Contraponto 132 - edição JUNHO/JULHO

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A ascensão do mercado de livros eróticos Para a sexóloga Caroline da Silveira Schlossmacher, leitura do gênero proporciona diminuição do tabu sobre a sexualidade feminina

Por Maria Ferreira dos Santos e Ricardo Dias de Oliveira Filho

L

explicou o porquê de tanto interesse no gênero. “A literatura erótica te dá a possibilidade de mergulhar nas fantasias sexuais, em que você pode imaginar o(a) personagem principal da forma que te agrada, além de outras coisas proporcionadas pela leitura. O crescimento também se dá ao fato de que estamos, cada vez mais, falando de forma mais tranquila sobre sexualidade, desconstruindo o tabu”. O posicionamento da profissional é semelhante ao de Cocenza. Para a escritora, a leitura, justamente por ser um tabu, “acaba tornando-se mais instigante”. Os vídeos que viralizam nas redes sociais, as trends, também podem ser encarados como fatores relacionados à ascensão do gênero literário. “Na Amazon alguns autores sempre estavam ali [na lista de mais vendidos]. Depois que começaram as publicidades via TikTok e Instagram, abriu espaço para todos. Um vídeo que viraliza te leva ao top 1, top 5”, apontou Camila. Um exemplo disso é a conta no Instagram “@debsleitora”, em que a produtora de conteúdo Debora Luísa se dedica a falar sobre o assunto. “Eu acho que esse gênero sempre foi muito grande, tanto que, quando você entra na Amazon, só livros © Montagem: Maria Ferreira dos Santos

ançado em 2011, “Cinquenta Tons de Cinza”, de Erika L. James, se tornou um fenômeno, resultando na continuação em dois outros livros e na adaptação cinematográfica sob direção de Sam Taylor-Johnson. Devido ao sucesso da saga, outras editoras e produtoras seguiram caminho similar, desenvolvendo obras como “Bridgerton” (2000), de Julia Quinn, “After” (2014), de Anna Tood, “A Barraca do Beijo” (2021), de Beth Reekles e “Através da Minha Janela” (2022), de Ariana Godoy. Apesar da visibilidade adquirida por meio do audiovisual, o gênero erótico, ou hot, está presente desde a época das ficções criadas por fãs, popularmente conhecidas como fanfics, que tiveram início nos anos 90 e 2000 com histórias que, em geral, envolviam famosos ou personagens fantasiosos, como vampiros e magos. “Eu comecei a ler fanfic e a escrever. Foi assim que entrei no mundo do hot”, declarou Camila Cocenza, autora de livros românticos e eróticos, em entrevista ao Contraponto. Não à toa algumas dessas obras chegaram originalmente em sites e aplicativos de fanfics, como o Wattpad, para depois serem publicadas pelas editoras. Ao Contraponto, Caroline da Silveira Schlossmacher, psicóloga e sexóloga,

eróticos estão no topo. Acredito que tem crescido cada vez mais por conta do books­ tagram e booktok, que tem divulgado a existência dos livros. Todo dia tenho seguidoras que falam ‘nossa, eu não sabia que tinha livro assim. Onde encontro?’, o que é bem legal, porque você vê que o interesse pela leitura tem crescido também”, disse a influenciadora. Paralelamente, a libertação sexual tem forte impacto, uma vez que, historicamente, o lugar de sensualidade não era ocupado pela comunidade feminina. A atualidade quebra com o silêncio, trazendo ao mercado escritoras e leitoras. Cocenza defende que anos atrás uma mulher lançar um livro erótico era impraticável. Além do protagonismo e espaço adquirido hoje, a partir do momento que a mulher entende seu corpo, ela se torna dona de sua própria sexualidade e poder. Sobre as consequências individuais e coletivas em relação à ascensão, Schlossmacher explicou: “O que mais pode gerar como contribuição é o empoderamento feminino, a diminuição do tabu que cerca a sexualidade, além da normalização de que as mulheres têm interesse sexual e que devem explorar a própria sexualidade. No que diz respeito à individualidade, a literatura erótica pode proporcionar autoconhecimento e melhorar a autoestima”. Embora o gênero desperte empolgação na comunidade leitora, há divergências em relação à romantização de relacionamentos não saudáveis e/ou a criação de parâmetros irreais, uma vez que algumas das obras apresentam personagens atrelados ao estereótipo de “homem dominador”, como também da mulher como ser inexperiente ou sedento. Diante desse cenário, a psicóloga alerta: “Uma pessoa não precisa ser autoritária e muito menos abusiva para ser sexy. Ao contrário, diálogo e acolhimento podem gerar mais tesão. Esse é um ponto importante para chamarmos a atenção, visto que ainda, infelizmente, é comum existirem relacionamentos abusivos e, principalmente, violência contra a mulher”.

Antes encarados como tabu, livros eróticos impulsionam libertação sexual da comunidade feminina

Junho/Julho 2022

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