ALL EM REVISTA 10.4 novembro-dezembro 2023

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EM REVISTA EDITOR: LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ - Prefixo Editorial 917536

ANO DE GONÇALVES DIAS

NÚMERO 10, VOLUME 4 SEGUNDA PARTE – NOVEMBRO-DEZEMBRO 2023 SÃO LUÍS DO MARANHÃO


EM REVISTA EDITOR: LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ - Prefixo Editorial 917536

NÚMERO 10, VOLUME 4 SEGUNDA PARTE – NOVEMBRO-DEZEMBRO 2023 SÃO LUÍS DO MARANHÃO


A presente obra está sendo publicada sob a forma de coletânea de textos fornecidos voluntariamente por seus autores, com as devidas revisões de forma e conteúdo. Estas colaborações são de exclusiva responsabilidade dos autores sem compensação financeira, mas mantendo seus direitos autorais, segundo a legislação em vigor.

EXPEDIENTE

ALL EM REVISTA Revista eletrônica EDITOR Leopoldo Gil Dulcio Vaz Prefixo Editorial 917536 vazleopoldo@hotmail.com

ACADEMIA LUDOVICENSE DE LETRAS Praça Gonçalves Dias, Centro – Palácio Cristo Rei 65020-060 – São Luis – Maranhão

ALL EM REVISTA Revista eletrônica da Academia Ludovicense de Letras Gestão 2022/2023 COMISSÃO EDITORIAL


EDITORIAL

Esta é uma Revista Eletrônica, dedicada à Literatura Ludovicense/Maranhense, posto ser o órgão de divulgação e disseminação dos escritos dos membros da Academia Ludovicense de Letras – ALL. Outros colaboradores também têm seus escritos aqui impressos, mormente aqueles que já apareceram em várias mídias e páginas literárias na nuvem. Outros, escritos especialmente para a Revista... Sua construção se dá no “copiar e colar” quando do envio e/ou captura desse material. Nesses 10 anos – 40 números -, já que a periodicidade é trimestral, tenho buscado várias formas de edição, ora privilegiando os ‘da casa’, ora os ‘sócios atletas’; buscamos também registrar os novos lançamentos de autores maranhenses e, quando o assunto é a Literatura Maranhense, de autores de outras plagas. Temos uma nova sessão: Sobre Maria Firmina dos Reis. Título de livro publicado em parceria com a Dilercy, quando das comemorações dos 190 anos de seu nascimento – da Maria Firmina, não da Dilercy... – junto com os 190 Poemas para Maria Firmina... Elevada a Patrona da ALL, e objeto de estudos, agora que foi redescoberta, não há uma semana que não apareça alguma coisa a ela se referindo. A pretensão, é registrar aqui, neste espaço, o que se diz e escreve sobre essa maranhense. A seguir, a página do Jornal Pequeno, editada pelo Vinícius Bogéa, dedicada à ALL... E a página do Antonio Aílton, Sacada Literária, também publicada pelo Jornal Pequeno E a partir desta edição, iremos colocando os artigos enviados a redação, ou publicados, na ordem em que chegaram, sem distinção se de membros, efetivos, honorários, correspondentes e ou/ colaboradores... Vamos dar uma nova forma de edição... a Revista voltou a crescer, ultrapassando o número de páginas permitidas pela ferramenta de publicação – ISSUU -; neste início de ano, passou a limitar as publicações livres de pagamento a 50 páginas... temos, através de pagamento de assinatura, agora, 300 páginas... e estávamos, já, ultrapassando esse limite. Como chamei atenção no início, apesar de uma ampla produção, esta está limitada a uns poucos autores; a grande maioria dos sócios, nada produzem... ou não divulgam seus escritos... Por fim, o que foi lançado no período... Boa leitura... divulguem... “Huston, temos um problema!!!” A presente edição já esgotou sua capacidade de inserções. O aplicativo não aceita mais modificações... então, este número estará com várias edições: a presente, primeira parte, uma segunda parte, relativos a novembro e dezembro, e vários anexos – pelo menos oito mais, sobre a poesia maranhense publicada nos jornais... é o que se pode fazer... “No Maranhão já teve...” é uma frase que me vi acostumado à ouvir... e agora, vejo a fundação de academias de letras – Academia dos Novos, encabeçada por José Chagas, na década de 60 -, e agora descubro uma Academia de Trovas, também da década de 60, também José Chagas na frente... pois é... Quando foi se fundar a Academia Ludovicense, havia quatro outras academias ‘funcionando’ – e estão aí até hoje – ditas da cidade de São Luís; nenhuma delas legalizada, isto é, apenas se proclamou sua fundação, sem um registro oficial em “Títulos e Documentos”, nem eleição de diretoria... apenas começaram a funcionar... com autoproclamados presidentes e membros convidados que, nos últimos tempos, têm se reunidos regularmente, com saraus e lançamentos de livros... Temos nova Diretoria: Marechal e sua tropa assumem... LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ EDITOR


SUMÁRIO Expediente Diretoria Editorial Sumário LEI Nº 7.501, DE 30 DE OUTUBRO DE 2023 COMEMORAÇÕES

SOBRE MARIA FIRMINA DOS REIS A PROSA DE MARIA FIRMINA DOS REIS NO SÉCULO XXI LAÍSA MARRA COM ROSTO AINDA DESCONHECIDO, PRIMEIRA ESCRITORA NEGRA DO BRASIL É REDESCOBERTA APÓS DÉCADAS DE ANONIMATO LEONARDO NEIVA MARIA FIRMINA DOS REIS - FRAGMENTOS DE UMA VIDA ELFI KÜRTEN FENSKE.

JORNAL PEQUENO – Editor: Vinícius Bogéa

JORNAL PEQUENO – Editor: ANTONIO AÍLTON ANTROPONÁUTICA, cinco décadas depois, ou parece que foi ontem Luís Augusto Cassas JOSÉ EWERTON NETO A PROPÓSITO DO ROMANCE “A ILHA E O CÉU DE BERENICE” Antonio Ailton SOBRE O ROMANCE “A ILHA E O CÉU DE BERENICE” GABRIELA LARGES VELOSO* RAIMUNDO FONTENELE Lançamento de “A república dos Apicuns” Antonio Ailton A CLARIDADE DA POESIA – As luzes de Sandro Fortes e Paulo Rodrigues Antonio Aílton IRANDI MARQUES LEITE – Tema de OS GUARDIÕES para o Carnaval 2024

ARTIGOS & POESIAS & ALGO MAIS A VINGANÇA LUIS MELLO O ESSENCIAL DE LUCY TEIXEIRA ALEXANDRE LAGO A VOLTA DAS CONFERÊNCIAS DE CULTUR A JOÃOZINHO RIBEIRO FINADOS FESTIVO CERES COSTA FERNANDES A REEDIÇÃO DA BANALIDADE DO MAL? JOSÉ CLAUDIO PAVÃO SANTANA 2 POEMAS DE ANTONIO AÍLTON A CARRUAGEM DE ANA JANSEN JOSUÉ MONTELLO BICENTENÁRIO DE GONÇALVES DIAS. TEXTO ESCOLHIDO: "DO AMOR CORTÊS E DAS MUSAS" CERES COSTA FERNANDES BRINCADEIRAS DE RODA CERES COSTA FERNANDES "NOSSA IMAGEM N'A CLARIDADE DA GENTE" LINDA BARROS O MAPA DA TRIBO E O ETHOS DISCURSIVO DE SALGADO MARANHÃO PAULO RODRIGUES O IMAGINÁRIO ÍGNEO NA POESIA DE SALGADO MARANHÃO


ANTONIO AILTON UM LEGADO CENTENÁRIO OSMAR GOMES “QUERO BOTAR MEU BLOCO NA RUA” LUIZ THADEU NUNES A VINGANÇA

LUIS DE MELLO O ESSENCIUAL DE LUCY TEIXEIRA

ALEXANDRE LAGO A ACADEMIA DE TROVAS

RAMIRO AZEVEDO OS INÉDITOS DE TRIBUZZI

ROSSINI CORREIA MENOS ELES JOAQUIM HAICKEL ESCOLA DE REFERÊNCIA EM VIANA ÁUREO MENDONÇA "O ESSENCIAL DE LUCY TEIXEIRA PELO OLHAR DE CERES COSTA FERNANDES" JOSÉ NERES ME CHAME DE EXCELÊNCIA! JOSÉ CLÁUDIO PAVÃO SANTANA MARANHENSES DO SÉCULO 19 SÃO DESTAQUE EM CONFERÊNCIA NO RIO DE JANEIRO EDMILSON SANCHES NA BORDA DA LÍNGUA LUIZ FELIPE CUNHA "A VIOLETA DO CAMPO II" JOIZACAWPY MUNIZ COSTA PROFESSOR DA UFMA, JOSÉ CLÁUDIO, PUBLICA CINCO LIVROS SOBRE DIREITO, PELA EDUFMA A LINGUAGEM DA AUSÊNCIA – E A PRESENÇA POÉTICA DE ROGÉRIO ROCHA ANTONIO AÍLTON OS PASSARINHOS MANQUITOLAS CERES COSTA FERNANDES

Manhã de autógrafo da terceira edição das Travessuras do Gato Syd SÍTIOS HISTÓRICOS DA DOR JOÃOZINHO RIBEIRO HARMONIA SÔNIA AMARAL O ESPIRITO DE NATAL Ceres Costa Fernandes DISCURSO PROFERIDO PELA PRESIDENTE DILERCY ARAGÃO ADLER NA SESSÃO SOLENE COMEMORATIVA DO ANIVERSÁRIO DE 98 ANOS DE FUNDAÇÃO DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO MARANHÃO - IHGM, CASA DE ANTÔNIO LOPES, em 20 de novembro de 2023 O SENTIDO DE NATAL Aymoré Alvim UM DOS MELHORES POETAS DO OCIDENTE NA PASSAGEM DO SÉCULO XIX AO XX ERA MARANHENSE DE BARRA DO CORDA. DIOGO GALHARDO NEVES LANÇAMENTOS / ACONTECIMENTOS






LEI Nº 7.501, DE 30 DE OUTUBRO DE 2023 Declara a Professora, Escritora e Romancista Ludovicense, MARIA FIRMINA DOS REIS como PATRONA DA EDUCAÇÃO DE SÃO LUÍS, e dá outras providências. O PREFEITO MUNICIPAL DE SÃO LUÍS, Estado do Maranhão. Faço saber a todos os seus habitantes que a Câmara Municipal decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º A professora e escritora Ludovicense, primeira romancista brasileira, MARIA FIRMINA DOS REIS é declarada PATRONA DA EDUCAÇÃO DE SÃO LUÍS. Art. 2º A presente Lei entra em vigor no ato de sua publicação. Art. 3º Revogam-se as disposições em contrário. PALÁCIO DE LA RAVARDIÈRE, EM SÃO LUÍS, 30 DE OUTUBRO DE 2023, 202° DA INDEPENDÊNCIA E 135° DA REPÚBLICA. EDUARDO SALIM BRAIDE Prefeito (Originária do Projeto de Lei n° 229/2023 de autoria do Vereador Dr. Gutemberg).



















SOBRE MARIA FIRMINA DOS REIS


A PROSA DE MARIA FIRMINA DOS REIS NO SÉCULO XXI LAÍSA MARRA*

Acaba de ser lançada a muito esperada sexta edição do romance Úrsula, da maranhense Maria Firmina dos Reis (1825-1917), pela Editora PUC Minas, de Belo Horizonte. A notícia, por si só, tem um importante significado. Primeiro porque se trata de um livro que estava esgotado até mesmo nos sebos virtuais. Depois porque, se tivermos em conta que a quinta edição foi feita em 2009 pelas editoras PUC Minas (MG) e Mulheres (SC) e que, antes disso, a quarta edição foi lançada em 2004, pelas mesmas editoras, podemos perceber que um romance romântico publicado inicialmente em 1859, no Maranhão, vem se consolidando junto a leitores do século XXI. Esse não é um acontecimento banal. Afinal, por que um livro escrito segundo formas românticas e, portanto, visando a leitores românticos – isto é, um público acostumado com essa forma narrativa que, por longo período foi dominante em todo Ocidente, com suas metrópoles e colônias – parece dizer mais aos brasileiros deste milênio do que aos oitocentistas? Embora não possamos esgotar aqui as várias possibilidades de resposta a essa pergunta, é possível esboçar algumas conjecturas centradas na questão racial tematizada pelo livro. O enredo de Úrsula trata em primeiro plano da história de amor entre Úrsula e Tancredo, este, um jovem sensível e afortunado, aquela uma mocinha igualmente sensível, porém bem menos afortunada. O conflito da narrativa tem como centro a figura do tio de Úrsula, o Comendador Fernando P, o qual ambiciona casar-se com a sobrinha independente da vontade dela. Até aí nenhuma novidade. Pelo contrário, para conduzir a história dos seus protagonistas, Maria Firmina dos Reis lança mão de estratégias folhetinescas comuns de sua época, entre elas o incesto; as coincidências; a idealização do amor e seu impedimento por parte de um vilão. Entretanto, costurado ao primeiro plano, há um universo distinto e pouco retratado em toda literatura oitocentista consagrada: a escravização dos africanos. É justamente nesse ponto que a narrativa de Reis ganha em originalidade e se afasta da bibliografia produzida em sua época. Para construir as personagens negras e escravizadas Túlio, Susana e Antero, Maria Firmina dos Reis praticamente não tem modelos, já que na tradição brasileira do Romantismo, a qual se formava naquele momento, os africanos e afrodescendentes foram objetivamente invisibilizados em nome da criação de uma identidade brasileira que pudesse espelhar as ambições étnico-nacionalistas da elite pertencente ao centro do campo literário¹. É, portanto, admirável que Reis tenha dado corpo e voz a personagens negras e que, além disso, elas sejam representadas como seres humanos: pessoas que têm nome, história e memória. Pessoas que, ademais, discutem entre si o sentido de liberdade – conceito este fundamental para as revoluções do século XVIII, bem como para a estética do Romantismo.


Por esse viés, a contemporaneidade de Maria Firmina dos Reis reside na articulação de sua escrita artística a uma ética humanista antirracista. Como bem observa Eduardo de Assis Duarte (2017b) no posfácio "Úrsula e a desconstrução da razão negra ocidental", o qual acompanha esta sexta edição, Maria Firmina dos Reis é uma pioneira em muitos sentidos. Não só é uma das primeiras autoras a publicar romance no Brasil, como também é uma precursora no que diz respeito à tematização da escravidão, se mantendo até hoje como um ponto fora da curva na representação do negro na prosa brasileira canônica. Além disso, vale enfatizar que ela é a primeira mulher a escrever um romance abolicionista na língua portuguesa, sendo que seus antecessores homens, e mesmo seus sucessores, o fizeram de forma inferior, precisamente porque não conseguiram, como o fez Reis, alçar suas personagens negras ao grau de indivíduos. Sem incorrer em exageros, o mais próximo que se pode chegar, pelo romance romântico, à experiência subjetiva de uma africana escravizada é na leitura do nono capítulo de Úrsula, no qual Susana conta, em discurso direto, sua vida na África, o cativeiro, e o trauma da diáspora. Assim sendo, temos nesse livro a primeira narrativa, em primeira pessoa, do que significou a travessia do Atlântico dentro do porão de um navio negreiro; bem como o processo de transformação de sujeitos em "mercadoria humana" (REIS, 2017, p. 103). Verificar a importância de Maria Firmina dos Reis como intelectual de seu e de nosso século é um convite feito pela contextualização histórica incluída nesta edição. Nela, Eduardo de Assis Duarte (2017a) traça uma espécie de linha do tempo na qual elenca datas, eventos, autores africanos ou afrodescendentes, e obras que de alguma maneira foram essenciais para a construção do que entendemos hoje como uma tradição de ativismo e intelectualidade abolicionista. O que salta à vista na leitura dessa contextualização é que, de fato, Maria Firmina dos Reis foi "mulher de seu tempo e de seu país" (DUARTE, 2017a, p. 9), figurando ao lado de personalidades históricas que denunciaram o sistema escravagista – seja da perspectiva de quem foi vítima desse sistema, como a afro-caribenha Mary Prince, o afro-cubano Juan Francisco Manzano ou Mahommah Gardo Baquaqua; seja da perspectiva privilegiada das autoras brancas Nísia Floresta, brasileira; Harriet Beecher Stowe, estadunidense; Juana Manso de Noronha, argentina. Todos estes, autores que escreveram, entre 1831 e 1859, variados gêneros com objetivo abolicionista. A propósito do termo abolicionista, o qual é pertinente nos dias atuais e inclusive acionado por Angela Davis ao se auto definir como uma feminista abolicionista, vale ressaltar que ele é utilizado pela narradora do conto “A escrava” (publicado em 1887 e também presente nesta edição de 2017) para designar "uma senhora de sentimentos sinceramente abolicionistas" (REIS, 2017, p. 193). Essa personagem aparece-nos como um alter ego de Reis no sentido de que ambas se utilizam da palavra escrita para buscar justiça para os cativos que, por não a dominarem, ficavam ainda mais vulneráveis à exploração e à vontade dos senhores. O enredo de “A escrava” gira principalmente em torno dos seguintes conflitos: lei versus prática da lei; palavra escrita versus oral; senhores brancos opressores versus negros oprimidos. Assim como Susana (em Úrsula), a personagem Joana, protagonista do conto, narra em discurso direto sua história pessoal, marcada por desigualdades de força ancoradas não só nas leis escravagistas, mas também numa ideologia racial que estruturalmente privilegia os brancos à custa da desintegração da família e da pessoa negra. Desse modo, a fala de Joana – enraizada em sua vivência de dupla opressão, de gênero sexual e raça – pode simbolizar para nós, leitores, a potência da memória na luta travada com a História oficial pelo direito de narrar. Voltando à provocação feita no início deste texto, Maria Firmina dos Reis talvez possa ser interpretada como uma autora romântica do século XXI, não só porque seu público principal é deste milênio, como também porque estamos em constante revisão de nosso passado histórico e de nossa herança artística. Para qualquer estudante acostumada(o) à presença das obras A escrava Isaura ou As vítimas-algozes nas escolas, é uma surpresa saber que existiu no Brasil da época da escravidão uma mulher afrodescendente que foi escritora, poeta, professora, compositora, folclorista e que, além disso, ousou publicar outra história das pessoas escravizadas. Em tempos de crise democrática e de consequente retrocesso dos direitos das minorias, Maria Firmina dos Reis é ainda hoje uma vanguardista antirracista. Belo Horizonte, 22 de setembro de 2017. Referências BROOKSHAW, David. Raça e cor na literatura brasileira. Tradução de Marta Kirst. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983.


DUARTE, Eduardo de Assis. Maria Firmina, mulher do seu tempo e do seu país (cronologia). In: REIS, Maria Firmina dos. Úrsula: romance; “A escrava”: conto. 6 ed. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2017a. DUARTE, Eduardo de Assis. Úrsula e a desconstrução da razão negra ocidental (Posfácio). In: REIS, Maria Firmina dos. Úrsula: romance; “A escrava”: conto. 6 ed. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2017b. REIS, Maria Firmina dos. Úrsula. 6 ed. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2017. ____________________________________________ 1. Isso se deu a tal ponto que um crítico estrangeiro brasilianista, David Brookshaw (1983), se surpreendeu com a abissal desproporção entre a inexistência da figura do negro na literatura (especialmente até 1850) em comparação com sua presença generalizada na sociedade brasileira. * Laísa Marra é professora, Mestra em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás e Doutora em Letras, Teoria da Literatura e Literatura Comparada, pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora do NEIA - Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Alteridade, e do Portal literafro. Autora do premiado ensaio Fetiche neo-orientalista, publicado em 2016 pela Editora UFG.


COM ROSTO AINDA DESCONHECIDO, PRIMEIRA ESCRITORA NEGRA DO BRASIL É REDESCOBERTA APÓS DÉCADAS DE ANONIMATO Leonardo Neiva Com rosto ainda desconhecido, primeira escritora negra do Brasil é redescoberta após décadas de anonimato - Época (globo.com)

Romancista Maria Firmina dos Reis é autora de Úrsula (1859), romance afro-brasileiro pioneiro da literatura antiescravista no país

Como se imagina que seja Maria Firmina dos Reis, autora de "Úrsula" (1859), hoje considerado o primeiro romance afro-brasileiro, pioneiro da literatura antiescravista no país Foto: ANDRÉ VALENTE/BBC Cabelos presos, colar, um vestido aparentemente luxuoso, a pele branca. Assim esteve representada até 2012 a escritora Maria Firmina dos Reis (1822-1917), primeira romancista negra do Brasil, em uma parede da Câmara dos Vereadores de Guimarães, cidade do Maranhão onde a autora passou a maior parte de sua vida. Não se sabe quando nem como, mas a imagem da autora de Úrsula (1859) — hoje considerado o primeiro romance afro-brasileiro, pioneiro da literatura antiescravista no país — se confundiu com a da escritora gaúcha Maria Benedita Câmara (1853-1895), conhecida como Délia. "Em Guimarães já sabiam que aquela não era Maria Firmina, mas, como o quadro foi doação de alguém importante da cidade, não tiraram da parede", conta Régia Agostinho, professora da Universidade Federal do Maranhão. Em 2012, ela visitou Guimarães durante um trabalho de pesquisa para sua tese de doutorado sobre a escritora. De volta à cidade após concluir sua tese, publicada em 2013, o quadro havia sido removido. Como Maria Firmina não deixou para trás nenhuma foto ou retrato, no entanto, o engano perdura. Mesmo hoje, algumas das primeiras imagens que aparecem em pesquisas pelo nome da escritora na internet ainda são de Délia.

Imagem da obra vencedora de um concurso realizado pela Flup (Festa Literária das Periferias) para recriar o rosto da autora, feita pelo artista é o João Gabriel dos Santos Araújo Foto: Reprodução Em um busto esculpido em sua homenagem, hoje exposto na Praça do Pantheon, no centro de São Luís, pouco transparece da descrição feita por ex-alunos e conhecidos de Maria Firmina: uma mulher de rosto arredondado, cabelo crespo, grisalho, cortado curto e amarrado na altura da nuca, com nariz curto e grosso.


Na estátua "o nariz é afilado, os lábios finos, cabelos lisos, amarrados em coque, em nada se parecendo a uma mulher negra ou mulata", constata Agostinho. Para ela, o escultor Flory Gama se preocupou antes em representar a artista como a única mulher, em meio aos bustos de tantos homens maranhenses ilustres, do que como negra. Daí os seios avantajados, ainda mais marcantes em contraste com a magreza das feições da estátua. As confusões com a imagem de Maria Firmina espelham sua própria obra, que teve boa aceitação da crítica quando publicada, mas acabou caindo no esquecimento após sua morte. Só seria redescoberta em 1962, quando o historiador paraibano Horácio de Almeida (1896-1983) encontrou, em um sebo do Rio de Janeiro, uma edição de Úrsula , único romance da escritora e hoje considerado o primeiro livro brasileiro a se posicionar explicitamente contra a escravidão, antecedendo em mais de dez anos obras como O Navio Negreiro (1870) e A Escrava Isaura (1875).

Pintura que fica na Câmara de Vereadores de Guimarães e que retrata erroneamente Firmina Foto: Régia Agostinho A biografia que se sabe Maria Firmina nasceu no dia 11 de março de 1822, na cidade de São Luís do Maranhão, filha de uma escrava alforriada e de um pai negro. Até 2018, acreditava-se que tivesse nascido em 11 de outubro de 1825 — na realidade a data de seu batismo —, de mãe branca com origem portuguesa, segundo a primeira biografia da autora, Maria Firmina - Fragmentos de uma Vida (1975), escrita pelo poeta e jornalista maranhense José Nascimento Morais Filho (1922-2009). A descoberta da nova data de nascimento foi feita por Dilercy Aragão, professora aposentada da Universidade Federal do Maranhão que hoje ocupa a cadeira de Maria Firmina na Academia Ludovicense de Letras. O caso é um exemplo do pouco que se conhece sobre a vida da autora. Do nascimento até a publicação de Úrsula, em 1859, há várias lacunas. Sabe-se que ficou órfã e se mudou em 1830 para a casa da tia em Guimarães, onde viveu até o fim da vida. Com a parente, que tinha melhores condições financeiras, teve a oportunidade de estudar, algo raro para mulheres negras no período. Em 1847, foi aprovada em concurso público para professora de primário, cargo que exerceu até se aposentar em 1881. No momento de receber o título, Maria Firmina se recusou a ser levada em um palanque sobre o ombro de escravos, uma tradição na época. "Negro não é animal para se andar montado nele", teria dito. Em vez disso, foi a pé. Durante 50 anos, a escritora colaborou com vários jornais maranhenses, onde publicou poesias, contos e crônicas. Entre eles, os contos Gupeva (1861) e A Escrava (1887), dois de seus textos mais famosos. Um ano antes de se aposentar, Maria Firmina fundou em Guimarães a primeira escola mista do Maranhão, que recebia gratuitamente meninos e meninas pobres. Morreu em 1917, aos 95 anos de idade, deixando 11 filhos adotivos. Além da imagem, Aragão lembra que faltam detalhes importantes da biografia da escritora, como os anos de sua juventude, a vida do pai, João Pedro Esteves, e onde ela teria realizado seus estudos.


"Guimarães era uma vila pequena naquela época, então onde ela pode ter estudado? Ainda existe uma longa jornada pela frente, e todas essas dúvidas só nos instigam a buscar mais respostas", diz a pesquisadora.

Lugar onde ficava a casa de Firmina Foto: Régia Agostinho O escravo humanizado Maria Firmina esteve entre os primeiros escritores a de fato dar voz a personagens negros no Brasil, afirma o professor de literatura brasileira da Universidade de Brasília Danglei de Castro. "O enfoque dado aos problemas da escravidão, como a situação da criança negra, a perda de identidade dos escravos em seu deslocamento da África para o Brasil e o alcoolismo são formas de representar o lugar dos negros na sociedade brasileira do século 19", explica. Para Agostinho, da Universidade Federal do Maranhão, a autora humanizava os personagens cativos, colocando-os em pé de igualdade com os brancos da trama — a Úrsula do título do romance é uma mulher branca. "Ele escuta a nênia plangente de seu pai, escuta a canção sentida que cai dos lábios de sua mãe, e sente como eles, que é livre; porque a razão lho diz, e a alma o compreende. Oh! A mente! Isso sim ninguém a pode escravizar!" O trecho de Úrsula retrata uma reflexão do escravo Túlio sobre sua condição. Também no livro, a negra Susana descreve as dificuldades do traslado entre África e Brasil anos antes da publicação de O Navio Negreiro , de Castro Alves. De acordo com a pesquisadora, exemplos como esses mostram que Maria Firmina apresentava personagens escravos "com uma positividade que não foi feita nem depois dela, mesmo por escritores abolicionistas". Isso porque livros posteriores, como As Vítimas-Algozes (1869), de Joaquim Manuel de Macedo, e A Escrava Isaura (1875), de Bernardo Guimarães, teriam sido escritos para sensibilizar leitores brancos, mostrando como a escravidão poderia ser um problema para eles, mas deixando em segundo plano o sofrimento dos negros. Décadas mais tarde, com o avanço da causa na sociedade brasileira, a autora chegou a criar em contos como A Escrava personagens negras abertamente abolicionistas.

Capa do romance 'Úrsula', em edição de 2018 Foto: Reprodução


A questão da mulher O caso da escritora foi atípico para a sociedade profundamente machista da época. Segundo a professora da Universidade Estadual do Piauí Algemira de Macêdo, ela foi a única mulher com presença tão marcada na imprensa maranhense ao longo de todo o século 19. Esse descompasso não passava despercebido à própria autora, que, no prólogo de Úrsula , dizia ter consciência de que "pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato e a conversação dos homens ilustrados, que aconselham, que discutem e que corrigem". Na sua escrita, destaca-se uma pluralidade do retrato das mulheres, com exemplos que vão desde o ideal feminino do período até personagens que desafiam fortemente as convenções. "No conto A Escrava , encontramos grupos de mulheres que se sujeitam aos ditames dos maridos ou apoiam a escravidão, mas também outras da sociedade burguesa que lutam contra ela", explica Macêdo. A pesquisadora também aponta a personagem da negra Susana, de Úrsula , como uma quebra no estereótipo da mulher negra sexualizada, interessada em seduzir, muito presente na literatura do período. "Ela é descrita como uma mulher não atraente, magra, seca. A autora não se preocupou em incluir esse aspecto que a cultura brasileira costuma dar para mulheres negras."

