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Raphael Escobar escuta e valoriza os moradores em situação de rua da ‘cracolândia’

Como poucos, Raphael Escobar escuta e valoriza os moradores em situação de rua da ‘cracolândia’

Da Craco Resiste ao Blocolândia, projetos têm o intuito de mostrar além do que o senso comum conhece da região

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Por Danilo Zelic

Artista plástico, educador popular e ativista dos direitos humanos. Os projetos, trabalhos e a militância de Raphael Escobar sempre foram pautados por temas recorrentes dos programas de televisão sensacionalistas, famosos pelos dizeres “bandido bom é bandido morto”, a favor da “guerra às drogas” e ao combate dela a partir da violência como peça-chave. Cenário dos projetos é conhecido pelo paulistano há quase 30 anos como “Cracolândia”, localizada no centro da capital paulista, enfrenta desde seu surgimento situações que exigem dos governantes paciência e cuidado.

Cara-a-cara com a especulação imobiliária, a violência estatal e o tratamento inadequado de grande parte da chamada imprensa hegemônica, a Cracolândia e a região central da cidade de São Paulo estão sendo cada vez mais criminalizadas, contribuindo para a instauração da situação de calamidade.

Em entrevista ao Contraponto, Raphael Escobar fala sobre questões que pautam o cenário paulistano há tempos, porém são compreendidas sempre a partir da lógica da polícia e não de saúde pública e com abordagem humanitária.

© João Leoci

Contraponto – A obra intitulada “Com quantos pobres se faz um rico?” faz parte da exposição “CONTRAMEMORIA”, no Theatro Municipal. Você fez uma publicação no instagram sobre o trabalho escrevendo “acho que aí está um pouco do que penso/produzo”. A ideia da mostra é repensar o que foi a Semana de Arte Moderna de 22. Por que e qual o motivo da escolha dessa obra para integrar a exposição?

Raphael Escobar – O trabalho foi comissionado para a exposição do Theatro Municipal. Eu tinha uma vontade de fazer um projeto na escadaria do Municipal. Boa parte dos meus trabalhos lidam com o limite entre o dentro e o fora do espaço, então, normalmente estão na porta, na entrada ou já do lado de fora, eu jogo o trabalho para dentro ou jogo para fora, esse fl ow acontece. Quando me convidaram para a exposição eu falei: bom, acho que nada mais do justo de entender o Theatro Municipal e o seu entorno, na verdade que é onde tem o povo de rua que não entra naquele local. Essa história bonita até que o teatro tem aberto mais as suas portas para todo mundo é um pouco falácia, então eu queria demarcar isso.

Então, o trabalho é uma placa de sabonete, na verdade, com essa frase forte de entrada. E o que acontece é que a próxima fase do trabalho é isso, ele vai ser recortado, virará pequenos sabonetes e vão ser distribuídos para o povo de rua da região do Theatro Municipal, do entorno dele. Quando eu falo que ele tem muito a ver com os meus trabalhos é isso, é um trabalho que some, vai pra fora. O intuito dele tá pra fora, usar muito do mecanismo das instituições para fortalecer o entorno. Normalmente eu falo que eu faço pedaladas fi scais, tiro o dinheiro da cultura e jogo para o social, então, acho que ele tem essas conversas. E sabonete é forte, sabonete tem essa questão do higienismo, uma discussão toda em volta que me parece muito importante pra aquele contexto.

CP – Falando para o Coletivo Escola de Ativismo, você diz que “A rua é a possibilidade de pautar politicamente como o Estado deve proceder”. O Pagode na Lata e o Blocolândia foram criados com esse intuito, para além da socialização que são esses dois projetos?

RE – Eu acho que não. Por acaso você pegou dois projetos emblemáticos, eu diria que os dois não vão tão por essa via. Esse bloco de carnaval, o Blocolândia, é uma ideia de se fortalecer em rede, entre todo mundo, é menos sobre pautar o Estado e mais sobre pautar a vizinhança, porque a vizinhança que estigmatizava essas pessoas. Então, passar um bloco com os caras cantando, tocando, que compõem, muda uma relação daquele universo, daquele recorte específi co das pessoas, acho que também cai um pouco sobre micropolítica.

Talvez o pagode sim, talvez eu conseguiria até jogar o pagode nisso. Porque na verdade o pagode é uma estratégia de economia solidária, lógico que tem essa parte da socialização de tocar o pagode junto e tal, mas é um projeto que vai tocar em vários lugares e esse pessoal recebe para tocar. Logo eu que acho que o Pagode na Lata sai de um estereótipo de economia solidária, que é um caderno, um artesanato, ele vai para outras potencialidades da galera de rua, então, talvez ele poderia entrar um pouco nessa discussão.

Mas eu sinto que esses projetos estão numa lógica mais de fortalecimento de rede, “nóis por nóis”. Acho que quando eu falo na Escola de Ativismo essa ideia de pautar politicamente é mais sobre ato de rua mesmo, eu tenho essa impressão.

CP – Como tem sido a realidade da cracolândia durante esses dois anos de pandemia?

RE – A realidade da Cracolândia é que ela triplicou de tamanho, o único serviço da Prefeitura que tinha foi fechado na segunda semana de pandemia, e é uma tentativa de chacina mais uma vez, uma tentativa de morte desse pessoal, triste, né? Quem fortaleceu aquele território durante dois anos de pandemia foram os trabalhadores por conta própria, os ativistas, os coletivos da região, que fortaleceram, que fi zeram tentar andar as coisas um pouquinho menos pior, não dá pra dizer para melhor. Porque o Estado mesmo jogou eles ao léu, e quando começaram atuar de novo é bomba. Hoje em dia, o pessoal tá tudo espalhado pelo centro de São Paulo com a polícia correndo atrás deles, não deixando eles sentarem, é uma nova versão da “Dor e Sofrimento” [Operação realizada em 2012 pela Prefeitura e Estado de São Paulo para acabar com a ‘cracolândia’]. É muito deselegante eu diria, é um processo de extermínio constante naquele território.

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