Água: as consequências de privatizar um bem natural essencial à vida 39 anos depois da privatização da água, o Chile se torna um exemplo das graves consequências de tornar um recurso da Natureza em bem econômico
E
m julho, o presidente Jair Bolsonaro sancionou o novo Marco Legal do Saneamento Básico. Além de prever a universalização dos serviços de água até 2033, a nova lei viabiliza uma maior participação do setor privado na exploração do recurso. Isso porque a nova regulamentação facilita as privatizações, exige licitações de parcerias público-privadas (PPPs) e extingue o atual modelo de contrato entre municípios e companhias estaduais. Provavelmente você ainda não deve ter parado para pensar como seria a sua vida se a água que chega até a torneira da sua casa fosse oriunda de uma empresa privada. Em São Paulo, quem faz o fornecimento do recurso é uma estatal, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). No entanto, para o nosso vizinho sul-americano que faz parte do especial desta edição, a realidade é outra. No Chile, a água é fornecida por empresas privadas desde 1981, quando o país era governado pelo ditador neoliberal Augusto Pinochet. Ou seja, o recurso serve de modo exclusivo ao capital há 39 anos. Mas como isso se reflete na sociedade chilena? Qual o preço da água? Como é feita sua distribuição? O país que possui o deserto mais seco do mundo em seu território sofre com a falta desse recurso? O Contraponto conversou com especialistas e moradores locais para compreender essas questões. Pode-se adiantar que, enquanto aqui o Governo viabiliza a participação do interesse privado na
exploração da água, no Chile o Congresso debate sua reestatização, visto que falta água, principalmente, aos chilenos em situação mais vulnerável. Segundo o relatório “Seca no Chile: a lacuna mais profunda”, da Fundación Amulen, que analisa a relação entre a escassez de água e vulnerabilidade social em regiões urbanas como Coquimbo e Valparaíso, onde mais de 50% da população pertence às classes “D” e “E”, a média de pessoas que sofre com a falta de água gira em torno de 80%. Em regiões rurais, como nas cidades de Andacollo, Combarbalá e Putre, em que mais de 95% da população pertence às classes “D” e “E”, a média de habitantes que sofre com a falta do recurso hídrico é superior a 67%, em decorrência da falta de chuva e da má distribuição do recurso. Segundo Andrés Kogan Valdemarra, sociólogo e editor do Observatório Plurinacional de Águas, a escassez de água atinge as comunidades mais vulneráveis, pois são as mais afetadas pelos múltiplos conflitos socioambientais que existem no país, bem como quem vive nas chamadas “zonas de sacrifício”, que são as territórios mais poluídos no Chile. Para ele “não é de se estranhar que o governo de Sebastián Piñera não tenha assinado de forma definitiva o Acordo de Escazú”, que, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), tem o objetivo de estabelecer padrões regionais e a criação de ferramentas para melhorar a formulação de políticas que lutem contra a desigualdade © Mapuexpress.org
Por Ana Luíza Bessa, Giovanna Colossi, Raul Vitor, Vanessa Orcioli
Manifestantes durante. Marcha Plurinacional pela Água. e pelos Territórios, no Chile, em 28 de abril.
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CONTRAPONTO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo – PUC-SP