Busto de Maria Firmina dos Reis em Belo Horizonte Foto: UFMG Reconstruindo vida e obra Na cidade de Guimarães, da casa onde Maria Firmina viveu e lecionou a única memória que resta é uma placa com seu nome, sobre a fachada de uma loja de móveis construída no mesmo lugar. Quando visitou o local, em 2012, Agostinho não encontrou nas bibliotecas públicas nenhum exemplar da obra da autora. Nem mesmo seu túmulo estava identificado — na ocasião, a placa tinha sido roubada por vândalos. Apesar do descaso com a memória física de Maria Firmina, a pesquisadora relatou em sua tese que os moradores conheciam a autora, concluindo que "a memória social de Maria Firmina dos Reis está viva entre os habitantes da cidade de Guimarães". Desde então, o reconhecimento da escritora no país se expandiu. Entre os anos de 2017 e 2018, Úrsula ganhou 13 novas edições. Além disso, vários estudos foram dedicados a sua vida e obra e, em 2019, a escritora foi homenageada com um Doodle do Google — em outubro, ainda na data errada de seu nascimento. Para Danglei de Castro, o lugar da autora em nossa literatura vem sendo progressivamente recuperado. "A obra de Firmina é atual, mesmo distante no tempo histórico. É uma autora de grande força expressiva e, por isso, sua leitura é importante para compreender a complexidade da sociedade brasileira."


"Algumas pessoas têm publicado trabalhos sobre o livro Úrsula , mas ainda é pouco para a grandiosidade de Maria Firmina, considerando que foi a primeira romancista brasileira", afirma Dilercy Aragão. "Nós brasileiros não valorizamos a nossa cultura. Por isso, é importante continuar consolidando essa visibilidade." No ano de 2017, o estado do Maranhão instituiu o Dia da Mulher Maranhense, que coincide com o aniversário da autora. Em 2018, Maria Firmina foi uma das artistas homenageadas na Flup (Festa Literária das Periferias), no Rio de Janeiro, que organizou um concurso visando recriar o rosto da autora. "Ainda estamos reconstruindo a história de Maria Firmina", diz Algemira de Macêdo. "Quando comecei a pesquisar sobre ela, em 2011, me sentia praticamente sozinha. Hoje fico feliz em ver minha voz ecoada."


MARIA FIRMINA DOS REIS - FRAGMENTOS DE UMA VIDA

Maria Firmina dos Reis - ilustração Mulheres de Luta (2021)

: Elfi Kürten Fenske. Por gentileza citar conforme consta no final desse trabalho.

ESBOÇO BIOBIBLIOGRÁFICO DE MARIA FIRMINA DOS REIS

Maria Firmina dos Reis (escritora e professora) nasceu na ilha de São Luís do Maranhão, em 11 de março de 1822*. Filha de João Pedro Esteves e Leonor Felipe dos Reis. Em 1830, mudou-se para a Vila de São José de Guimarães, município de Viamão. Viveu parte de sua vida na casa de uma tia materna. Esse acolhimento teria sido crucial para a sua formação. Como parte dessa formação, foi incentivada pelo escritor e gramático Sotero dos Reis, seu primo por parte de mãe, a dedicar-se na busca pelo conhecimento. Em 1847, concorreu à cadeira de Instrução primária no município de Viamão, sendo aprovada. Nessa região, exerceu a – profissão como professora de primeiras letras, de 1847 a 1881.

Maria Firmina dos Reis, por Jonilson Bruzaca (2015) em comemoração 190 anos do seu nascimento


Em 1859, publicou o que é considerada sua principal obra e um dos primeiros romances abolicionistas da literatura brasileira – Úrsula. Em que narra a condição da população negra no Brasil. Obra classificada como um dos primeiros escritos de uma mulher negra brasileira e com forte imersão em elementos da tradição africana. Maria Firmina viveu em um contexto de extrema segregação social e racial. Tendo em vista esse cenário, podemos considerar o romance Úrsula um ato de coragem. No entanto, como era comum numa época em que as mulheres viviam submetidas a inúmeras limitações e preconceitos, principalmente as mulheres negras, a educadora e escritora omite seu nome como autora, utilizando apenas a designação “Uma Maranhense”. As questões da população negra e sua condição na sociedade inquietava e mobilizava a educadora. Então, em 1887, escreveu um conto sobre o mesmo tema, “A escrava”, e, em 1871, publicou a obra de poesias Cantos à beira-mar. Maria Firmina não tinha posses, mas não vivia na pobreza. Ocupava um lugar intermediário, porém mais próximo da pobreza do que da riqueza. Foi professora de primeiras letras e colaboradora de jornais literários, publicando poesias, ficção e crônicas. Ao se aposentar, no início da década de 1880, funda a primeira escola mista gratuita do estado do Maranhão. Essa iniciativa causou escândalo no povoado de Maçaricó, e a escola foi fechada. Faleceu em 11 de novembro de 1917, em Guimarães, município do estado do Maranhão. Teve uma vida dedicada a ler e escrever, descortinando, assim, novos horizontes para as mulheres negras brasileiras. UFMA concede a Maria Firmina dos Reis o título de Doutora Honoris Causa, in memoriam. A concessão do título foi aprovada no Conselho Universitário (Consun), presidido pelo reitor Natalino Salgado Filho, no dia 21 de janeiro (2022), por meio de videoconferência, a fim de reconhecer Maria Firmina dos Reis pelos seus relevantes serviços prestados à sociedade maranhense, como personalidade intelectual, educacional, literária e cultural. O título foi outorgado a Maria Firmina dos Reis em 11 de novembro de 2022. ----------*DATA NASCIMENTO: Maria Firmina nasceu no dia 11 de março de 1822, e não em 11 de outubro de 1825. A informação foi revelada apenas em 2017, pela pesquisadora Dilercy Aragão Adler(1), com base em documentos encontrados no Arquivo Público do Maranhão e até então inéditos. (1) ADLER, Dilercy Aragão. Maria Firmina dos Reis: uma missão de amor. São Luís: Academia Ludovicense de Letras, 2017.

Maria Firmina dos Reis, em ilustração de Silvana Mendes (Revista FAPESP)


SOBRE FOTOGRAFIA OU IMAGEM DE MARIA FIRMINA DOS REIS

Maria Firmina dos Reis, considerada a primeira romancista brasileira, não deixou fotografias, desenhos ou pinturas. As feições da escritora são totalmente desconhecidas. "Nenhum retrato deixou Maria Firmina dos Reis. Mas estão acordes os traços desse retrato falado dos que a conheceram ao andar pelas casas dos 85 anos. Rosto arredondado, cabelo crespo, grisalho, fino, curto, amarrado na altura da nuca; olhos castanho-escuros, nariz curto e grosso; lábios finos; mãos e pés pequenos, meã (1,58, pouco mais ou menos), morena" - Nascimento Morais Filho, In: Maria Firmina – Fragmentos de uma vida. de José Nascimento Morais Filho. São Luís: Imprensa do Governo do Maranhão, 1975. Portanto, todas as ilustrações, desenhos, retratos e caricaturas feitas de Maria Firmina dos Reis, são livremente inspirados no retrato-falado obtido por José Nascimento Morais Filho, a partir das entrevistas realizadas com os filhos de criação da escritora, e divulgado livro "Maria Firmina, fragmentos de uma vida" (1975). É preciso esclarecer ainda que continua circulando uma imagem que retrata na verdade outra escritora, não representando de forma alguma Maria Firmina dos Reis.

RETRATO ERRÔNEO DE MARIA FIRMINA: Sem rosto, Firmina passou a ser confundida com outras escritoras brasileira, como a gaúcha Maria Benedita Câmara Bormann e a paraibana Auta de Souza. O retrato de Maria Firmina mais difundido não é dela, não se sabe ao certo a origem dos equívocos. Uma pintura da escritora foi encomendada ao artista plástico pernambucano Rogério Martins, pelo escritor Antônio Noberto, e doada por ele a Câmara de Vereadores do Município, em 2011, no aniversário de 253 anos da cidade de Guimarães/MA. Entretanto, nota-se claramente que a pintura foi baseada no retrato da escritora gaúcha Maria Benedita Câmara Bormann (1853-1895), mais conhecida pelo pseudônimo Délia. {fonte: Mulheres Illustres do Brazil, organizado por Ignez Sabino Pinho Maia. prefacio de Arthur Orlando. Rio de Janeiro; Paris: Editora Garnier, 1899, 280p.; (Edição fac-similar). Florianópolis: Editora Mulheres, 1996, p. 193}. --------XIMENES, Sérgio Barcellos. O retrato falso de Maria Firmina dos Reis. In: Medium, 27.1.2020. Disponível no link. (acessado em 1.7.2021). ZIN, Rafael Balseiro. A dissonante representação pictórica de escritoras negras no Brasil: o caso de Maria Firmina dos Reis (1825-1917). In: Revista do Centro de Pesquisa e formação, n. 3, nov. 2016. Disponível no link. (acessado em 8.3.2017).



JORNAL PEQUENO EDITOR:

VINÍCIUS BOGÉA











JORNAL PEQUENO

EDITOR

ANTONIO AÍLTON


fonte: www.gov.br/cultura A VOLTA DAS CONFERÊNCIAS DE CULTURA Antonio Ailton 26/10/2023 Joãozinho Ribeiro

Foto registada durante o III Forum Regional de Política Cultural de Rio Claro/SP (17.06.2004). Joãozinho Ribeiro e o então Ministro da Cultura, Gilberto Gil. A primeira década do atual século pode ser considerada a era de ouro da formulação das políticas públicas de cultura no Brasil. Com as gestões dos Ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira na pasta federal da Cultura, deuse início a uma verdadeira disseminação de fóruns, audiências públicas, seminários nacionais e encontros internacionais, com a realização de três Conferências Nacionais de Cultura, neste aludido período. A primeira, realizada no período de 13 a 16 de dezembro de 2005, teve por tema: “Estado e Sociedade Construindo Políticas Públicas de Cultura.” A II CNC, acolheu como tema: “Cultura, Diversidade, Cidadania e Desenvolvimento”, realizada de 11 a 14 de março de 2010, no Distrito Federal. A última do ciclo, foi realizada de 26 a 29 de novembro de 2013, e adotou por tema: “Cultura: Desafios do Sistema Nacional de Cultura.” Um avanço sem precedentes se estabeleceu neste intervalo, como fruto de toda resistência acumulada dos movimentos culturais nos anos de chumbo (60/70), e dos vários fóruns e encontros estaduais e nacionais, de caráter setorial (teatro, cinema, música etc.), que marcaram as décadas finais do século passado (80/90).


Apesar de um regime de censura e repressão à rica produção criativa do país, às perseguições aos criadores de todos os gêneros, torturas, exílios etc. No Maranhão, sempre os artistas e agentes culturais de variados segmentos se fizeram presentes e contribuíram substancialmente com estes debates, com destaque para nomes inesquecíveis como Nelson Brito, Luiz Pedro, Gigi Moreira, Luiz Pazzinni, Ribamar Moraes, Samuel Barrêto… Não só no enriquecimento das discussões, como na firmeza das posições que eram defendidas, e nas cobranças e realizações das propostas e ações que eram aprovadas e compartilhadas pelos participantes nestes espaços do acontecer solidário. Da década de 1990 até o início do século atual, temos como maior referência a realização do I Fórum Municipal de Cultura de São Luís, realizado durante quatro dias no Convento das Mercês, em meados de 1997, com a participação de mais de 500 delegados. Precedido de uma ampla mobilização e debates por segmentos culturais e por quase duas dezenas de comunidades culturais populosas espalhadas por todos os espaços urbanos e rurais do município de São Luís. Até os dias atuais, talvez um dos mais representativos, em qualidade e quantidade. Tive a honra de coordenar, em nível estadual, a I Conferência Nacional de Cultura, em 2005, e de dirigir a delegação que representou o Maranhão naquele período, em Brasília. Nesta ocasião, não ocupava nenhum cargo de gestão em nenhuma esfera federativa. Fui delegado, como membro da sociedade civil. Já em 2010, trabalhando no Ministério da Cultura no cargo de Coordenador-Geral de Estratégias e Ações, da Diretoria de Programas Integrados, da Secretaria de Articulação Institucional, fui designado Coordenador Executivo da II Conferência Nacional de Cultura. Por sinal, a mais participativa e representativa de todas realizados até o presente momento. Nesta condição, viajei por todo território nacional, organizando conferências nas mais diversificadas regiões do país. Desde capitais de ponta como Rio de Janeiro e Porto Alegre, até o Brasil profundo, como foi o caso da Confluência de Cultura do Araguaia. Isso mesmo: Confluência! Assim designada pelos agentes de cultura locais, em detrimento da nomenclatura Conferência, que vínhamos utilizando oficialmente (peguei quatro diferentes aviões para chegar até o local). Da minha ida ao Pará, para fazer a palestra de abertura da Conferência Estadual de Cultura, guardo uma das melhores lembranças da época. De Seu Alarino, um ribeirinho eleito delegado, aparentando umas oito dezenas de anos, quando entrevistado por uma repórter da TV Globo, que lhe perguntou pra que serviria uma conferência. De pronto lhe respondeu: “- Minha filha, acho que é pra verificar se tudo está nos conformes!” Esta frase repercutiu bastante, e deixou a moça um pouco sem graça, pois era objetivo da emissora naqueles idos desqualificar a participação popular, principalmente por meio das conferências de políticas públicas. Quem sabe, Seu Alarino se reportava ao que está afirmado, com todas as letras, no caput do art. 215, da Constituição da República Federativa do Brasil: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.” Hoje, depois de um tenebroso período de trevas para a Cultura brasileira, que resultou no desmonte de várias conquistas elencadas neste artigo, e na declaração de verdadeira guerra aos fazedores de cultura pelo candidato a presidente derrotado nas últimas eleições, a Ministra da Cultura, Margareth Menezes, convocou, por meio da Portaria Nº 63, de 14/09/2023, a IV Conferência Nacional de Cultura, que acontecerá de 04 a 08 de março de 2024, e que terá por tema geral: “Democracia e Direitos Culturais.”

Margareth Menezes da Purificação – atual Ministra da Cultura. Fonte: https://www.gov.br/cultura


Desta feita, as etapas Municipais e intermunicipais devem ocorrer até a data de 30 de outubro de 2023. As etapas de realização das conferências Estaduais, Regionais/Territoriais e do Distrito Federal, Conferências Temáticas e Livres devem acontecer até o dia 08 de novembro do corrente. Todas tendo como referência o tema geral da IV CNC: “Democracia e Direito à Cultura”. Nestas etapas também serão eleitos os delegados para representarem estados e municípios, na Etapa Nacional, prevista para ocorrer, de 04 a 08 de março do próximo ano. A convite da Prefeitura de Paço do Lumiar, fiz a palestra de abertura da III Conferência de Cultura daquele Município, no último dia 24 de outubro, com uma considerável participação popular, discorrendo sobre o tema: “Paço Cultural: Direitos Culturais e a Construção do Sistema Municipal de Cultura.” Na próxima segunda-feira, 30 de outubro, das 8 às 18 horas, São Luís fará a sua 6ª Conferência Municipal de Cultura, com o tema “Democracia e direito à cultura: A participação popular na formulação das políticas públicas culturais de São Luis.” Esta Etapa Municipal acontecerá no Teatro da Cidade de São Luís, localizado na Rua do Egito – Centro. O tema é bastante caro e apropriado para o momento de retomada e reconstrução das políticas públicas de cultura no Brasil, no Estado do Maranhão, e no Município de São Luís. Pouco tempo e quase nenhuma mobilização e discussões precedentes para tratar de um tema de tamanha importância, do porte do que está proposto. Daí a necessidade da presença do máximo de pessoas para o exercício do direito e da cidadania cultural, a escolha democrática dos delegados para a Conferência Estadual de Cultura e propostas concretas para a implantação e funcionamento do Sistema Municipal de Cultura, cuja previsão foi incluída pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012: Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e promoção de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais. (…) 4º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão seus respectivos sistemas de cultura em leis próprias. Hora de verificarmos se tudo está nos conformes! A 4ª Conferência Nacional de Cultura (4ª CNC) será realizada de 04 a 08 de março de 2024, em Brasília/DF. A etapa Nacional é antecedida por Conferências Municipais ou Intermunicipais, Conferências Estaduais e do Distrito Federal, Conferências Livres e Conferências Temáticas.


ANTROPONÁUTICA, cinco décadas depois, ou parece que foi ontem Luís Augusto Cassas

Capa da Antologia do Movimento Antroponáutica, São Luís – MA, 1972 1972. Tinha 19 anos. Amava os Beatles, Drummond, Caetano, Gullar e os Rolling Stones. E queria mudar o mundo pela poesia. O nome Antroponáutica, título de um dos mais belos poemas de Bandeira Tribuzi encerrado com o antológico “o infinito maior é o próprio homem”) foi a senha que nos agrupou (eu, Valdelino, Fontenele, Viriato e Chagas Val) em torno de objetivo comum: derrubar os falsos moinhos de vento da velha ordem que pretendia restabelecer o caos e o atraso quando se comemorava o cinquentenário da Semana de Arte Moderna. E, claro, vender o nosso peixe lírico-atômico assado nas brasas interiores. Ademais, Tribuzi tinha cada de guerrilheiro-zen. Trazia na travessia coimbrã de retorno à urbe a memória da revelação do sol português e repovoava a nossa imaginação com a encarnação moderna de outro grande incompreendido que comera o pão que o diabo amassou: Antonio Gonçalves Dias. Poeta, jornalista, consultor econômico de programas governamentais, esse perfil não o cindira da provedoria doméstica. Era comum cruzarmos com ele, na travessia para o Liceu Maranhense, retornando do mercado, trazendo em uma das mãos


um cofo de legumes, e na outra, uma galinha viva. Essa simplicidade franciscana exibia rico simbolismo: era um mestre em repartir a luz. 2 O ambiente de 1972 era tóxico, mas alegre. Éramos felizes, mas não sabíamos. Erasmo Dias arranchado nos Apicuns, chorava desolado no enterro de Natasha Trupskaia, gata vadia que Erasmo proclamava de elite, e Sérgio Brito retrucava, afirmando que transava com todos gatos vagabundos dos telhados. Carlos Cunha em verve hecatômbica deixara empenhado o filho, Carlos Anaxímenes, no Bar Athenas e demorara resgatar o vale, o que valeu choro e ranger de dentes dos clientes. O velho sábio Rubão Almeida desanovelava aos ventos, a bola branca com cinco carreteis de linha zero, que alavancava os “bodes” de Zezé Caveira, até depositá-los no colo de Deus. Era questão de modernidade ou morte. A nossa juventude – todos estávamos no vintenário – exigia posição a altura. Afinal, tínhamos o necessário: duas mãos e o sentimento do mundo. Mas estávamos mais para desbunde poético-tropical que movimento, essa coisinha androide, com manifesto, programação, parecendo pré-vestibular acadêmico. Éramos na antirrotação da ordem, um contramovimento. Nossa sede eram os bares da vida. Fontenele e Viriato, mais afoitos, passaram o comunicado de guerra aos jornais. Valdelino, era o public relation da guerrilha. Eu e Chagas Val nos especializamos em bastidores, operações especiais e profecias de bar. Todas deram certo. Depois, seguidos pelas mulheres, seguimos adiante para as nossas milionárias carreiras-solo. O IML não registrara nenhum cadáver passadista. Na verdade, já estavam mortos. O que fizemos foi cuspir o último gole na cova.

Viriato Gaspar, Raimundo Fontenele, Chagas Val, Valdelino Cécio, Luís Augusto Cassas – Fonte:

www.literaturalimite.com.br Publicação do Guesa Errante – Ano 1- Ed. 44- dez_2002


3 50 anos depois, releio a Antologia Poética do Movimento Antroponáutica (lançada pelo Departamento de Cultura do Estado, em 72),com capa do compositor César Teixeira. E um frio saudoso percorre-me a espinha. Tribuzi, o patrono virou adubo de rosas. Valdelino foi brincar de boi no céu. Chagas Val pulou nas águas do encantamento. O tempo que converte tudo em elegia, desfalcou-nos do “técnico” e “torcedor de bar”, José Ribamar Estrela Vasquez, que nos legitimava pela maturidade da presença etílica, compensando nossa jovialidade. 4 Refletindo na poesia os nossos enigmas, estigmas e paradigmas – o louco, o filosófico, o palhaço, o visionário, – vivendo e antivivendo nossa ira de ser, a lembrança do Antroponáutica sempre foi um sinalizador do menino interior. Cinquenta anos depois, através de mergulho na psicoterapia, ascese do azul, cavalgado os portais do manicômio e paraíso, redescobrimos a essência do real, a poesia. Em 1972, éramos poucos. Agora somos muitos. Arrependimentos? Deveríamos ter amado mais, ousado mais, errado mais, e ter cumprido a promessa feita a Tribuzi, no poema “Compromisso”, de “ República dos Becos.” Tocar fogo nessa Academia. Teria prestado serviço de utilidade às gerações vindouras. Em 1972, minha utopia era mudar o mundo pela poesia. Hoje, véspera de emplacar 70, nos idos de março, única certeza é que o mundo só poderá mudar pela poesia. Luís augusto Cassas é poeta, publicou 24 livro de poemas desde sua estreia com República dos Becos, em 1981. Foi membro integrante do importante movimento da poesia maranhense Os Antroponautas, em 1972. Atualmente, reside em São Paulo.


Bom dia, prezad@s! Compartilhando mais um link do Sacada Literária. Desta vez, para informar que já está pronta a Edição Digital que pode ser baixada como PDF, ou impressa. Temos também mais duas postagens, um artigo sobre a fenomenal Cecília Meireles, e um depoimento do poeta Luís Augusto Cassas sobre o movimento Antroponáutica. Confira, compartilhe!

https://sacadaliteraria.com.br/edicao-setembro-de-2023/







JOSÉ EWERTON NETO A PROPÓSITO DO ROMANCE “A ILHA E O CÉU DE BERENICE” Antonio Ailton SOBRE O ESCRITOR J. EWERTON NETO O escritor José Ewerton Neto (Guimarães, MA, 04/04/1953) é um dos mais significativos que produzem hoje, com origem no Maranhão, tanto na prosa, onde atua com mais frequência, quanto na poesia. Seu romance mais conhecido é O ofício de matar suicidas, reedição de 1999 de O prazer de matar, premiado no Concurso Cidade de São Luís e publicado pelo extinto Serviços de Obras Gráficas do Estado – SIOGE, em 1993. Na poesia, seu livro seu livro Cidade aritmética obteve, em 1995, o prêmio Sousândrade, no Concurso Literário e Artístico Cidade de São Luís, e foi publicado pela FUNC. De lá para cá, o autor tem escrito regularmente crônicas para jornais e sobretudo contos, gênero no qual tem se destacado com reconhecimentos, como os recebidos por livros como O menino que via o além (2008), que foi adquirida pela Secretaria de Cultura de Belo Horizonte para compor o acervo das bibliotecas do Ensino Público e Ei, você conhece Alexander Guaracy? (2009), além de outros. Em 2021, José Ewerton Neto, ou simplesmente Ewerton, publicou A ilha e o céu de Berenice, seu terceiro romance, e é a propósito deste que recebemos, das mãos do autor, o texto da escritora Gabriela Lages Veloso, que tece importante comentário de apresentação do romance. A propósito dessa oportunidade, aproveitamos também para fazer duas perguntas ao autor, cujas respostas nos revelam, em poucas linhas, a estatura de compreensão que tem Ewerton sobre sua obra e seu processo criativo. Com isso, o Sacada Literária se alegra de abrir este espaço a quem tem e ainda terá muito a nos acrescentar. Sacada Literária – Que lugar o romance “A Ilha e o céu de Berenice” ocupa em tua escrita, e quais alegrias ele te traz enquanto escritor com outros romances lançados, como “O ofício de matar suicidas”? José Ewerton Neto – Considero que este romance marca minha escrita de forma especial por ser minha primeira narrativa longa ambientada em São Luís. Os outros como o O ofício… q vc citou sã ambientados em qualquer paisagem urbana, são romances em que as características dos personagens não são influenciadas pela cultura local como acontece, de certa forma, com a Ilha e o céu de Berenice, onde a personagem principal é uma mulher, de personalidade peculiar à sensibilidade feminina, mas com desejos, aspirações e sonhos influenciados pela cultura local. Sacada Literária – A escritora e mestranda em Letras Gabriela Lajes Veloso em texto recente sobre “A Ilha e o céu de Berenice”, compreende seu estilo como tendo certo “naturalismo”, e que. ao mesmo tempo, se utiliza de uma “linguagem poética”, ao tratar de questões sociais e da violência no cenário urbano. Mas, num sentido geral, na sua visão, até que ponto elementos como a poeticidade e o lirismo,


ou mesmo o riso, podem tirar o peso de uma leitura austera sem minimizar a gravidade e a importância que o assunto requer? José Ewerton Neto – O ser humano como disse Henry James é a soma de suas ilusões e a poesia é uma de suas ilusões mais satisfatórias no sentido da realização. O poético, assim, é inerente ao gênero humano e está presente em todos os momentos de sua existência, mesmo os mais cruciais e angustiantes. Em um romance que descreve as agruras e os temores da juventude ao se defrontar com o pragmatismo e a indiferença do mundo adulto, a poesia teria de estar presente como elemento vivo dessas perspectivas e ilusões bruscamente interrompidas. No caso, essa poesia pode ser transmitida tanto no apelo à arte (já que a personagem principal do romance é uma bailarina) como pelo próprio ambiente de uma cidade com tantos elementos poéticos como São Luís. Mas posso dizer, como autor, que os momentos líricos da narrativa e da trama surgiram de forma inconsciente e espontânea, nada foi proposital ou pré-concebido. ***


SOBRE O ROMANCE “A ILHA E O CÉU DE BERENICE” GABRIELA LARGES VELOSO*

José Ewerton Neto é escritor e membro da Academia Maranhense de Letras. É autor de diversos livros, dentre os quais destacam-se: Cidade Aritmética e Estátua da Noite (pertencentes ao gênero poesia); os romances O ofício de matar suicidas e O menino que via o Além; a novela O entrevistador de lendas, o livro de contos Pequeno dicionário de paixões cruzadas e O ABC bem-humorado de São Luís (pertencente ao gênero crônica). Em 2021, José Ewerton Neto publicou A ilha e o céu de Berenice, o seu terceiro romance, sendo o primeiro ambientado na cidade de São Luís. Essa obra foi imaginada a partir de uma notícia das páginas de um jornal. A morte de um professor, por bala perdida em uma festa de estudantes, desencadeia uma série de acontecimentos, que fazem vir à tona as paixões e os sentimentos inconfessáveis dos personagens da narrativa. Vale ressaltar que a escrita desse livro foi iniciada no século passado, período no qual a trama se desenrola. A literatura brasileira contemporânea tem se ocupado, sobretudo, com os modos de figuração da vida urbana, os embates que os sujeitos empreendem diante do lugar que vivem, transitam e, consequentemente, elaboram suas frágeis construções identitárias. Desse modo, Patrocínio (2014) propõe a tríade violência, marginalidade e realidade social, enquanto temário recorrente da ficção contemporânea. Na tentativa de fazer um mapeamento das margens e abrir espaço para as novas vozes sociais, os escritores contemporâneos têm evidenciado percursos narrativos de personagens em trânsito e oprimidos em suas marcas de subjetivação (etnia, classe social, gênero, idade, orientação sexual). Nesse sentido, sobreleva-se o romance A ilha e o céu de Berenice (2021), tal como é possível notar no trecho a seguir: Notou que aquelas casas eram desprovidas de luxo mas, embora velhas, tinham resquícios de opulência vindos da memória e tempos antigos, como, aliás, eram comuns nas ruas do Centro, mas estas ostentavam, além disso, um certo ar de cumplicidade que lhes era dado pela proximidade umas com as outras. […] Na realidade, ao subir aquelas ladeiras era como se todas aquelas casas fossem uma só e ele estivesse invadindo um corredor estreito sob olhares que convergiam por detrás dos musgos das paredes […] as ladeiras pareciam ir e voltar com uma única intenção: drenar a presença das horas e evitar que sacudissem fortemente aquela luz noturna do passado, de melancolia e preguiça (NETO, 2021, p. 33). Ao longo de toda a narrativa, um ar de suspense se instaura, o que captura a atenção dos leitores e leitoras. Outro aspecto de suma importância é a linguagem utilizada pelo autor: um misto de naturalista (simples, coloquial, apresentando a realidade tal como ela é) e poética. Além do espaço urbano, também é necessário


observar a construção dos personagens, desde a escolha de seus nomes. Por exemplo, os nomes dos protagonistas são Jácio e Berenice. Jácio provém do latim jacere, que significa “manifestar suspeitas”, por isso, é um nome bem interessante para um delegado. Por sua vez, Berenice vem do grego Berenike, que quer dizer literalmente “portadora da vitória”, significado que também coaduna com a narrativa. É válido enfatizar que o romance é permeado por uma série de críticas sociais. Aborda, de maneira clara e objetiva, a crueldade da pobreza e das desigualdades sociais, as diversas injustiças causadas pela corrupção e os vários abusos que as mulheres enfrentam no cotidiano: violência física, sexual e psicológica. Portanto, A ilha e o céu de Berenice (2021) propicia um olhar mais agudo e crítico sobre a cidade e a realidade social, ao apresentar reflexões sobre o ambiente em que vivemos e construímos nossas identidades. Afinal, todos somos ilhas de anseios e expectativas. Gabriela Lages Veloso é escritora, poeta, crítica literária e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Autora de Através dos Espelhos de Guimarães Rosa e Jostein Gaarder: reflexos e figurações (Editora Diálogos, ensaio, 2021) e O mar de vidro (Caravana Grupo Editorial, poesia, 2023). Organizou a Antologia Poéticas Contemporâneas: uma cartografia da escrita de mulheres (Brecci Books, 2023).


RAIMUNDO FONTENELE Lançamento de “A república dos Apicuns” Antonio Ailton RAIMUNDO FONTENELE LANÇA “A REPÚBLICA DOS APICUNS”, NA CASA JOSUÉ MONTELLO, NO DIA 10 DE NOVEMBRO O poeta e jornalista Raimundo Fontenele, que já nos deu obras como Venenos e Marginais retoma suas publicações agora com o livro A República dos Apicuns, fazendo um painel da cidade de São Luís nos anos 60/70, período transformações sociais marcantes de grande significância para a poesia, quando ele participou inclusive da formação do chamado Movimento Antroponáutica. Abaixo, o release do autor sobre o seu lançamento próximo. A REPÚBLICA DOS APICUNS são 172 páginas sobre minha vida em São Luís anos 60/70. Mas não é autobiografia, falo sobre a cidade e seu desenvolvimento cultural, sobre os poetas e escritores da minha geração, dos mais antigos, com quem mantive relações e até amizade, como Jomar Moraes, Nauro Machado, Bandeira Tribuzi, José Chagas, Carlos Cunha e muitos outros. Dou uma passada no século XIX (19) e trago de lá 3 grandes figuras da cultura maranhense: Henriques Leal, autor da obra PANTHEON MARANHENSE; Sotero dos Reis, professor e educador, autor da primeira Gramática da Língua Portuguesa; e Odorico Mendes, autor da primeira tradução em português diretamente do grego dos livros Ilíada e Odisseia de Homero. E qual um mágico que tira o coelho da cartola, tiro um livro de dentro do livro, no episódio chamado DE CARA SUJA.

Poeta e jornalista Raimundo Fontenele – Divulgação Raimiundo Fontenele Nasceu em Pedreiras, MA. Tem mais de uma dúzia de livros de poesia publicados. Hippie nos anos 60, militante de esquerda nos anos 70, é um dos fundadores do Movimento Antroponáutica. Em Curitiba, foi também um dos fundadores e editores da revista de literatura e arte Outas Palavras. Exerceu cargo de Diretor do Departamento do Cultura em São Domingos – MA. Alguns dos seus livros: Marginais, A colheita do mundo e Venenos. Fontenele mantém publicações no blog Literatura Limite: https://literaturalimite.blogspot.com/2016/02/movimento-antroponautica-atitude-e.html.


PAISAGEM CRÍTICA A CLARIDADE DA POESIA – As luzes de Sandro Fortes e Paulo Rodrigues Antonio Aílton

Réstias das manhãs de 2023, os livros de poemas de Paulo Rodrigues e Sandro Fortes, são dois livros que captaram e capturaram epifanicamente a claridade, e que contrastam com os tempos duplamente sombrios dos anos imediatamente anteriores. Tempos sombrios, de um lado, pela ceifa epidêmica da morte e, de outro, pelo quadro de descaso político, dos discursos sarcásticos e das ações violentas contra o humano, que se desenharam social e politicamente no país. Esses títulos, O espaço da claridade (Viegas 2023) e A claridade da gente (Penalux, 2023) surgem, portanto, como inversões alegóricas e rejeição de sombras, que deixam entrever a poeira e o cisco pairando na atmosfera, sob a luz que se projeta sem alarde, porém firme, até o alcance de uma amplitude que se coloca para nos fazer ver: claridade! Claro, o centro do livro de Fortes parece ser aquele “espaço” que a claridade abre e organiza, como o agente que é, na sintaxe desse termo. Nós passamos a querer saber qual seja esse espaço que ela abre: um espaço que, no sentido mais específico trazido pelo livro, constitui o espaço da poesia. Assim somos dirigidos a equivaler um ao outro, claridade = poesia. Ou, indo além, claridade = escrita [literária], naquele sentido que o escritor crítico Maurice Blanchot vislumbra sobre o espaço literário, a partir da obra de Mallarmé, Hölderlin, Rilke e outros, como o espaço do desespero e do fascínio, da estranheza e “do mundo obscuro da inspiração”, sendo a literatura a representante máxima da experiência vital, existencial, do escrever, talvez a única habitação possível da persona do escritor, sem a qual este será apenas o eterno des/locado. É o próprio poeta, Sandro Fortes, quem revela a equivalência, no poema homônimo ao título (p. 22): “O espaço da claridade é o espaço da escrita” Uma escrita que também se torna a responsável por iluminar, por esclarecer através dos meandros de sua tessitura, de sua prática, já que “uma ideia emaranha-se a outra ideia / tecendo uma túnica, uma cabeleira, uma teia. / As mãos abrem portas atrás de portas…”, o que leva à conclusão, ou melhor, à inversão especular, no final desse poema basilar:


Sandro Fortes – Poeta “O espaço da escrita é o espaço da claridade.” Estamos diante de um poeta que, sim, faz da metalinguagem seu ponto de partida, o que acontece não apenas em O espaço da claridade, mas surgindo também como uma forte presença no seu primeiro livro, Nós somos as palavras (Benfazeja, 2017), no qual entrelaça indelevelmente o humano à linguagem, ser e palavra. Nesta direção, não se pode entender o que estamos chamando de metalinguagem (ou, mais propriamente neste caso, metapoética) como a mera autorreferência da palavra pela palavra ou do poema pelo poema, mas como a condição mesma do existir e do se fazer por meio da palavra e da linguagem. Fortes é um virtuose da poesia; é, em certo sentido, um representante daquele espírito que Mallarmé encarnou tão bem, que abre a clareira do humano enquanto Livro inacabado, a ser sempre (re)escrito, que reúne o mundo, e só o faz pela palavra criadora. DIANTE DA FOLHA BRANCA Há uma lâmpada acesa sobre a nudez do muro. É uma página de liso abandono, de talvez voz, pele na qual cada inscrição errante é uma carícia. […] Eu sou uma lassidão, uma lucidez e o seu avesso. Confesso-te um excesso e incontáveis faltas. Quero ser, quero nascer na claridade dos começos. (In: O espaço da claridade, p. 35) Em A claridade da gente, do ativo e engajado Paulo Rodrigues – poeta promotor de projetos, ações e intermediações culturais nos lugares onde vive, e que já vem de livros, inclusive premiados, como Uma interpretação para São Gregório (Penalux, 2019) e Cinelândia (2021) –, a palavra adquire outra ambivalência, já que parte do coloquial sentido da ampla ação social: da gente, e das gentes, é a claridade e a abertura do mundo. Em seu sujeito coletivo, a gente, nós, somos os agentes/os viventes sem os quais não pode haver claridade, e cujo espaço é o espaço aberto do mundo, do corpo a corpo da vida prosaica. É a vida do trabalhador, do periférico, do homem do campo (e suas memórias), daquele que sofre os revezes do latifúndio; é o menino que passa fome, os explorados pelos patrões cuspidores, as mulheres marias que enfrentam condições estertoras. Os poemas de Rodrigues são povoados por personagens que têm nome: Matilde, Maria da Graça, Dorothy Stang, Pedro, Dona Alzira, Joaquim, Zé da Nazira… Este é o nó do nós, a gente do espaço social da qual fazemos parte, com a qual nos identificamos, que ilumina por sua autenticidade e simplicidade, ao mesmo tempo em que precisa ser iluminada, sobretudo pela justiça, que é exatamente o que Rodrigues reivindica através da sua poesia humanitária, de linguagem corrente, fluida e justa:


Paulo Rodrigues – Poeta REFORMA AGRÁRIA Pedro e Luciana abraçam a castanheira como se fosse uma menina recém-nascida retiraram o feijão da mochila com cuidado. as formigas passeiam entre os seios, ele pensa nos filhos e nem percebe. os tiros atravessaram os dois, na mesma altura. as mãos unidas em comunhão com as folhas. o assassino revirou o lixo do lado de dentro; colocou uma rosa ao lado da marmita. (In: A claridade das gentes, p. 89) O que vemos aí, por outro lado, é também uma simulação de projeção cinematográfica, em que a vida pode parecer um filme, ou vice-versa. Significa dizer que o poeta está também operando sobre a linguagem para criar elos com as gentes com as quais pretende povoar sua obra, cenas que possam “projetar situações”. Sua poesia, sem reivindicar o papel das palavras, também as agencia para que possam lançar luzes, esclarecer, humanizar. Poesia que guarda também a utopia de eliminar a obscuridade, de tirar do escuro e do silêncio os humildes, os trabalhadores, os operários, os camponeses. Essa é a outra face ambivalente dessa “claridade da gente”, pois pretende que a poesia também seja esse clarão, constitua-se também um espaço crítico que provoque a centelha da consciência, seja veículo de desalienação. Eis o que Paulo Rodrigues pretende, por seu turno, nos entregar com a claridade que emana da (sua) poesia. São, portanto, duas obras, as desses autores, às quais não podemos ficar indiferentes no quadro da poesia contemporânea, ainda mais quando vindas de poetas tão significativos, conscientes do seu encargo e com tanto ainda a oferecer. Obras que, justamente, delineiam dois caminhos e duas poéticas importantes, a da perspectiva interna, intimista e metapoética, e a da perspectiva externa, construtivista-social e humanitária, ambos com o mesmo peso, e impulsionando os diferentes pêndulos da receptividade. Poetas que recorrem à mesma inspiração da claridade contra o escuro das nossas formas de ser ou das sombras que nos são lançadas.


Que se fortaleçam então, cada vez mais, sobre as trevas, o espaço da claridade e a claridade da gente.

Antonio Aílton é poeta, crítico literário, professor e pesquisador da literatura. *Autor de Martelo & Flor: horizontes da forma e da experiência na poesia brasileira contemporânea (EDUFMA, 2018), e de A Camiseta de Atlas (EDUFMA/FAPEMA, 2023)


IRANDI MARQUES LEITE – Tema de OS GUARDIÕES para o Carnaval 2024

Irandi Marques Leite – homenageado Se o Maranhão é terra de poetas, é também terra de blocos carnavalescos tradicionais, que têm seu espaço marcado na passarela e nas ruas, e desfilam com sua batida peculiar, ritmada por tambores de contratempo batidos à palma de mão, e suas fantasias ou figurinos extraordinários, que são um espetáculo à parte. Tais manifestações existem no Maranhão desde os anos 1920 e contam hoje com cerca de 30 grupos. Mas um desses blocos tem reunido em seus temas anuais as duas coisas, poesia e Carnaval. O bloco Os Guardiões, que em 2019 levou às ruas o tema “Nauro Machado, Guardião da Poesia”, e que após os últimos anos, inclusive os pandêmicos, também precisou se resguardar, volta a homenagear outro poeta, desta vez, um dos seus membros e padrinho do bloco: o poeta e engenheiro Irandi Marques Leite.

Camisa do bloco Os Guardiões no Carnaval 2019 – tema Nauro Machado, Guardião da Folia


Irandi é filho da rua São Pantaleão, e do bairro da Madre Deus, que, para quem conhece, sabe do peso da tradição foliã, boêmia e momesca que esses lugares possuem. O poeta, com sua simplicidade, humanidade, alegria e mil histórias para contar, faz questão de ser um dos seus mais ativos e belos representantes. Em 2024, portanto, o bloco tradicional Os Guardiões sairá com o tema “Irandi Marques Leite: Engenheiro da Poesia, Guardião da Folia”. E como o poeta-engenheiro-folião, por sua vez, é também membro da Academia Ludovicense de Letras, ele em geral tem articulado uma parceria simbólica entre os dois segmentos, e envolvido os acadêmicos na alegria da cultura carnavalesca. Essa união constrói um novo sentido participativo para a Cultura. Xô tristeza!… Não podemos ficar fora da alegria.

Inauguração da Biblioteca dos Guardiões, com a diretora da Biblioteca Pública Benedito Leite, Aline Nascimento, o acadêmico Agenor Almeida Filho e representantes do bloco – 2023

Irandi e Os Guardiões na Feira do Livro, 2016


Irandi no Bloco Tradicional Os Guardiões carnaval 2019, tema Nauro Machado, Guardião da Poesia

Irandi Marques Leite com componente dos Guardiões na Feira do Livro de São Luís – 2023

Irandi Marques Leite com o bloco no CEPRAMA – São Luís, 2023

Bloco Tradicional Os Guardiões no CEPRAMA – São Luís, 2023


SOLENIDADE DE POSSE DA DIRETORIA DA FEDERAÇÃO DAS ACADEMIAS DE LETRAS DO MARANHÃO FALMA.


Carlos César Silva Brito, nasceu na cidade de Viana/MA, filho de Mariano Penha Brito e Maria do Socorro Silva Brito. É Graduado em Eletroeletrônica, Pós-Graduado “Lato Sensu” MBA em Gestão Empresarial, MBA em Gestão Ambiental, MBA Engenharia Elétrica e Comandos Elétricos. É empresário e Auditor de programas de Qualidade, além de Ambientalista, Consultor industrial e em planejamento estratégico, administrativo, econômico e financeiro. É Membro Acadêmico Fundador e foi o primeiro Presidente da Academia Matinhense de Ciências, Artes e Letras – AMCAL, ocupante da Cadeira nº 4, Patroneada por Ana Rita Amaral da Silva. É Presidente da Sociedade de Cultura Latina do Maranhão – SCLMA, membro da Diretoria da Federação das Academias de Letras do Maranhão – FALMA, escritor, poeta, palestrante e ambientalista; membro associado da Associação dos Escritores Independentes – AMEI, registrado na Livraria Vale como escritor vianense, com publicações disponíveis na Giroteca. Publicações: Minha Terra, Minha Origem, Singularidades de Matinha-MA e Viana-MA; I Coletânea Poética da SCLB, Construindo Pontes; Púcaro Literário II, Itapecuru Mirim, 200 anos; O Iguaraense, 175 anos de Vargem Grande; Púcaro Literário III, Protagonismo Feminino; Lago Aquiri, Natureza Matinhense (em edição); Matinha Terra Encantada (em edição); Mariano Brito Filho, Fragmentos de Uma História de Vida (em edição); além de diversos poemas, crônicas poéticas e artigos ressaltando a beleza natural e cultural da região dos Lagos e Campos Floridos. Carlos César Brito, na condição de vianense, foi eleito, por unanimidade, para ocupar a Cadeira nº 04 da AVL, patroneada por Sálvio Mendonça.




ARTIGOS & POESIAS & ALGO MAIS





(JOÃOZINHO RIBEIRO) A VOLTA DAS CONFERÊNCIAS DE CULTURA A primeira década do atual século pode ser considerada a era de ouro da formulação das políticas públicas de cultura no Brasil. Com as gestões dos Ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira na pasta federal da Cultura, deuse início a uma verdadeira disseminação de fóruns, audiências públicas, seminários nacionais e encontros internacionais, com a realização de três Conferências Nacionais de Cultura, neste aludido período. A primeira, realizada no período de 13 a 16 de dezembro de 2005, teve por tema: “Estado e Sociedade Construindo Políticas Públicas de Cultura.” A II CNC, acolheu como tema: “Cultura, Diversidade, Cidadania e Desenvolvimento”, realizada de 11 a 14 de março de 2010, no Distrito Federal. A última do ciclo, foi realizada de 26 a 29 de novembro de 2013, e adotou por tema: “Cultura: Desafios do Sistema Nacional de Cultura.” Um avanço sem precedentes se estabeleceu neste intervalo, como fruto de toda resistência acumulada dos movimentos culturais nos anos de chumbo (60/70), e dos vários fóruns e encontros estaduais e nacionais, de caráter setorial (teatro, cinema, música etc.), que marcaram as décadas finais do século passado (80/90). Apesar de um regime de censura e repressão à rica produção criativa do país, às perseguições aos criadores de todos os gêneros, torturas, exílios etc. No Maranhão, sempre os artistas e agentes culturais de variados segmentos se fizeram presentes e contribuíram substancialmente com estes debates, com destaque para nomes inesquecíveis como Nelson Brito, Luiz Pedro, Gigi Moreira, Luiz Pazzinni, Ribamar Moraes, Samuel Barrêto... Não só no enriquecimento das discussões, como na firmeza das posições que eram defendidas, e nas cobranças e realizações das propostas e ações que eram aprovadas e compartilhadas pelos participantes nestes espaços do acontecer solidário. Da década de 1990 até o início do século atual, temos como maior referência a realização do I Fórum Municipal de Cultura de São Luís, realizado durante quatro dias no Convento das Mercês, em meados de 1997, com a participação de mais de 500 delegados. Precedido de uma ampla mobilização e debates por segmentos culturais e por quase duas dezenas de comunidades culturais populosas espalhadas por todos os espaços urbanos e rurais do município de São Luís. Até os dias atuais, talvez um dos mais representativos, em qualidade e quantidade. Tive a honra de coordenar, em nível estadual, a I Conferência Nacional de Cultura, em 2005, e de dirigir a delegação que representou o Maranhão naquele período, em Brasília. Nesta ocasião, não ocupava nenhum cargo de gestão em nenhuma esfera federativa. Fui delegado, como membro da sociedade civil. Já em 2010, trabalhando no Ministério da Cultura no cargo de Coordenador-Geral de Estratégias e Ações, da Diretoria de Programas Integrados, da Secretaria de Articulação Institucional, fui designado Coordenador Executivo da II Conferência Nacional de Cultura. Por sinal, a mais participativa e representativa de todas realizados até o presente momento. Nesta condição, viajei por todo território nacional, organizando conferências nas mais diversificadas regiões do país. Desde capitais de ponta como Rio de Janeiro e Porto Alegre, até o Brasil profundo, como foi o caso


da Confluência de Cultura do Araguaia. Isso mesmo: Confluência! Assim designada pelos agentes de cultura locais, em detrimento da nomenclatura Conferência, que vínhamos utilizando oficialmente (peguei quatro diferentes aviões para chegar até o local). Da minha ida ao Pará, para fazer a palestra de abertura da Conferência Estadual de Cultura, guardo uma das melhores lembranças da época. De Seu Alarino, um ribeirinho eleito delegado, aparentando umas oito dezenas de anos, quando entrevistado por uma repórter da TV Globo, que lhe perguntou pra que serviria uma conferência. De pronto lhe respondeu: “- Minha filha, acho que é pra verificar se tudo está nos conformes!” Esta frase repercutiu bastante, e deixou a moça um pouco sem graça, pois era objetivo da emissora naqueles idos desqualificar a participação popular, principalmente por meio das conferências de políticas públicas. Quem sabe, Seu Alarino se reportava ao que está afirmado, com todas as letras, no caput do art. 215, da Constituição da República Federativa do Brasil: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.” Hoje, depois de um tenebroso período de trevas para a Cultura brasileira, que resultou no desmonte de várias conquistas elencadas neste artigo, e na declaração de verdadeira guerra aos fazedores de cultura pelo candidato a presidente derrotado nas últimas eleições, a Ministra da Cultura, Margareth Menezes, convocou, por meio da Portaria Nº 63, de 14/09/2023, a IV Conferência Nacional de Cultura, que acontecerá de 04 a 08 de março de 2024, e que terá por tema geral: “Democracia e Direitos Culturais.” Desta feita, as etapas Municipais e intermunicipais devem ocorrer até a data de 30 de outubro de 2023. As etapas de realização das conferências Estaduais, Regionais/Territoriais e do Distrito Federal, Conferências Temáticas e Livres devem acontecer até o dia 08 de novembro do corrente. Todas tendo como referência o tema geral da IV CNC: “Democracia e Direito à Cultura”. Nestas etapas também serão eleitos os delegados para representarem estados e municípios, na Etapa Nacional, prevista para ocorrer, de 04 a 08 de março do próximo ano. A convite da Prefeitura de Paço do Lumiar, fiz a palestra de abertura da III Conferência de Cultura daquele Município, no último dia 24 de outubro, com uma considerável participação popular, discorrendo sobre o tema: “Paço Cultural: Direitos Culturais e a Construção do Sistema Municipal de Cultura.” Na próxima segunda-feira, 30 de outubro, das 8 às 18 horas, São Luís fará a sua 6ª Conferência Municipal de Cultura, com o tema “Democracia e direito à cultura: A participação popular na formulação das políticas públicas culturais de São Luis.” Esta Etapa Municipal acontecerá no Teatro da Cidade de São Luís, localizado na Rua do Egito – Centro. O tema é bastante caro e apropriado para o momento de retomada e reconstrução das políticas públicas de cultura no Brasil, no Estado do Maranhão, e no Município de São Luís. Pouco tempo e quase nenhuma mobilização e discussões precedentes para tratar de um tema de tamanha importância, do porte do que está proposto. Daí a necessidade da presença do máximo de pessoas para o exercício do direito e da cidadania cultural, a escolha democrática dos delegados para a Conferência Estadual de Cultura e propostas concretas para a implantação e funcionamento do Sistema Municipal de Cultura, cuja previsão foi incluída pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012: Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e promoção de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais. (...) § 4º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão seus respectivos sistemas de cultura em leis próprias. Hora de verificarmos se tudo está nos conformes!


CERES COSTA FERNANDES FINADOS FESTIVO Ao que me apronto para sair, Julinha, minha neta de sete anos, já se convida para acompanhar-me; autoconvite logo desmanchado quando se inteira para onde vou. Cemitério, vó? Argh! Isso é lugar da gente passear? Criança habituada à cultura dos vídeos e jogos eletrônicos, Julinha identifica cemitério como um lugar terrífico, repleto de assombrações, morcegos e tudo o mais que consta do elenco. Que ideia, cemitério, logo no dia de Finados, não é precisamente o melhor lugar para passeios infantis. Logo me recupero, e por que não? Explico à minha neta que o cemitério do Gavião, onde estão Tio Janu e Vovó Zezé, é um lugar claro, com muitas pessoas e flores neste dia, muito diferente da imagem lúgubre de um lugar povoado de mortos. Ela decide ir. Já animada com a novidade. Penso na estranha relação do mundo ocidental contemporâneo com a morte. Uma relação, diríamos, de ocultamento, principalmente no que se refere à educação das crianças. Crianças não podem tomar conhecimento da morte, seu mundo de faz-de-conta não deve comportar a dor ou coisas pouco divertidas. Então, as criamos sempre felizes, preservadas da participação nas preocupações e tristezas familiares, e assim, quando crescerem, egoístas e despreparadas, estarão aptas a fugir do enfrentamento dos problemas, das frustrações e das responsabilidades. Estou pronta, vó. Juju me tira das divagações que, se não estacam, não sei aonde iriam parar, talvez na teoria da marginalidade ou no criminoso adolescente. Sacudo o exagero. Vamos lá, digo. O que há de estranho é que não sou muito de tradições e nem sei bem porque vou ao cemitério no dia de Finados. Meus mortos queridos fazem parte do meu dia-a-dia: estão sempre presentes no que digo e falo. Lá, não sei bem se estão. Espero que o leitor não me questione, pois nem eu entendo a contradição. No caminho vou preparando o espírito de Juju para a visita inusitada, com medo de que ela não goste ou possa se chocar. Estacionamos o nosso carro bem distante do Gavião. Diferentemente dos outros anos não há lugar nem na Rua do Passeio nem nas suas paralelas ou transversais. Ué, será que aumentou tanto assim o número de defuntos do nosso cemitério mais antigo? Dizem até que estava superlotado... Temos que ir a pé. Juntamonos à multidão de gente indo e vindo. Juju diz, parece carnaval, lembrando o corso nessa mesma rua. Tenho idêntica sensação. E à medida que vamos avançando – tem até o pessoal do sereno postado nas portas e nas janelas - essa sensação aumenta e finalmente se confirma na chegada ao Largo do Cemitério. O Largo está em festa: apinhadinho de gente. Algo de euforia paira no ar. Lá está a legião dos vendedores de água, flores e velas dos anos anteriores e os eternos lavadores e pintores de túmulos, a nos cutucar - vai uma limpeza aí, baroa? Até aí, tirando a quantidade bem maior dos “empresários” do ramo, está tudo nos conformes de um dia como esse. Chegar ao portão principal não está nada fácil, puxo Julinha – mãozinha suada agarrada à minha, bem forte de medo de se perder – abrindo caminho entre os ambulantes que apregoam refrigerantes em caixas de isopor, terços, bentinhos e fitas de São José pendurados em armações de madeira, Deus me perdoe se não vi também nessas armações roque-roques e máscaras coloridas. E lá estamos nós desviando dos carrinhos de cachorroquente e churros, que eles mesmos não arredam do caminho, quando deparo com as barracas de churrasquinho com farofa, instaladas junto ao muro da frente do cemitério, a fumaça cheirosa evolando-se, enquanto pessoas comem de pé numa grande animação. Aquela cena me deixa um tanto chocada, parece falta de respeito.


Nem me recupero da cena do churrasquinho, e já me assusto com o vozeirão de um gajo que, microfone na mão, trepado em um dos canteiros que rodeiam as árvores, apregoa as vantagens para a saúde de uma salada de frutas geladinha. Vida e morte. Ora senhora escrevinhadora, tantos anos de São Luís e nem se toca! Em que lugar do Brasil a concentração dos festejos carnavalescos se dá em frente a um cemitério, intrigando turistas e não-iniciados? Chocada de quê? Me poupe. Tá certo, então, nada a estranhar. Lá dentro, as coisas não são muito diferentes e Juju passa a achar que cemitério é um lugar bastante divertido. A única coisa que a impressiona são os túmulos pequenos que ela julga serem de crianças – alguns o são. E eu explico, morreram de acidente. Criança morrer de doença é um pouco demais para ela. Ainda não conferi o resultado da experiência, só espero que, depois dessa visita de caráter pedagógico, Julinha não queira, de vez em quando, trocar o passeio do shopping pelo do cemitério.


2 POEMAS DE ANTONIO AÍLTON

ELEGIA A Harold Bloom Dez por cento de inveja e mágoa (bem abaixo do mercado de formas afetivas) Dez por cento de rancor e vingança (bem abaixo do mercado da superação) Dez por cento de reciprocidade da disputa por formas linguageiras, territórios (pouco abaixo do mercado de coca e do tráfico de animais) Dez por cento de roubo de água da vida líquida do poço alheio Dez por cento daquela reescritura de ferro-velho (bem abaixo do ainda usual mercado de ready-made) Dez por cento de artefatos armados (bem abaixo das pragmáticas dos eufemismos políticos) Dez por cento de fatos eventualmente transfigurados pelo pathos Dez por cento de crença real nas formas afetivas do gênero humano Dez por cento de memória esvaída e rumorejo de sentimentos que perfazem no íntimo o litígio do tempo Todo o resto, essa pele morta varrida para baixo do silêncio a ser disputada pelos vermes enquanto se brinda, olho a olho a soma dos produtos


eternos que circulam entre os imortais

URNA FUNERÁRIA os podres da história estão à flor da terra delicadeza é plantar outro jarro para milênios guerreiro menina gatinho toda flor que nasce é suficiente para reescrever a memória da beleza

ANTONIO AÍLTON é poeta e ensaísta participante do intenso meio cultural e literário do Maranhão, principalmente na cidade de São Luís. É também professor e pesquisador voltado para a crítica literária contemporânea. Livros mais recentes: A Camiseta de Atlas (EDUFMA/FAPEMA, 2003), MÉNAGE – Antologia Trilíngue de Poesia (Helvetia, 2020 – em parceria com o poeta Sebastião Ribeiro), CERZIR – Livro dos 50 (Penalux, 2019), MARTELO & FLOR: horizontes da forma e da experiência na poesia brasileira contemporânea (Tese, EDUFMA, 2018). Em suas atividades culturais, criou recentemente o site/portal SACADA LITERÁRIA, e é membro da Academia Ludovicense de Letras. e-mail: ailtonpoiesis@gmail.com Site: www.sacadaliteraria.com.br


A REEDIÇÃO DA BANALIDADE DO MAL?

