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4. Sugestões de referências complementares

Livros, filmes, séries, álbuns

a) O ofício de Quintana e Diva n’O Livro Azul nos remete a uma incrível quantidade de filmes nos quais pequenas livrarias são o cenário principal e de certa forma o mote para que uma cultura de paixão pelos livros e suas histórias se perpetue.

É possível encontrar muitos deles em plataformas digitais de maneira a assistir com suas turmas, em atividade complementar à leitura desta novela. Um deles é

A Livraria (The Bookshop), filme da catalã Isabel Coixet, com roteiro adaptado a partir do livro homônimo de Penélope Fitzgerald — também lançado no Brasil em tradução de Sonia Coutinho.

b) Outro filme que merece a audiência dos leitores de O Vale de Solombra é Meia-Noite em Paris (2011), de Woody Allen. O enredo apresenta um escritor em crise que está na capital francesa com a esposa e a família dela e encontra a possibilidade inusitada de “viajar no tempo” para encontrar, no intervalo de algumas noites, alguns dos artistas mais importantes do século XX — os escritores Ernest Hemingway, Scott e Zelda Fitzgerald, Gertrude Stein, T. S. Eliot, os pintores Pablo Picasso, Salvador

Dalí, Henri Toulouse-Lautrec e Paul Gauguin, o músico Cole Porter, entre outros.

A relação com o livro de Eustáquio Gomes se torna ainda mais curiosa porque o protagonista do filme faz essa viagem como numa atmosfera de sonho, após entrar num carro antigo que aparece para ele sempre à meia-noite (daí o título do filme), tal e qual Quintana vem a ter suas experiências no intervalo entre vida e morte, após entrar no Packard de Funes. Ao assistir ao filme juntamente com os alunos, há uma série de aspectos que devem ser enfatizados e que são comuns às duas obras: a função política e existencial do artista, os lugares da criação e do sonho, a formulação narrativa que contrapõe realidade e fantasia.

c) Na parte 2 do livro, no capítulo intitulado o gato, Quintana chega a uma cidade muçulmana, repleta de mesquitas e outros elementos da cultura árabe — minaretes, artefatos de entalho em pórticos, lembrando o formato de cimitarras (espada de lâmina curva, típica do mundo árabe) etc. A riqueza dos temas e das histórias daquela cultura também pode ser explorada por professores e alunos a partir das boas traduções de As Mil e Uma Noites, clássico da tradição oral cujas primeiras versões escritas encontradas no Oriente Médio datam do século IX. Mas tão bom

SUMÁRIO

quanto será a leitura dos livros de Malba Tahan, o grande escritor e professor brasileiro Júlio César de Melo e Souza que utilizou o pseudônimo para atrair o interesse nacional para as histórias do deserto, em que sultões, vizires e beduínos deparam com enigmas e desafios morais, vivem aventuras e peripécias cercadas pelos mistérios e costumes islâmicos. O Homem que Calculava já teve mais de 90 edições no Brasil, se tornando um clássico. Além dele, muitos outros são imperdíveis: Maktub, Contos e Lendas Orientais, O Céu de Allah, A Caixa do Futuro, Lendas do Povo de Deus e As Aventuras do Rei de Baribê.

d) Publicado em 1993, o livro de John Kerr que trata da relação entre Jung, Freud e

Sabina Spielrein deu origem a um filme incrível — Um Método Perigoso (2012), de David Cronenberg —, que pode perfeitamente ser visto por estudantes curiosos de recuperar o debate e as polêmicas envolvendo dois dos maiores nomes da

Psicologia e da Psicanálise no mundo. As cenas em que Freud acusa Jung de ser

“pouco científico” ou até mesmo algo dado ao pensamento “esotérico” são muito lembradas, mas demandam uma discussão mais aprofundada que se relaciona com as visões de Benjamin e Quintana no livro. Afinal, tudo nesse mundo se explica pela observação ou há coisas que demandam outros métodos (perigosos)?

e) Os “diálogos” do livro com a cultura oriental, em especial a chinesa, são numerosos. Mas o que de fato sabemos sobre a nação mais populosa do planeta hoje?

Para além das ideias preconceituosas e mal informadas sobre aquele país, há um mundo a explorar. Portanto, a pesquisa a elementos culturais chineses, hábitos comportamentais e históricos deve ser embasada em boas fontes. Duas delas estão traduzidas em português e editadas aqui. Os livros Compre-me o Céu e As Boas

Mulheres da China, da jornalista e radialista Xinran, radicada na Inglaterra, trazem relatos contundentes sobre as opressões e a força de resistência que marcam a vida de muitos chineses. Será preciso contextualizar os alunos e mostrar que, num país com quase um quinto da população mundial, é grande a diversidade de visões e experiências, não sendo possível reduzi-la à leitura de dois livros. Mesmo assim, será muito proveitoso.

f) O Vale de Solombra também estabelece uma ligação simbólica evidente com as narrativas da estrada. Ainda que de forma um tanto peculiar, porque os episódios estão ocorrendo numa zona incerta entre o sonho e a realidade, entre a vida e a morte, ainda que na primeira leitura não seja possível fixar isto, há um clima bem próprio à configuração de algo possivelmente sobrenatural, como já vimos. De todo jeito, mesmo que com distinções claras entre os personagens envolvidos, as metáforas da estrada seguem poderosas na provocação do espírito de leitores sensíveis aos sentidos conectados ao ato de lançar-se no mundo, enfrentando os perigos,

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fugindo ou buscando, perdendo-se ou encontrando-se. Eis o porquê de revivermos os mitos de Homero em sua Odisseia, de acompanharmos contos populares como o da Chapeuzinho Vermelho, que avança pela estrada afora, ou o movimento errante do retirantes de Graciliano Ramos em Vidas Secas. A aventura humana está ali descrita e ressignificada no deslocamento. A exemplo das citadas, muitas outras histórias podem mexer com o imaginário do jovem sobre o assunto. Gostaríamos de destacar uma: Terra Sonâmbula, do moçambicano Mia Couto. Não apenas por se tratar de um enredo envolvendo um menino e um velho percorrendo estradas como se fossem dois fantasmas fugindo da guerra, mas porque o próprio tema subjacente ao título é essa atmosfera particular do sonho (ou talvez do pesadelo), dos caminhantes que se espantam com o que vão encontrando pelo caminho, onde nada parece ou deveria ser real.

g) As discussões em torno da existência, o confronto entre a racionalidade voltada para o pensamento pragmático da experiência (“Só acredito no que vejo”, como diz Quintana) e o olhar aberto às possibilidades de sentido presentes nas diferentes doutrinas do pensamento oriental sobre tudo o que é imaterial nos lançam obrigatoriamente em um campo de investigação próprio à filosofia. Nessa abordagem, uma referência complementar interessante para apresentar aos estudantes e propor conversas é a série de televisão catalã Merlí — escrita por Héctor Lozano e Eduard

Cortés. Ambientada no ensino médio de uma escola em Barcelona, a produção tem como protagonista um professor de filosofia que usa de recursos nada convencionais para despertar o interesse de seus alunos pelo pensamento dos filósofos. O resultado mexe com a história dos personagens e deixa questionamentos ótimos para instigar os alunos espectadores.

h) Outra temática apaixonante e inevitável do livro envolve as cartas enviadas por

Quintana, que papel elas têm na trama, mas também seu forte caráter simbólico.

Ainda que aparentemente em desuso, a carta está no imaginário da humanidade e, portanto, nas manifestações estéticas como objeto de afeto, revelações e reviravoltas nos enredos desde sempre. No livro, elas estão envolvidas em mistério. Mas há mil referências em que cumprem outras funções. Que tal propor aos seus alunos outra leitura envolvendo cartas? No livro Ana e Pedro — Cartas, Vivina de Assis Viana e

Ronald Claver fazem seus personagens trocarem impressões escrevendo um para o outro e relatando seu cotidiano, suas buscas e sonhos. É claro, também é enriquecedora a leitura das correspondências não ficcionais, frequentes entre escritores.

Nesse caso, cabe indicar Correspondências, livro que reúne 70 cartas escritas por

Clarice Lispector e 59 de interlocutores os mais variados.

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i) A falsa oposição entre ciência e os chamados discursos não objetivos merece uma reflexão a partir dos variados exemplos em que a literatura, em especial a ficção científica, impulsionou a imaginação de pesquisadores em suas inovações. Grandes descobertas da ciência só foram possíveis porque antes essas histórias provocaram a formulação de ideias mais tarde desenvolvidas. A lista de sugestões poderia ser bem mais extensa, mas nos parece que o debate já será proveitoso, se professores e alunos conhecerem as obras de Julio Verne — em particular Vinte Mil Léguas

Submarinas, A Volta ao Mundo em 80 Dias, Viagem ao Centro da Terra e Da Terra à Lua –, de Aldous Huxley, em O Admirável Mundo Novo, e Ray Bradbury, em

Fahrenheit 451.

j) Ainda que não escrito sob a forma de folhetim, O Vale de Solombra prima pela economia de palavras e capítulos curtos, algo importante para o gênero. Sabendo disso e lembrando que o autor publicou um romance de folhetim no jornal O Estado de

S. Paulo — Jonas Blau (depois editado pela Brasiliense) –, nos parece válido sugerir outros romances que foram originalmente criados para a publicação em jornais.

Dos maiores clássicos da literatura brasileira foram assim escritos: Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, e Triste Fim de Policarpo

Quaresma, de Lima Barreto. Imperdíveis.

k) O álbum Livro, de Caetano Veloso, além de celebrar a paixão de Quintana e Benjamin pelas edições, nos aproxima de outros temas caros ao pensamento e aos exercícios da linguagem. É para escutar lendo as letras. Lindo.

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