Contraponto 132 - edição JUNHO/JULHO

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O abuso de poder do garimpo nas aldeias indígenas

Por Anita Woge, Lídia Rodrigues e Nicolas Lopes

de metais, principalmente o ouro, feita de forma artesanal, característica que vem se perdendo nos últimos anos, já que hoje Tenho medo que acabem com os Povos em dia na Amazônia o garimpo é comanYanomami, que com o passar dos anos dado por empresários e realizado através nossos povos deixem de existir. Tenho de máquinas. Existem, no Brasil, por volta medo que o governo autorize a mineração de 1800 permissões de garimpos dentro nos territórios, pois assim seria o nosso da legalidade, porém estes muitas vezes fim” exclama o representante e presidente não são completamente regulares. Endo Conselho distrital de saúde indígena, Jú- tretanto, a ilegalidade em tal atividade é nior Yanomami, em entrevista para o Con- muito comum em solo nacional, “não existraponto. O ativista que faz parte da maior te garimpo bom” afirma Álvaro Azevedo reserva indígena no Brasil, expressa sua in- Gonzaga, advogado de direitos humanos, dignação com a gestão atual do governo e professor pela PUC-SP, e autor do livro “Deressalta que só será possível frear a degra- colonialismo indígena”, em entrevista para dação do garimpo com uma ação conjunta o Contraponto. da população e do governo federal. O epicentro do garimpo ilegal, seA relação violenta de garimpeiros com gundo o Instituto Nacional de Pesquisas os povos indígenas existe desde os primei- Espaciais (Inpe), é a região de Tapajós ros capítulos da história do Brasil. O geno- no estado do Pará, contendo cerca de cídio indígena teve início com o cultivo da 91% da área desmatada para a extração, cana-de-açúcar no litoral brasileiro e se sendo, não coincidentemente, o terceiro perpetua até os dias de hoje. Abandona- maior produtor de minério do Brasil. A dos pelo Estado, eles vivem em resistência mineração está longe de ser um problecontra a própria extinção. ma que prejudica unicamente os povos A FUNAI (Fundação Nacional do Ín- indígenas, pois promove uma série de imdio), prova a existência desse processo de pactos que não se restringem ao ambienextermínio. Segundo pesquisa feita pela te onde a atividade é desenvolvida, como fundação, em 1500 residiam em solo bra- a contaminação por mercúrio, que tamsileiro cerca de 3 milhões de indígenas. bém atinge, por exemplo, as milhares de Na década de 50, o número registrado foi pessoas que compõem a população ribeio mais baixo da história, sendo apenas 70 rinha amazônica e que consomem peixe mil. Atualmente, segundo o censo demo- regularmente, visto que o mercúrio está gráfico de 2010 realizado pelo IBGE (Insti- presente no animal. tuto Brasileiro de Geografia e Estatística), O genocídio indígena é sistemático, o a população dos povos originários atinge território Amazônico vive em constante os 800 mil habitantes. devastação, a busca pelo ouro não apenas O garimpo ilegal é uma das principais desbalanceia a estabilidade do ecossistema causas do extermínio indígena no Brasil local, mas também cria uma nova ordem atual. A atividade econômica, é uma subca- de relações abusivas com os indígenas. tegoria da mineração, vinculada à extração O abuso do garimpo nas aldeias pode se manifestar de diversas formas, principalmente pela relação com a terra que os extrativistas têm, que é totalmente diferente dos povos originários; a visão de lucro é o que predomina no pensamento dos praticantes da ilegalidade, e a visão extra capitalista afeta a vida dos moradores. A mineração está devastando a biodiversidade que cerManifestantes questionam o sumiço dos YANOMAMI cam as aldeias. Rios em manifestação na Avenida Paulista, em 09 de maio enlameados impedem

© Anita Woge

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© Nicolas Lopes

O conflito entre os filhos da terra e aqueles que a exploram

Cartaz exige fim do garimpo em ato pró indigenas em 09 de maio

a pesca e florestas devastadas impossibilitam a caça, que são as principais fontes de alimento e sustento dos indígenas. Também há relatos de crateras que se formam, em consequência da procura por minérios, gerando desbarrancamentos. “Sou da etnia Tupinambá de Olivença, foram os nossos antepassados que primeiro experimentaram toda sorte de violação dos Direitos à Vida trazidos pelos europeus. De alguma forma os povos indígenas que habitam a região nordeste foram transformados num cordão de proteção para que ainda hoje existam povos indígenas na Amazônia. Nós perdemos tudo praticamente, mas continuamos resistindo mesmo quando não tínhamos o direito de mostrar nosso rosto ou a nossa voz. Estamos em processo de demarcação aguardando que se cumpra a lei, se é que de fato ela existe, infelizmente, falta vontade política. Vivemos em meio, hoje, a mineradoras que retiram areia causando enormes crateras, e aos interesses do setor imobiliário turístico.” conta Yakuy Tupinambá, anciã da comunidade em entrevista ao CP. As invasões nas aldeias são feitas de forma extremamente violenta, pistoleiros entram assolando totalmente o ambiente e ignorando vidas nativas. Segundo pesquisa realizada pelo Atlas da Violência, em dez anos no Brasil, o número de assassinatos indígenas aumentou em 21,6% na última década, quando os casos ultrapassaram o número de 2.000. “O garimpo é um elemento da cultura dominante, portanto, ameaça a vida, não somente de nós mulheres indígenas, mas do todo. Viola tudo que nós acreditamos, é total

CONTRAPONTO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo – PUC-SP


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