JOSÉ CLAUDIO PAVÃO SANTANA

O mundo anda doente. Muito doente. O Brasil, então, nem se fala. Está na UTI. Como não se indignar com os parâmetros utilizados neste país para mensurar condutas? Explico. Anos atrás, em uma certa data cívica, apareceram alguns estultos para defender a volta do AI5 em passeatas. A estupidez, que já era numérica – sim, um ato do passado era numerado e sequencial – também era inconstitucional – pois não foi recepcionado pela Constituição – além do que desproporcional a tudo o que se possa imaginar, ou ao menos ao que se poderia naquela época. Lembro que a indignação foi geral, servindo, inclusive, como motivação de investigação em processos e procedimentos que se arrastam. Bom, quando imaginei que as condenações absurdas feitas pelo STF, em desatenção a todos os atos de direitos humanos de que é signatária a República Federativa do Brasil, e à própria Constituição e às leis fosse o fundo do poço, eis que descubro que o poço não tem fundo. A insanidade tomou conta de tudo e de quase todos. Se antes falar em Ato Institucional incomodava, hoje ao contrário, apoiar publicamente e participar de passeata em defesa de criminosos que são genocidas confessos – eles querem acabar com o povo judeu – parece normal até àquelas autoridades que tudo censuravam e sobre quase tudo comentavam. É ensurdecedor o silêncio das instituições sobre autoridades constituídas defenderem publicamente grupos terroristas sem sofrerem qualquer punição. A banalidade do mal ressurgiu. Quando Hanna Arend escreveu a obra Eichmann em Jerusalém, que já é um clássico de serventia difusa, propôs que em vista da massificação da sociedade foi gerada uma espécie de incapacidade de julgamentos morais, o que levava – e continua a levar – pessoas à prática de atos pela cega obediência a ordens que sequer compreendiam e muito menos discutiam. Não se deixem enganar. As ordens hoje são dadas por pautas de um jornalismo espúrio e vendável, usurpador da verdade na tessitura de versões que seguem um manual global, até há bem pouco tempo tido como teoria da conspiração. Sem as fardas e sem os fornos do passado. Eles queimaram crianças em fornos micro-ondas. Eles trucidaram mulheres grávidas. Eles executaram idosos. Eles sequestraram e mantém reféns judeus. Eles usam seu próprio povo como escudo humano. E o que fazem os insanos? Vão para a Paulista bater tambores sem o mínimo de percepção humanista. Muitos desses estariam executados pela opção sexual, pela raça ou pela crença em um estado islâmico radical. Para piorar as coisas há quem fale em direito de defesa do povo palestino. Não há povo palestino nesse genocídio. Há selvagens ensandecidos que merecem uma lição definitiva. Como disse nosso atual presidente: “Essa gente precisa ser exterminada”. O povo palestino nada tem a ver com isto. Todos são reféns do medo da violência do grupo terrorista e vivem subjugados. Precisam de solidariedade humana, mas sem essa máquina de matar chamada Hamas. No Brasil, já que a vergonha tinha sido pouca, causada por uma “artista” que do Hino Nacional sequer conhece a primeira estrofe, tornou-se ainda mais patética, ao ser veiculado pela mídia, com sinais de apaixonadas narrativas, um desfile em que cópias de Adofl Hitler, Joseph Goebbels, Hermann Göring, e os carrascos que se autoproclamam religiosos de um “Evangelho” próprio, resolveram, revolucionariamente, em marcha pela Avenida Paulista, tocar tambor.


Todos eles precisam e podem ser identificados, pelo que fizeram, na cara de todas as instituições do Brasil: Apologia ao genocídio do povo judeu, ao defenderem o Hamas. São atos contra os direitos humanos. São atos contra tratados internacionais. São atos contra a Constituição. São atos contra as leis. São atos contra todas as normas religiosas e morais vigentes entre gente civilizada. O que dirão as autoridades? O silêncio não é um bom sinal. Ele foi arma dos covardes que contribuíram para a proposta da solução final. A omissão não é só desumana. Ela é a confissão de cumplicidade. Ela não passa de uma espécie de reedição da banalidade do mal.



BICENTENÁRIO DE GONÇALVES DIAS. TEXTO ESCOLHIDO: "DO AMOR CORTÊS E DAS MUSAS" CERES COSTA FERNANDES

Não há poetas sem musas, ponto. Condição sine qua non para a existência de poemas de amor. Quem fala em Dante, lembra Beatriz; em Petarca, lembra Laura; em Abelardo, lembra Heloísa; em Gonçalves Dias, lembra Ana Amélia. Apenas para ficarmos entre os casais mais votados. O exercício literário de adoração à mulher é criação do amor cortês, na Idade Média. Ao sagrar-se cavaleiro, o jovem prometia defender seu Deus, sua honra e sua dama. Por um simples sorriso da “dona”, ele ia às justas ou partia para a guerra, levando como prenda um lenço, um cinto, um objeto qualquer dado por ela, a defender suas cores até a morte. De origem controvertida, o amor cortês, que partiu da Provença para toda Europa, pode ter nascido da necessidade dos menestréis e jograis agradarem às ricas senhoras do sul da França: únicas em todo o continente a poder herdar bens e dispor deles – uma espécie de feministas da época. Por se postarem os mancebos em adoração às suas damas, alguns historiadores da literatura universal quiseram ver a pretensa origem do preito amoroso no culto a Nossa Senhora. Essa afirmação, defendida pelos românticos, carece de base histórica, pois as manifestações do amor cortês precedem às dos poetas mariológicos, não havendo notícia de adoração à Virgem na primitiva Idade Média. De qualquer forma, desenvolveu-se um grande número de poetas mariológicos, que poetavam paralelamente aos trovadores provençais, fazendo como que um “intercâmbio” de influências: enquanto os trovadores adoravam a mulher, colocando-a como deusa, com um amor prenhe de delicadeza espiritual; os poetas cantores de Maria introduziam tons em erotismo místico em suas composições. O traço distintivo maior destas musas era a inacessibilidade. Para ser musa tinha que ser inatingível. As “atingíveis” desciam ladeira a baixo, da categoria de musa para de amante; ou quiçá para a de esposa (esta última categoria, mais rapidamente destituída das prerrogativas poéticas enaltecedoras que a anterior). Petrarca, adepto do neoplatonismo, persegue a perfeição da “ideia” e defende que o amor não necessita da consumação amorosa, pois o amante encerra em si o ser amado, estando assim completo. Vide Camões, seguidor do neoplatonismo (somente na poesia, pois teve movimentada vida amorosa na realidade – que ninguém é de ferro), nos seus sonetos: “Transforma-se o Amador na Cousa Amada” e “Alma Minha Gentil, que te Partiste.” O Romantismo, herdeiro do ideário medieval, mormente na lírica amorosa, vai cultuar, do mesmo modo, a mulher idealizada - se bem que menos deusa e mais mulher – mas igualmente proibida. A escola é idealista, execra o cotidiano, o prosaico. Nos romances românticos, o clímax é a união dos amantes via casamento, após o que, a ação decai e o autor faz só ligeiras referências aos fatos posteriores ao himeneu e remata com o famoso “foram felizes para sempre.” As grandes musas da literatura universal, algumas já referidas, jamais casaram com seus cantores. Se chegaram a casar, tiveram a felicidade de morrer em seguida, escapando, por esta via, da indiferença do amado e do esquecimento da posteridade. A paixão, inspiradora dos grandes poemas, que resiste a sofrimentos,


guerras, perseguições e quejandos; não resiste ao cotidiano. Note-se: dizemos paixão, que é um estado patológico do ser humano, compatível com a loucura, difícil de ser vivida as 24 horas do dia; não amor, sentimento menos exaltado, mais duradouro. Diríamos, sem querer fazer “blague”, em boa hora morreram Romeu e Julieta. Já pensaram o que seria do famoso par, após alguns anos de convivência consentida pelas famílias? Capuletos e Montecchios, em santa paz, a cuidar dos netos? Podemos imaginar Julieta, irritada: “Não dá para tirar essa toalha molhada de cima da cama”? E Romeu: “Ah é? E o meu barbeador que você usou de novo”? Sábia D. Lourença que, recusando a mão da filha a Antônio Gonçalves dias, gênio poético, sim, mas D. Juan, volúvel e mulherengo, livrou-a a condição de esposa e deu-lhe a interdição requerida à categoria de musa. Musa é distante, musa é inatingível, Igual sorte não teve a mulher de Gonçalves Dias. Quem, fora os pesquisadores, sabe seu nome? Todos nós sabemos o nome de Ana Amélia, a inspiradora do amor imorredouro. Musa à altura de Beatriz e Madona Laura. Todos nos emocionamos com o amor que não foi consumado jamais; chama que não se apagou. Por isso neste bicentenário de nosso poeta maior, não lamentemos a crueldade do fado que separou Gonçalves Dias de Ana Amélia, e sim louvemos a sabedoria do Destino que, tirando-lhes a oportunidade de serem felizes, deu ao cantor e à sua Musa a imortalidade e nos legou, a nós, seus cultores, os mais belos poemas inspirados nesse amor impossível, “Ainda uma Vez - Adeus”, “Leviana”, “ Teus Olhos”, “És Tu?”, “Se se Morre de Amor” . “Retratação” e outros tantos poemas que embalam nossas emoções. E, se “o poeta é um fingidor?” Ainda assim, não importa o real, e sim a sua versão: a que ficou nos poemas. Gonçalves Dias e Ana Amélia vivem e embalam o imaginário amoroso dos casais apaixonados, sobretudo o coração dos ludovicenses e caxienses. ------------------------(*) A autora: É Licenciada em Letras – Inglês e Português – Universidade Federal do Maranhão – UFMA (1974) e Mestra em Letras – pela Pontifícia Universidade Católica – PUC –RJ (1987). Possui os seguintes cursos de especialização: Especialização em Metodologia do Ensino Superior, Semiologia Aplicada à Literatura e Ensino à Distância. Foi professora da TV Educativa do Maranhão (1973-82) e é professora aposentada do Curso de Letras da UFMA (1975-96), onde ministrou Inglês, História da Literatura, Teoria da Literatura e Literatura Portuguesa. MEDALHAS E HONRARIAS: Medalha do Mérito Timbira (2013),categoria cavaleiro, Governo do Estado do Maranhão; Medalha João Lisboa, 200 Anos.Academia Maranhense de Letras, 2012; Medalha dos 400 anos de São Luís. Assembleia Legislativa do Maranhão, 2012; Medalha São Luís 400 Anos – Vale, 2012; Palmas Universitárias, UFMA, 2009; Medalha Laura Rosa (concedida às mulheres educadoras que se destacaram em outros ramos do saber), 2008; Medalha Odorico Mendes da Academia Maranhense de Letras; Medalha do Mérito Timbira (2006), Governo do Estado do Maranhão; Comendadora do IV Centenário de São Luís, 2012, Governo do Maranhão.


BRINCADEIRAS DE RODA CERES COSTA FERNANDES As brincadeiras de roda, boca de forno, pegador, peixinho de moquém ou passa anel, passa, passa gavião, davam-se à noite na porta de casa. A rua iluminada apenas com a luz que vinha das casas ou pela claridade do luar, quando a lua vinha ajudar, era espaço para as danças de roda e palco para histórias de reis, princesas, condessas, cavaleiros, jovens apaixonados ou de historinhas ingênuas tendo como personagens flores ou animais. Eram horas de tão superior magia que, quando soava a ordem das nossas mães chamando para entrar e dormir, a doce voz materna assemelhava-se quase tão perversa ou maléfica quanto às das bruxas e feiticeiras que povoavam nosso imaginário. Que requinte de maldade era esse que nos tirava o supremo êxtase e nos mandava dormir sem sono? Bom mesmo era quando os adultos faziam roda de cadeiras na calçada, as mães conversando e os pais jogando gamão, assim esqueciam um pouco do nosso horário de recolher. Nas brincadeiras noturnas, ficávamos próximos às portas das casas, aproveitando a luz. Éramos corajosos de mãos dadas, cantando e dançando, quando nos afastávamos um tanto a penumbra era povoada de vultos estranhos e vinham à memória as histórias de assombrações. Eu tinha mais medo do porco gigante, pavoroso agressor das pessoas solitárias nas cercanias da cidade, que de assombrações e bruxas, estes me pareciam seres distantes. Diziam que um barrão comeu uma velhinha que tomava seu banho de cuia em um daqueles precários banheiros de palha fora da casa. Esse porco tornou-se o meu terror. E, diziam, ele atacava de dia, também. Muitas vezes, nas minhas fugidas de casa, pensava no porco. Mas logo afastava o pensamento, não me travava as aventuras. Falava-se, também em curupira, mas isso era ao meio-dia na mata, quando se ouvia o assovio dele; eu não andava na mata. Nem em cemitérios, para ter medo de fantasmas. O negócio era mesmo o porco e, mais tarde, o diabo. O diabo ainda não tinha entrado em cena no universo dos meus medos infantis. Do diabo só tive medo depois que entrei para o colégio de freiras. Em minha casa, ele não tinha realce. Depois, já na adolescência, soube que o porco gigante tinha sido inventado para me segurar em casa. Não gostei nem um pouquinho. Além das cantigas de roda e das brincadeiras muito variadas, tínhamos o que se poderia chamar de pequenas dramatizações. Eu gostava muito de uma tão bela que me fazia triste e que falava de uma condessa e suas filhas, requisitadas pelo rei e levadas por um cavaleiro contra a vontade de sua mãe. Depois, descobri que essa canção faz parte das chamadas Cantigas de Além Mar, canções que vieram da França e da Península Ibérica e aqui tiveram várias versões. Uma dessas versões chegou até o interior do Maranhão, sendo cantada por crianças que nunca souberam de histórias de cavalaria. Era assim, a Condessa sentava na calçada ao lado das três filhas, e defronte, de pé, o Cavaleiro que as vinha resgatar. Começam a cantar um defronte do outro Cavaleiro dançando – Eu vim aqui que seu rei me manda, falar com vossemecê, das três filhas da condessa, mandai uma pra ele ver (bis) Condessa – Eu não mando minhas filhas, no estado que elas estão, nem por ouro nem por prata, nem pelo sangue do alazão (bis) Cavaleiro dando as costas para a Condessa – Tão alegre que eu vinha, tão triste que me tornei, das três filhas da condessa nenhuma eu levarei. (bis) A Condessa – Volte, volte, Cavaleiro por ser homem de bem, entrai neste convento e escolha qual lhe convém. O Cavaleiro vira-se e entra no “convento”, põe a mão na cabeça de cada uma das três donzelas – Esta me cheira a rosa, esta a manjericão, estáa me dá o cheiro do sangue do alazão. E sai levando a terceira donzela. A litania se repete até a última donzela ser levada Eu ficava a pensar, por que o rei levaria as filhas da Condessa sem a mãe querer? O que teriam as filhas da Condessa pra ficar “no estado que elas estão”, catapora, sarampo, dor de dente? O sangue do alazão valia mais


que ouro e prata e podia cheirar melhor que rosa e manjericão? Era uma canção bonita, sim, mas muito estranha. E tinha a da viuvinha que sentava no alto do coqueiro (!) para chorar, “Dizei senhora viúva, com quem quereis se casar, se é com o filho do conde ou com o senhor general, general, general... “Não é com nenhum destes homens, eles não são para mim, eu sou uma pobre viúva, triste, coitada de mim,” Essa tinha outra versão, “Eu sou a viuvinha que veio de Belém, eu quero me casar, mas não acho com quem.” Ora, case comigo que sou seu bem (bis). “ Não é com você, não é com ninguém, é com o menino que eu quero mais bem.” Canção apaixonada era a da Juraci: “ Você gosta de mim, Juraci?/ Eu também de você ,Juraci/ Vou pedir a seu pai, Juraci,/ para casar com você, Juraci./ Se ele disser que sim, Juraci,/ eu vou cuidar dos papéis, Juraci, /se ele disser que não, Juraci,/ eu vou morrer de paixão, Juraci.” Quem seria Juraci? Não tenho a intenção de ir mais fundo, buscar tudo, canções de roda e brincadeiras de minha infância, há trabalhos e pesquisas sobre isto. Mas eu vivi esse tempo mágico e o guardo comigo como um tesouro. Tenho procurado, entre as pessoas na faixa dos cinquenta ou mais, até entre as que passaram a infância nas cidades pequenas, as que se lembram das canções. Quase ninguém as sabe cantar, outros sequer as ouviram. As canções mais lembradas são as cantadas em programas de televisão para crianças do tempo em que os programas infantis não eram somente jogos e desenhos ferozes. E, claro, o conhecidíssimo Pau no Gato, agora no índex dos politicamente incorretos.


LINDA BARROS "NOSSA IMAGEM N'A CLARIDADE DA GENTE"

A vida no sentido amplo da palavra é dualidade, está em constante transformação, aliás basta estar vivo para que todas as mudanças ocorram, como dizem “a vida é um estalar de dedos” e tudo pode mudar. A vida é movimento, assim como a escrita, assim como a poesia. A poesia é vida expressa em versos que transformam o mundo. É na poesia que podemos nos expressar, é nela que reside todos os lamentos, todos os dissabores e todas as agonias, mas, é nela também, que está toda a bela beleza da vida, seja o lado bom, seja o lado ruim, ou seja, a poesia é dualidade. “A poesia é um aceno da palma da mão”. Essa é uma frase de autógrafo do poeta Paulo Rodrigues para outro poeta (José Neres) de sua mais recente obra, A claridade da gente (Penalux, 2023, 106 páginas), livro em que o poeta traz à tona um grito de alerta à necessidade de sobrevivência do homem: em UMA HERANÇA PARA FILÓ o patrão cuspiu no jardim./arrancou as flores/das melancias/e dançou/como se emplacasse/um gol./derrubou os sonhos,/as cercas,/a paz./(só os olhos do lavrador/resistiram)./o fogo/devorou a casa/e a filha mais nova./a foice abriu/o proprietário/ao/meio/e a propriedade/não faliu. Sabemos que a poesia é uma das ferramentas mais ávidas à crítica social, nela o autor pode e dever dizer tudo aquilo que está preso na palavra. O caxiense Paulo Rodrigues é graduado em Letras e Filosofia e, como a maioria dos poetas, é um artista da palavra, ele sabe “brincar” com as palavras para dizer ao mundo o que está oculto para que todos consigam enxergar o que é (in)visível aos olhos. O autor de O Abrigo de Orfeu, e outras tantas obras, é Membro da Academia Poética Brasileira e recentemente entrou para a Academia Caxiense de Letras. Em A claridade da gente ele passeia por todas as mazelas da sociedade em geral como, por exemplo, no poema REFORMA AGRÁRIA, onde o filósofo mostra a dor do homem do campo: Pedro e Luciana abraçam/a castanheira/como se fosse uma menina/recém nascida./retiraram o feijão/da mochila com cuidado./as formigas passeiam entre os seios,/ele pensa nos filhos/e nem percebe./os tiros atravessaram/os dois, na mesma altura./as mãos unidas/em comunhão com as folhas./o assassino revirou o lixo/do lado de dentro;/colocou uma rosa/ao lado da marmita.


Carregado de personagens reais e fictícios, A claridade da gente é uma obra que parece que é mesmo da gente, nos faz sentir íntimos com o texto, pois em cada poema é uma corrida às pesquisas para saber de quem se trata, incentivando o leitor a ir atrás deste ou daquele personagem. É uma obra recomendada para todos os públicos que têm o mínimo de curiosidade sobre os acontecimentos ou mazelas de seu lugar, de seu país, embora o autor não mencione nomes geográficos, mas o que fica de verdade é o amor à terra, à vida, à literatura e à boa leitura.

MINHA VEZ comigo foi cinema cigarro barato, jornal do dia anterior. só depois cultivei paixões e sorrisos de plásticos. (Paulo Rodrigues)


"O ESSENCIAL DE LUCY TEIXEIRA PELO OLHAR DE CERES COSTA FERNANDES" " É um livro que possivelmente terá outras edições com acréscimos e novidades, pois Lucy Teixeira é uma escritora que ainda oferece margens para inúmeros estudos", JN. José Neres

José Neres (Especial para o Portal Facetubes) Ó me procures tu quando voltares que do alto velarei a cidade e a tua janela (Lucy Teixeira) Professora, cronista, acadêmica e ensaísta com grande experiência no mundo das letras, Ceres Costa Fernandes é autora de diversos trabalhos sobre a relação da literatura medieval e a religião, sobre a loucura e o Surrealismo, sobre o narrador plural na obra de José Saramago e tantos outros assuntos que foram (e são) desenvolvidos tanto em estudos de cunho acadêmico/científico quanto em crônicas sempre muito bem articuladas. Nas últimas década, no entanto, um outro assunto despertou o interesse da leitura e pesquisadora Ceres Costa Fernandes: a produção literária de Lucy Teixeira. E foi esse foco de interesse que resultou em seu mais recente livro, intitulado O Essencial de Lucy Teixeira (Edições AML, 2023, 253 páginas), um trabalho ao mesmo tempo de análise e de resgate de uma das mais importantes escritoras brasileiras do século XX, e que, embora tenha transitado nos meios intelectuais, não é tão lida e divulgada quanto mereceria. Nascida na cidade de Caxias (MA), em 11 de julho de 1922, Lucy de Jesus Teixeira cedo saiu de sua cidade e residiu em várias cidades, como Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Luís, além de haver morado em diversos países. Poucos dias antes de completar seus 85 anos, em 07 de julho de 2007, a escritora faleceu em São Luís, depois de passar por diversas complicações de saúde. Em termos quantitativos, Lucy Teixeira não produziu muitos livros. Porém, se for levada em consideração a qualidade de suas obras, essa escritora pode ser colocada entre as mais significativas personalidades literárias das letras nacionais. Em 1962, publicou Elegia Fundamental e somente dezesseis anos depois, em 1978, trouxe à luz seu livro Primeiro Palimpsesto. Esses dois trabalhos foram recebidos com entusiasmo pela crítica e receberam elogiosos comentários. Em 1999, Lucy Teixeira presenteou seus leitores com a publicação do livro de contos No tempo dos alamares & outros sortilégios e, em 2001, publicou o romance Um destino provisório. Além das obras publicadas em livros, a escritora deixou também inúmeros textos inéditos dispersos, que talvez um dia venham a ser reunidos em volumes impressos.


Mas em seu livro, a professora Ceres Costa Fernandes não se limita a destacar traços biobliográficos de Lucy Teixeira. Ela faz incursões críticas por todos os livros da autora, reúne documentos inéditos, coleta comentários publicados em jornais e revistas, reúne vasta iconografia sobre a escritora biografada e ainda por cima permite ao leitor entrar em contato com o estilo da autora biografada a partir de uma pequena antologia composta por poemas, contos, crônicas e trechos de críticas literárias. Esse tipo de recurso é muito importante para aproximar os olhos dos leitores das páginas escritas pelos escritores, a partir da mediação de uma pessoa experiente e que possa selecionar os trechos mais significativos de toda uma vida de produção poética. O livro O essencial de Lucy Teixeira é uma obra que serve para dois propósitos concomitantes: de um lado serve como guia para quem ainda pouco conhece, ou até mesmo desconheça totalmente a obra de Lucy Teixeira, servindo como bússola e mapa, com pontos de partida e de possíveis chegadas nessa viagem ao mundo da literatura. Por outro lado, serve para aprofundar e estimular releituras por parte de quem já dialoga com os trabalhos da autora de Um destino provisório, pois traz importantes informações que não estavam disponíveis a seus admiradores. É um livro que possivelmente terá outras edições com acréscimos e novidades, pois Lucy Teixeira é uma escritora que ainda oferece margens para inúmeros estudos. Agora é esperar os resultados desses esforços empreendidos pela professora Ceres Costa Fernandes na busca de resgatar a vida e obra dessa imensa escritora chamada Lucy Teixeira. Que venham novos estudos!


LANÇAMENTOS & ACONTECIMENTOS




CONFIRA NA ÍNTEGRA O PAPO SOBRE A HISTÓRIA DOS CEMITÉRIOS COM O ESCRITOR E TURISMÓLOGO, ANTÔNIO NOBERTO NO HISTÓRIA EM DEBATE DE HOJE NA RÁDIO TIMBIRA HTTPS://WWW.YOUTUBE.COM/LIVE/_CLPFIQ8HO8?SI=HXQNC9TCZHTSXNRZ



A ACADEMIA MARANHENSE DE LETRAS REALIZA, NA PRÓXIMA TERÇA-FEIRA (DIA 7), ÀS 19H, SESSÃO DE ENCERRAMENTO DA PROGRAMAÇÃO DE HOMENAGENS AO BICENTENÁRIO DE GONÇALVES DIAS, COM DIREITO A PALESTRAS DOS ACADÊMICOS LOURIVAL SEREJO, JOSÉ NERES, AURELIANO NETO E ANA LUIZA FERRO, ALÉM DE ENTREGA DE MEDALHAS E LANÇAMENTO DO LIVRO “TODOS OS CANTOS”, UMA COMPILAÇÃO DE POEMAS DO ESCRITOR CAXIENSE.



















O MAPA DA TRIBO E O ETHOS DISCURSIVO DE SALGADO MARANHÃO Paulo Rodrigues* *Por ocasião dos 70 anos de nascimento do poeta Salgado Maranhão, 13/11/2023. O Mapa da Tribo é o décimo livro de Salgado Maranhão. Lançado pela editora 7Letras (2013), com 99 páginas e cinco seções que vão traçando os caminhos de uma poética capaz de ultrapassar o oceano. A ancestralidade discursiva do poeta é ampliada em muitos poemas. É certo que a sociedade brasileira é atravessada por muitos discursos, todos em relação, e contidos no sujeito enunciador ora analisado. O discurso literário enquadra-se como constituinte do ser social “designa fundamentalmente os discursos que se propõem como discursos de origem, validados por uma cena de enunciação que autoriza a si mesma” (MAINGUENEAU, 2006, p.60). Este ensaio deve apresentar uma análise do ethos discursivo de Salgado Maranhão. Usaremos três poemas para demonstrar a nossa inferência, de maneira que as imagens universais construídas na obra consigam apresentar as cenas dos nossos nervos sociológicos. José Salgado Santos é um homem negro, alfabetizado depois dos quinze anos, que enfrentou os demônios de uma sociedade capitalista periférica (com uma história longa de escravidão). Agarrou-se ao hábito da leitura como uma oração cotidiana. Foi a sua salvação. O poeta ganhou o prêmio Jabuti, em 1999, com Mural de Ventos e o prêmio da Academia Brasileira de Letras com A Cor da Palavra, em 2011. Traduzido para o italiano, francês, alemão e inglês, é destacável autor visitante de muitas universidades nos EUA. Desenha com muito sucesso uma carreira internacional, porque trabalha a palavra com o compromisso de um Samurai. Ferreira Gullar afirmou: “Salgado faz uma poesia da palavra, muito embora não ignore o real, pois o traduz em fonemas e aliterações. Que não hesita em ir além da lógica do discurso (ou do enlace com o plausível) se o resultado é o impacto vocabular e o inusitado da fala”. Os dois conhecem as vísceras da grande expressão poética. Podemos confirmar o que foi dito – pelo autor de Dentro da Noite Veloz – em: O sertão mordeu meus calcanhares. o sertão é um coiote vestido de súplica (sem que eu visse, abriu


cáries em minhas lembranças; eis como sangra o poema vestido de ausentes; eis minhas unhas de barro e servidão. Em meu corpo o verão plantou cigarras, ergueu palavras sobre ruínas (e essa hipérbole para além do havido). Por onde passo até as pedras uivam. (MARANHÃO, 2013, p. 19) É o segundo poema da obra. Apresenta três estrofes que dançam ao som dos tambores dos quilombolas de Canabrava das Moças. O poeta conscientemente sabe que éthos foi uma parte da retórica voltada para reconstituir o passado social. Por isso, denuncia: “eis como sangra o poema/ vestido/ de ausentes;/ eis minhas unhas de barro/ e servidão”. O servilismo que não desapareceu com a abolição, com a ‘república’, nem mesmo com a Constituição de 1988. “As cigarras” estão espalhadas pelos dias da linguagem e erguem uma identidade nacional. Salgado valida a palavra nacional mestiça e desconfiada da própria materialidade democrática da existência, nos trópicos: “Por onde passo/ até as pedras uivam”. Em ORIGEM 2, temos imagens que denunciam o enunciador e nossa gente: Da seiva que na pele me dá cor de barro de olaria e couro de tambor, eis-me timbrado e solto em muitas vias sujas de outroras e de algarvias. De tantas que eu até perdi a conta do que me jaz por jus ou desaponta. E em ser telúrico e alegre como os rios, me dou em terra, em sangue e ativos; eu próprio sendo “o quase que não vinga”, alimentado a barro de cacimba;


para tornar-me um comedor de verbos, de sílabas com pimenta e – de soberbo – notar que, enfim, a vida é caixa-preta, tudo é transverso e nada ao pé da letra. (MARANHÃO, 2013, p. 78) Os dísticos fazem um paralelo entre o pretérito e o presente, arrancando das metáforas motivos, lembranças e guias. O poeta reconhece as marcas da (noite imêmore): “da seiva que na pele me dá cor/de barro de olaria e couro de tambor”. Salgado reafirma as dificuldades da maioria negra, em nosso país: “eu próprio sendo “o quase que não vinga/ alimentado a barro de cacimba”. Num estilo nada simplista denuncia as tragédias pessoais, num mapa de genocídio dos afro-brasileiros. Na estrofe final do poema que dá o título da coletânea, observamos o sujeito enunciador reverenciar sua gramática de origem: “ô vento ancestral/ das línguas que me rasuram!/ recluso em meus anexos/ meus ontens me procuram” (MARANHÃO, 2013, p. 89) . Por fim, os poemas trouxeram um ethos discursivo que busca o universal, o humano, o todo sem retirar a retina da ancestralidade. Salgado Maranhão é a transcendência/imanência, em meio ao caos da palavra contemporânea.


Salgado Maranhão - Foto: Antonio Aílton O IMAGINÁRIO ÍGNEO NA POESIA DE SALGADO MARANHÃO ANTONIO AILTON 14/11/2023 *Por ocasião dos 70 anos de nascimento do poeta Salgado Maranhão, 13/11/2023. Chamarei de ardil o oráculo que transmigra o fogo e o deserto. […] Era um chão insolente e um sol que ejaculava sobre o abandono. (Salgado Maranhão, O Mapa da Tribo. 7Letras, 2009.) Em seu processo de escrita, um poeta pode deixar evidente na superfície da linguagem poemática rastilhos que apontam para um aspecto, seja mais musical, através de um investimento forte na sonoridade e na musicalidade (a melopeia), seja em lances de imagens através das palavras, que pretendem projetar-se na imaginação visual do leitor (a fanopeia), seja de um investimento na matéria intelectual, elaboração de abstrações e cisões irônicas entre a linguagem e conteúdo, a palavra poética impulsionando o âmbito reflexivoideacional, ou “dança do intelecto entre as palavras” (a logopeia). Essa é uma percepção que nos foi passada pelo poeta e crítico Ezra Pound, em seu ABC da Literatura, em 1931, mas que certamente contribui para a leitura de textos poéticos até hoje. Na poesia de Salgado Maranhão, podemos considerar uma forte presença das potencialidades imagéticas, ou seja, de uma espessura fanopeica, para usar a linguagem de Pound, que está na base construtiva de suas metáforas fulgurantes, da sua estesia e imaginação sensível, assim como no farol dos seus sentidos, sem que possamos, é claro, separar essa qualidade específica de todo o conjunto de suas potências musicais ou das camadas de significado quem compõem tal adensamento.


Mas um rol de imagens de uma grande poesia nunca será um inventário qualquer, algo utilizado apenas como recurso construtivo ou ilustrativo, ou, ainda, somente um tópico figurativo. É algo que faz parte das próprias entranhas poéticas em sua con/figuração, da corporeidade que sustém o dizer, os direcionamentos dos imaginários humanos que a poesia põe em xeque, ela mesma construindo e expondo mundos singulares.

E aqui é preciso esclarecer, seguindo estudos específicos da imaginação e do imaginário, que este, o imaginário, também apresenta seus níveis, suas evocações e graus de provocação, que tanto podem ser sugeridos pelo poeta na expressão mais óbvia, ou seja, na imagética do texto, quanto podem estar sublimadas em latências, até alcançar o nível simbólico. Sem esquecer que também podem ser evocados pelo leitor sensibilizado, naquele sentido de que, uma vez entregue o poema, o leitor também traz ao encontro dele sua experiência, contribuindo para criar sentidos. Assim, o amplia, tornando-o significativo à sua própria existência, coabitando-o, uma vez que a criação da obra de arte continua através da sensibilidade que ela desperta, como já o afirmou Luiz da Costa Lima, em entrevista. Desse modo, a dimensão imagético-imaginária do texto pode ocorrer primeiro numa distribuição horizontal, no repertório vocabular-semântico-figurativo que vai despontando no texto, alinhando-se para se irmanarem, imbricarem, até consolidarem umas às outas. É o que encontraríamos em sequências tais como sertão – sol – aridez, ou toque – arrepio – desejo. Por outro lado, essa rede de imagens também ocorre numa perspectiva de verticalidade, de profundezas. Certas imagens são como a ponta de um iceberg, fazendo parte de redes e troncos mais profundos, basais, os chamados arquétipos, que são grandes fundamentos simbólicos da humanidade – conforme explorado por Carl Gustave Jung e Gilbert Durand – os quais acabam por ser compreendidos como princípios psicanalíticos, ou grandes instâncias interpretativas da condição humana, como as míticas. Tais considerações são bastante pertinentes a um olhar sobre a poesia de Salgado Maranhão, em que tal dimensão se evidencia nos dois sentidos, elaborando uma trama inextrincável, ainda mais considerando que seus campos imaginários são múltiplos, estendendo-se, para mencionar alguns, do sertão à cidade, do corpo à universalidade, do indivíduo à tribo – ou ao horizonte d’O Mapa da Tribo, como sugere um dos seus títulos. Mas um dos imaginários mais importantes, diria uma das balizas configurativas dessa poesia salgadiana é, indubitavelmente (palavra perigosa em literatura, porém cabível neste caso), o imaginário ígneo, ou do fogo, em termos imagéticos e simbólicos, metafóricos e arquetipais. Isto, não apenas tomados de forma construtiva, dentro de uma recorrência metafórica provocada, de elementos ígneos, mas também numa evocação almática, coleante e intuitiva, de certas representações culturais e humanas, míticas, ligadas ao elemento “fogo”, como no caso das míticas de Prometeu (o fogo sublime como presente ou palavra de beleza e redenção dos homens), senão de Zeus (o raio que fende ou fecunda através da palavra fulminante); da mítica de Apolo (a consciência luminosa construtiva, claridade, cintilância, limpidez diurna), e a mítica de Eros (a tocha fálica do próprio corpo capaz de provocar “incêndios” e desejos pelo toque, pela fusão de corpos e moléculas, pela ‘fricção’).


Desenvolver tais temáticas certamente exigiriam um espaço outro que não um breve comentário, como fazemos aqui, mas não custa ressaltar isso. Nesse sentido, sobre os termos do caráter apolíneo dessa poesia, é importante trazer um comentário do Prof. Luiz Fernando Valente, do posfácio de A Cor da Palavra (2009), que diz o seguinte: “Podemos caracterizar a poesia de Salgado Maranhão como apolínea não somente no sentido corrente de sobriedade e disciplina, mas também no sentido mais profundo que Friedrich Nietzsche empresta a esse termo”. E sabemos que Apolo é não somente o patrono das artes, como da música, da poesia e da dança, mas o próprio deus-Sol também, o Singular, ou “Não-Muitos”, e, para os romanos, é Febo, Phoebus, o brilhante, iluminado, da provável etimologia ‘Phôs-bio’, a “vida fosforescente”. Podemos tomar qualquer livro e flagrar aquelas ocorrências. Mas comecemos com o exemplo de Sol Sanguíneo (2002), em que, desde já o título, a instância ígnea aparece, ligando-se à relação somática, à força vital do sangue, isto é: uma relação que parece transformar o hieros, o sagrado, em força erótica, eros. Nesse livro, essa imagética está dada, bastante clara, considerando os elementos relacionados à semântica do fogo, tais como sol, fulminante, flama, dia, etc., associadas a uma noção auroral e sublimizante da linguagem: “Voltar ao limítrofes/ da palavra/ (larva fulminante/ e alarde)/ […] Voltar ao fulminante alarde/ da palavra” (Terra chã, 1); “A flama do dia/ e sua blitz” (Terra chã, 3) “O fogo infiltrado no olhar/ amanhece/ o tecido da fábula,/ exubera o sol/ no gestual da noite/ esquiva”… (Terra chã,7). Bom lembrar que essa volta à “terra chã” é sempre uma volta ao ardor ctônico, um fogo que permanece mesmo quando os lugares de instância são sombrios, opressivos ou noturnos (…e arder/ sob o sono do tempo/ e sua lírica de escombros…).

Já em O Mapa da Tribo (2013), a volta é ao sertão, às “vilas havidas”, livro no qual o sujeito poético começas por ser representado por “um outro que se disfarça/ entre relâmpagos”. Mas é preciso chegar ao sertão, aos espaços vivenciais de seres crestados, para “beber da não-água/ que inunda o instante/ e o ‘estio’”, e então dizer: “Em meu corpo/ o verão plantou cigarras,/ ergueu palavras sobre ruínas”… “E perdura, inda, em minha boca, a revanche do fogo sanguíneo”… “O grão que rasgou-me/ com palavra, / veio/ com casca. E trouxe/ um coração febril/ para ferver a noite”… É essa ebulição ou fulgurância interior, assumindo não raro a figura do “Sol noturno”, que se transmuda para a dimensão erótica do aquecimento e da fricção (e até mesmo da devoração). “Vem, /Para eu te abra/ os gomos/ e te provoque/ incêndios”. Essa erótica incendiária, podemos resgatá-la desde a série Deslimites, de Palávora (1955), toda ela gravada a fogo, mas de onde elegemos: “eu sou o ferro. eu sou a forra./ o fogo milenar dessa caldeira/ elevo meu imenso pau de ébano/ obelisco as estrelas”. E, só aí, teríamos matéria de toda um redirecionamento, reversão ou apropriação de elementos para uma simbólica coletiva de evocação cultural afrodescendente, para essa poesia, nos “ferro/forra/ pau [negro] de ébano, fogo milenar”, como memória não somente individual, mas também coletiva, e uma erótica do sublime, tocando as estrelas (em seus amplos sentidos).


Por outro lado, a representação do vigor da poesia, de sua possibilidade mesma de nascer até do terreno agônico das mazelas, como uma flor pode nascer do estrume ou do lodo, também é metaforizado pelo poeta no contraste entre o úmido e o fulgor da vitalidade, no emblemático poema A cor da palavra (do livro homônimo). Ele estabelece, então. a relação, em seu sentido amplo, entre o poeta “que esplende/ a labareda entranhada/ ao rugir/ das pequenas agonias”, e a poesia, que “alumbra o coração/ em seu charco de prímulas”, isto é, a poesia metaforizada por essa flor fulgurante nascida do charco. Trata-se, pois, de uma trama de referências que, embora partam de uma espessura imagética, metafórica e vocabular, mergulham suas raízes nas regiões profundas e arquetipais, assessoradas por uma apropriação de simbólicas ígneas que podem ser compreendidas não como tópicos aleatórios ou ocasionais, mas como projeções imaginárias intrínsecas da poética salgadiana. Por óbvio, entendemos que aqui se trata apenas de apontar certos rumos de compreensão, e que tais apontamentos gerais não têm a intenção de interpretar a múltipla e imensa extensão das experiências, formas e sentidos que nos são oferecidos em sua poesia, mesmo a energia significativa ou a potência de cada poema, até de cada verso. Tampouco se trata de afirmar um campo imaginário exclusivo, já que seria possível, nessa mesma poesia, perspectivar inclusive o contraponto do imaginário ígneo: alagadiços e charcos, navegações e pântanos. É importante lembrar que o sertão de Salgado, mesmo o biográfico, inclui esses aspectos. A proposta, por enquanto, é seguir o rumo desse oráculo humano que liberta nosso sol sanguíneo, espalha o brilho nos rastilhos e nos faz tocar o mapa iluminado que conduz à beleza, a fosforescência dessa poesia. *** *SALGADO MARANHÃO José Salgado Santos, ou simplesmente Salgado Maranhão (Caxias, 13/11/1953) é um poeta e compositor brasileiro maranhense que nasceu no povoado de Canabrava das Moças, município de Caxias – MA), e desde cedo auxiliou os pais na lavoura. Foi alfabetizado tardiamente aos 15 anos. E o gosto pela poesia veio com os trovadores e as rodas de viola que eram feitas em sua casa, confessou o poeta, que aos 20 anos se mudaria definitivamente para o Rio de Janeiro. Antes passou pelo Piauí, Teresina, onde conheceu o poeta tropicalista Torquato Neto e de quem recebeu o nome poético de batismo Salgado Maranhão. Salgado tem mais de 15 livros publicados, é ganhador de vários prêmios, inclusive o Jabuti, por duas vezes, além de outras indicações. Tem sido convidado como representate da poesia brasileira brasileira por diversas universidades norteamericanas e, como compositor, tem parcerias com grandes nomes da MPB, como Alcione, Ivan Lins, Zizi Possi, Elba Ramalho, Ney Matogrosso, Zeca Baleiro e outros.

www.forum.mundofotografico.com.br *** *Antonio Aílton é poeta, crítico literário e pesquisador da poesia contemporânea. Autor de MARTELO & FLOR: horizontes da forma e da experiência na poesia brasileira comtemporânea (EDUFMA, 2018) e A camiseta de Atlas (EDUFMA/fapema, 2023)



UM LEGADO CENTENÁRIO OSMAR GOMES *Por Osmar Gomes dos Santos Como membro e ocupante da cadeira nº 14 da Academia Ludovicense de Letras – ALL, não poderia deixar de prestar minha singela homenagem àquele que é uma referência para mim e para a literatura maranhense e brasileira. Organizei alguns estudos, que abordarei na sequência de cinco artigos, sem qualquer pretensão de entrar em questões polêmicas ou aquelas cujos entendimentos nunca foram devidamente sedimentados. Quero apenas rememorar e prestar reverência para um escritor que deu vida às folhas brancas com sua literatura social. Nascido em 14 de abril de 1857, Aluízio Azevedo foi um homem cuja obra merece ser vista e revista por todo brasileiro. Natural do Maranhão, se destacou no Rio de Janeiro, centro cultural de sua época, onde estudou pintura e desenho. Chegou a ser caricaturista, atuando na imprensa local, tendo atuado, também, como jornalista. Em seus romances, trazia os amores e desamores, as alegrias e as dores, a bonança e a desventura de personagens marcados pelos carmas da sociedade machista, patriarcal, racista, preconceituosa, demagoga. Influenciado pelo positivismo social, fruto de uma vertente dominante naquele período, entendia e descrevia em suas obras o ser humano como resultado do meio social no qual estava inserido. O Mulato, obra que inaugurou o naturalismo brasileiro, foi uma produção de destaque, mas que não agradou a todos. Os traços da pesada crítica que marcou essa publicação se chocaram com interesses da elite e do clero, o que impôs a Aluízio um fardo pesado e alto grau de rejeição por certa parcela da sociedade. Na sequência vieram diversos outros memoráveis escritos, como O Cortiço, considerada por muitos sua obra mais importante e Casa de Pensão. Escritos que retratam bem, cada um a seu modo, o comportamento da sociedade de sua época. As características de suas obras trazem a marca da análise realística, do homem como fruto do meio e características sensualizadas, sempre marcadas por uma linguagem objetiva e uma ácida e assertada crítica ao moralismo daquele período. Sem retratar o íntimo de seus personagens, não se prendia a estereótipos, mas a uma descrição mais genérica das massas. Seus enredos se desdobram em narrativas com diálogos recorrentes, direcionados por narradores oniscientes. Em O Cortiço, obra marcante e a qual defendo como referência para análise social dos aglomerados urbanos dos dias atuais, ele traz figuras marcantes do meio que formavam o mosaico social de seu tempo. O português em sua ganância; o negro em suas mazelas; o mestiço discriminado; o fidalgo representante da burguesia e seus privilégios. Aluízio foi o romancista que inaugurou o naturalismo sem abandoar sua paixão pelas narrativas românticas, inclusive em razão do valor comercial que esse gênero agregava no século XIX. Assim, ajudou a popularizar o romance vinculando sua proposta ficcional ao caso concreto, com base em suas experiências sociais. Um homem que descreveu seu contexto temporal, espacial e social e marcou seu tempo. Escolheu não passar despercebido, mesmo que para isso tivesse que enfrentar a reação demagoga e hipócrita, que quase custou sua carreira.


Nessa semana a professora e escritora, Ceres Costa Fernandes lança o livro “O Essencial sobre Lucy Teixeira” que deve sacudir a memória enferrujada de alguns maranhenses e apresentar para a Geração Self, uma artista muito especial. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, Lucy Teixeira participou de atividades literárias com os escritores Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Murilo Rubião. Residiu na Europa como bolsista do governo italiano, tendo retornado para São Luís em meados da década de 40. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1949, onde continuou publicando crônicas em jornais e colaborando com diversos suplementos literários. Participou do grupo Movelaria Guanabara e organizou, junto com Ferreira Gullar, o Congresso Súbito de Poesia. Foi uma das fundadoras do Grupo Ilha, que teve como membros, entre outros, José Sarney e Bandeira Tribuzi. Ocupou importantes cargos públicos, destacando-se o de Diretora da Secretaria do Tribunal de Justiça do Maranhão. Possui uma vasta produção de poesia e prosa ainda inéditas. Lucy Teixeira foi a quinta mulher a ocupar uma das cadeiras da Academia Maranhense de Letras, sendo eleita em 28 de março de 1978. É patrona da cadeira número 34 da Academia Ludovicense de Letras (ALL). Para conhecermos um pouco mais sobre essa maranhense genial, conversamos no sábado com Ceres Costa Fernandes. Nossa convidada é escritora e professora licenciada em Letras pela Universidade Federal do Maranhão e Mestra em Letras – pela PUC/RJ. Foi professora da TV Educativa do Maranhão e é professora aposentada do Curso de Letras da UFMA. Entre os vários cargos relevantes que ocupou, foi Diretora do Centro de Criatividade Odylo Costa Filho, onde organizava o Café Literário. O História em Debate é todo sábado das 11h ao meio-dia. A produção e apresentação é do historiador e jornalista, Marcus Saldanha. Você sintoniza a rádio timbira 1290 AM, acessa pelo app Tunein ou assiste pelo canal TV Timbira no YouTube.















FICO FELIZ EM TER PARTICIPADO DO PROJETO “SÃO LUÍS SOB A LUZ DOS TAMBORES” E ALÉM DE FOTOS NO CORPO DO FOTOLIVRO, TER TIDO MEU TRABALHO ESCOLHIDO PRA CAPA DE UM PROJETO TÃO IMPORTANTE! PARABÉNS @POESIADOOLHARSLZ PELA ORGANIZAÇÃO PRIMOROSA E A TODOS NÓS FOTOCLUBISTAS! 👏🏿👏🏿👏🏿👏🏿 #REPOST @POESIADOOLHARSLZ WITH @USE.REPOST ・・・ É COM GRANDE ALEGRIA QUE COMPARTILHAMOS A EMOCIONANTE NOTÍCIA: O PROJETO “SÃO LUÍS SOB A LUZ DOS TAMBORES” DO FOTO CLUBE POESIA DO OLHAR ESTÁ ENTRE OS 5 FINALISTAS DO PRESTIGIOSO PRÊMIO JABUTI 2023 NO EIXO INOVAÇÃO, CATEGORIA FOMENTO À LEITURA! 📸🥁 ESTAMOS IMENSAMENTE HONRADOS POR ESSA CONQUISTA E GRATOS POR TODO O APOIO E DEDICAÇÃO DE NOSSA EQUIPE, PARCEIROS E, CLARO, DA INCRÍVEL COMUNIDADE QUE NOS INSPIRA DIARIAMENTE. ESTE PROJETO FOI MAIS DO QUE UMA JORNADA FOTOGRÁFICA, FOI UMA IMERSÃO NA RIQUEZA CULTURAL E HISTÓRICA DE SÃO LUÍS, CAPTURANDO A ESSÊNCIA PULSANTE DOS TAMBORES QUE ECOAM POR SUAS RUAS. AGRADECEMOS A TODOS QUE CONTRIBUÍRAM PARA ESTE TRABALHO EXCEPCIONAL! 🙌✨ CONTINUAREMOS COMPARTILHANDO A BELEZA E A IMPORTÂNCIA DESSA NARRATIVA VISUAL, CELEBRANDO A DIVERSIDADE E A HERANÇA CULTURAL QUE TORNAM SÃO LUÍS ÚNICA. FIQUEM LIGADOS PARA MAIS ATUALIZAÇÕES E, DESDE JÁ, AGRADECEMOS POR TODO O APOIO CONTÍNUO! 🏆📷 SÃO LUÍS SOB A LUZ DOS TAMBORES É UMA RELEITURA FOTOGRÁFICA DA OBRA OS TAMBORES DE SÃO LUÍS, DO ESCRITOR JOSUÉ MONTELLO. ➡️PATROCÍNIO: SECMA - GOVERNO DO MARANHÃO, LEI ESTADUAL DE INCENTIVO À CULTURA, GRUPO MATEUS ✅REALIZAÇÃO: POESIA DO OLHAR ❇️APOIO: CASA JOSUÉ MONTELLO


INDIFERENÇA E SURDEZ JOSÉ CLAUDIO PAVÃO SANTANA Salta aos olhos o fato de um preso político, sim, ele era um preso político, ter vindo a óbito no cárcere. O sr. Cleriston Pereira da Cunha, 46 anos, era um dos presos políticos condenados sem julgamento. No caso dele, infelizmente, condenado à morte. Por que preso político? Bom, porque aos olhos do STF e do MPF baderna virou, pela primeira vez na história, uma tentativa de golpe de estado, sem armas, e sem a participação das forças armadas que, no episódio, foi algoz dos próprios manifestantes, cometendo o crime de perfídia, segundo os especialistas. É inaceitável que um fato como este tenha acontecido, considerando-se que desde o mês de setembro de 2023, o próprio acusador, concordara em que essa prisão – como tantas outras – pudesse ser cumprida em casa, dada a comorbidade do preso político. Não há desculpa. Não há justificativa. Sobejam responsabilidades, indignação – de alguns – e, sobretudo, desumanidade. A responsabilidade do estado por danos causados por seus agentes passou a ser objetiva desde o advento da atual Constituição. É o que se encontra escrito no texto do que (suponho) ter sido o último exemplar, entregue pela então ministra presidente do TSE, na diplomação do presidente anterior. Já escrevi sobre o assunto aqui. Não tenho dúvidas que a União Federal responderá pelos danos materiais e morais causados à família do morto, pois era um encarcerado, preventivamente, sem condenação, já cumprindo pena. Mas ela agirá regressivamente, na defesa do erário? Duvido! Mas não basta. É preciso que os organismos internacionais recebam denúncias sobre o fato e sobre o que ocorre nessa quadra da história do Brasil. É necessário e indispensável, para que não se perca o compasso civilizatório de que tantos falam. Mas, como fica a família? Como serão os natais? Como serão os aniversários? Como serão as vidas da viúva e das filhas do morto? Em pleno século XXI o Brasil volta a repetir – em presumível estado de normalidade democrática – o que ocorreu nos “porões da ditadura”, como gostam de falar todos aqueles que defendem a bandidagem, o escárnio do peculato, a tragédia a que foi condenado todo um povo, por meia dúzia de pessoas, que se trajam com a pompa de quem se põe acima das leis. É necessário que o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, as instituições civis, que já prestaram relevantes serviços em defesa do estado de direito, se mobilizem, se manifestem, repudiem e tomem as providências cabíveis, o que não pode ser tratado com indiferença, porque a omissão é reveladora. Não se pode por os homens (principalmente as autoridades) acima das instituições. Toda e qualquer vida importa, isto é um fato. O homem não tem cor, embora a seleção da espécie seja um tipo de prática própria do identitarismo nefasto, que assola as baboseiras dos autoritários, vocacionados às ideologias assassinas. Disse certa vez que ela usava venda para ser imparcial. Ficou cega, quando se tornou virtual. Agora ficou paralítica e insensível e foi fatal. Tomara que ela não se faça desnecessária, porque aí será o caos. O silêncio, nesse caso, não contribui. Apenas revela a covardia daqueles que, quem sabe, um dia, poderão ser as próximas vítimas, e não terão quem as escutem, porque a surdez será o resultado da indiferença de quem já não terá mais voz.


ESCRITOR MARANHENSE JOSÉ JORGE APRESENTARÁ SUA NOVA OBRA LITERÁRIA EM BRASÍLIA NO DIA 1º DE DEZEMBRO PORJORNALISTA HÉRICA SILVA Após realizar o lançamento em São Luís de sua 6ª obra literária ” O Vale da Curacanga”, o escritor maranhense José Jorge fará a apresentação do livro em Brasília em 1º de dezembro. O evento ocorrerá no Espaço Cultural da Casa do MaranhãoDF. É com muita expectativa que o brasiliense aguarda esse dia para poder conferir a história magnífica de “O Vale da Curacanga”, do renomado escritor maranhense. Elogiada pelo público e pela crítica, o livro será apresentado aos convidados em noite de autógrafo. O evento contará com as presenças de ilustres personalidades do mundo literário brasileiro, maranhense e brasiliense. “Crendices, lenda e superstição peculiares ao imaginário popular são representadas com vivos matizes; a visão de mundo local descrita com preciosos trejeitos regionais; o mito emerge como protagonista de uma narrativa, em que o nicho de riqueza extrativista das quebradeiras de coco é ameaçado pela tecnologia de uma indústria de óleo babaçu. Episódios pitorescos abordam contrastes sociais e discriminação de gênero historicamente encastelados no país, e são trazidos à baila em uma narrativa sedutora na qual o anseio pelo progresso é colorido com uma bonita história de amor verdadeiro”, avalia Elizabeth Rodrigues, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão. Característico das produções literárias “O Vale da Curacanga mescla ficção e realidade, traz a público uma narrativa singular e fascinante, digna de profunda reflexão sobre a vida. Para Elizabeth Rodrigues, as aquarelas encartadas na obra denunciam mais um talento de Zé Jorge, o pintor, romancista, contista, que promove, com arte e letra já maduras, um encontro prazeroso com o sorteado leitor, sob a inspiração, o fascínio e o poder da lua cheia. NO VALE DE CURACANGA De acordo a obra, Curacanga é um vale encantador na Baixada Maranhense. “Mas encantada mesmo é a Curacanga: uma bola de fogo assustadora, que persegue a todos nas noites de lua cheia”, adianta Zé Jorge. Passada na década de 20, do século passado, a obra sucinta, entre outros, personagens próprios à República Velha, cuja política era dominada pelos coronéis, latifundiários, de quem partiam as decisões, as realizações e as novidades anunciadas no jornal do seu reduto eleitoral: um lugar distante da capital, no momento em que o progresso chegava ao Brasil em forma de energia elétrica e radiodifusão, a possibilidade de levar energia à região usando o babaçu como matéria-prima afigurou-se como uma descoberta e tanto. Nesse contexto, o autor discorre sobre o belíssimo ambiente com elementos históricos, geográficos e técnicos muito bem desenhados; retrata o cotidiano do lugar realçando o caudilho capitão João Leite, o comerciante português Manuel Campos, o prefeito Orleans de Castro, o juiz Eusébio, a bela morena Lucinda, o engenheiro francês Charbonnel; e presenteia o leitor com espirituosas tiradas, que nos fazem “viver” de rir. O AUTOR Dono de uma biografia extensa e riquíssima José Jorge Leite Soares é graduado em dezembro de 1972 no Curso de Engenharia Mecânica pela Universidade de Brasília. Especialização no campo de conservação de energia, atuando como consultor do Instituto Brasileiro do Petróleo, do Conselho Nacional do Petróleo, do CEBRAE – Centro Brasileiro de Apoio a Pequena e Média Empresa e do CEAG – Centro de Assistência Gerencial do Estado do Rio de Janeiro. Tendo exercido atividades docentes nas Universidades Estadual do Maranhão, Federal de Pernambuco, Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRÁS, Instituto Brasileiro do. Petróleo-IBP e NTT/UFRJ – Núcleo de Treinamento Tecnológico. Executivo de Empresa Multinacional (SpiraxSarco), Diretor de Operações da


Empresa Concessionária de Energia Elétrica (CEMAR). Atividade Parlamentar como Deputado Estadual e Secretário de Estado do Governo do Maranhão. Diretor de Planejamento e Relações Institucionais da Equatorial Energia desde 2005. SERVIÇO Lançamento da Obra: No Vale da Curacanga Autor: José Jorge Leite Soares Local: Casa do Maranhão-DF Endereço: SGAS 914 – Brasília-DF Data: 1° de dezembro de 2023 Horário: 18h30


“Quero botar meu bloco na rua” Luiz Thadeu Nunes 23 de novembro de 2023 Articulistas, Lá Vem História

Compartilhe: Por Luiz Thadeu Nunes e Silva (*) Pouco saio de casa à noite. Por locomover-me com muletas, é mais complicado ficar zanzando pela cidade, especialmente nessa hora do dia, além de inseguro. À convite de Heloísa, resolvi encarar um desafio e fui assistir a um show, aliás, O SHOW, “Bloco na rua”, do showman Ney Matogrosso.

