3 minute read

Arica

Por Alexa Reichmann

eM Terras aMericanas, toda paisagem é personagem; todo personagem, o próprio autor.

Advertisement

Em algum janeiro, cheguei em uma pequena cidade litorânea, no norte do Chile, chamada Arica. Ela não estava nos planos da viagem, mas me sentia muito cansada para dirigir até Arequipa, no Peru. Fazia noite; o céu roxo se despedia do sol e começava a vestir estrelas. Abri a janela do carro para melhor observar a imagem e ouvi uma miscelânea de vozes – jovens, velhas, surdas –, todas regendo os batimentos do meu coração.

Por sorte, logo no centro, achei um hotel barato e com café da manhã. Na recepção, dois funcionários conversavam sobre um homem das redondezas que iria se casar pela sétima vez. Preferi entrar no papo do que ser atendida. Rimos muito – até do que não tinha graça.

Quando a história chegou ao fi m, aguardei no saguão até que a faxineira terminasse de limpar o que seria meu quarto por um dia. Numa parede horrivelmente amarela do saguão, havia dois quadros idênticos: uma mulher de costas nuas, em um fundo marrom-seco, com ombros tensos. Mesmo postos um ao lado do outro, os quadros pareciam se olhar. Amavam-se veementemente.

O corredor até o quarto era muito longo. Lembro de ter achado esquisito algumas portas não terem número. Minha chave dizia apenas el del fi nal. Destranquei a porta, entrei no quarto, me preparei para uma boa noite de sono. Dormi lendo o cardápio da mesa de cabeceira.

Fui conhecer a praia no dia seguinte. Andando contra o vento pelo calçadão, meu cabelo se libertou do coque e me fez passar vergonha. Estava totalmente desorientada com o cabelo na cara, mas

ninguém percebeu. As folhas das árvores também se rebelavam, afi nal.

A praia era rebaixada, com nuvens distantes e água terrivelmente azul, que avançava e recuava calmamente na areia de pedras. As pessoas não tiravam as calças e camisetas para entrar na água, mas deixavam os calçados nos degraus da escada de madeira – entre os planos do paraíso. Fiquei lá, sentada nas pedras marrons, até que o céu fi cou roxo novamente. Não percebi o tempo passar. Os dias serenos e as noites iluminadas eram confundíveis nas geografi as de Arica, onde sempre havia pessoas felizes – jovens rindo e senhores jogando cartas.

Caminhei de volta ao hotel, comi e me preparei para ir embora. Um dos funcionários que ria comigo no dia anterior me alcançou no estacionamento. Ele estava segurando um dos quadros do saguão. Disse que percebeu como eu havia admirado as fi guras idênticas e fazia questão que eu fi casse com uma. Recusei por educação, mas ele insistiu. Explicou que a dona do hotel havia comprado dois sem querer e que alguns hóspedes consideravam a decoração dupla um pouco esquisita. Fiquei feliz em meio à minha tristeza de partida. Agradeci-o emocionada enquanto colocava o quadro no banco de passageiro.

Para me despedir, dirigi até a praia. Tirei meus sapatos e entrei na água; estava muito fria, mas eu não me importava com a dor. Vendo o mar mais de perto, percebi que o sal espelhava o céu e se fazia violeta. Todo o horizonte parecia um único mundo, suspenso, e me consumia com sua imensidão. Nadei com as estrelas, toquei nas nuvens; sentia Arica, sentia o Chile – lugar onde o mundo termina; terra americana.

© Alexa Reichmann

Chegando em Arica

This article is from: