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Reféns do neoextrativismo: riquezas para poucos e desastres para todos
Protestos à exploração de cartão postal de Belo Horizonte evidencia a negligência ambiental do governo Zema e a indignação dos mineiros exaustos pelas tragédias cada vez mais frequentes
Por Camilo Mota, Pedro Catta-Preta e Yasmin Solon
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Eleita símbolo da capital mineira em plebiscito popular, a Serra do Curral é um dos marcos geográficos mais ricos em biodiversidade no país. Também considerada patrimônio histórico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a serra conta com áreas de campo rupestre, cerrado e Mata Atlântica, que estão sob risco após avanço da mineração. Assim, o Estado, os mineiros e sua biodiversidade são reféns e vítimas da exploração ambiental. O IPHAN também é responsável pelos licenciamentos dados às empresas que causaram as tragédias de Mariana e Brumadinho.
A licença favorável à mineração foi aprovada no dia 4 de maio pelo Copam (Conselho Estadual de Política Ambiental) e a prefeitura de Belo Horizonte move uma ação na justiça contra o complexo minerário, alegando que o mesmo coloca em risco a qualidade do ar na cidade.
De acordo com a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de Minas Gerais, 41 hectares de Mata Atlântica serão devastados já na primeira fase do projeto. O bioma é considerado uma das áreas mais ricas em biodiversidade no planeta e já conta com 90% de sua área destruída, sendo a biota brasileira mais ameaçada de extinção. A serra também abriga o Parque Municipal das Mangabeiras e o Parque da Serra do Curral, considerados territórios de preservação.
Depois do regime militar, a Serra do Curral sofreu um processo de destombamento com a modificação de perímetros das reservas ambientais pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), o que facilitou a exploração da serra por parte das empresas que visam a riqueza mineral.
Já o processo de tombamento da Serra, que está parado, é responsabilidade do governo de Minas Gerais, que atua a favor de empreendimentos nocivos e é alinhado ao governo federal. A votação definitiva para o tombamento da área vem sendo adiada desde maio de 2021 e 10 dos 21 conselheiros do Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) denunciaram haver uma resistência do governo do Estado para ação a favor da Serra do Curral.
A cumplicidade entre o Estado e a mineradora, que desde 2014 tem interesse na região da Serra do Curral para extração de minério de ferro, resultou no licenciamento. Entretanto, por ter sido aprovado na surdina, durante a madrugada, a votação foi repleta de irregularidades: o projeto não obteve anuência dos órgãos de patrimônio, não apresentou estudos de risco hídrico e nem consultou o município de Belo Horizonte. Ou seja, além do processo de tombamento estar atrasado propositalmente, o licenciamento e o seu processo foram feitos de forma ilegal e atropelada, na mesma linha da Agência Nacional de Mineração.
O ex-presidente do Iepha foi exonerado após enviar um ofício ao Ministério Público revelando possíveis irregularidades no processo de licenciamento. Logo após, o governador Zema nomeou a prima do diretor executivo e sócio da mineradora à presidência do instituto, tornando-a responsável por decidir sobre o tombamento estadual do local.
A Serra do Curral regula o clima da cidade, é responsável pela recarga hídrica e abriga espécies raras em extinção. Sua destruição, que seria de nível 6 (o mais alto) da escala de impacto ambiental prevista na legislação, causaria uma piora significativa na qualidade de vida daqueles que vivem nas proximidades, com reflexos em toda a capital mineira.
Para a socióloga Marijane Vieira, coordenadora do curso de ciências socioambientais da PUC-SP, a repercussão sobre a exploração da Serra do Curral “evidenciou que o país continua sendo um país do neo-extrativismo, que arranca as riquezas existentes para uma exploração que rende ganhos econômicos para minorias, num curto espaço de tempo e deixa um rastro de destruição e sequelas ambiental e social irreparáveis”. É válido lembrar que a capital mineira passou por inundações severas nos últimos anos e as mudanças climáticas intensificarão esse tipo de catástrofe.
Marijane ainda explicou que há uma cumplicidade em todas as esferas e o envolvimento das chamadas “portas rotativas”, que consiste no movimento entre membros da administração pública e privada com o intuito de fazerem a legislação pública, vindo a servir a a essas empresas privadas. Um exemplo é o prefeito da cidade de Nova Lima, onde se localiza a Serra, ex-funcionário da mineradora Vale.
A lei estabelece um estudo de impacto ambiental e uma audiência pública, que são “meros teatros”. Marijane relata: “Já cansei de ver várias [audiências] em que as comunidades se levantam, fazem perguntas, as autoridades anotam pela formalidade de ser uma audiência pública. Depois, tem uma segunda audiência na qual a autoridade responde, mesmo que as respostas sejam totalmente insatisfatórias. Tá encerrado o processo e dali para adiante ele é passado para as autoridades responsáveis aprovarem ou não”. A professora ainda acrescenta: “Nós temos uma legislação ruim, mas que está ameaçada de piorar muito mais”.
Há atualmente um projeto de Lei no Congresso que cria o sistema de licenciamento rápido e quase automático, o que é gravíssimo. Ainda, atualmente, empresas que precisam de licenciamento “nem sempre contratam uma empresa [para fazer o estudo de impacto ambiental], porque não acham uma empresa idônea a fazer esse papelão”, comenta a sociológa, e isso abre uma brecha para que as próprias organizações criem equipes para elaborar os estudos ambientais.
Países onde a legislação ambiental é mais exigente são aqueles onde a população e opinião pública têm maior exigência com a saúde ambiental, único caminho possível para o Brasil deixar de ser refém dessa economia “neoextrativista, que gera riqueza para poucos e é responsável pelo enorme passivo ambiental”, finaliza Marijane.
Visão parcial da Serra do Curral na grande BH