Luiz Thadeu e Heloísa Noite de sábado, 18/11. Multicenter Sebrae, em São Luís, minha Ilha do Amor. Chego cedo, estaciono o carro no local para pessoa com deficiência. Me encaminho para a bilheteria, mostro o QRcode do ingresso. Sou conduzido pela produção para um lugar reservado às pessoas da minha tribo. Sento-me em frente ao palco. O multifacetado, Ney Matogrosso, está em turnê pelo Brasil com “Bloco na rua”, desde 2019. Ficou parado no período pandêmico, e retornou quando Ney completou 80 anos. Luzes apagadas, silêncio na platéia lotada. Acendem-se as luzes e surge Ney, de costas, com o figurino de Lino Villaventura, em dourado, colado ao corpo. Como uma lagartixa, corpo esguio, exalando sensualidade aos 82 anos, começa cantando, a bela canção de Sérgio Sampaio.

“Há quem diga que eu dormi de touca/Que eu perdi a boca/Que eu fugi da briga…. Há quem diga que eu não sei de nada/Que eu não sou de nada/Que eu não peço desculpas/Que eu não tenho culpa/Mas que eu dei bobeira… Eu quero é botar meu bloco na rua/Gingar, pra dar e vender…… Eu quero todo mundo neste carnaval”. Pronto, agora é só alegria; durante duas horas e meia Ney hipnotiza a plateia, que em êxtase responde, cantando, gritando, chamando-o de lindo, gostoso, por homens e mulheres. Com performance de um garoto, requebra o tempo todo, e vai enfileirando sucessos conhecidos: Jardim da Babilônia (Rita Lee), Pavão misterioso (Eduardo), A maçã (Raul Seixas), Homem com H, Sangue Latino, que o projetou com o grupo Secos e Molhados, nos anos 70. Ao todo, Ney cantou e interpretou vinte músicas.


Este foi o quarto show que tive o prazer e privilégio de assistir, esse que é o maior showman do país. Antes tinha assistido a shows no Rio, Fortaleza e aqui em São Luís, ainda nos anos 90. Eram shows mais performáticos, com muitos figurinos. Símbolo da liberdade com suas maquiagens e figurinos ousados ao se apresentar — isso desde os anos do regime militar — esse filho de um oficial do exército sabe que abriu muitas portas, mas discreto, prefere não vestir rótulo. Durante o show falou pouco, deu “boa noite, São Luís”, e fez com maestria o que sabe fazer: cantar, encantar e hipnotizar o público. Ney não faz discurso sobre sua opção sexual, sobre sua idade, sobre cor da pele, falas tão afeitas a um público pseudo-politizado. Por sua maneira de pensar e falar, Ney é cancelado pelos esquerdopatas. Ele simplesmente segue vivendo, aproveitando o que a vida tem de melhor. Fez do tempo um aliado, e aos 82 anos, com mãe viva — em outubro, dona Beita Pereira completou 101 anos — esse mato-grossense de Bela Vista segue faceiro e serelepe. Perguntado em uma entrevista qual o segredo de tamanha vitalidade, respondeu: “Comer pouco, dormir bem e fazer o que gosta”. Eu acrescentaria “amar a vida”. Sem precisar mostrar a bunda, como tantos artistas brasileiros, esse ex-integrante da banda “Secos e molhados”, foi eleito pela revista Rolling Stone, com a “terceira maior voz brasileira em todos os tempos”. Ney de Souza Pereira, deu seu recado, cantando, dançando, rebolando, encantando, como uma lagartixa dourada, e terminou o show dizendo que aquela noite foi “inenarrável”. Agradeceu ao público, as luzes se apagaram, e Ney Matogrosso saiu de cena. Voltei para casa em êxtase, querendo botar meu bloco na rua, gingar, botar pra ferver…, e como canta Ney, de Chico Buarque: “Não existe pecado de lado de baixo do equador/ Vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor/ Me deixa ser teu escracho, capacho, teu cacho, um riacho de amor…” Enquanto grande parte do mundo está em conflitos, com dor, miséria e morte, Ney é porta-estandarte da alegria, da paz. Viva a alegria! Viva a liberdade! Viva a vida! Viva Ney Matogrosso!



troféu e o certificado relativos ao primeiro lugar no Concurso Literário José Bonifácio de Andrada e Silva, de ensaios, promovido pela Academia Luso-Brasileira de Letras, com o tema: "Gonçalves Dias, o poeta multifacetado". O título de meu ensaio foi "Gonçalves Dias, ainda uma vez e sempre: obra e legado". A cerimônia teve lugar no Liceu Literário Português, nas Laranjeiras, Rio de Janeiro. Na ocasião, também declamei "Ainda uma vez - Adeus", tendo a Sra. Secretária-Geral e Presidente eleita da ALBL, Maria Amélia Palladino, no papel da musa gonçalvina.



MENOS ELES JOAQUIM HAICKEL

Assisti recentemente discursos dos ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes na abertura de uma sessão do Supremo Tribunal Federal. Eles falaram sobre a PEC aprovada no Senado Federal, que visa garantir que declaração de inconstitucionalidade de lei seja resultado de decisão por maioria absoluta dos votos dos ministros da Corte, e não através de decisão monocrática, deste ou daquele ministro do STF, fazendo que que tenhamos um STF e não onze. Eu particularmente achei a reação dos ministros contra a PEC foi totalmente desproporcional, e por outro lado não achei grande vantagem nessa PEC, até por já haver resoluções nesse sentido, mas pelo que parece, não são respeitadas. Na verdade, o que o poder legislativo deveria fazer era convocar três ou quatro ministros do STF, aqueles que mais exercem ativismo judicial, para que expliquem a grande quantidade ações ilegais e inconstitucionais que eles vêm praticando. A primeira coisa que me chamou atenção nos discursos de Barroso e Mendes, foi o fato deles dizerem que a PEC aprovada pelo Senado é inócua, pois uma reforma feita no regimento interno do STF, em 2022, já introduziu algumas das medidas previstas nessa PEC. Ora, se no regimento interno do STF, tais regulamentações já estão previstas, o fato delas estarem gravadas em nossa Constituição não acarretará nenhum mal, até porque quem pode o mais, pode o menos! Mas em nome da coerência que eu exijo de mim mesmo, devo concordar com o que disse o ex-ministro do mesmo STF, Marco Aurélio Melo: “O Congresso Nacional tem barateado muito o valor de nossa Constituição, fazendo emendas a ela, quando estas normas poderiam ser incluídas em dispositivos legais infraconstitucionais”. Outras coisas que me chamaram atenção nas falas dos ministros foram no tocante ao respeito para com a independência do poderes e ao devido processo legal. Ocorre que os ministros se esquecem que nos últimos anos é o STF quem não tem respeitado a independência dos poderes, como quando impede a nomeação de agentes públicos pelo poder executivo. Eles se esquecem que são eles que desrespeitam e subvertem o devido processo legal, instaurando um processo sem respeitar o foro adequado, em que o relator foi escolhido e não sorteado, onde o processo corre em segredo, até para réus, onde a suposta vítima é também o investigador, o acusador e o julgador, o que descaracteriza total e completamente o processo judicial o caracterizando como um processo inquisitorial. É descabida a alegação de que essa PEC fere a independência entre os poderes por tratar de matérias que deveriam ser de competência Interna Corporis do STF, pois é exatamente a nossa Constituição que estabelece que é ao poder legislativo que cabe a função de legislar. O fato de uma lei esmiuçar as funções e atribuições de um dos poderes, não torna essa lei inconstitucional. Uma lei assim realmente não é uma lei feita com melhor técnica legislativa, mas ele deve ter sido proposta pelo fato de o referido poder a que se destina estar escamoteando, de alguma forma e em algum grau, sua função. Fico me perguntando, como é que pessoas que cometem todas essas arbitrariedades, além de outras aqui não citadas, podem reclamar de coisas que elas mesmas corriqueiramente praticam?

Outro fato que me chamou bastante atenção foi o tom de ameaça contido na palavras dos dois ministros. Ameaça velada ao poder executivo e ameaça explicita ao poder legislativo. Porém, o mais hilário de tudo viria quase no final do discurso do ministro Gilmar Mendes quando ele diz que as ditaduras podem ter origem na tirania exercida pelo poder executivo ou surgirem do abusivo controle exercido pelo poder legislativo através de leis antidemocráticas e inconstitucionais. Gilmar diz isso, mas se esquece de que a pior de todas as ditaduras é aquela que é imposta pelo poder judiciário, que não tendo a genuína legitimidade, oriunda da escolha democrática, através do sufrágio universal e livre do cidadão, se respalda apenas no fato de dizerem que são defensores dos preceitos constitucionais, que todos devem defender e respeitar. Menos eles. O pior, no entanto, não é nada disso. O pior é que o voto do senador Jaques Wagner, líder do governo no Senado, a favor dessa PEC, foi visto por alguns ministros do STF como uma “traição rasteira” depois da ferrenha resistência da Corte ao golpe Bolsonarista. Isso é um completo e total absurdo! É a comprovação do ativismo judiciário e do partidarismo praticados pelo STF. Mas como se isso não bastasse, eles ainda por cima exigiram o afastamento imediato de Wagner da liderança do governo no Senado, deixando mais que claro que o STF se sente como um parceiro político do governo.


ESCOLA DE REFERÊNCIA EM VIANA (*) (*) Áureo Mendonça O antigo Ginásio Antonio Lopes na cidade de Viana onde muitos conterrâneos que lograram êxito na vida como médicos, advogados e demais profissionais liberais estudaram e hoje estão em várias cidades exercendo suas profissões. Instituição de ensino fundada pelo saudoso Dr. José Pereira Gomes, que prestou relevantes serviços à cidade de Viana em várias áreas inclusive na área educacional. Os vianense tiveram o privilégio de ter excelentes docentes que lecionaram no Ginásio Antônio Lopes. Em minha opinião dois personagens marcaram época e ficarão para sempre na história e na memória do Ginásio Antônio Lopes, o Dr. José Pereira Gomes e a professora Josefina Cordeiro Cutrim. (*) Áureo Mendonça é pesquisador, escritor e membro fundador do IHGV. Foto 1 Primeiro exame de admissão. Foto 2 desfile estudantil de 7 de setembro de 1962. Foto 3 Aula inaugural em 1960 - fotos do Acervo do amigo Beto Gomes. Foto 4 Turma de 1965, com os alunos e o fundador do ginásio o Dr. José Pereira Gomes. Acervo da professora Maria Sousa.



ME CHAME DE EXCELÊNCIA!

JOSÉ CLÁUDIO PAVÃO SANTANA Quando se vive a vida no foro judicial tem-se como hábito reproduzir peças de cunho jurídico. Algumas, é forçoso reconhecer, não mereceriam essa classificação por ameaça ao idioma pátrio. Por isso, a linguagem e o tratamento formais são típicos e próprios. Nós, juristas – professores, advogados, juízes, promotores de justiça – mergulhamos nesse universo com tal concentração que chegamos, muita vez, a reproduzir um vocabulário árido e, diria mesmo, pobre. Há palavra mais insossa do que “destarte”? Daí eu indicar a necessidade da leitura de literatura sempre. Conselho paterno. A vida cotidiana dispensa isso, mas também tem de suas próprias coisas, embora a informalidade quase sempre presida a conduta, porque há na espontaneidade e informalidade a verdadeira revelação da autenticidade humana. Isto, contudo, não dispensa a atenção às regras de bom convívio. Nossa vida profissional, contudo, não pode ser reduzida, e menos ainda contaminada, pela “jurispatite”, neologismo que crio agora, para mostrar que as desconformidades se revelam não apenas através da difundida “juizite”, uma espécie de patologia autoritária que já se divide em graus no Brasil. E avança a passos apressados. Todos nós, por sermos um pouco juristocratas, ao pretendermos que o mundo seja interpretado sob nossa ótica de jurista, não compreendemos a realidade que, talvez, seja necessário desenhar. O óbvio nem sempre é claro para quem só enxerga o que deseja enxergar. É a tal insuficiência cognitiva se multiplicando. Ontem, por exemplo, assisti a um breve vídeo de uma audiência em que uma magistrada impôs que a testemunha falasse de certa maneira, de modo a chamá-la de excelência. E porque não o fez – concluí que mais pela incompreensão do que por falta de tratamento urbano – entendeu que poderia “desconsiderar o testemunho”, como se dona do processo fosse. Pois bem, o tratamento formal é um dos elementos que integram esse universo da vida forense, que necessita ser desvendado, de uma vez por todas, em sala de aula. E parece que muitos colegas de magistério pelo Brasil não têm contribuído. O Poder é Judiciário, mas não é do juiz. De uma vez por todas ele ou ela precisam ter consciência disto. Não adianta a Constituição da República prever que a advocacia é essencial para o funcionamento da máquina judiciária se os membros da magistratura e do ministério público não tiverem a compreensão de que sem o advogado suas funções são pequenas diante da necessidade de impulsionar, legalmente, o Poder Judiciário. Basta examinar os códigos. Pois bem, excelência é um pronome de tratamento que se emprega a autoridades. Autoridades são agentes públicos que são mantidos e pagos, regiamente, pelo público contribuinte para que prestem serviço público decente. Pois ora vejam só! Há uma nítida e clara confusão entre ser autoridade, sentir-se autoridade e vestir uma capa de autoritarismo, de modo a querer, como faziam as mães com seus filhos, em educação de tempos passados, ou como a professora primária que “amansava diabinhos”, estabelecer as palavras que devem ser ditas e como devem ser ditas, numa espécie de cena vivida por muitos de nós: engole o choro senão apanha mais! Claro que toda autoridade merece respeito, o que é diferente de temor. Temor é o que estão inspirando vários ministros do atual governo, quando são sensíveis seletivamente, e promíscuos quando bem entendem. Temor é o que espalha uma corte quando ignora o devido processo legal em sua dimensão mais elementar. Temor é o que se sente quando a insegurança pública e jurídica predomina num país refém do crime organizado. De tanto ver exemplos assim talvez o efeito dominó se multiplique a níveis como das cenas distópicas (sendo educado) a que assisti. Só para lembrar o que sempre é necessário ser dito: O Poder é o Judiciário. Um poder que integra o Estado de Direito. Não é poder de juízes, nem de advogados, nem de promotores, nem de delegados de polícia e, muito menos ainda, de ministros.


Autoridade não tem vontade. Autoridade só tem cometimentos. Se deseja opinar fora do seu munus que tire sua toga, vista sua bermuda e vá às ruas falar. Mas se de excelência deseja continuar sendo chamada a autoridade deve dar exemplos, para que seus conselhos e advertências não virem apenas arroubos autoritários. A excelência da república é o contribuinte. Diria mesmo que o excelente na república é ele, sujeito a financiar um cenário de aberrações políticas e jurídicas que molduram um estado institucionalmente derrotado pelo crime organizado, que já transita por corredores que não os do cárcere. Suas excelências devem ser respeitadas nas sociedades civilizadas, porque são constituídas com a presunção de legitimidade. Isto, contudo, não as transforma, sobretudo no meio judicial, em justiceiros, indivíduos que deslustram o lado bom das instituições do estado.










MARANHENSES DO SÉCULO 19 SÃO DESTAQUE EM CONFERÊNCIA NO RIO DE JANEIRO EDMILSON SANCHES Dezenas de maranhenses de excepcional talento contribuíram de modo positivo e permanente no século 19 para a formação da identidade brasileira. Esse foi o tema e é o resumo da conferência “O ‘brain drain’ do Maranhão e a formação da brasilidade”, feita pelo jornalista, administrador, consultor e escritor maranhense Edmilson Sanches, que está no Sudeste do País, onde participa de eventos e tem recebido homenagens pelas atividades profissionais e culturais que desenvolve .O “brain drain”, em uma de suas definições, é a transferência de recursos na forma de capital humano -- seres humanos que saem de um lugar e se estabelecem em outro, onde desenvolvem ou exercitam e investem seu conhecimento, qualificação e experiência. A conferência foi realizada no Rio de Janeiro (RJ), na quarta-feira, 29/11/2023, e transmitida ao vivo pela Internet, pelo canal do Instituto Internacional Cultura em Movimento (IICEM), entidade que organizou o evento. A conferência pública é um dos pré-requisitos do IICEM para a outorga do título de Doutor Honoris Causa, além da prova de títulos, produção acadêmica e técnica e cultural e prestação de serviços sociocomunitários, análise de banca examinadora e investigação sobre o candidato. Além da audiência via Internet, participaram ao vivo da conferência os professores doutores Angeli Rose Nascimento, presidente do IICEM, que já esteve no Maranhão como professora convidada da Universidade Estadual (UEMA), e Jorge Eduardo Magalhães, coordenador editorial do Instituto. A exposição de Edmilson Sanches, aplaudida e muito elogiada ao final, fez um “passeio” histórico a partir de 1808, com a chegada de Dom João ao Brasil e, com ele, o aumento ou intensificação da forma de se fazer Literatura e de se escrever em Língua Portuguesa ao modo português, com a reiteração de assuntos da mitologia grega e romana e outros assuntos, nenhum deles vinculados ao Brasil... até o nascimento de Antônio Gonçalves Dias, maranhense de Caxias, que, em 1846, com seu primeiro livro, não sem razão intitulado “Primeiros Cantos”, praticamente implantou ou fundou no País o “jeito” brasileiro de se escrever em português, com temas que se referiam à terra e sociedade brasileiras. A partir de Gonçalves Dias, Edmilson Sanches discorreu sobre diversos outros maranhenses, que naqueles anos Oitocentos saíram da terra natal, o Maranhão, e, como se fosse uma fuga de cérebros (“brain drain”), mudaram-se para outros Estados e regiões do Brasil, sobretudo Rio de Janeiro e São Paulo, onde tornaram-se verdadeiros “gigantes da cidadania”, na expressão de Sanches, para quem “o ‘brain drain’ do Maranhão transformou-se em ‘brain gain’, ganho de inteligência, para o Brasil”. A exportação de talentos é parte do processo de migração, que, hoje, totaliza mais de 4 milhões e 600 mil brasileiros vivendo fora do Brasil e mais de 184 milhões de pessoas nascidas nos diversos países do mundo e que não se encontram mais na terra em que nasceram. Entre os nomes elencados por Edmilson Sanches, ressaltam o do filósofo e matemático caxiense Raimundo Teixeira Mendes, classificado pelo conferencista como um verdadeiro “iceberg” na prestação de serviços que contribuíram para a formação, fixação e ampliação da brasilidade ou nacionalidade ou identidade brasileira. Teixeira Mendes é mais conhecido -- “quando é”, condiciona Sanches – por ser o autor da atual Bandeira do Brasil, que é a parte mais exposta, diz Sanches, pois o filósofo e matemático também foi o redator do dispositivo constitucional que, pela primeira vez no País, separou a Igreja do Estado e declarou a liberdade de crença e culto para os brasileiros (antes, a religião católica era obrigatória constitucionalmente). Teixeira Mendes também foi quem redigiu o texto de leis pioneiras, como as que, pela primeira vez no Brasil, protegeram a mulher trabalhadora, o menor trabalhador, o doente mental e os indígenas (a Fundação Nacional do Índio, antes Serviço de Proteção ao Índio, teria sido criado sob sua inspiração). Teixeira Mendes escreveu sobre tudo isso, tendo deixado mais de quinhentos livros e outras publicações sobre esses e outros assuntos. Outro nome destacado por Edmilson Sanches foi o caxiense Henrique Maximiano Coelho Netto, o notável escritor, indicado ao Prêmio Nobel, autor mais lido de sua época, responsável pela dignificação da capoeira no Brasil e, entre tantos méritos de repercussão nacional, introdutor do cinema seriado no País, gênero cinematográfico de onde se originaram as novelas e as séries de TV. Coelho Netto era também cineasta, tendo roteirizado e dirigido filme. Outro nome lembrado por Sanches foi o do odontólogo Aderson Ferro, que era empresário em sua cidade, Caxias, e tinha o sonho de ser dentista. Terminou por ir para a França, onde se formou em Arte Dentária e


tornou-se o primeiro brasileiro a escrever um livro de Odontologia, publicado na última década do século 19, além de ser um dos introdutores da anestesia odontológica no País. Além disso, com a verve natural dos caxienses, após retornar para o Brasil, tornou-se escritor e jornalista e um dos mais combativos abolicionistas, tendo criado jornais e diversas bibliotecas (chamadas “gabinetes de leitura”) no estado do Ceará, onde seu corpo está enterrado, na cidade de Baturité. Em livro biográfico feito em Fortaleza, Aderson Ferro é considerado “Glória da Odontologia Nacional”. O ator, desenhista, artista plástico e professor Armando Maranhão foi outro maranhense de destaque. Considerado a “Pedra Angular do Teatro Paranaense”, esse caxiense esteve na Europa, onde estudou com “os maiores entre os maiores nomes do cinema mundial”, na definição de Sanches, como os cineastas Federico Fellini, Luchino Visconti, Michelangelo Antonioni e Laurence Olivier. Após voltar para o Brasil, intensificou seu trabalho em prol do Teatro na capital, Curitiba, e no interior do estado do Paraná. Edmilson Sanches trouxe ainda diversos grandes nomes de talento maranhenses, que desenvolveram trabalhos pioneiros e de excelência fora do Maranhão “e agregaram mais brasilidade ao Brasil”. Nomes como Ubirajara Fidalgo, considerado o primeiro dramaturgo negro do Brasil, que mereceu do Governo Federal o “Ano Ubirajara Fidalgo da Cultura”, pelo pioneirismo e pela luta em favor da profissionalização do negro no teatro profissional. Foi lembrado também João Christino Cruz, o caxiense que, depois de estudar agronomia na Alemanha, França e Inglaterra, entre outros países, desenvolveu projeto pioneiro no Maranhão e, também, como deputado federal e presidente da Câmara, foi o responsável pela condução do projeto que criou o Ministério da Agricultura. Christino Cruz é o presidente de honra da Sociedade Nacional de Agricultura. Sanches falou também sobre o professor Tarquínio Silva, maranhense de Viana, que prestou grande serviço à Educação do próspero município paulista de Santos, onde é qualificado como “Mestre dos Mestres”. Outros nomes foram Nina Rodrigues, criador da Antropologia Cultural e um dos patronos da Medicina Legal no Brasil; e Nunes Pereira, um intelectual sábio, médico veterinário e antropólogo, biólogo e etnólogo, cujo nome é dado a uma das alas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que, além da Língua Portuguesa, dominava o tupi-guarani, nheengatu, alemão, francês, inglês e italiano. O escritor Carlos Drummond de Andrade escreveu sobre Nunes Pereira, que era homem despojado e morreu pobre: ”Homem de ciência agudamente provido de sensibilidade e visão humanística, eis o que é o caboclo maranhense Nunes Pereira”. Edmilson Sanches, ao final, disse que maranhenses cruzaram o Brasil de Norte a Sul, emprestando seus talentos e força de trabalho em prol das terras que os acolheram. No Norte, Sanches reforçou com os exemplos de Eduardo Ribeiro, são-luisense que viveu 38 anos e foi jornalista, militar e governador do Amazonas duas vezes, tendo sido modelo de administração, a ponto de a capital do estado, Manaus, ficar conhecida como a “Paris dos Trópicos”. Em Rondônia, Sanches lembrou o exemplo do caxiense Vespasiano Ramos, escritor de grande talento que foi o precursor da Literatura naquele estado e ex-território, onde seu corpo foi sepultado. No Pará, Sanches lembrou que a progressista cidade de Marabá foi fundada por um caxiense, Carlos Gomes Leitão, e o nome do município deve-se ao empresário Francisco Coelho, natural de Barra do Corda (MA), que tinha gosto pela poesia de Gonçalves Dias, que deu o título de “Marabá” a um de seus poemas, título que se tornou nome do estabelecimento comercial de Coelho, nas proximidades dos rios Itacaiúnas e Tocantins, hoje centro histórico de Marabá. Segundo Edmilson Sanches, “além de gerar filhos para o Brasil, Caxias tem filhos que estão no nascimento de grandes cidades do País”. No Sul e Sudeste do País, Sanches lembra a participação de Medeiros e Albuquerque, caxiense, que, a partir do Rio de Janeiro, foi o responsável pela realização da primeira contagem da população do Brasil (Censo Demográfico). Também, Berredo de Menezes, advogado, professor, escritor com volumosa obra poética traduzida m vários idiomas e considerado exemplo de administrador como prefeito de Vitória, no Espírito Santo. E mais: o médico José Eduardo de Souza, maranhense de Pedreiras, doutor em Cardiologia, pioneiro da chamada Cardiologia Intervencionista e realizador das primeiras cineangiocoronariografias (exame radiológico dos vasos que irrigam o coração) no Brasil, criador da técnica de revestir, com um produto farmacêutico chamado rapamicina, um nanotubo (o “stent”) a ser implantado na artéria, impedindo que este novamente se estreite, o que tem salvado milhares e milhares de pessoas em todo o mundo e propiciou ao maranhense reconhecimento e homenagens no mundo todo. E ainda, João Mendes de Almeida, escritor, jornalista, advogado, deputado, ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, que fundou diversos jornais e foi redator da Lei do Ventre Livre, que garantiu que crianças nascidas de pessoas escravizadas não mais fossem, elas mesmas, escravas. “Só estes exemplos de dignificação legal dos seres humanos que vão nascer e o cuidados para que, adultos, continuem a viver, já justificaria a existência de uma ou mais pessoas”,


diz Sanches, que já tem relacionados e documentados cerca e quinhentos nomes fatos maranhenses de destaque nacional e, até, mundial, “os quais -- sonha Sanches – integrarão um livro que praticamente já está escrito em minha mente -- a ‘Enciclopédia Maranhense’, de pelo menos mil páginas, em dois volumes, projeto já apresentado há anos a diversos agentes públicos e instituições privadas, de todos tendo merecido, o projeto, uma silenciosa negativa ou um sonoro silêncio -- que é a forma mais covarde de dizer ‘não’”. Edmilson Sanches listou ainda: “A primeira música sertaneja gravada no Brasil é de um maranhense. A ideia de banco privado nasceu no Maranhão. Um maranhense foi o primeiro presidente do Banco do Brasil. O primeiro ministro de Ciência e Tecnologia foi maranhense. A primeira romancista brasileira é uma maranhense, Maria Firmina. A primeira tradução de obras de Shakespeare para a Língua Portuguesa foi um maranhense quem fez. A primeira gramática portuguesa no Brasil é de autoria de um maranhense. Um maranhense é o precursor do Parnasianismo. Outro, do indianismo. Aquele outro, do Modernismo nas Artes Plásticas. Um outro é fundador da União Nacional dos estudantes. Mais outro, o pioneiro da Tradução Criativa. Um maranhense escreveu os primeiros livros de reportagem policial; e outro, é pioneiro na literatura de ficção. Maranhenses foram os primeiros músicos brasileiro a subirem no palco do Rock in Rio. A Avenida Paulista, em São Paulo, deve muito sua existência a Horácio Sabino, filho de Ricardo Leão Sabino, o maranhense que, em Caxias, foi o professor de Gonçalves Dias e incentivou a ida do futuro poeta para Coimbra. A primeira companhia imobiliária do Brasil foi criada por um maranhense, da cidade de Grajaú, daí o nome dos bairros Grajaú, no Rio e em São Paulo, que eram de propriedade daquele maranhense pioneiro. E por aí vão as centenas de contribuições positivas de maranhenses para o nosso País...” Edmilson Sanches considera positivo para o Brasil esse quase êxodo, essa quase hégira e verdadeira diáspora, ocasionada por fatores os mais variados. Sanches convida à reflexão: “Talvez seja essa a missão do ser humano: fazer a desocultação do oculto, a explicitação do implícito, a visibilização do invisível, criando, inventando, rearrumando, estudando, pesquisando, agindo, fazendo. Em todo o mundo, seres humanos, de modo voluntário ou involuntário, por sua decisão ou forçadamente (como no caso dos refugiados), têm realizado trocas de lugares, mudanças de endereço e, até, adoção de novas nacionalidades. Buscam melhorias -- para si e para seu entorno, que é sua comunidade, seu estado, seu (novo) país. Se, com sua ausência, deixam saudade ou se, em alguns casos, provocam alívio, não importa; importa o que os motiva e o que, de modo positivo, engrandecedor, eles fazem para atender às pulsões e compulsões de seu sadio frenesi e paixões internos, de sua capacidade de pensar, projetar e realizar, de todo modo colaborando para um mundo melhor, como no caso do ‘brain drain’ maranhense do século 19, quando homens e mulheres superaram as précondições obstaculizadoras de, em geral, uma origem humilde, e cresceram e (se) superaram, trazendo mais conhecimento, mais inovação, mais ações e sendo bons exemplos, com uma larga prestação de serviços que, no mínimo, fizeram e fazem do Brasil um país com identidade, com brasilidade -- no mínimo, para os pessimistas, um país menos ruim, ou, para outrem, um país melhor, que merece que seu povo, o povo brasileiro, atinja estágios gradualmente mais avançados de qualidade de vida e, por que não?, de felicidade humana”. Para contatos com Edmilson Sanches – Site: www.edmilson-sanches.webnode.page . E-mail: edmilsonsanches@uol.com.br





ENTREVISTA | Salgado Maranhão

ENTREVISTA | Salgado Maranhão | Biblioteca Pública do Paraná (bpp.pr.gov.br) NA BORDA DA LÍNGUA por Luiz Felipe Cunha

O poeta maranhense Salgado Maranhão chega aos 70 anos com lançamento de antologia que reúne os poemas mais marcantes de sua carreira literária

Foto: Maurício Pokemon Aos 70 anos, Salgado Maranhão acaba de lançar a antologia A Voz que Vem dos Poros (Editora Malê), uma compilação de poemas marcantes dos seus 45 anos de carreira literária. Tido como uma das vozes mais originais da poesia brasileira, a obra de Salgado gravita em um universo poético próprio, onde a língua ganha autonomia e as palavras são estendidas ao máximo para dar conta de um emaranhado de temas, como a natureza, a negritude, o sexo, a história do Brasil, a passagem implácavel do tempo, entre outros. Salgado vai no âmago das palavras para criar imagens únicas, envoltas em ritmo e musicalidade. Tudo isso com uma linguagem singular e pontual. “Minha poética gravita na borda da língua, nesse equilíbrio delicado em que um passo para trás é o lugar comum e um passo para frente é o ininteligível”, disse, certa vez, em entrevista. Nascido no Quilombo Cana Brava das Moças, município de Caxias, no estado do Maranhão, iniciou sua carreira na década de 1970 com Ebulição da Escrivatura, uma antologia de novos poetas que, na época, fazia frente aos 26 poetas elencados por Heloísa Teixeira. Nesse período, conheceu Torquato Neto, mudou-se para o Rio de Janeiro e se envolveu com a literatura marginal da chamada “geração mimeógrafo”, do qual fizeram parte Ana Cristina Cesar, Chacal, Paulo Leminski e o próprio Torquato. Publicou mais de dezesseis obras individuais, das quais se destacam: Os Punhos da Serpente (1989), Palávora (1985), tido pela crítica especializada como um dos melhores livros do poeta, Mural de Ventos (1998), com o qual ganhou o seu primeiro prêmio Jabuti e Sol Sanguíneo (2002), publicado nos Estados Unidos como Blood of the Sun, pela Milkweed Editions; em 2016 ganhou o seu segundo Jabuti pelo seu Ópera de Nãos. Além da consagração enquanto poeta, Salgado tem uma carreira de sucesso como compositor, tendo trabalhado com artistas do jazz e da MPB, como Alcione, Ivan Lins e Paulinho da Viola. Em 2017, a Universidade Federal do Piauí (UFPI) lhe concedeu o título de Doutor Honoris Causa pela importância da sua obra para a literatura brasileira e pelos feitos de promoção da boa cultura no estado do Piauí. Em 2020, foi convidado pelo New York Times a publicar um poema sobre “como as pessoas da região [da Amazônia] estão vivenciando as versões mais extremas dos problemas do nosso planeta”. Por essas e outras, o nome de Salgado Maranhão tem se tornado cada vez mais cotado para uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Que balanço você faz da sua carreira literária nesses 45 anos de carreira, desde o lançamento de Ebulição da Escrivatura (1978) e agora com A Voz que Vem dos Poros?


