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A Palestina das Américas

O Chile tem a maior comunidade palestina fora do mundo árabe. A população tem grande infl uência em diversos âmbitos como economia, cultura, gastronomia, esportes e geopolítica

Por Barbara Cristina, Daniel Gateno e Isabella Marinho dos Santos

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© Wikimedia Commons

Bandeiras do Chile e da. Palestina lado a lado.

Países de língua árabe foram ocupados pelo Império Otomano, também conhecido como Império Turco, por volta do século XV. Com Primeira Guerra Mundial, no começo do século XX, o Império Otomano foi desestabilizado e a emigração palestina começou. Como a maior parte dos imigrantes, a principal causa para os palestinos partirem foi a constante violência sofrida, que os expulsou de sua terra natal e os fez partir em busca de refúgio. Eles passaram por uma árdua jornada e cruzaram os Andes para se estabelecerem no Chile, onde foram bem recebidos.

Jaime Abedrapo, neto de um imigrante palestino que chegou na década de 1930 e vice-presidente da Federação Palestina, em entrevista para a BBC News, explica “eles foram melhor recebidos aqui, tiveram mais espaço, melhores possibilidades.”

Em 14 e 15 de maio de 1948, um outro motivo fundamental para o êxodo em massa dessa população ocorreu e é chamado de Al Nakba, árabe para catástrofe. O termo se refere à fundação do Estado de Israel no dia 14 e fi m do mandato britânico na Palestina, na manhã seguinte.

O fi m do mandato, que havia sido iniciado em 1923 pela Liga das Nações Unidas, não deixou nenhuma instrução sobre a criação de um Estado para os palestinos. Já a independência de Israel fez com que o Estado fosse atacado por Egito, Líbano, Síria, Iraque e Jordânia, horas depois de sua fundação. Muitos árabes afi rmam que, como consequência dessa Primeira Guerra Árabe-Israelense, houve um grande número de expulsões de famílias, que foram impedidas de retornar após a guerra.

O destino dos palestinos, por sua vez, possuía seu modelo econômico baseado na produção agrícola. Direcionando-se para o modo de produção capitalista, o Chile, estava ávido por imigrantes para fortalecê-la e, embora quisesse atrair europeus através da concessão de terras e direitos, foram os árabes e palestinos que se estabeleceram na nação sul-americana. A consequência desse movimento migratório é tão intensa que se estima haver centenas de milhares de palestinos e seus descendentes no país. Um velho ditado diz que “para cada vila no Chile você encontrará três coisas: um policial, um pastor e um palestino”.

Essa numerosa quantidade de pessoas, provenientes do Oriente Médio, optaram pelo comércio e pelo mundo têxtil como forma de ganhar a vida, acarretando em importantes empresas chilenas na indústria têxtil. As fortunas que foram construídas se ramifi caram em diversos tipos de negócio, como fi nanceiro, imobiliário, agrícola e midiático.

Uma das principais razões pelas quais os palestinos precisaram emigrar foi a perseguição religiosa, pois eles eram uma minoria cristã em Belém e seus arredores. No Chile, puderam exercer sua fé livremente, assim, percebe-se que a prosperidade não foi apenas fi nanceira, mas também religiosa.

Outro ponto positivo do país para os palestinos são fauna e fl ora. Daniel Jadue, prefeito de Recoleta e descendente de imigrantes de Beit Jala explica em entrevista para BBC News: “É simples. Nisso de se lançar ao mundo em uma corrente migratória provocada por traumas, as famílias se instalam em lugares que lembram o território de origem. É engraçado, mas a área central do Chile é muito parecida com as cidades que eles deixaram para trás”.

É possível perceber que a infl uência que as comunidades têm uma sobre a outra não anula muitas de suas características. Os palestinos preservaram de forma impressionante suas raízes, valores e tradições, pois ainda se vê comidas e músicas típicas preenchendo suas casas. Há certa harmonia na convivência das duas culturas.

Embora a perda idiomática seja um dos fatores negativos decorrentes dessa integração cultural, uma vez que apenas cerca de 2 mil árabes continuam dominando, de fato, a língua, a santiaguina e proprietária de um restaurante de comida palestina, Patricia Eltit, diz “Minha alma é chilena, mas meu coração é palestino”, em entrevista para Agência EFE.

Em entrevista ao Contraponto, o diretor executivo do Clube Social Palestino, Anuar Majiful ressalta que a comunidade palestina preserva alguns costumes, porém, a assimilação é inevitável. “Nós não queríamos perder a cultura, mas as novas gerações não falam o idioma e poucas famílias mantiveram isso. Uma das coisas que preservamos foi a comida, e isso é perfeito. E também as músicas”. Essa última, possibilitou que os jovens de descendência palestina, mesmo sem dominar a língua, pudessem criar grupos e orquestras de músicas tradicionais.

