NOVEMBRO 2020
VIVADOURO
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Entrevista apenas mudanças quantitativas. Houve esse salto. Quem viu e viveu nos anos 80, e tem aí memórias desses tempos, reconhecerá perfeitamente que as mudanças são muitas. Basta olhar para o ensino superior e para a sua massificação. Antes disso, este tipo de ensino era efetivamente para os filhos dos doutores, era restrito e absolutamente elitista. Praticamente entrava na faculdade, salvo raras e honrosas exceções, quem tinha já pais licenciados. A tal massificação do ensino superior, nos anos 90, abriu porta a uma sociedade mais justa, a um verdadeiro elevador social. Eu penso que, se tivesse de eleger uma das marcas d’água da transformação da nossa sociedade, seria essa! Definitivamente. E claro que a corrente tecnológica, que percorreu todo o mundo, acelerou muito destes processos. O futuro, vejo-o um pouco mais sombrio. Sobretudo porque, depois de termos sido castigados com a crise da troika, parece que estamos a ser fustigados com esta crise económica gravíssima e social, que – para mim – vem com a péssima gestão da covid-19 na Europa. E Portugal não é exceção! Portanto, temo bem que os próximos 10 anos sejam apenas de recobro, de recuperação, e não de expansão! Em termos da alma e motivação das pessoas – que a psicologia, na qual é licenciada, estuda –, tão afetada nestas vagas pandémicas, que “vacina” poderá curar eficazmente a saúde mental e a paz interior delas e que não está à venda? De facto, é verdade! Mesmo que vacina fosse achada amanhã, as marcas e as cicatrizes sujas e psicológicas deixadas por estas experiências globais de engenharia social – que de repente vão contra tudo aquilo que é mais essencial na natureza humana da sua sociabilidade – vão ser profundas! Para muito tempo depois, mesmo que a vacina seja agora encontrada em novembro de 2020, penso que essas marcas vão perdurar bastante. O ser humano, ele é Homo Sapiens Sapiens justamente por causa da sua sociabilidade. É porque nós somos animais gregários, de grupo; é porque a nossa gravidez, a gravidez do ser humano, é longa; é porque a relação de dependência do bebé humano com os seus pais é longuíssima, ao contrário da dos mamíferos superiores ou mesmo da de outros primatas superiores. Deste modo, é por causa da sua sociabilidade que o ser humano é ser humano. Assim, roubaram-nos, fomos castrados. Privados daquilo que é, de facto, o centro e nervo da nossa alma . Isso terá consequências que estão ainda por estudar, mas que serão muito graves e muito irreversíveis. Como professora assistente que é no Ensino Superior, quais as suas principais preocupações naquilo que transmite e recebe – no processo ensino-aprendizagem – dos seus alunos? Aquilo que eu procuro sempre com os meus alunos é ensiná-los a pensar. É, sobretudo, a desafiar aquilo que lhes é transmitido, terem uma opinião própria – divergente da minha –, a questionarem aquilo que eu afirmo, a desafiarem as suas fontes e a procurar serem sempre melhores do que aquilo que lhes é apresentado à sua frente. Portanto, é a única coisa que sempre me interessou no Ensino. Por isso, gosto muito mais de aprender do que dar aulas.
Sei que tem um cuidado especial com a sua alimentação e com o seu corpo. E no Douro há uma boa tradição culinária, com pratos típicos. Aprecia-os? Gastronomicamente falando, sempre tive dois fraquinhos pelo Norte e pelo Alentejo. Talvez por serem dois dos sítios do país onde se coma melhor, na minha opinião. E é onde as pessoas são mais calorosas, de maneira diferente entre si. Mas aquilo que encontro no Douro, e no Norte em geral, é uma grande abertura, uma grande generosidade, uma grande disponibilidade para o encontro e para a espontaneidade. Eu senti mais isso quando vim de Coimbra para Lisboa: custou-me muito adaptar à frieza, ao distanciamento social dos ‘alfacinhas’ – para usar uma expressão agora em voga. Ainda me custa, por isso sinto-me mais em casa quando estou no Norte. Quando se fala no Douro, o que lhe diz particularmente? E se tivesse de o escrever, como descrevê-lo-ia? É quase inevitável pensar em vinho quando se pensa no Douro. Pensar na produção vinícola da região, que deve ter histórias fantásticas do povo português, do seu esforço e das suas pequenas epopeias. Porque, quando se fala dessas grandes aventuras, pensa-se sempre naquela coisa macro dos Descobrimentos. Mas, na verdade, o povo português sempre teve muitas lutas e muitas batalhas para vencer e teve o Douro para oferecer o néctar, com muita gente que teve de penar por isso. Certamente que escreveria sobre o Baco, as bacantes do Douro e todo o esforço que foi necessário para chegar até ao prazer. Percorrendo agora a sua obra publicada na meia-dúzia de livros da sua autoria, a temática geral encaixa-se nestas áreas que têm preenchido a sua vida: a psicologia e a política. Donde lhe vem e se baseia esse gosto/interesse pela loucura humana e sua investigação? (cf.,
por ex., «Psicopatas Portugueses» e «Maníacos de qualidade») Penso que não há nada mais fascinante do que o cérebro humano, a mente humana, e os seus mistérios. Porque, na verdade, há ainda muita coisa que a Ciência desconhece sobre o Universo e sobre o Homo Sapiens Sapiens. Muitas dessas perguntas, dessas incógnitas, estão ainda naquilo que é a alma, o espírito, o pensamento – chamem aquilo que quiserem – daí o meu fascínio e a minha atração por essa temática. Em «Sonhos Públicos» aborda temas como o amor, a morte, a violência, o consumismo, o poder dos Media, entre outros. Desde que publicou esse livro algo mudou / melhorou no cerne dessas temáticas e na forma como é vivida pelos Portugueses? Esse livro publiquei-o em 2018. Por isso é ainda muito recente. Não teve tempo, certamente, de tecido social para uma transformação. Penso que para a maior parte dos temas abordados, através do cinema – o cinema é um pretexto para abordar essas temáticas que apontou e poder processar, metabolizar e refletir sobre eles –, ainda é cedo para gerar mudança. Enfim, não são só portugueses, esses temas com invariáveis e dessas grandes linhas que eu discuto em assuntos públicos: são globais. Mas penso que sejam marcas deste século XXI. Qual é, neste momento, o(s) seu(s) maior(es) sonho(s) público? Nenhum sonho público. Mas uma coisa pela qual tenho lutado, para e pela sociedade portuguesa – e que vou continuar nessa batalha –, é por uma maior transparência! Não há nenhuma justificação – já que o dinheiro é público, dos contribuintes que somos e que pagamos impostos, neste século XXI e com o nível tecnológico acessível e disponível – para não haver um portal onde possamos, rapidamente e com uma linguagem simples, saber justamente quanto
se arrecadou de impostos em cada ano. Bem como qual a sua distribuição para cada uma das áreas (Saúde, Educação, etc.) e suas ramificações presentes. Pois, efetivamente, isso é que faz parte da governanção moderna e que será uma exigência básica, cidadã e cívica, nestes tempos quotidianos. Esta é uma das minhas batalhas, sem dúvida, e que ainda vai estar na arena pública durante muito tempo, infelizmente. Na breve apresentação curricular dos seus livros consta também que é ‘ativista’. Que género de ativismo pratica? E gostaria de exercê-lo mais ainda e que as pessoas a vissem/olhassem mais como tal? Como já referi, tenho estado em causas – micro e macro causas – que vou tomando como pertinentes, necessárias e justas. Associo-me a elas, luto por elas, e faço ouvir a minha voz, que vai tendo alguma expressão mediática. E, portanto, tento aproveitá-la para aquilo que eu considero que é, de facto, equilibrado e necessário para o nosso país. Ao terminar esta entrevista, o que gostaria de manifestar com relevância aos nossos leitores, que não tenha ainda sido referido e que os ajude a enfrentar estes tempos complicados? Aos nossos leitores gostaria deixar uma última palavra. Uma palavra de esperança, nestes tempos muito difíceis, em que muitas famílias perderam os seus empregos, as suas casas ou que estão com dificuldades em honrar os seus compromissos financeiros, em que os seus filhos tiveram de mudar de escola e que deixaram de fazer uma série de coisas que lhe dava gozo e prazer – que também é uma dimensão muito importante da vida. Portanto, esta é uma mensagem de esperança em que havemos todos de conseguir. Não, não é que vá ficar tudo bem, pois há coisas que vão ficar muito mal, muito difíceis, ásperas, complicadas de superar, mas é assim: isto é a vida e temos de seguir em frente! ▪