A rota do vinho no Chile: tradição, inovação e enoturismo Entre Cabernet, Carménère e Chardonnay com os sabores refinados das uvas chilenas, os turistas aprendem sobre a história do país e dos vinhedos Por Bianca Paoleschi, Laura Augusta e Sofia Luppi
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© Sofia Luppi
e Valparaíso, passando por Santiago até Concepción, o Chile carrega os sabores do vinho. Ao longo da tradição que atravessou as mais diversas crises e doenças mundiais, a produção se reinventa, conquistando espaço no paladar de quem aprecia um bom vinho. Com clima ideal para o crescimento das uvas e localização geográfica privilegiada – que proporciona o isolamento benéfico para afastar pragas e doenças que possam atingir as frutas –, os produtores usam menos compostos químicos na fabricação, criando um vinho mais autêntico.
plantações foram se estendendo em todo território nacional, desde Coloquimbo à Concepción. O sistema para o cultivo da videira e a tecnologia trazida pelos espanhóis na produção de vinhos se manteve sem alterações até meados do século XIX. Em 1818, o Chile conquistou sua independência em relação à Espanha e a produção de vinhos começou a se expandir. Famílias chilenas mais ricas realizavam viagens à Europa, entrando em contato com costumes e tradições das regiões nas quais o vinho se manifestava fortemente, o que acarretou a importação das frutas principalmente da França. Claude Gay foi um botânico francês que convenceu o governo chileno a investir em uma maior diversidade de uvas e fundou, em 1842, um viveiro chamado Quinta Normal com a intenção de ser um centro de estudos agrícolas do Chile, hoje atual parque Quinta Normal, localizado em Santiago. Foi então a partir de 1850 que as famosas variedades de vinhos, principalmente da região de Bourdeaux, começaram a chegar no país e são até hoje grande inspiração na produção chilena. Empreendedores e visionários como Don Melchor e Concha y Toro são grandes nomes que investiram fortemente na importação dessas variedades e na modernização de sistemas de produção. Ainda no século XIX, houve uma devastadora epidemia da filoxera – praga que ataca raízes de plantas – na Europa, que destruiu importantes vinhedos do mundo e levou à extinção de importantes cepas. Devido a essas circunstâncias, enólogos europeus viram o Chile, que já vinha se destacando pelo seu território favorável às plantações, como uma grande oportunidade, e migraram para contribuir com o desenvolvimento da produção vitivinícola nacional. O investimento foi especialmente significativo a partir de 1850, e se concentrou nos arredores de Santiago, no Vales Central e em Aconcágua. A maioria das propriedades do Vale Central passaram a produzir vinho, e foi neste período que as atuais grandes vinícolas foram fundadas, como Concha y Toro, Errázuriz, Urmeneta, Tarapacá, Cousiño-Macul, Santa Rita e Santa Carolina. Acredita-se que esta
Videiras da vinícola Bodegas Re, em Valparaíso
A história do vinho chileno remonta ao século XVI, com a chegada dos primeiros espanhóis no país, no período de colonização na América do Sul. No dia 4 de setembro de 1545, Dom Pedro de Valdivia escreveu ao Rei Carlos V da Espanha uma carta solicitando videiras e vinhos para “evangelizar o Chile”. O acontecimento histórico abriu portas econômicas e comerciais e a data, conhecida como “Dia Nacional do Vinho Chileno”, marcou o início das atividades vitivinícolas. Os primeiros vinhedos chilenos foram então plantados com uva espanhola e as variedades eram essencialmente País e Moscatel. Francisco de Aguirre, Juan de Jufré, Rodrigo de Araya são alguns dos personagens de grande relevância no início dos vinhedos no país. A primeira colheita na capital de Santiago foi executada por Diego García de Cáceres, em 1554. As
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última é a mais antiga do Chile, porém, Didu Russo, conhecido como Eduardo Granja Russo, fundador da Confraria dos Sommeliers e que tem um site sobre o assunto desde 1992, afirmou em entrevista ao Contraponto que deve haver vinícolas mais antigas entre os pequenos produtores de Pipeños, assim denominados os vinhos artesanais. O nome Pipeños se refere às pipas de madeira utilizadas para armazenar e transportar vinho pelos produtores tradicionais, que dificilmente tinham capital para investir nesses equipamentos, diferentemente dos vinhos burdeos que não se restringiam às novas tecnologias que facilitam a produção. Assim, o país passou a conviver com duas classes de produtos, cada uma com o seu mercado. Os burdeos eram consumidos pela elite, enquanto os pipeños, considerados de baixa qualidade, eram os preferidos da população menos abastada. Durante o período da Segunda Guerra Mundial, a produção foi exclusivamente sustentada pelo mercado interno e havia pouco interesse no investimento de exportações. Nas décadas seguintes surgiram outros fatores políticos e sociais que acabaram limitando as produções e, mais gravemente, levaram a uma estagnação do mercado de vinhos no Chile. Foi no início da década de 90, com a redução dos conflitos internos, que o Chile retomava suas produções e possuía novamente apoio do governo para o cultivo das uvas para o retorno da atividade no mercado externo, até então parado há décadas. A reabertura trouxe concorrência e, consequentemente, a queda do consumo interno. Assim, a indústria nacional investiu fortemente nas produções e variedades de vinhos, renovando tecnologias, como o uso dos tanques de inox, por exemplo. Procurava-se fabricar vinhos de melhor qualidade que alcançassem o mercado externo e finalmente, alcançaram excelentes resultados de qualidade e personalidade que consistem até hoje e são reconhecidos mundialmente. Possuindo atualmente cerca de 117 mil hectares de vinhedos plantados do norte do Deserto do Atacama, ao sul das montanhas, o Chile tem climas peculiares e variados, com uma área extremamente extensa e temperaturas que variam de 30ºC até números negativos ao longo do ano. Logo, os vinhos dentro do próprio território se diferenciam notavelmente, trazendo características únicas em relação a sabores e aromas. “O clima do Chile, em praticamente toda sua extensão, tem pouca incidência de chuvas, permitindo
CONTRAPONTO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo – PUC-SP