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Desafios que extrapolam a sala de aula: as dificuldades vividas por estudantes bolsistas

Desafi os que extrapolam a sala de aula: as difi culdades vividas por estudantes bolsistas

A graduação é uma grande etapa, mas para alguns se torna uma verdadeira luta

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Faixa realizada pelo Coletivo da Ponte Pra Cá, durante o movimento #PucSemFome, onde exigia-se a volta do bandejão

Protesto feito por estudantes bolsistas no Centro Acadêmico de Psicologia, na PUC-SP

Por Ana Beatriz Villela e Luísa Ayres Dias de Oliveira

Oingresso em uma faculdade traz consigo, além da felicidade em cursar aquilo que gosta, inúmeras problemáticas – que são ainda maiores quando se trata dos alunos bolsistas.

A luta é pauta do Coletivo Da Ponte Pra Cá, “Frente Organizada de Bolsistas da PUC-SP (Pontifí cia Universidade Católica de São Paulo) que surgiu no segundo semestre de 2017, da união de dois antigos Coletivos de bolsistas: o ProUni-SE (Projeto Universitário de Suporte ao Estudante de Baixa Renda) e o Bandejão Organizado – Frente Independente de Bolsistas da PUC-SP”, segundo o site da organização.

O propósito é unir os estudantes bolsistas de baixa renda, lutando por políticas de permanência e inclusão no ambiente universitário.

Segundo Samanta Tibério, ex-aluna de psicologia da Universidade e integrante do Coletivo, batalhar pelo seu meio social é uma resposta à dura realidade que enfrentou. “No meu segundo ano passei por bastante sofrimento ao ver-me deslocada na PUC e senti que seria importante reivindicar mudanças sobre a permanência dos bolsistas, tendo um espaço de luta e identifi cação. Estar no coletivo foi uma resposta a este sofrimento”.

Ao falar sobre os problemas mais comuns, a ex-aluna destaca não saber inglês, ter que fazer iniciação científi ca para conseguir comer e a má qualidade do bandejão. “Apesar destes pontos concretos, sentir a desigualdade social o tempo todo, que distingue os bolsistas dos pagantes, de forma geral, vai criando a ideia de que aquele que é rico é superior e que o bolsista é inferior. Isso pode se expressar na minha insegurança sobre ter capacidade de estar ali ou, então, ao sentir vergonha das minhas roupas. Faz a gente se sentir o ponto mais fraco”, desabafa.

Os problemas não param por aí. Samanta continua: “Sempre recebemos denúncias. Já ouvi de alunos coisas como ‘esses bolsistas querem tudo, de uniforme à bolsa pobre”. Na porta de um dos banheiros havia algo pichado com os seguintes dizeres: ‘os bolsistas estão mamando na teta da PUC, você paga para o bolsista estudar’”, conta.

Samanta já ouviu de colegas que a universidade não é pra todo mundo. “Quem vai ser a empregada, o pedreiro, a caixa? Essa é a mentalidade média de uma galera mais rica e conservadora”, conta indignada.

Vale lembrar que esse tipo de pensamento tem sido alimentado no meio político com permissão e incentivo do Governo, mais recentemente com a fala de mesmo cunho deferida pelo ex-Ministro da Educação, Milton Ribeiro. E tiveram perda de emprego, ou perda de renda por trabalho informal. Eles não conseguiam mais pagar a mensalidade ou não tinham, inclusive, infraestrutura para poder assistir às aulas remotamente”, explica o especialista em educação.

© Luísa Ayres

“Ser e estar é ser bolsista e ocupar”

A PUC-SP, em específi co, oferece três tipos de bolsas: a Fundasp (bolsa particular ofertada pela Fundação São Paulo), o ProUni (Programa Universidade Para Todos, cujo o ingresso é feito pelo ENEM) e o FIES (Financiamento Estudantil, onde os pagamentos das mensalidades, a partir de auxílios do Governo, poderão ser realizados pelo aluno após a entrega do diploma).

Estima-se que pelo menos 25% dos alunos de graduação são bolsistas.

Os alunos com bolsa, durante a pandemia, tiveram menos condições de seguir adiante com os estudos: as universidades privadas tiveram 36,6% de abandono nos anos de 2020 e 2021, conforme levantamento do Instituto Semesp, órgão do MEC (Ministério da Educação) responsável por representar as mantenedoras do ensino superior no Brasil.

O diretor-executivo do Semesp, Rodrigo Capelato, afi rma que os estudantes mais afetados são aqueles com maior vulnerabilidade social e os bolsistas. “São os que geralmente precisam trabalhar para poder estudar. A maioria estuda à noite.

Resistência e permanência: da estatística à realidade

Quanto ao preconceito enfrentado pelos alunos bolsistas, uma pesquisa realizada em 2013, do Centro Paula Souza afi rma que 94% dos estudantes do ProUni entrevistados já sofreram algum tipo de preconceito por usufruírem do programa.

Em 2018 viralizou na internet o vídeo da estudante Michele Alves, ingressante na universidade por meio do ProUni. Na colação de grau da sua turma de Direito, onde foi uma das alunas discursantes, aproveitou o espaço para denunciar a luta dos bolsistas dentro e fora da PUC-SP.

Alves logo no início do discurso relata que no seu terceiro dia de aula, ouviu uma professora de Direito Civil dizer aos alunos para que “não se preparassem para as provas apenas com base nos pequenos resumos que estão no início dos livros acadêmicos, porque ‘até a fi lha da empregada que faz Direito na ‘Uniesquina’ estuda por sinopse’”. Michele, fi lha de empregada doméstica, naquele momento, sentiu-se ainda mais ofendida.

A acadêmica ainda ressaltou sua realidade como estudante bolsista e os preconceitos sofridos dentro do ambiente universitário: “Nós resistimos às piadas sobre pobres, às críticas sobre as esmolas que o governo nos dava, aos discursos reacionários da elite e a sua falaciosa meritocracia. Resistimos à falta de inglês fl uente, de roupa social e linguajar rebuscado que o ambiente acadêmico nos exigia”.

O verdadeiro valor do diploma

Ser aluno é mudar uma história. Mas ser aluno bolsista é mudar a própria história e a de muitas gerações que vieram e virão.

Para muitos professores é também uma oportunidade de ampliar o repertório dentro da sala de aula, abrindo os olhos dos demais para diferentes contextos e vivências.

Leonardo Sakamoto, professor do Departamento de Jornalismo da Pontifí cia confi rma. “Se a PUC tivesse mais estudantes como eles, faria mais diferença do que faz hoje. Alguns dos meus melhores alunos foram bolsistas”.

Apesar das difi culdades, ser bolsista é ser e ter orgulho: de si mesmo, de uma família, de uma classe social. É vencer o que a realidade e a opressão estrutural pareciam decretar como destino. É ocupar um espaço normativamente elitizado e mostrar que o lugar do povo é onde ele quiser.

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