeirão Araraquara e é um dos córregos que mais sofreu intervenções nas suas margens, visto que há ocupações de ambos os lados. Reitera-se a importância dos espaços livres para aumentar o índice de permeabilidade do solo urbanizado e ajudar na mitigação dos problemas de drenagem urbana.



Figura 49: Áreas passíveis de inundação no recorte urbano de Santa Isabel Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados do mapa 25 do Plano Diretor de Santa Isabel
Entretanto, os problemas de inundações em Santa Isabel já são bem antigos, como é observado na figura 50. As buscas de Santa Isabel por soluções que amenizem as enchentes nas regiões centrais são datadas, de acordo com Barbosa (p. 79, 2010) de 1982.

Figura 50: Enchente na Rua Leopoldo da Cunha Lima, Lanifício. Ano 1966 Fonte: Retirada do site Espaço Aberto SI - Fotos Antigas: a mudança da cidade ao longo do tempo
Com base nos relatórios fotográficos e registros de inundações recorrentes do período de chuvas intensas, é possível constatar a insuficiência da capacidade de escoamento do sistema atual, evidenciando a urgência de melhorias na seção de escoamento do córrego no perímetro urbano. Portanto, é necessário avaliar a criação de áreas verdes que permitam o “encontro entre terra e água” e, assim, promova a absorção da água da chuva e a sua permeabilidade em seu curso natural, através de espaços propícios para captação e reaproveitamento de águas pluviais na cidade, como por exemplo, os jardins de chuva. A educação ambiental, conscientização da população, fiscalização eficiente e rígida, entre outras também são essenciais, visto que a população tem uma grande participação na ineficiência das medidas estruturais projetadas e na situação atual dos córregos.
dos corpos d’água
Nesta parte do capítulo, será abordado com mais detalhes o tema central deste trabalho: os corpos d’água da região urbana consolidada da cidade de Santa Isabel. Santa Isabel é dotada de uma imensa riqueza hídrica. Foi possível observar previamente através da figura 38 (p. 85) quão expressiva é a presença da água no município, que cobre uma superfície de aproximados 4 km2, dentre os quais estão distribuídos diversos córregos, ribeirões, rios, cachoeiras e nascentes. Sabe-se que muitas cidades que se estabeleceram em territórios dominados por corpos d’água tiveram que readequar o local conforme as necessidades e conveniências da sociedade da época e, muitas destas acabaram por transformar radicalmente as características naturais dos corpos d’água, ameaçando a qualidade e conservação desse valioso recurso. Em Santa Isabel não foi diferente, visto que sua população ocupou e transformou as margens dos córregos centrais. Entretanto, apesar das primeiras construções terem sido implantadas muito próximas aos córregos centrais, por estes serem fontes para consumo de água e comida (pesca), além de auxiliar na agricultura, ainda se decorreu um tempo considerável até que a cidade iniciasse a ocupação efetiva das margens desses corpos d’água. Não há muitos registros oficiais que descrevam com detalhes os motivos que impulsionaram as primeiras ocupações ribeirinhas na cidade. Todavia, é possível traçar uma análise de algumas ações (em geral do poder público) que ocasionaram alterações físicas no território e provavelmente tiveram influência direta na configuração e situação atual em que os córregos se encontram. Segundo levantamentos do economista e advogado Dr. Isaias Bueno, nascido em Santa Isabel no ano de 1947, a primeira fonte de energia elétrica de Santa Isabel foi uma Usina hidroelétrica, inaugurada em 1914. Foi instalada em um sítio onde hoje se localizam a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), o Parque Municipal, a Escola Estadual Prof.a Maria das Graças, a Rodoviária, o Ginásio Esportes, dentre outros equipamentos que se assentam na extensa área que na época foi desapropriada para receber a usina. Então, nota-se o quão marcante e importante foi a presença da água no desenvolvimento da cidade.
Contudo, com o aumento da população, a usina não era mais capaz de atender a demanda de consumo e, portanto, foi desativada entre 1957-1958, dando espaço para os novos equipamentos públicos, loteamentos e instalações que se encontram no local nos dias de hoje.

Figura 51: Foto do grande bolsão de água da Usina Hidrelétrica de Santa Isabel na década de 1940 Fonte: Foto retirada do site “Redescobrindo o Alto Tietê”. Autor e anos desconhecidos.
É possível notar pela figura 51, que o córrego Araraquara, quanto mais próximo da usina, mais espesso ele se tornava. Todos os córregos centrais, naquela época, eram muito mais volumosos e, de acordo com Isaias Bueno (2021) eles eram limpos e vivos, por isso, as pessoas se banhavam e pescavam neles. Eventualmente, eram realizadas cerimonias de batismo, como as israelenses. Nota-se então que a comunidade estabelecia outra relação com os córregos, muito mais benéfica, salubre e humanizada, que foi tecida por manifestações sociais, dentro de seus âmbitos culturais e religiosos. Apenas durante a década de 60 que as modificações físicas nos corpos d’água começaram a acontecer com mais intensidade, pois, até então, o município não possuía rede de abastecimento de água nem rede de esgoto e, a maioria das famílias se abasteciam através de poços artesianos ou de nascentes, as quais são muito abundantes no município. Foi entre os anos 1960-1963 que a primeira estação de tratamento de água do município foi construída, localizada no bairro 13 de maio. A partir do início da captação de água do ribeirão Araraquara para abastecer a cidade, o volume de água nos córregos centrais começou a diminuir significativamente.
As ocupações ribeirinhas começaram a se intensificar com a diminuição do volume da água, pois consequentemente aumentaram as áreas úteis nas margens, além de que o tímido córrego não aparentava ser mais uma “ameaça” com seu volume reduzido. Antes disso haviam poucas casas ao redor do rio Araraquara e uma extensa margem permeável, como pode ser observado na figura 52.

Figura 52: Foto parcial da cidade de Santa Isabel. Nota-se já a presença de edifícios referenciais como a Igreja do Monte Serrat, a Igreja Nossa Senhora do Rosário, a Igreja Matriz e no canto superior direito, a superfície da usina hidrelétrica. Fonte: Foto retirada do site “Redescobrindo o Alto Tietê”. Autor e ano desconhecidos. Com o aumento populacional que se seguiu na década de 70, o fluxo de carros se intensificou e, para desafogar o tráfego das avenidas centrais, inaugurou-se por volta dos anos de 1973-1974 a Avenida Prefeito João Pires Filho (conhecida como marginal) que margeia o ribeirão Araraquara. Em 1980 esta mesma via foi estendida até a Rodovia Vereador Albino Rodrigues Neves, aprimorando o acesso entre Santa Isabel e Arujá. A implantação dessa avenida diminuiu as áreas permeáveis ao redor do ribeirão. Nos anos que se seguiram, a população emergente passou a consolidar suas residências e comércios ao redor dos córregos, o que estreitou seu leito natural. Como já foi apresentado previamente no breve histórico de urbanização da cidade, entende-se que as ocupações
ribeirinhas foram se consolidando antes da publicação da Lei de Proteção aos Mananciais (1970) ou do primeiro Plano Diretor Municipal (1969). Portanto, essas ocupações espontâneas e indevidas das margens dos córregos foram também incentivadas pela falta de diretrizes que fiscalizassem as distâncias mínimas de proteção e conservação dos recursos naturais exigidas pela lei ambiental (que surgiu posteriormente às ocupações), assim as construções negligenciaram a existência dos córregos e as características naturais de sua região, removendo suas matas ciliares em prol da expansão urbana. Foram construídas então, avenidas e ruas sobre os corpos d’água que hoje se encontram estreitados (alguns até mesmo submersos por conta das canalizações), com limites dimensionais para seu escoamento, soma-se a isso o descarte ilegal e inadequado de resíduos que aumentam seu volume e retardam o fluxo e drenagem natural. Consequentemente, a adoção dessas práticas, tanto das ocupações indevidas quanto do lançamento das águas de chuva e esgoto diretamente nos córregos, se reverteu negativamente para a população, pois as águas correm em maior velocidade sobre as áreas asfaltadas, e chegam com maior volume nos afluentes, sobrecarregando-os e intensificando o processo de erosão, culminando por fim, nas inundações que acometem o centro de Santa Isabel. Atualmente (2021) grande parte da população ribeirinha ainda despeja o esgoto que produz diretamente no leito dos córregos próximos, sem tratamento prévio. O aumento substancial do abastecimento de água da população urbana na bacia nas últimas décadas, não foi acompanhado dos mesmos índices de coleta de esgotos e principalmente do seu tratamento, provocando impactos negativos importantes na qualidade das águas (Lei Complementar No 184/16, 2016). Com os córregos atuando como esgoto a céu aberto, o contato direto entre as pessoas e suas águas pode ser extremamente prejudicial e gerar problemas de saúde, além de auxiliar na proliferação de pestes. Ademais, a ausência da vegetação ciliar corrobora com o assoreamento da água e desabamento das barrancas, causados pelo processo erosivo. Há grande incidência de sujeira tanto nas margens quanto no corpo dos córregos, o que contribui com a poluição da água e entupimento das bocas de lobo e intensifica os alagamentos na região.