Esses 45 anos de trajetória literária passaram como um relâmpago. Estive o tempo todo ocupado com alguma busca criativa e continuo com a sensação de que há muito por fazer. Mas isso não me angustia, ao contrário, me encoraja a voar onde não for possível caminhar. Como foi o processo de voltar a esses poemas antigos e organizá-los em uma ordem lógica? Foi muito interessante rever poemas que eu não lia há muito tempo. Porque ao invés de ficar fuçando o passado, tenho fome de avançar no desconhecido. Porém, me alegrou perceber que o que faço hoje tem conexão com o que eu já fazia no início de minha carreira. Sempre tive uma obstinação pelo rigor formal, sem perder de vista a questão humanística. Essa preocupação com a forma me livrou da instrumentalização da minha poesia para servir a bandeiras ideológicas. Antes de qualquer coisa, eu trato de qualquer drama humano com o olhar da poesia. É a ética submetida aos rigores da estética.

Livro A Voz Que Vem dos Poros, lançado pela editora Malê, em 2023 E como foi o seu começo na poesia? Você se lembra de quando o “bicho” da poesia te mordeu, lembra dos primeiros ímpetos para a poesia? A poesia sempre esteve presente em minha vida, desde a mais tenra infância. Não a poesia do cânone, mas a poesia popular dos repentistas nordestinos, que tinha enorme qualidade imagética. Não eram apenas rimadores, havia vasta especulação imaginativa naqueles improvisadores. Mais tarde, quando saí da região rural do Maranhão para morar em Teresina (PI), tive acesso à poesia canônica dos grandes autores clássicos e modernos, e Fernando Pessoa me arrastou para a escrita, de onde jamais me livrei.


Além de poeta, você também é um notável compositor, com parcerias musicais com nomes de peso, como Alcione, Paulinho da Viola, entre muitos outros. A música e a poesia vêm do mesmo lugar ou são coisas distintas? A poesia das canções tem muita semelhança com a do livro, por vezes até se confundem, mas não operam do mesmo modo. Murilo Mendes diz que "A poesia — como o vento — sopra onde quer". Porém, a letra de música tem o amparo da melodia para facilitar as coisas. Muitas vezes, um poema frágil funciona muito bem numa canção; o mesmo não ocorre na página em branco, onde o poema está nu com a mão no bolso. Além disso, a música é matemática, e as palavras, não; é o poeta que precisa operar o encaixe para que tudo vire uma dança de sons e sentidos em perfeita sinergia. Certa vez, em uma entrevista, você afirmou que “Poeta é quem tem no DNA a doença incurável do mistério”. O que quis dizer com isso? O olhar de alguém que tem o dom da poesia já vem de fábrica, assemelha-se com o olhar do humorista, que percebe detalhes insólitos onde a maioria de nós não vê nada anormal. É um talento específico como, por exemplo, o de um atleta de alta performance. Todos podem praticar a poesia, mas, os Drummonds são poucos, os Fernandos Pessoa. Todos podem jogar futebol, mas quantos são os Pelés? Os Maradonas? Não se trata de privilégios, porque há que pagar em duras vivências e dedicação de uma vida inteira para que a obra corresponda ao que está na alma do poeta. E o senhor já vivenciou ativamente a década de 1970, da poesia marginal, depois as décadas de 1980 e 1990, e as décadas seguintes; viu mudanças no mercado editorial e mudanças significativas da sociedade. Como você observa a cena literária hoje? Atravessei essas últimas quatro décadas inteiramente dedicado à poesia e à convivência com os meus pares. Embora tenha um temperamento combativo em defesa das causas que acho justas, não o faço de modo deselegante, nem ofendendo pessoas. Assim, pude perceber sem parcialidade as mudanças que ocorreram no mundo da poesia, para melhor ou para pior. Para melhor foi a enorme diversidade de talentos que ocorre hoje em dia, propiciado pelo acesso à leitura, principalmente, das autoras e autores negros, que trazem uma nova cor ao caleidoscópio das nossas letras. O lado ruim é confundir queixa pessoal com poesia. Mas o próprio tempo se encarrega de fazer a devida filtragem, separando o ouro do cascalho. Sobre essa "convivência" com seus pares, fale um pouco sobre as suas amizades no meio literário, você costuma ter trocas com os colegas ou o fazer literário é solitário? Minha vida de relações com meus pares sempre foi muito cordial — não costumo me envolver em conflitos banais com ninguém. Deste modo, tenho muitas amizades duradouras no meio literário, entre essas, estão as do Leonardo Fróes e Edmilson Almeida Pereira, que considero grandes poetas e pessoas adoráveis. Poderia ainda elencar aqui tantos outros nomes de poetas de várias gerações e lugares, numa lista que não teria mais fim. Embora esteja completando 70 anos, o senhor continua produzindo literatura. O que está ocupando a sua cabeça no momento em termos de poesia? Que tipo de técnica está te chamando a atenção e para qual caminho acredita que está indo a sua poesia? Sim, eu, na real, não tenho ideia da minha idade. Tenho praticado as artes marciais chinesas durante muito tempo, e a saúde tem sido generosa com meu corpo. Quanto à questão criativa, até aqui, não sofreu qualquer revés; por vezes, sinto-me feito um cavalo fogoso querendo estrada. Agora, com esse novo livro super bem produzido pela Editora Malê, tenho todos os motivos de galopar com as palavras. Você se considera parte da Geração Marginal? Sim, me considero, em parte, da Geração Marginal (aliás, um crítico de Brasília me definiu como o filho caçula dessa Geração), porque entrei na vida literária nesse período e também porque interagi com seus principais representantes, como o Cacaso, Chacal, Geraldo Carneiro, Bernardo Vilhena, Nicolas Behr, Ana Cristina César, etc. Porém, do ponto de vista da poética, propriamente dita, já havia em mim os traços de um caminho próprio. De qualquer modo, este movimento teve um papel fundamental em realizar a ponte entre a rigidez formal daquela hora com a liberdade literária dos dias de hoje. Como conheceu Torquato Neto e como ele incentivou a sua mudança para o Rio de Janeiro? Aliás, considera a sua mudança para o Rio como um momento definidor da sua carreira?


Eu conheci Torquato Neto em Teresina, sua terra natal. Nessa época, eu morava na cidade e ele tinha ido visitar seus pais. Isso foi em junho de 1972. Acompanhei um jornalista amigo que foi fazer uma reportagem para um jornal local e ele nos recebeu com a melhor cortesia. A partir daquele encontro ficamos próximos e ainda o reencontrei umas duas ou três vezes, quando recebi sugestões preciosas que mudaram minhas escolhas literárias e, em geral, nas artes. Nem meu nome escapou da mudança. Ele me influenciou até mesmo na minha vinda para o Rio de Janeiro (eu ia para Brasília), sugerindo que em Brasília não havia nada além de políticos. E assim o fiz e não me arrependi; o Rio de Janeiro representa, na minha história de vida, meus frutos, enquanto o Maranhão e o Piauí, minhas raízes e meu caule, sucessivamente. Você ainda é terapeuta de Shiatsu e praticante do Zen? Aproveito para perguntar se a cultura oriental tem algum papel na sua poesia? Não continuo a praticar, profissionalmente, as terapias orientais. A poesia tomou minha vida por completo. Claro, se algum amigo tem problema, dou uma ajuda. No entanto, não tenho mais tempo para oferecer consultas regulares. Viajo bastante pelo Brasil e exterior, por conta das palestras em torno de minha obra. Quanto às influências das filosofias Zen e Taoista em minha poesia, são flagrantes. Estas formas de ver o mundo e as relações humanas mudaram em mim não só meu comportamento, mas também a percepção estética. Naturalmente, o que escrevo tem alinhamento com muitas fontes, sobretudo, a influência africana e moura, via tradição provençal nordestina. Mas o Oriente me deu a disciplina formal de um samurai.




EXPECTATIVAS MINGUANTES Ceres Costa Fernandes Alguns chamam de sonhos, outros de planos ou desejos, eu acho mais adequado dizer expectativas. Expectativas, até os mais céticos e os chamados pés-no-chão não deixam de ter. Tempos atrás, desejávamos que nossos filhos crescessem educados, saudáveis, bons cidadãos, ingressassem nas careiras de profissionais liberais, industriais ou comerciantes, as mais cotadas, namorassem, noivassem e casassem com moças ou rapazes igualmente educados e de futuro assegurado, saudáveis e bonitos para que os netos acompanhassem o padrão. E mais, cada filho deveria a sua própria casa e ser feliz para sempre com o companheiro, sem nunca se esquecer dos velhos pais, trazendo os netos para o nosso orgulho e gáudio. E elas, as expectativas, foram minguando, minguando... Apenas estudar, em si, passou a ser suficiente. O curso? Ora o curso quem faz é o estudante. Aceitamos até os mais esdrúxulos, aqueles que nem os cursantes sabem bem o que vão fazer com eles.. E, tem mais, se não cursarem coisa alguma e nem tiverem emprego, que continuem morando com os pais, que as estatísticas já revelam como o comportamento usual da maioria. Os netos? Ora, se não vierem, tem tanto pet por aí precisando de adoção... As expectativas atuais resumem-se em desejar que os filhos não se tornem drogados nem marginais. Se quiserem estudar alguma coisa será lucro, mas não vamos aperrear os coitados, podem se estressar e piorar as coisas. E, convenhamos, arranjar emprego está tão difícil, com essa crise... E ficamos nos herdeiros? Bom seria. O que esperamos hoje do Brasil, dos nossos governantes, dos nossos políticos? O mínimo: que não sejam ladrões, estelionatários ou, se o forem, que roubem pouco e realizem muito. Aceitamos que nossos parlamentares sejam condenados a 19 anos de prisão e que, aos dois anos de regime fechado cumpridos, já saiam libertos, de tornozeleira, o que, de resto, não envergonha mais ninguém. Em algumas classes, já configura status. Dos nossos prefeitos, não esperamos grandes obras, nem obras mínimas de infraestrutura, mas que asfaltem as ruas, fechem os buracos, recolham o lixo de vez em quando, pintem as faixas de segurança, consertem os sinais e conservem os ônibus trafegando. Ah, também um tanto de esparadrapo e mercurocromo nos hospitais. Não mais estranhamos os engarrafamentos e atropelamentos diários de motociclistas. Transporte de massas moderno? Bonitos, o das outras capitais, né? A população também acostumou a dormir nas filas de marcação de consultas, acha até normal. Já tem até emprego de guardador de lugar nas filas e o dos que vendem lugares bem na frente, emprego de aluguel de cadeira e venda de água e lanche. Nos tempos de hoje, não vale a pena desempregar mais pessoas. Do governo, consideramos suficiente que seus dirigentes e comandados paguem os ordenados em dia e não deixem faltar água e luz, embora a gente não se importe de comprar água de vez em quando, os carros-pipa fazem parte da nossa paisagem, não é? Segurança, isso a gente nem pensa que seja possível. Com tudo o brasileiro acostuma. Não tem gente que mora em encosta de vulcão; perto da praia, onde, de vez em quando, sobe um tsunami; em lugar, onde a terra treme quase todo dia; em outros, que sofrem bombardeios diários até em colégios e hospitais? Vai morar na Ucrânia e em Gaza. Está se queixando de quê? De uns bandidinhos que entram em sua casa, lhes dão umas coronhadas e roubam tudo o que cabe no seu carro e em mais outro? Sorte sua se não matarem ninguém.


Aprendemos táticas de guerrilha, andar vigilante, não resistir, não deixar carro em lugar deserto, não sair com relógios, brincos, pulseiras, celulares, bem vestidos, tênis de grife, não tirar dinheiro em bancos – se tirar, fique algumas horas dentro do estabelecimento, para o motociclista da saidinha, que está lhe esperando, ficar de saco cheio e ir embora –, não voltar tarde para casa; não sair de casa naqueles horários em que os bandidos sabem que as pessoas vão ao trabalho ou deixar filhos e netos na escola. De preferência não sair de casa. Andar com cópias dos documentos e não ser aceito nos lugares em que é necessário apresentar os documentos originais. A lista é longa, não terminará. Enfim, quem não tem expectativas, não se decepciona. Tá tudo bom. Amém.


"A VIOLETA DO CAMPO II"

JOIZACAWPY MUNIZ COSTA

Joiza Costa *Joizacawpy Costa Que Laura Rosa é exímia poeta não há dúvidas, mas ao adentrar sua obra Promessas revitalizada pelo professor José Neres, vem a tona todo potencial narrativo desta escritora que com habilidade de ouro em sua pena prende qualquer leitor que se disponha a ler seus contos, muito bem costurados, numa literatura que não deixa a desejar em nada em suas composições prosaicas instigantes interessantes e às vezes surpreendentes. Ela usa história dentro de história como recurso fantástico, isso é ter apuro literário. Nos contos de Laura Rosa encontramos uma costura muito bem feita, um apuro literário cujas composições não deixam dúvidas de sua proeza com a escrita, sendo capaz de dar ares curiosos a seus escritos, e finais bem diferentes do esperado, só quem consegue esse apuro literário são os grandes nomes da literatura. A prosa não é fácil, na verdade nenhum fazer literário é fácil, mas narrar a ponto de agradar o leitor a ponto desse sentir-se preso a história não é para muitos, e ela conseguiu de forma brilhante.

Laura Rosa. É possível sentir os cheiros narrados em sua história, é possível visualizar seus personagens com riqueza de detalhes porque assim ela os descreve.


Quanta profundidade em "Fragmentos", além de profundidade há uma sensibilidade misturada a uma criatividade que é convite ao leitor permanecer preso em suas linhas. Os elementos do sonho do garoto em que se vê o mesmo em uma atmosfera transcedendental, ora escura, ora agradável e com muita luz são recursos ricos em detalhe literário, e o significado que o velho lhes atribui enriquece ainda mais a prosa. Laura Rosa mergulha no infinito do universo literário narrativo colocando em seus escritos elementos que enriquece suas obras, elementos estes que se compõem de descrições minuciosas e de recursos da escrita que enriquecem qualquer narrativa, exemplo, usa sinais de pontuação referente a cada fala dos personagens no sentido de fazer o leitor desenvolver uma leitura quase visual. O mesmo esmero descritivo que a autora usa com as personagens ela usa também com o cenário e transpõe a descrição para uma embriaguez imaginária a ponto de o leitor sentir movimentos e perfumes. As temáticas abordadas ao contrário do que alguns possam pensar não são rasas nem tampouco banais. Ela trata de assuntos que envolvem os seres humanos como a pobreza, a orfandade, a dor da fome... Espero que a obra por enquanto somente em formato de e-book, feita pelo professor José Neres, possa ganhar forma física, com direito a lançamento póstumo. Joizacawpy Muniz Costa


Professor da UFMA, José Cláudio, publica cinco livros sobre Direito, pela Edufma publicado: 05/12/2023 13h53, última modificação: 05/12/2023 13h57

Recentemente, o professor do Curso de Direito, José Cláudio Pavão Santana, publicou cinco livros que exploram os mais diversos assuntos referentes ao seu ramo de especialização, como estudos sobre a Constituição e suas aplicações, os Estados Modernos e as propriedades. Tendo ingressado na Universidade Federal do Maranhão (UFMA) há 47 anos, Santana também foi Procurador do Estado por 35 anos, o que representa a sua longa tradição investigando e destinando esforços ao ramo do Direito, que muito o interessa. Os títulos são produtos de pesquisas de revisão bibliográfica que, em alguns casos, representam propostas inovadoras, por serem capazes de inaugurar temas sob novas perspectivas. Nesse sentido, as publicações ocorreram pela Editora da Universidade do Maranhão (Edufma), decisão essa que, segundo o autor, contém um propósito especial. “Considero importante que essas obras sejam publicados pela UFMA. Primeiro, pelo amor que tenho pela instituição. Segundo, porque é uma forma de devolver aos contribuintes e à Universidade tudo o que foi investido em mim. Por isso, os livros são gratuitos”, explicou o docente.


Os títulos estão disponíveis no site da Edufma gratuitamente. Os livros lançados Surgimento do Estado constitucional de direito Produto do Doutorado do autor, estuda a formação do constitucionalismo, representando um pilar para sua tese que explora o estudo do Direito Constitucional no Brasil e no mundo. Até o momento, era comum atrelar o Estado Constitucional aos Estados Unidos. No livro, demonstra-se o pioneirismo das Leis Fundamentais escritas por franceses, no ano de 1612, no Maranhão. Fontes do direito: uma visão positivista Trata de uma abordagem que inaugura o estudo da obra de Hans Kelsen. A partir dele, a UFMA passou a usar mais suas obras, para que o positivismo jurídico possa ser visto em uma dimensão mais científica e menos ideológica. Foi um dos trabalhos redigidos para cumprimento de atividade da disciplina Teoria Geral do Direito, ministrada pelo professor catedrático, Lourival Vilanova. Constituição: origem, conceito e validade Busca dar uma compreensão sobre a possibilidade de estabelecer a ideia de Constituição Natural, o que antecede diversos estudos. Um novo olhar sobre o documento mais importante para os estados democráticos, fruto de atividade para conclusão da disciplina de Teoria Geral da Constituição. O surgimento do estado moderno Consiste em uma busca de resgate histórico do Estado e de suas formas de organização. Pretende estabelecer um debate sobre Governo e democracia. Redigido para a disciplina de História do Direito, ministrada pelo professor catedrático Nélson Saldanha. Propriedade edilícia especial Trabalho apresentado sob a forma de dissertação, como conclusão do Curso de Mestrado em Direito da Faculdade do Direito do Recife, onde o autor estudou de 1982 a 1984. Com ele submeteu-se a exame público, em 1987, obtendo o grau de Mestre em Direito, com nota máxima e menção “distinção”. De acordo com o professor, o gosto pela escrita vem de família, graças às fortes influências de seu avô, o pintor Newton Pavão, e seu pai, que integra a Academia Maranhense de Letras (AML). “Desde a infância, minha vida é envolvida com a literatura e as artes. Sempre gostei de ler. Aprendi cedo. Costumo incentivar meus alunos a lerem ao menos um livro de literatura por ano. Eles humanizam o profissional do Direito quase sempre embrutecido pelas leis. É preciso reumanizar a humanidade”, afirmou José Cláudio. Santana deixou também deixou um último recado e incentivo aos leitores: “Conhecimento não transmitido é conhecimento perdido. É uma espécie de traição contra a evolução humana”, finalizou o autor. Leia Surgimento do Estado constitucional de direito Leia Fontes do direito: uma visão positivista Leia Constituição: origem, conceito e validade Leia O surgimento do estado moderno Leia Propriedade edilícia especial Por: Júlio César Produção: Alan Veras




A LINGUAGEM DA AUSÊNCIA – E A PRESENÇA POÉTICA DE ROGÉRIO ROCHA ANTONIO AÍLTON Entre os acontecimentos emergentes de dezembro, neste profícuo final de 2023, uma presença fundamental nos convida ao território do sensível e da evocação da ausência. Quase ao “pensar sensivelmente”, porque o lirismo de hoje, mais ainda que o de sempre, se dá o direito de resvalar entre o sentir e o pensar; o som e o sentido – quando o som é o casório sinestésico entre a música e a imaginação, enquanto o sentido acolhe o pensar, que se esgueira pelo poético e arrasta o antigo enigma do Logos – o qual, segundo Heráclito, é aquele que reside nas profundezas da nossa alma, e a amplia.


Mas esse livro, A linguagem da ausência (Zaratustra, 2023), que nos traz Rogério Rocha está, sem dúvida, do lado dessa fulguração pulsante da alma e do corpo, que é a poesia, a qual guarda o silêncio como uma de suas instâncias, mas nele não se limita a ficar. Seu grito é esse gozo que se interpõe entre o manifesto e o indizível, ou, mais propriamente, entre a presença fenomênica que se dá através da linguagem e a condição prévia do “ainda não”, do ausente, ou do “já ausente”, como fissura. Poesia, sim, o que muito nos alegra, porque senão ele, o poeta, estaria cumprindo apenas um plano lógico-conceitual, o que não é o caso. Uma discussão mais profunda sobre o livro poderá ter lugar em outras oportunidades. A intenção primeira aqui é apresentá-lo, torná-lo presente através de seus poemas e de sua escritura, já que um livro de poemas nem sempre é só um livro de poemas, mas é tudo aquilo que o compõe. E há, nessa composição, é claro, os fundamentais poemas, mas há também prosa poética, há esse objeto-livro que se constrói com texturas, hiperlinks, imagens de lusco-fusco, sapatos e escadarias, e há textos literalmente brilhantes (porque lançam luz sobre nosso olhar), de convite para a percepção do livro e seu entorno, que são os textos dos filósofos Marco Rodrigues e Ivan Pessoa, autoridades na dissecação dos fenômenos do poema, da linguagem e do sentido existencial pela palavra. Trata-se de um livro robusto, 220 páginas distribuídas em quatro seções. A primeira: Epifanias. A segunda: Enfrentamentos, a qual traz, justamente o poema que dá nome ao título do livro. Seguemse Evocações e Homenagens, cujos poemas aparecem com dedicatórias a poetas e amigos, fazendo essa ponte entre escrita, vida e afeição. A linguagem da ausência não é, portanto, da ausência do que dizer, mas de uma inscrição nos próprios interstícios que a linguagem e a palavra permitem, porque, por mais que se diga, o indizível permanece como sombra e como assombro. Os silêncios na língua do poeta encontrarão aqueles da experiência do leitor, e nisso há uma comunhão sem voz. E uma comunicação, não por telepatia, mas por conjunção ou contraposição de experiências e sentimentos.

Poetas Antonio Aílton (esq.) e Rogério Rocha (dir.) Por outro lado, também sabemos que a poesia, formalmente, sobretudo a partir do modernismo, busca dizer o muito com o (falar) pouco, ser condensare/condensação, conforme preconizou Ezra Pound no seu ABC da literatura, assim como tantas e tantas outras considerações sobre o poético e as poéticas modernas/contemporâneas. Rogério se apropria aqui, no geral do livro, dessa prerrogativa, o condensar. Ele se utiliza da potência de significação adensada, dos espaços da página em branco e sua possibilidade de se tornar lugar imaginativo, lugar de distribuição e agenciamento de silêncios. Esses são alguns dos elementos que dimensionam o conjunto, a obra, que dá lugar ao dizível e ao indizível, aos quais a poesia eleva ao máximo grau – de explosão de sentidos, e da nem sempre irremissível busca dele. Isto porque a linguagem do divino, naquela acepção heideggeriana, nem sempre se faz pelo dado da fala ou pela lógica do sentido, ela está sempre “a caminho”. E é nesse caminho que, penso, Rogério Rocha nos oferta o seu A linguagem da ausência. *** ALGUNS POEMAS DE A LINGUAGEM DA AUSÊNCIA O CORPO meu corpo


é um fantasma do avesso

BARCO vai vazio sobre o mar distante náufragos que deliram expostos ao sol e ao ócio do paraíso vinde a mim teu voo condoreiro […]

AO FILHO BEM-VINDO Gosto de andar de mãos dadas contigo pelas ruas infinitas: os dois em total desabrigo.

SIAMESES Somos os mesmos entulhos do escombro. Somo unos, ombro a ombro. Um ao outro, choros somados, ao inferno da apatia condenados. Somos pobres sementes sem sorte de uma só e insana flor. Aquela flor silente e torta de um amor à flor da morte. DYLAN THOMAS Observo-te sentado na varanda Dos teus sonhos e pesadelos No chá da tarde que não veio Percebo tua face levemente rósea E nesgas de luz resplandecendo Por sobre a tua mão direita Um olhar para dentro se forma Nas veias da verdade passeia


Mágico, a construir teu império. Abro o livro da tua vida Ao ver no espelho os pássaros Que voltam felizes ao pouso seguro Choro ao encontrá-lo vivo No berço da mãe clandestina A reler versos de despedida *** Rogério Rocha (São Luís/MA) é um pensador, poeta e produtor cultural, graduado em Filosofia e Bacharel em direito, pós-graduado em Direito Constitucional e Ética e mestre em Criminologia. É membro da Academia Poética Brasileira, da Academia de Letras Artes e Ciências do GOB-MA, e da Academia Maçônica de Letras – MA. É membro-fundador e organizador de projetos Iniciativa Eidos e do Duo Litera, que realizam eventos de Literatura e Filosofia. Autor do livro Pedra nos Olhos (2019).





