CONTRAPONTO 126 OUTUBRO/NOVEMBRO

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Performance artística das LASTESIS rompe fronteiras Como o coletivo feminista chileno chamou a atenção das mulheres ao redor do mundo

A nova Plaza de la Dignidad em Santiago.

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a semana do dia 25 de novembro, que data o Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher, a canção “Un violador en tu caminho” (um estuprador no seu caminho, em português), criada pelo coletivo chileno LASTESIS, ganhou as ruas. Essa manifestação fragmentou os limites territoriais e repercutiu no mundo, inclusive, no Brasil. A música fez com que mulheres se unissem corporalmente e em uma só voz para protestar pelos abusos extremamente recorrentes. Considerado crime hediondo, o estupro é um dos crimes mais violentos a ser cometido. Em razão disso, o artigo 213 do Código Penal Brasileiro declara que é o ato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Sendo assim, há a pena de 6 a 10 anos de reclusão para o criminoso. Contudo, se a vítima for menor de idade ou tiver sofrido lesão corporal, a reclusão é de 8 a 12 anos. Por fim, é decretada prisão de 12 a 30 anos caso resulte em morte. No entanto, há um prazo em que é possível denunciar. No Brasil, a partir dos 18 anos, tem mais 20 anos para acusar o agressor. Enquanto no Chile, em 2019, foi promulgada a lei que derruba o prazo de prescrição de 5 a 10 anos quando a vítima atinge a maioridade. Contudo, mesmo diante de leis, o abuso sexual não consegue ser detido, mantendo-se como um crime hediondo frequente. De acordo com o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2018, uma mulher é vítima de feminicídio no mundo a cada seis horas. Além disso,

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conforme a ONG Transgender Europea, a América Latina é o continente mais inseguro para se viver como mulher, principalmente para as mulheres transgêneros. Dentro das reverberações da cultura do estupro os homens começaram a enxergar as mulheres como meras reprodutoras e objetos para satisfazer os seus prazeres. Mas não foi de forma pacífica que tudo isso aconteceu, houve muita resistência. No entanto, o estabelecimento da propriedade privada acabou abrindo espaço para a proliferação do patriarcado. Assim, foi criada a ideologia de que os homens são seres superiores às mulheres e que, por isso, elas dependem deles em todas as esferas da vida. Era tido como normal o ato de pais venderem suas filhas somente para serem estupradas e servirem outros homens. Até mesmo o estupro era mais sexista, porque quando a vítima era o homem, a punição e a indignação eram maiores. A integrante do coletivo feminista Baila Capucha Baila, Romina Parada, afirma que a polícia é muito agressiva e que as violações sexuais, como estupros, ainda acontecem no país. “Uma amiga minha sofreu assédio pela polícia, eles pediram pra ela tirar sua roupa em uma abordagem. Isso é pura violação sexual”, relata. Parada também conta que, os jatos de água que são atirados nos manifestantes como maneira de controle, contém substâncias tóxicas. Após muitas denúncias de estupros por parte de policiais em outras manifestações desde outubro, as chilenas resolveram se unir na Plaza de Armas, em Santiago. O objetivo foi denunciar os

abusos e violências sexuais, afirmando que «El violador eres tú» (O estuprador é você), independentemente da região onde estão ou do modo como estão vestidas. O coletivo feminista LASTESIS é formado por quatro mulheres: Sibila Sotomayor, Daffne Valdés, Paula Cometa Stange e Lea Cáceres. O nome do grupo vem da ideia de performar de forma artística as teses de grandes autoras feministas em multidões. Suas marchas, além de denunciar, conscientizam a população e mostram como o Estado age nesses momentos; ou melhor, a falta de apoio e ação dele. “O estado opressivo é um estuprador”. As manifestações, que aconteciam há mais de 40 dias, receberam um novo grito, que foi escutado pelo mundo todo. O movimento artístico marcou uma presença única, com música, dança, capuz e vendas; a arte foi uma forma de manifestar toda a repressão machista que as chilenas estão sofrendo. “E a culpa não era minha, nem onde estava, nem como me vestia”. Paris, Madri, Cidade de México, Nova York e Brasília, são exemplos de cidades que cantaram o hino e aderiram ao movimento. O grupo de especialistas dos direitos humanos das Nações Unidas pediram proteção às meninas do Coletivo LASTESIS, que foram denunciadas pela polícia local e perseguidas por exercer seus direitos de denunciar a violência que as mulheres chilenas estavam passando. A ONU pediu ao presidente chileno, Sebastián Piñera, para retirar as denúncias que © Felipe Marín Araya

© Felipe Marín Araya

Por Anna Beatriz Barreto da Matta, Giovana Yamaki Alves da Silva, Isabela Lago Miranda e Tabitha Ramalho

Funa (manifestações públicas contra uma pessoa ou grupo) à ONU

CONTRAPONTO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo – PUC-SP


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