“Por mais estranho que pareça, os músicos chilenos que tocam e cantam canções palestinas não falam o árabe”, diz o músico Kamal Cumsille, membro de uma orquestra especializada em canções tradicionais do Oriente Médio, em entrevista à EFE. Cumsille opina que essa ligação ocorre pelo gosto “natural” e sentimental transmitido de pai para filho “o que se reproduz é um certo modo de ser e, portanto, como as sensações e o gosto pela música perduram, os músicos, apesar de não conhecerem a língua, são capazes de interioriza-la e interpretar”. Afim de criar laços com a cultura de origem, representantes da comunidade fundaram colégios árabes em Santiago, pelo menos três das maiores instituições da cidade são de origem palestina, e no interior do país.

Ao passear pelas ruas do país andino, é possível encontrar restaurantes árabes, definidos assim por possuírem no cardápio comidas típicas do Oriente Médio. Um deles é o Omar Khayyam, situado na comuna da Recoleta em Santiago. “Meus avós maternos e paternos vieram da Palestina em 1917 porque aqui já tinham parentes. Eles sabiam que aqui teriam mais chances de prosperar. Meu pai, que fundou o restaurante em 1969, nasceu aqui, mas morou 11 anos na Palestina. Eles tinham ido visitar a família que ficou lá, mas veio a Segunda Guerra Mundial e não puderam voltar logo”, conta Nimer Saras, em entrevista à BBC. “Há uma explosão de sabores quando famílias chilenas e palestinas cozinham junto”, acrescenta Majiful.

O esporte tem uma grande importância para os imigrantes árabes. Foi por isso, que em 20 de agosto de 1920, o Club Desportivo Palestino, foi fundado. Sua influência atravessa os mares, e une centenas de palestinos em frente a telões para assistirem as partidas. “Sou torcedor do Palestino, tenho camisa comigo e sempre vou no estádio. É um orgulho para todos nós que nos consideramos palestinos”, conta Farid Diaz, 19, estudante chileno com ascendência palestina, em entrevista ao Contraponto.

O Chile possui a maior quantidade de palestinos fora da Palestina, são 500 mil pessoas, de acordo com estimativas de acadêmicos e da própria comunidade. Santiago também abriga outro grupo que tem laços com o oriente médio: os judeus. O país andino tem uma população de 15 mil judeus, a comunidade se instalou no país após o início da perseguição que se instaurou na Europa com início do regime nazista na Alemanha em 1933.

Os dois grupos sociais convivem como chilenos mas discordam quando o assunto é o conflito Israel-Palestina. A comunidade palestina foi contra o plano do premie israelense Benjamin Netanyahu e do presidente americano Donald Trump de anexar parte da Cisjordânia ao território israelense. “O nosso trabalho como comunidade é defender os nossos ancestrais e também os chilenos de origem palestina que se veem afetados diretamente com essa anexação de 30% da Cisjordânia”, declarou Anadolu Maurice Khamis, presidente da Federação Palestina do Chile no site oficial da entidade.

Os judeus chilenos também demonstraram a sua parcela de incomodo após o Palestino, clube de futebol do país andino, entrar em campo com uma camisa que mostrava o formato do mapa da região do Oriente Médio sem a presença

de Israel. O episódio ocorreu em 2014 e a agremiação foi multada pela Federação Chilena de Futebol.

“As comunidades são amigas quando não falam de política”, revela Diaz. “Eu tenho amigos judeus, existem muitos casamentos entre judeus e palestinos e eles fazem negócios juntos.”

Em entrevista ao periódico alemão Deutsche Welle, o sociólogo chileno Isaac Caro afirma que palestinos e judeus tinham uma boa relação nos anos 90. “Os acordos de Oslo ajudaram a criar um vínculo, mas o fracasso nas negociações de paz minou a relação entre os grupos depois do ano 2000.”

As divergências entre as duas comunidades se mostra latente pelo vinculo que ambas têm com a região do Oriente Médio. Grupos ligados a comunidade judaica e a agremiações palestinas oferecem viagens a locais importantes de Israel e Palestina, como Jerusalém, Belém, Nazaré, Ramallah e Tel Aviv. “Quando eu visitei a Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém, a conexão foi instantânea, é um sentimento mágico que só essa região tem”, acrescentou o chileno, que conheceu a Palestina e Israel no ano passado.

O estudante acredita que muitos chilenos de origem palestina têm interesse em aprender árabe como forma de aproximação com a região que abrigou seus antepassados: “Quero muito aprender a língua árabe, o clube palestino oferece vários cursos e espero conseguir aproveitar.”

Mulher segura cartaz em apoio à Palestina.

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