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a água e a cidade: os rios urbanos

distorcida) é de suma importância, visto que o contato entre o ser humano e o ambiente natural traz benefícios não só psicológicos, como físicos. Portanto, é importante estudar as percepções do meio ambiente, a noção que a sociedade tem e estabelece com os corpos d’água urbanos, pois como aponta Dictoro (2016) é através das percepções das pessoas que se faz possível identificar novas relações, contatos e significados com a água, e isto pode auxiliar diretamente na gestão e conservação deste valioso recurso.

a água e a cidade: os rios urbanos

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A relação entre o homem e a água é antiga. Segundo Gorski (2008), o rio Nilo, por exemplo, serviu de base para o crescimento e ascensão da sociedade egípcia, há milhares de anos, e a ela servia como fonte de água potável para consumo, de pesca, de irrigação para agricultura, além de via de transporte para mercadorias e pessoas. Nota-se então, que há muito tempo o ser humano já identificou nos rios e suas margens a possibilidade de sobrevivência e desenvolvimento, sendo eles (os rios) os responsáveis pela construção e pelo crescimento das primeiras grandes civilizações, pois era onde o solo era mais fértil, o que possibilitou estabelecer a atividade que foi um marco na humanidade: a agricultura; e consequentemente, o abandono à vida nômade, pois as pessoas passaram a se fixar em um local. Distanciando-se do período remoto da civilização egípcia, o estabelecimento de cidades modernas, como São Paulo, teve também como fator determinante a presença de rios, os quais deram suporte nas questões relacionadas ao abastecimento de água para consumo, agricultura e logística, por conta dos transportes fluviais. Segundo Carvalho (2013) São Paulo estava sobre uma região muito privilegiada, foi assentada entre o rio Tamanduateí e o rio Anhangabaú. Assim, percebe-se que mesmo depois de milhares de anos, a forma de se estabelecer em um novo território, estava ainda vinculada à presença de rios e do auxílio deles no desenvolvimento de diversas atividades para manutenção de uma vida coletiva dentro de determinado espaço. Entretanto, em dado período, os rios de São Paulo que antes foram cruciais para o desenvolvimento da cidade, tornaram-se obstáculos para sua expansão. Esses conflitos, começaram a se intensificar, segundo Carvalho (2013) com a evolução dos sistemas de abastecimento; da alteração da matriz de transporte (não mais fluvial); da alteração das trocas comerciais e das mercadorias que alteraram a economia; alterando consequentemente, a forma como a cidade se utilizou do recurso água.

Naquela época, as ocupações humanas eram feitas sem se preocupar com a degradação ambiental, o objetivo era extrair o máximo de aproveitamento das bacias, o que se reverteu posteriormente em uma necessidade de sistemas hídricos mais robustos, já que com um maior número de pessoas, aumenta-se a demanda por água, e consequentemente maior é o esgoto gerado, que eram despejados diretamente no leito dos rios. “A complexidade dos sistemas hídricos cresceu devido à diminuição dos recursos naturais e a deterioração da qualidade das águas. O planejamento da ocupação da bacia hidrográfica é uma necessidade numa sociedade com usos crescentes dos recursos naturais, e que tende a ocupar espaços com riscos de inundações.” (TUCCI, 2009 d, p.27). No Brasil, em São Paulo, especificamente, houve um grande incentivo para estabelecer o sistema rodoviarista como principal matriz de transporte. Carvalho (2013) reforça que esse processo de modernização e industrialização modificou o território de forma radical, com retificações e canalizações dos principais rios e córregos da cidade, para instalações de indústrias e aberturas de novas vias. “No modelo que privilegia o transporte automotivo, tornouse comum a ocupação dos fundos de vale por vias urbanas” (MELLO, p. 32, 2008). Assim, substituídas as principais funções comerciais e logísticas dos rios por tecnologias modernas, os corpos d’água foram perdendo valor, pois não cabiam mais dentro de uma visão economicista e modernista de gestores públicos aliados a interesses do setor privado. Os rios então, foram canalizados e transformados em esgoto a céu aberto, resultando em grandes danos ambientais. Ademais, “devido à urbanização acelerada do território, as nascentes dos rios e córregos da cidade de São Paulo deixaram de apresentar qualidade de água adequada para o abastecimento” (CARVALHO, p. 11, 2013). Algumas cidades europeias, como Paris e Londres, apesar de terem implantado um sistema rodoviário concêntrico, respeitaram mais as características geográficas de seus territórios e não abandonaram seus rios, mas sim os incorporaram à paisagem da cidade, e avançaram por etapas: elas projetaram anéis hidroviários antes de implantar o sistema rodoviário concêntrico. É possível verificar pela figura 1 que mesmo com o passar dos anos, Londres continuou utilizando o rio a seu favor.