OS PASSARINHOS MANQUITOLAS CERES COSTA FERNANDES Percebi que ando muito cética. Birrenta com essa humanidade cada vez pior. Hoje, vou amenizar, até por conta do que me aconteceu, uma visita graciosa e inusitada, não tão inusitada quanto graciosa. Dois passarinhos na minha sala de estar. A visita de passarinhos no meu apartamento é comum, dentro da sala, mais rara. Mas essa! Só contando... Eram dois fibites, sabem que bichinhos são esses? Parecem bem-te-vis, só que em miniatura. São tão delicados, pequeninos e muito fazedores de ninhos. Como fazem ninhos! Passam um tempão trazendo palhas, fios, folhas, o que encontram. Fico sempre na expectativa de que acabem logo e venham pôr os ovinhos. Que delícia e que emoção. Mas a realidade na sociedade animal é tão cruel quanto na sociedade humana. A questão do mais forte que sempre leva a melhor. Fico até engasgada, com raiva, quando vejo isso. Os bem-te-vis, grandes e gordos, não deixam os ninhos dos fibites ficarem prontos, eles os destroem antes! E de modo muito simples, entram no ninho recém-pronto, forçando a entrada pequenina, com seus corpos desproporcionais, até rebentar o casulo invadido. Quando percebo a ação criminosa, enxoto-os, mas já fizeram o mal. Mais tardes, os fibites vêm e recomeçam, pacientemente, em outro galho, outra planta, serviço ingrato e ingente. Tem um ninho prontinho, tomara que esse não seja invadido. Mas vamos às visitas, os passarinhos visitantes aparecem geralmente no terraço, pousam no parapeito de vidro, fazem um cocozinho básico, passam para a mesa de fora e, por vezes, passeiam sobre ela. Depois, levantam voo. Os fibites, além dessa rotina, também inspecionam o ninho e, só então, vão embora. Desta vez, foi diferente, estou sentada no sofá em frente ao terraço, conversando com as minhas duas filhas, momento tranquilo e gostoso, quando entra um fibite voando direto na sala, e, sem se preocupar com as três pessoas próximas, pousa no tapete e começa a catar grãozinhos – será que não foi bem passado o aspirador –? aproximando-se de mim cada vez mais. Suspendo a respiração para não assustar a criaturinha e noto algo estranho, falta uma patinha no pequenino! Só havia um cotoquinho no lugar do pé, ele pulava, e isso parecia não impedi-lo de locomover-se bem ligeirinho num pé só. Enquanto comentávamos o fato do fibite ser manquitola, adentra um outro do mesmo calibre e vem fazer companhia ao primeiro. Nenhum dos dois demonstra medo de três humanos próximos, estranho, sabemos como os humanos podem ser maus. E, juntos, passam a fazer a coleta de não-sei-o-quê no tapete, hei, tem tanta comida derramada assim aí?, e vêm se aproximando. E, com surpresa, descobrimos é outro manquitola! Perdeu também a patinha. Um perdeu a esquerda e o outro perdeu a direita, são namorados? irmãos ? amigos? Que dupla incomum. Nós três nos derramamos de pena e carinho pelos dois. Ficamos a pensar o que teria acontecido com as patinhas deles. Algum menino malvado as teria cortado com uma tesoura? Engataram as patinhas em um fio fatal? Defeito de nascença? Mil elucubrações, eles nem aí, contentinhos, pulando num pé só, visitando a gente. Senti uma coisa boa dentro de mim, preenchendo espaços vagos e azedos – ando meio deprimida, como disse, pessimista com a humanidade com tanta guerra e atrocidade acontecendo, coisas de terceira idade –, e eles chegaram na hora certa para me animar. Seriam anjos? Tenho um amigo entendido em anjos, adepto da Cabala, que certifica a existência de anjos vivendo entre nós disfarçados de humanos Não poderiam estar, estes anjos, disfarçados em fibites? Enjoados talvez de bicar tapete, foram embora, os serezinhos de um pé só, os talvez anjos, deixando uma onda de ternura e vontade de fazer bem ao próximo. Teria algo mais natalino que isso?


Manhã de autógrafo da terceira edição das Travessuras do Gato Syd, no encerramento das atividades letivas de2023, da unidade do SESC de Itapecuru Mirim. Projeto " Vivências Literárias



SÍTIOS HISTÓRICOS DA DOR JOÃOZINHO RIBEIRO(*) Tive a imensa honra de participar nesta terça-feira, 28/11, na condição de artista convidado, da abertura simultânea de dois eventos bastantes significativos, fruto da cooperação internacional entre a Universidade de Licungo de Moçambique e a Fundação Souzândrade (Universidade Federal do Maranhão), a saber: - 1ª Conferência Internacional sobre Contextos, Desafios e Possibilidade: Cooperação Fundação Souzândrade e Universidade Licungo de Moçambique. - 2ª Conferência Internacional sobre Educação, Tecnologia e Cultura no contexto dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável. Na breve fala que me concederam, antes de apresentar a canção inédita de minha autoria “Pequena Grande África”, fiz menção a dois acontecimentos que têm um elo de ligação bastante estreito: o tráfico e a comercialização de milhares de meus ancestrais escravizados, trazidos do continente africano, e desembarcados nestes espaços, onde estão sendo erguidos monumentos vinculados a estas memórias – o Cais de Valongo e o Monumento à Diáspora Africana. O primeiro, localizado na região reconhecida popularmente como Pequena África, que compreende os bairros da Saúde, Santo Cristo e Gamboa, na cidade do Rio de Janeiro; o segundo, na recém inaugurada Praça das Mercês, no coração do Centro Histórico de São Luís, no tradicional bairro do Desterro. Por ter passado grande parte da infância, adolescência e juventude nesta região da capital ludovicense, as águas da memória me conduzem, literalmente, para outras águas, quando ainda não havia sido construído o Aterro do Bacanga, e costumávamos tomar banho de maré, saltando de uma enorme pedra, situada nas imediações da Fábrica Oleama, uma das maiores indústrias oleaginosas da época do Maranhão. Lembro também de muitas peladas disputadas num campinho, naquela localidade que chamávamos de “Dique”, e de uma curiosidade das irregularidades geográficas deste inusitado estádio, que abrigou memoráveis partidas entre times formados por inesquecíveis nomes do nosso futebol: Djalma Campos, Assis, Pindura, Pelé, Campos (goleiro do Moto Clube) etc. Este local, de certa forma também nos protegia das investidas da polícia, que costumava caçar os dedicados peladeiros, associados à vadiagem. Além do completo desnivelamento, quem estivesse postado em uma das cidadelas (trave na linguagem popular) não conseguia enxergar a outra, pois o prédio de uma usina de arroz (Cruzeiro, se não me engano) impedia a visualização completa da outra meta. Só mesmo muita secura de bola para atuar naquelas condições e circunstâncias totalmente improváveis, com direito a torcida e ao concorrido “desafiado”. No livro “Tia Ciata e a Pequena África no Rio de janeiro”, do pesquisador e cineasta carioca Roberto Moura, há uma destacada referência ao mercado de escravos de Valongo (1774 – 1831), situado na Pedra do Sal (memória da migração dos baianos e da criação dos ranchos carnavalescos). Logradouro também lembrado pela letra do poeta e compositor Aldir Blanc, na música em parceria com o também compositor e cantor João Bosco, censurada pelo regime militar, “O Mestre-Sala dos Mares”: “Salve o navegante negro / Que tem por monumento / As pedras pisadas do cais”. Na letra original o verso continha a expressão “almirante negro”, o que era considerado um verdadeiro acinte para as forças armadas. A premiada arqueóloga carioca Tania Andrade Lima, em 2011, durante escavações na zona portuária do Rio de Janeiro, descobriu vestígios do Cais de Valongo, que haviam sido propositadamente soterrados; quem sabe para esconder a vergonhosa chaga da escravidão, e o local por onde se estima terem aportado mais de um milhão de africanos escravizados. Em 2017, o Cais de Valongo entrou para o rol dos doze sítios históricos da dor, assim reconhecidos pela Unesco, como locais de memória e testemunho de verdadeiras tragédias pelas quais passaram consideráveis contingentes de pessoas humanas. Agora, Patrimônio Mundial. Uma das artistas negras maranhenses selecionadas para construir um dos painéis do Monumento à Diáspora Africana, a ser inaugurado no próximo dia 30 de novembro na citada Praça das Mercês, a escultora Tassila Custodes, em publicação divulgada recentemente na internet pelo Instituto Cultural Vale, ressalta a importância do monumento com a seguinte ressalva: “Obviamente, sem esquecer ou até mesmo sem romantizar todo o processo criminoso a que nossos antepassados foram submetidos.”


Conforme informações contidas nesta mesma postagem do Instituto Cultural vale: a Praça das Mercês abrigará o Monumento da Diáspora Africana, que busca visibilizar a contribuição do povo negro para a cultura e a identidade do Maranhão. Informações sobre as datas, os nomes dos portos de embarque, os nomes dos navios e a quantidade de africanos de diversas nações desembarcados no Maranhão entre os anos de 1693 e 1844. Oito artistas negros do estado elaboram painéis que irão compor um monumento para resgatar o enraizamento afro cultural deixado na culinária, na fé, na dança, nos ofícios e nos modos de fazer. Cotejando estes informes históricos e arqueológicos, podemos inferir que também por aqui tivemos o nosso sítio histórico da dor, local matizado pelo desembarque de milhares de negros escravizados trazidos do continente africano. As proporções podem não ser equivalentes, porém a tragédia não pode e nem deve ser minimizada e/ou banalizada. “Valongo, portal de tanta desdita / Um sítio, memória da nossa dor / Merece uma outra versão escrita / Com a letra e a tinta / Dos versos retintos da minha cor” (*) poeta e compositor


HARMONIA SÔNIA AMARAL PRECISAMOS DE MUITO POUCO PARA VIVER EM HARMONIA CONSIGO MESMO E COM OS OUTROS. “Harmonia é ver o sol nascer Com o brilho da lua ainda lá Harmonia é a rua e é você É a luz do escuro no olhar Que desejo tão fácil de se ter Que presente difícil de ganhar Mas é sina do homem procurar harmonia" Essa última estrofe da música Harmonia, da autoria de Sá e Guarabyra, é, a meu juízo, de uma beleza inconteste e de um simbolismo único. Precisamos de muito pouco para viver em harmonia consigo mesmo e com os outros. Ver o sol nascer e apreciar o brilho da lua é algo simples de realizar; ver os outros (rua) com a necessária compreensão de que todos somos pecadores é imprescindível; conseguir enxergar luz em tudo e todos, e não apenas ver o lado obscuro das coisas e das pessoas, é indispensável. Tudo isso é fácil de se ter – é só se permitir – mesmo que nem todos ofereçam esse presente. Todos nós procuramos a harmonia, mesmo que, muitas vezes, da forma e no lugar errado. Lembrei-me dessa música porque entendo que hoje, mais do que ontem, a sociedade está muito beligerante, dividida, uma verdadeira guerra de torcidas, em desarmonia, enfim. E isso, para mim, beira a irracionalidade. Por que quem pensa diferente não está apenas errado, aos olhos dos que pensam em sentido contrário, mas passa a ser um verdadeiro pecador infame? Por que quem pensa diferente, passa a ser rotulado de genocida, nazista, fascista etc? Por que alguns pretendem prender, cancelar e/ou chicotear em praça pública todos que não comungam da mesma ideologia ou da mesma forma de pensar? Quem disse que o que penso é a verdade e quem pensa diferente está errado? Quem deu a alguns o direito de se manifestar livremente e a outros a obrigação de tão somente concordar? Quem disse que sou obrigada a concordar com aquilo que não concordo? Vemos diariamente linchamentos nas redes sociais, porque a pessoa disse isso ou aquilo. Vemos grupos que se acham no direito de fazer campanhas contra empresas pelo fato de não aderirem às suas pautas, sem se preocupar que isso pode causar prejuízos financeiros e, por certo, desemprego. Vemos jogadores de futebol ou autoridades, sendo caçadas nos espaços públicos, com agressões verbais, porque perderam um gol na cara do goleiro ou decidiram de forma contrária ao entendimento daquele que agride. Sem harmonia, perecem a civilidade, a democracia e o próprio indivíduo, que perde a paz de espírito, ao viver em uma sociedade conturbada. Nesse contexto, prescrevo – como alguém que deseja viver em uma sociedade harmônica, mas que tem convicção de não ter nunca a palavra final, estando pronta para escutar outras sugestões – a humildade. Estive recentemente em Istambul, na Turquia, e em visita à Mesquita Azul. Logo na entrada, ao constatar que no meio da porta principal havia uma corrente pendurada, perguntei à guia o porquê, ao que ela respondeu: “era uma forma de fazer com que o sultão e demais membros da nobreza, que entravam a cavalo na parte externa da mesquita, se abaixassem e lembrassem o quão pequenos eram perto de Deus”. Creio que é isso. Para viver em harmonia, acreditando ou não em Deus, temos de exercitar sempre a humildade. Afinal, como diz o dito popular, não é por menos que “temos só uma boca para falar e dois ouvidos para escutar”; e escutar o outro, antes de criticar e rotular, tentar compreender as razões daquele ter feito essa opção e não opção igual a sua é algo imprescindível, se desejamos verdadeiramente viver em harmonia.


Diomar Motta (IHGM), Dilercy Adler(IHGM, ALL) e Inaldo Lisboa (IFMA AICLA), na 139ª Reunião do Colégio de Dirigentes do IFMA (COLFDIR). Maria Firmina dos Reis (in memoriam) está entre os contemplados com a Medalha "Ronald Carvalho", que será outorgada nesta ocasião.











O ESPIRITO DE NATAL Ceres Costa Fernandes O Calendário – forma tão exata de marcar o desenrolar de nossas vidas – faz sucederem-se, repetitivos e inexoráveis: Ano Novo, Carnaval, Semana Santa, Dia da Mães, Dia dos Pais, Semana da Pátria, Finados e Natal, dentre os mais votados, a lembrar que mais um ano passou. E, tão rapidinho que, se não fosse o dito cujo, nem perceberíamos a passagem dos fatídicos 365 ou 366 dias E haja máscaras para afivelar aos nossos rostos na obrigação de estar de acordo com cada ocasião: hoje é dia de estar alegre e confraternizar, amanhã é dia de chorar os mortos ou de acender o sentimento patriótico, que anda meio apagado. Liga. Desliga. Ah, meu Deus, será que, inadvertida, coloquei a máscara trocada? A propaganda das lojas nos vem preparando para o Natal, buzinando nos nossos ouvidos a contagem regressiva: faltam “apenas” 90, 60, 30, 15... zero dias para o Natal. Além de o ano passar correndo, ainda querem adiantar os eventos. E eu que ainda nem me recuperei das despesas das festas de fim de ano passado. Sejamos francos, para a maioria, em que consiste a festa de Natal? É para festejar o nascimento de Cristo ou a chegada de Papai Noel? Façamos uma enquete entre as crianças sobre o assunto e veremos que a última opção ganha de goleada. No Ano Novo, repetem-se as falácias de confraternização e resoluções de vida nova. Recebemos abraços apertados de pessoas sorridentes que se mordem por dentro e nos morderiam se pudessem; enganamos a nós mesmos com promessas de mudanças mais vãs que aquelas feitas pelos homens quando pretendem as primícias dos favores de uma mulher. O tal espírito natalino, alguém o viu por aí? Se ele for encontrado, deve estar participando de algum "amigo invisível", trocando presentes de 1,99, a se empanturrar de peru com farofa, presunto tender, frutas secas, acompanhadas de vinho barato - pra acordar com uma tremenda azia no dia 25. E a festa familiar do Natal? Nas casas nas quais ainda se cultua o Nascimento, fazem breves orações, em outras nem isso. Mas, em ambas, o foco são os presentes e a ceia que se inicia. Lá estamos nós, cheios de uma alegria ensaiada, um ano mais gordos, a comer pavê, em meio àquela decoração anglo-saxônica, equilibrando debaixo do braço mais um presente que nunca vamos usar. E, de repente, na sobremesa sorridente, o bocado engasga. Circulamos o olhar e sentimos a ausência de uma ou mais pessoas queridas, companheiras de tantos natais ensaiados e tantos anos novos sem graça. Um magote de infantes familiares, correndo como que perseguidos por demônios, tromba conosco, pondo em perigo a estabilidade de nosso pavê. A irritação herodiana, que nos quer assomar, desfaz-se ao vermo-nos reproduzidos naquele menino de bochechas coradas e cabelo repartido, assentado à força com gel ou naquela menina encapetada, que já tirou os sapatos e as meias e cuja ponta do laço do cabelo pende desmanchada em cima do nariz. Uma onda de ternura vinda de recordações gratas desce-nos pela garganta desmanchando o nó. E pensamos: vai ver que os natais-e-anos-novos-sem-graça-passados não eram tão sem graça assim. Discretamente pigarreamos, pra disfarçar que estamos emocionados, e, de esguelha, vemos o safado do espírito de Natal passar sorrindo, já curado do pifão. Alguma coisa boa nos invade, acho que é o tal sentimento de beatitude. Com a alma bailarina, nas pontas dos pés, de sapatilhas e tudo, descobrimos que a robotização do nosso ser não está completa. Há uma brecha que resiste e se alarga, um pouquinho mais, em cada um desses eventos repetitivos, para voltar a encolher nos outros dias do ano. E, assim, bendizemos Cristo por ter nascido, reinar entre nós, e 2024 por chegar. É, deve ser por essa razão que ainda fazemos calendários.


DISCURSO PROFERIDO PELA PRESIDENTE DILERCY ARAGÃO ADLER NA SESSÃO SOLENE COMEMORATIVA DO ANIVERSÁRIO DE 98 ANOS DE FUNDAÇÃO DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO MARANHÃO - IHGM, CASA DE ANTÔNIO LOPES, em 20 de novembro de 2023

Ilma. Profa. Dra. Telma Bonifácio Reinaldo, nesta Sessão Solene Comemorativa representando o Dr. Victorino Chermont de Miranda, Presidente do IHGB, na pessoa de quem saúdo todos os sócios deste e demais Institutos Digníssimo Dr. Carlos Thadeu Pinheiro Gaspar, na pessoa de quem saúdo os homenageados desta noite. Digníssimas autoridades, Caríssimos Confrades e caríssimas Confreiras, Senhoras e senhores, [...] o Maranhão tem uma história interessantíssima e um vasto território ainda em muitos pontos mal conhecidos e tratar da sua história e da sua geographia, assim como dos problemas de sua população é prestar-lhe serviços dos mais relevantes. É portanto, merecedora de apoio com que já conta a sociedade que ontem se fundou e devemos recebêla calorosamente (Jornal Folha do Povo, 1º de dezembro de 1925).

Notícia publicada no Jornal Folha do Povo, em 1º de dezembro de 1925, acerca da fundação do então Instituto de História e Geographia, hoje, IHGM. Com essa notícia do Jornal Folha do Povo, de 1925, quero iniciar a minha fala e realçar a magnitude desta sessão solene comemorativa, que tem em si três nobres motivações: A primeira é este aniversário de 98 anos de fundação do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão - IHGM, Casa de Antônio Lopes; A segunda é a Louvação a Gonçalves Dias prestada ao longo deste ano, de 2023, em comemoração ao Bicentenário do seu nascimento, e, hoje, a fechamos, simbolicamente. Entendemos como imperiosa a consagração a esse ícone da historiografia maranhense, brasileira e de além-mar; A terceira diz respeito a este 20 de novembro, data oficializada como “Dia da Consciência Negra”, símbolo de resistência da população negra e escolhida para homenagear Zumbi dos Palmares, o líder do Quilombo de Palmares, que foi executado nesse dia, no ano de 1695. No tocante ao IHGM, nestes seus 98 anos de criação, está comprovada a sua notabilidade. Após a fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro-IHGB em 1838, o Instituto de História e Geografia do Maranhão, como era então chamado, foi o 15º a ser criado no País, dentre os quais, 09 no Nordeste, um no Norte e seis nas demais regiões. Segundo Antônio Lopes, Sócio fundador, Secretário Perpétuo e Patrono do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, Há muito se fazia sentir a necessidade de uma associação científica trazendo programas de estudo das tradições e da terra do Maranhão e destinada também a coordenar os esforços dos que se ocupassem de tais lucubrações ou pesquisas (LOPES,1973, p.108). [...] A primeira tentativa para a fundação de uma sociedade geográfica-histórica em São Luís fracassou, por motivos que não pudemos destrinçar. Em 1925, tomei a iniciativa de reunir alguns homens de boa vontade na livraria de Wilson Soares, expondo-lhes a minha ideia de se comemorar o centenário do nascimento de Dom Pedro II com a inauguração, nesta capital, de um instituto de História e Geografia. Os que prestaram apoio à ideia foram: Justo Jansen, Ribeiro do Amaral, José Domingues, Barros e Vasconcelos, Domingos Perdigão, José Pedro Ribeiro, José Abranches de Moura, Arias Cruz, Wilson Soares e José Ferreira Gomes. Mais tarde incorporou-se a esse grupo João Braulino de Carvalho. Ausentes de São Luís apoiavam calorosamente a ideia Raimundo Lopes, Fran Pacheco, Carlota Carvalho e Antônio Dias que também foram considerados sócios fundadores do Instituto


A 20 de novembro realizou-se a sessão inicial, sendo apresentados, discutidos e votados o estatuto e eleita a diretoria, cujo presidente foi Justo Jansen. José Ribeiro do Amaral foi eleito presidente da assembleia geral. A 2 de dezembro, no salão da Câmara Municipal, inaugurava-se em sessão magna, em homenagem à memória de Dom Pedro II, o Instituto de História e Geografia do Maranhão (LOPES,1973, pp.110111).

Ainda segundo Antônio Lopes, O conhecimento do homem brasileiro deve ao Maranhão notabilíssimos serviços. Deu-lhe a nossa terra quatro dos seus maiores construtores: Gonçalves Dias, Nina Rodrigues, Celso Magalhães e Raimundo Lopes. Cada qual é autor de um novo e grande Capítulo na antropologia, etnologia e arqueologia do Brasil. Cada qual se distinguiu em seus estudos e pesquisas por uma capacidade de investigação admirável indefeso entusiasmo pela ciência. Cada qual realizou trabalho de incontestável originalidade. Sobre o Maranhão registra ainda em um artigo, intitulado “Antônio Lobo”, no Livro Estudos Diversos, nas páginas 61 e 62, o que segue: O Maranhão tem a admirável e invejada fortuna de ser esse ninho de águias, esse berço de talentos pujantes, essa terra que tantos varões ilustres tem dado a Pátria maior, tudo isso que se cristalizou no pernosticismo do cognome - Atenas Brasileira – [...] Curioso é, porém, que, prezando tanto, ao menos aparentemente, aquele título mirabolante de Atenas, o Maranhão seja tão pouco propenso a galardoar os seus homens ilustres, quando vivos, ou mesmo a prestar-lhes por meio de atos culto à memória.

Embora sejam palavras de Antônio Lopes, expressas na primeira metade do século XX, as tomamos com atenção e carinho, de modo que hoje celebramos Gonçalves Dias e outorgamos 12 títulos de Sócios Honorários a autores e autoras consagrados e consagradas no Estado do Maranhão, ou em outras partes do País, ou no estrangeiro. Títulos estes aprovados, por unanimidade, em Assembleia Geral deste sodalício, no dia 14 do corrente mês. No caso de Gonçalves Dias, o IHGM, a exemplo de outras instituições congêneres, buscou comemorar este seu bicentenário de nascimento à altura do homem e legado que personifica. Lembrando também que há dez anos, por ocasião dos 190 anos de nascimento do poeta, o IHGM operacionalizou o Projeto “Mil Poemas para Gonçalves Dias” incluindo a organização e lançamento de duas Antologias: uma de Mil Poemas e outra de Estudos e Pesquisas Sobre Gonçalves Dias e, envolvendo, além de São Luís, Caxias e Guimarães, com extensa programação em cada cidade, Contou com a presença de intelectuais nacionais e estrangeiros e fomentou a criação de duas grandes instituições culturais: em São Luís, a Academia Ludovicense de Letras- ALL, e em Guimarães, o Instituto Histórico e Geográfico de Guimarães -IHGG. Mas, convém trazer a esta fala a preocupação de Antônio Lopes, já referida, no sentido de que o Maranhão seja tão pouco propenso a galardoar os seus homens ilustres, quando vivos, ou mesmo a prestarlhes por meio de atos culto às suas memórias. E no específico a Gonçalves Dias, expressa em um dos artigos do seu livro “Estudos Diversos”: A Gonçalves Dias negaram aqui, por força de preconceitos, a mão da donzela que passou à imortalidade nos seus sublimes versos, sem que talvez a sua beleza tivesse para tal sublime preço. Arquejou o poeta na pobreza - porque não dizer na miséria? - durante a mocidade, contando somente com as mãos dadivosas de alguns jovens amigos. Nunca a terra natal se lembrou de olhar para o gênio exilado. E mais tarde, se não fosse o carinho com que o abrigou e aplaudiu o Rio de Janeiro, que seria do poeta? Soçobraria talvez naquela promessa opima dos seus primeiros versos e não seria um nome nacional (CUNHA, 1973, p. 61).

E no tocante à terceira motivação para nos reunirmos nesta Sessão Solene comemorativa, como já referido, destacamos o “Dia da Consciência Negra”, oficializado no dia 20 de novembro, em homenagem a Zumbi. o líder do Quilombo dos Palmares, considerada por nós, de crucial importância, por fazer alusão a uma questão estrutural e secular que macula a história da humanidade. O Quilombo dos Palmares, símbolo luta e resistência dos escravizados, ficou conhecido como o maior quilombo da história da colonização do Brasil sendo ainda considerado o maior de toda a América Latina. Foi construído na região da Capitania de Pernambuco, que atualmente situa-se na região do estado de Alagoas),


Sobre essa questão achamos pertinente trazer à baila o magnânimo sonho de Martin Luther King, expresso com veemência, em seu discurso proferido em 28 de agosto de 1963, há 60 anos, em frente ao Memorial de Abraham Lincoln, em Washington: “Eu tenho um sonho de que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença: Manter as raízes da verdade óbvia: de que todos os homens são criados iguais.” Também Maria Firmina, em seu romance Úrsula (1959), o primeiro escrito por uma mulher no Brasil, evidencia a barbárie da escravidão em algumas passagens da história, a exemplo de: Capítulo 1- Duas almas generosas, sobre Túlio, o escravo negro: Senhor Deus! quando calará no peito do homem a tua sublime máxima - ama a teu próximo como a ti mesmo - e deixará de oprimir com tão repreensível injustiça ao seu semelhante [...] [...] As almas generosas são sempre irmãs [..] dia virá em que os homens reconheçam que são todos irmãos. Túlio, meu amigo, eu avalio a grandeza de dores sem lenitivo, que te borbulha na alma, compreendo tua amargura, e amaldiçoo em teu nome ao primeiro homem que escravizou a seu semelhante (REIS,1988, pp.27-28). (grifos meus).

Senhoras e Senhores, Esta é uma noite esplendorosa! Brindemos à vida, ao amor, à paz e à igualdade entre as pessoas!!! Obrigada!


O SENTIDO DE NATAL Aymoré Alvim. APLAC, ALL, AMM. Luz, alegrias, Festas profanas, E as fartas mesas Da noite lustral Comidas, bebidas E muitos sorrisos Alegres convivas, Festejam o Natal. Sons, muitos sons, Repiques sonoros, Chamando os devotos Pra irem rezar. Cantos angélicos, Abraços fraternos, Presentes, presépio, Celebram o Natal. Nas ruas, sozinhos E desabrigados, Velhos, meninos Esperam um lar. Enquanto não vem Aguardam as migalhas Das mesas festivas Do alegre Natal. Os homens, na guerra, Desesperançados De ter sua festa De volta ao lar. Enquanto outros homens Da corrupção Da ganância, do ódio, Comemoram o Natal. Mas qual o Natal Que os homens celebram Se tudo é contrário Ao que Ele pregou? Natal é alegria É a festa com o irmão. É vida, acolhida, Amor e perdão.


UM DOS MELHORES POETAS DO OCIDENTE NA PASSAGEM DO SÉCULO XIX AO XX ERA MARANHENSE DE BARRA DO CORDA. DIOGO GALHARDO NEVES

José Américo Augusto Olímpio Cavalcanti dos Albuquerques Maranhão Sobrinho nasceu em Barra do Corda, no dia 20 de dezembro de 1879. Seu estilo simbolista era influenciado pelos poetas franceses Mallarmé, Verlaine e Baudelaire, ombreado no Brasil apenas pelos consagrados Cruz e Souza e Alphonsus de Guimarães. Era dado à vida boêmia e viciado em álcool. Despreocupou-se pela sorte dos seus poemas, publicando seus livros em péssimas edições sem capricho ou conservação, aos cuidados de amigos e admiradores, deixando esparsa grande parte do que escreveu em jornais, revistas e folhas de cadernos de botequim. São livros seus: “Papéis Velhos… Roídos pela Traça do Símbolo” (1908), “Estatuetas” (1909) e “VitóriasRégias” (1911). Aqui, um soneto de sua autoria: Soror Teresa ... E um dia as monjas foram dar com ela morta, da cor de um sonho de noivado, no silêncio cristão da estreita cela, lábios nos lábios de um Crucificado... somente a luz de uma piedosa vela ungia, como um óleo derramado, o aposento tristíssimo de aquela que morrera num sonho, sem pecado... Todo o mosteiro encheu-se de tristeza, e ninguém soube de que dor escrava morrera a divinal soror Teresa... Não creio que, de amor, a morte venha, mas, sei que a vida da soror boiava dentro dos olhos do Senhor da Penha... Nas imagens, pequena fotografia de Maranhão Sobrinho com dedicatória sua no verso a Fran Paxeco (acervo de Diogo Guagliardo Neves). Faleceu em Manaus, em plena noite de natal, no dia 25 de dezembro de 1915, com apenas 36 anos de idade.


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