Figura 1: à esquerda, o Rio Tamisa no século XIX e a direita o Rio Tamisa em 2018 Fonte: https://www.dailymail.co.uk/news/article-3824858/The-River-Thames-glory-daysshown-black-white-photos.html São Paulo, entretanto, não seguiu os mesmos passos que Londres, pois queimou etapas ao abrir rodovias sem antes prever melhores condições para seus rios, e descartou completamente as outras funções sociais e logísticas de suas águas. A cidade costumava desfrutar do rio, a qualidade do recurso hídrico na época possibilitava o contato entre pessoas e água, mas, é nítido a transformação do leito do rio (antes sinuoso e hoje retificado) e da dinâmica e forma de apropriação do espaço (antes vivo e próximo das pessoas e hoje morto e excluído de seus âmbitos sociais).

Figura 2: à esquerda, o Rio Tietê entre 1900 e 1944 e a direita o Rio Tietê em 2018 Fonte: https://tab.uol.com.br/videos/?id=cidade-de-sao-paulo-sufocou-seus-rios-vejamudancas-na-paisagem-04028D9A3770DCB95326 Esse modelo de ocupação foi sendo replicado em outras cidades, com o intuito de se assemelhar aos modelos europeus, contudo, esse crescimento precoce sustentado por um ideal estrangeiro e por um desespero de avanço acabaram desconsiderando etapas importantíssimas, e assim, foram dando origens aos cenários precarizados que encontramos hoje.

Com todas essas transformações, alteraram-se de forma significativa a relação entre a cidade e os rios. Outrossim, num contexto extremamente desigual em que se transformaram as cidades, as margens dos rios se tornaram a alternativa de acesso à terra urbana e à possibilidade da posse de uma moradia para a parcela da população com maior vulnerabilidade socioeconômica.

Outro resultado da retificação dos rios urbanos e ocupação de suas margens foi a diminuição ou anulação das várzeas de inundação periódica1 deles. Atualmente, muitas vezes no dia a dia frenético de quem vive em São Paulo eles passam desapercebidos e só se mostram quando chove e a cidade para, como ilustrado na figura 3.

Figura 3: Alagamento na região da Ponte da Casa Verde em São Paulo (SP) no dia 11/03/2019 Fonte: Retirado do site VEJA, no endereção eletrônico https://veja.abril.com.br/brasil/saopaulo-tem-manha-de-caos-apos-madrugada-de-fortes-chuvas/

1 A várzea de inundação ou planície de inundação periódica é toda a região à margem de um curso d'água que fica inundada durante os períodos sazonais de cheias

O modelo de desenvolvimento que predominou nas últimas décadas no Brasil, materializa-se sobretudo, de acordo com Mello (2008) por processos de adensamento e expansão urbana desenfreados, com intensa exclusão socioespacial, o que resultou também em rios poluídos e distantes da população. “No Brasil, de modo geral, a relação harmoniosa de encontro da população com o rio ocorreu até a metade do século XX, quando, então, ampliaram-se os conflitos entre desenvolvimento, sociedade e meio físico. E a poluição e a dificuldade de acesso às áreas ribeirinhas foram expulsando para longe das várzeas a prática de esportes e o lazer.” (GORSKI, p. 36. 2008) Com a poluição, a retificação e a canalização dos rios, a cidade perdeu além da presença das águas (que era tão marcante desde o início de sua formação) os espaços de lazer, tão necessários atualmente, espaços estes que se recuperados podem trazer de volta o respeito, a valorização da cidade e a harmonia do homem com a natureza. A água se torna então um elemento muito potente para a conservação do ambiente Considerando a indiscutível importância da água e os inúmeros conflitos socioambientais das cidades contemporâneas com os seus rios, o questionamento que fica é: Como resgatar a qualidade das águas dos rios e córregos urbanos, com sua vegetação ripária em convívio equilibrado com a população e suas necessidades?

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